GARANTIA FIDUCIÁRIA E OS BENS DE CAPITAL: A EMPRESA, O DIREITO DE CRISE E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11658776


Helen Miranda1 


Resumo 

O presente artigo tem como objeto de estudo, a garantia fiduciária e os bens de capital essenciais no processamento da recuperação judicial. Delineou-se como objetivos, buscar a definição de bem de capital e sua essencialidade no processo de recuperação judicial da empresa; compreender bem de capital e sua essencialidade no processo de recuperação judicial notadamente ante o corolário axiológico da Lei nº 11.101/2005 que é a preservação da empresa. Como metodologia, esta pesquisa qualitativa, de cunho descritivo, envolveu um estudo, a partir da análise de documentos, ou seja, de legislações e jurisprudências, bem como a realização da pesquisa bibliográfica. Como resultado, verifica-se que para a segurança e circulação do crédito, é necessária a proteção jurídica ao investimento privado, para tanto, dando-se o tratamento devido ao crédito garantido pela propriedade fiduciária, ao invés do prolongamento reiterados de restrições indevidas, sob a justificativa da preservação da empresa. 

Palavras-chave: Garantia Fiduciária. Recuperação judicial. Direito de Crise. Bens de capital. Preservação da empresa. 

Abstract 

This article has as its object of study, the fiduciary guarantee and the essential capital goods in the processing of judicial reorganization. It was outlined as objectives, to seek the definition of capital asset and its essentiality in the company’s judicial recovery process; understand the capital asset and its essentiality in the judicial recovery process, notably in view of the axiological corollary of Law nº 11.101/2005, which is the preservation of the company. As a methodology, this qualitative research, of a descriptive nature, involved a study, from the analysis of documents, that is, legislation and jurisprudence, as well as the accomplishment of bibliographic research. As a result, it appears that for the security and circulation of credit, legal protection for private investment is necessary, for that, giving the treatment due to the credit guaranteed by the fiduciary property, instead of the repeated prolongation of undue restrictions, under the justification for the preservation of the company. 

Keywords: Fiduciary Guarantee. Judicial recovery. Crisis Law. Capital goods. Preservation of the company. 

INTRODUÇÃO 

A responsabilidade patrimonial, que hoje vige quando falamos em direito de crise, nem sempre foi uma constante. A história e a evolução da recuperação da empresa perpassam intimamente pela própria história do devedor que, outrora, já pagou pelas dívidas com sua própria carne. A coação física do devedor nunca foi algo estranho, mas um caminho até natural ao longo dos séculos. 

Vale lembrar, por exemplo, que o Código de Hamurabi continha previsão de alienação do devedor, bem como a possibilidade do mesmo ser reduzido à condição de escravo. E a morte, em razão das dívidas, também não era incomum. 

A responsabilização na esfera patrimonial vem de um tratamento humanizado dispensado ao devedor que corresponde ao caminhar evolutivo do direito da insolvência – que passa de uma responsabilização exercida sobre o próprio corpo do devedor para uma gama de normas multidisciplinares que busca a preservação do negócio e da empresa. 

O presente artigo tem como objeto de estudo, a garantia fiduciária e os bens de capital essenciais no processamento da recuperação judicial. Delineou-se como objetivos, buscar a definição de bem de capital e sua essencialidade no processo de recuperação judicial da empresa; compreender bem de capital e sua essencialidade no processo de recuperação judicial notadamente ante o corolário axiológico da Lei nº 11.101/2005 que é a preservação da empresa. 

Como metodologia, esta pesquisa qualitativa, de cunho descritivo, envolveu um estudo, a partir da análise de documentos, ou seja, de legislações e jurisprudências, bem como a realização da pesquisa bibliográfica. 

Como resultado, verifica-se que para a segurança e circulação do crédito, é necessária a proteção jurídica ao investimento privado, para tanto, dando-se o tratamento devido ao crédito garantido pela propriedade fiduciária, ao invés do prolongamento reiterados de restrições indevidas, sob a justificativa da preservação da empresa. 

1 PANORAMA HISTÓRICO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL 

O direito da insolvência evoluiu para humanizar e transformar a sistemática de cobrança das dívidas. O devedor, que antes respondia com seu próprio corpo, passa, então, a ser responsabilizado patrimonialmente.

Até chegarmos na compreensão atual dos contornos da recuperação judicial, diversos momentos históricos foram vivenciados pelo direito. Na história do direito concursal brasileiro, não obstante a enfática fragmentação legislativa, há como se distinguir os momentos históricos, por meio de fases bem delineadas. Nesse sentido, lecionam Salomão e Penalva (2019, p. 6-7): 

[…] A trajetória foi longa, pois no direito romano o devedor respondia com seu próprio corpo por dívida não honrada. No texto emblemático de Shakespeare, O mercador de Veneza, um comerciante celebrou contrato pelo qual respondia com uma libra de sua carne, em caso de descumprimento. Na sequência, o direito abandonou essa primeira perspectiva de o devedor responder com seu próprio corpo por dívida contraída e não paga, consagrando-se, a partir daí, a ideia de que seu patrimônio é que deveria responder pela dívida. Em relação ao devedor falido, todavia, a evolução foi bem mais penosa, porquanto a ideia da “quebra” sempre esteve aliada ao de comerciante desidioso ou de má-fé. 
Malgrado, superada a fase mais radical, cumpre verificar que há, ao longo da história, uma verdadeira “gangorra” na proteção dos direitos, ora a favor do devedor, ora do credor. Na verdade, os diversos sistemas jurídicos pretéritos não engendraram solução adequada, não logrando definir muito bem o limite em que deve ser prestigiada a defesa de um e de outro, porquanto, durante a evolução do sistema concursal, não foi encontrado o ponto de equilíbrio para essa equação. […] 
Na fase subsequente, com o movimento pendular incidindo no sentido da proteção ao credor, buscou-se apenar criminalmente algumas condutas do falido. Apenas para exemplificar, no direito português das Ordenações, uma das penas graves para o falido era o degredo para a colônia brasileira. 

A primeira fase (Código Comercial até a República) foi marcada pela falta de conceituação precisa dos institutos e pela excessiva autonomia da organização falimentar pelos credores (Brasil, 1850). 

Já a segunda fase (Decreto nº 917, de 1890 – Lei Carlos de Carvalho) traz a figura da moratória que só era cabível antes do protesto do acordo extrajudicial e da cessão de bens, que dependia da aprovação dos credores e só tinha cabimento, também, antes do protesto. Fase notadamente marcada pela dificuldade do credor em recuperar seu crédito, dado excesso de burocracia (Brasil, 1890). 

Passando à terceira fase (Decreto-lei nº 7.661/1945 – baseado em anteprojeto de Trajano Miranda Valverde), tem-se destaque no aspecto judicial da falência e da concordata e a proibição da moratória amigável, bem como a diminuição da influência dos credores e uma concentração de poderes na figura do magistrado (Brasil, 1945). 

Após discutir por mais de uma década o projeto, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Recuperação Judicial e Falência que foi, posteriormente, sancionada com o número de 11.101/2005, inaugurando-se a quarta fase e última fase (Brasil, 2005). A entrada da Lei nº

11.101/2005 no ordenamento jurídico brasileiro alterou sobremaneira todos os institutos afetos ao direito concursal, inserindo a recuperação judicial e a extrajudicial, traduzindo o início do período atual (Negrão, 2017, p. 314-315). 

Sobre a última fase, pontuam Salomão e Penalva (2019, p. 6-7) que: 

[…] A fase moderna, superando as etapas anteriores e pretendendo balancear as relações entre credores/devedores, refere-se ao conceito moderno de empresa como atividade econômica organizada, habitual, que visa à produção ou circulação de bens ou serviços. 
A materialização desse equilíbrio, diante dos conflitos existentes, é a maior dificuldade enfrentada pelo legislador hodierno […] 

Pelo transcrito, verificou-se que, ao longo da história, uma verdadeira oscilação ocorreu quanto à proteção dos direitos que ora favoreciam o devedor, ora credor. Pode-se dizer que, até o presente momento, a referida oscilação se encontra presente, vez que, não raro, os direitos conferidos ao devedor engessam a recuperação dos créditos pelos credores. A recíproca também se mostra verdadeira, ao averiguarmos a quantidade significativa de empresas, cuja quebra é decretada por abuso de credores ao exercitar seu direito creditício. Pode-se concluir, com isso, que até os tempos modernos não foi encontrado o ponto de equilíbrio para essa equação. 

2 CONCEITO DE EMPRESA E CRISE 

A empresa representa, juridicamente, uma atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado. Ela representa a maioria das atividades que fazem parte da economia moderna e delimita o âmbito de atuação do direito empresarial. 

Para o STJ, o conceito legal de empresa é ampliativo, podendo inserir nele qualquer pessoa física ou jurídica e, até mesmo, entes desprovidos de personalidade própria, tendo como único requisito comum que, ao exercerem a atividade, contratem empregados. Colacionamos: “[…] O conceito legal de empresa é ampliativo, demonstrando o legislador, dessa maneira, a sua intenção de abarcar toda e qualquer pessoa física ou jurídica, bem como entes desprovidos de personalidade própria, desde que contratem empregados […]” (Brasil, 2001). 

Naturalmente, a atividade empresarial, por si só, gera uma série de dificuldades para quem a exerce. Não raro essas dificuldades se transformam em crises, as quais podem impactar diretamente nos interesses da comunidade, especialmente nos dos seus empregados,

do fisco e dos demais credores. Em face da preocupação social quanto à necessidade de, na medida do possível, preservar a empresa, criaram-se normas específicas sobre a empresa em crise, com intuito de mitigar o impacto comunitário projetado. 

Assim, leciona Tomazette (2017, p. 35): 

Este, ao disciplinar a atividade empresarial e os diversos atos nos quais ela se concretiza, disciplina também a empresa em crise. A atividade empresarial, como um todo, gera uma série de dificuldades para quem a exerce, seja na busca de novos mercados, seja na manutenção da clientela, em suma, nas exigências que a atividade impõe no dia a dia.1 Essas dificuldades, naturais no exercício da empresa, podem acabar culminando em crises dos mais diversos tipos, que podem advir de fatores alheios ao empresário (sujeito que exerce a empresa), mas também podem advir de características intrínsecas a sua atuação. Elas podem significar uma deterioração das condições econômicas da atividade, bem como uma dificuldade de ordem financeira para o seu prosseguimento. 
As consequências que tais crises podem ter nos interesses do empresário, dos empregados, do fisco, da comunidade e dos credores geram um certo grau de preocupação, ensejando inclusive a existência de normas específicas sobre a empresa em crise. 

Nessa toada, em razão dos efeitos perniciosos que as crises da empresa podem gerar, entre os mais destacados institutos criados para tentar superar as crises ou para liquidar o que não é passível de recuperação, criou-se a figura da falência, recuperação judicial e recuperação extrajudicial, todas disciplinadas pela Lei nº. 11.101/2005, tendo esta modificado o paradigma antes adotado no sentido de buscar a preservação da atividade empresarial, e não mais sua liquidação (Brasil, 2005). 

Sobre o tema, aponta Tomazette (2017, p. 46): 

Dentre esses institutos, os mais importantes são aqueles que têm o maior âmbito de aplicação, isto é, aqueles que se aplicam a um número maior de situações. Nesta situação, estão a falência, a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial, todas disciplinadas pela Lei no 11.101/2005. Esta Lei veio para substituir a antiga legislação brasileira sobre as empresas em crise, alterando a orientação predominante para a busca da recuperação das empresas ao invés da busca da sua liquidação. 

Como ponto central dos institutos, encontra-se a metanorma que orienta o Direito Empresarial, ou seja, o princípio da preservação da empresa, cujos alicerces estão fincados no reconhecimento da sua função social. 

Sobre isso, Mamede (2019, p. 146) ensina que a definição legal da função social na Lei de recuperação visa promover a preservação da empresa, sua função social e estimular a atividade econômica. Vejamos: 

Por isso, a crise econômico-financeira da empresa é tratada juridicamente como um desafio passível de recuperação, ainda que se cuide de atividade privada, regida porregime jurídico privado. Como se só não bastasse, a previsão de um regime jurídico para a recuperação da empresa decorre, igualmente, da percepção dos amplos riscos a que estão submetidas as atividades econômicas e seu amplo número de relações negociais, para além de sua exposição ao mercado e seus revezes constantes. Compreende-se, assim, o instituto jurídico da recuperação de empresa, disposto na Lei 11.101/05, sob duas formas: recuperação judicial e recuperação extrajudicial. O legislador reconhece que crises são inerentes à empresa, podendo resultar do processo de mundialização, do envelhecimento da estrutura produtiva material (maquinário, instrumental) ou imaterial (procedimentos de administração, logística etc.), entre outros fatores. Não se encaixa facilmente em análises maniqueístas (bom pagador ou mau pagador, honesto ou desonesto), embora haja situações em que seja fácil averiguar que a crise decorre da prática de atos ilícitos. 

E complementa suas ideias, afirmando que: 

A recuperação judicial de empresas tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47 da Lei 11.101/05). Essa definição legal positiva os princípios da função social da empresa e da preservação da empresa: a recuperação visa a promover (1) a preservação da empresa, (2) sua função social e (3) o estímulo à atividade econômica (atendendo ao cânone constitucional inscrito no artigo 3º, II e III, que definem como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais) (Mamede, 2019, p. 146-147). 

Para concretizar o referido cânone, com fins de viabilizar a recuperação da empresa, a legislação trouxe mecanismos de contensão para retirar de todos os credores o poder de excutir o patrimônio do devedor, inclusive, aqueles excluídos do processo de recuperação que são convocados a contribuir para o refazimento da Recuperanda. 

A recuperação judicial se constitui um benefício legal ao empresário regularmente constituído e em atividade, mas que passa por uma grave crise econômico financeira. O instituto traz ao empresário em crise instrumentos aptos a minimizar os impactos da iminente insolvência, especialmente para que seja mantida a atividade empresarial.1 Isso se dá, basicamente, em razão de dois princípios: (i) da função social da empresa e (ii) da preservação da empresa, ambos expressamente indicados no art. 47 da Lei 11.101/2005 (Barros; Shimura, 2020, p. 203). 

Ante o exposto, nota-se que empresa é uma atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado, cujo exercício, naturalmente, gera uma série de dificuldades para quem a exerce. Quando essas dificuldades extrapolam o limite do aceitável, temos uma crise que pode influenciar em todo ecossistema interdependente da empresa. 

Assim, em face da alta relevância social e econômica da atividade empresarial na comunidade, criaram-se normas específicas para empresas em crise, objetivando-se,

prioritariamente, a preservação das suas atividades sem, contudo, abandonar as diretrizes de eficiência. 

3 PRINCÍPIOS GERAIS DA LEI Nº 11.101/2005 

Esse citado chamamento dos credores para contribuir com a recuperação da empresa traz, na prática, muitas vezes, um tratamento alheio ao que foi estabelecido pela legislação específica quando da concessão do crédito e da modalidade de garantia escolhida, condição que gera muita insegurança ao mercado. 

Essa e tantas outras questões fazem com que o direito dedicado à empresa em crise tenha que evoluir constantemente. Sinônimo recente dessa evolução é a Lei nº 14.112/2020 (Brasil, 2020) que fez mudanças, é possível afirmar, estruturais no corpo da Lei nº 11.101/2005 (Brasil, 2005). 

Voltando ao início, ao tratar da evolução do direito da empresa em crise é falar sobre a própria evolução social e a dinâmica com que as tecnologias e as crises internas ou externas, ao longo dos anos, foram se desenvolvendo, notadamente num contexto globalizado, onde em qualquer lugar do mundo pode se produzir para fornecedor, também, a qualquer outro ponto do mundo, por mais distante que seja, a exemplo da China que espalha seus componentes e tecnologias por todos os lugares. 

Tomazette (2017) diz que o direito moderno da empresa em crise está preocupado, essencialmente, com a manutenção da empresa e da atividade. Esse é o grande cerne do processamento da recuperação judicial e o grande desafio moderno, propiciar que a empresa ultrapasse o momento de crise. 

Há de se lembrar, ainda, que hoje temos mais um fator de crise que é a pandemia que atinge e assola o mundo todo. Ou seja, além dos aspectos de crise que já existiam, há mais um fator, assim como cada dia traz uma nova dificuldade, um novo desafio. 

Para abordar a evolução do direito da empresa em crise, é necessário perpassar os princípios gerais da Lei nº 11.101/2005, recentemente alterada pela Lei nº 14.112/2020. Salomão e Penalva (2019) elencam esses princípios gerais, quais sejam: a) Preservação da empresa, uma vez que a falência é medida extrema que só deve ser decretada quando da inviabilidade da atividade; 

b) Separação do conceito de empresa e empresário. A distinção é motriz sobre quem é beneficiário da recuperação judicial;

c) Recuperação das sociedades viáveis e liquidação das não recuperáveis, com vistas a propiciar, de fato, recuperação para aquelas que possuem condições de refazimento; d) Proteção aos trabalhadores, consubstanciada no direito de preferência ao recebimento dos créditos trabalhistas no caso de falência; 

e) Redução do custo e do crédito. A exegese da norma era trazer segurança jurídica aos credores, porém assim não aconteceu; 

f) Celeridade e eficiência do processo. A norma busca efetividade, notadamente para acompanhar a rápida dinâmica das relações mercantis e da própria atividade econômica; 

g) Segurança jurídica. Para assegurar segurança nas normas e relações para todos os envolvidos – credores, devedores e, inclusive, terceiros interessados; 

h) Participação ativa dos credores, para afastar o descaso e trazer soluções mais adequadas às soluções de mercado; 

i) Maximização do valor dos ativos do falido. A efetividade acelera o processo e evita que a lentidão provoque a deterioração dos ativos do falido; 

j) Desburocratização da recuperação quanto ao micro e pequeno empresário, em razão de regras simplificadas e menos onerosa a este grupo; 

k) Rigor na punição dos crimes, para coibir o prejuízo social e econômico. Havendo necessidade de intervenção, o direito da empresa em crise disciplina: 

As tentativas estatais de solução das crises da empresa, bem como as formas de liquidação patrimonial forçada, são disciplinadas pelo direito empresarial, uma vez que circundam a empresa (atividade), cerne desse ramo do direito. Dentro do direito empresarial, porém, há um ramo mais específico que se preocupa com tais institutos. Esse ramo mais específico é normalmente chamado de direito falimentar ou de direito concursal (Tomazette, 2017, p. 42). 

Portanto, a preocupação do direito quanto à manutenção da empresa em crise positivou uma série de princípios, cujo pilar central é fornecer meios interpretativos seguros para que o julgador, sempre que possível, decida favoravelmente à preservação da atividade empresarial. 

É certo que a nova lei veio para atender aos mais diversos anseios sociais e, dentre eles, sem dúvida, o econômico, ante a realidade de um sistema eminentemente capitalista, onde a atividade empresarial gera emprego, tributos, circulação de renda, bens e serviços. 

Enfim, é uma conjuntura onde a atividade empresarial está intimamente ligada e influenciando a atividade jurídica e, também, a econômica, já que a geração, manutenção e circulação da riqueza que só pode acontecer com a engrenagem econômica funcionando, razão por que necessário se faz uma breve reflexão acerca da análise econômica do direito. 

4 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO 

A economia surge da conjugação da conjugação de duas observações essenciais da vida cotidiana: que as necessidades sociais são numerosas e se expandem indefinidamente e que os recursos para o respectivo atendimento são, em maior ou menor grau, limitados, finitos, escassos. Assim, criam-se relações e instituições que permitam enfrentar o problema da escassez. A esse prumo, pode-se afirmar que a atividade econômica é aquela aplicada às escolhas para o atendimento das múltiplas necessidades humanas. 

A economia existe porque os recursos são sempre escassos, e essa escassez requer norma organizacional para permitir a sobrevivência. A falta aguça o interesse sobre os bens, fazendo com que uma maior quantidade e diversidade de normas sejam necessárias para o equilíbrio de tais interesses. Vem, então, o perfeito emprego da frase célebre de Carnelutti: “quanto più Economia, più Direito” (Nusdeo, 2020, p. 25). 

Diz, ainda, o autor que a relação entre Direito e Economia é íntima; mais do que íntima, é uma profunda imbricação, pois os fatos econômicos são o que são e se apresentam de uma dada maneira em função direta de como se dá a organização ou normatização – nomos – a presidir a atividade desenvolvida na oikos ou num dado espaço físico, ao qual ela possa se assimilar. E o nomos nada mais vem a ser do que normas ou regras, estas estudadas pelo Direito (Nusdeo, 2020, p. 25). 

Os fatos econômicos dependem das instituições de um modo geral, e a recíproca também é verdadeira já que os fatos econômicos e os interesses correspondentes pressionam e moldam a legislação ou a sua aplicação. 

A busca é sempre direcionada à satisfação de interesses, e isso vai e volta, razão pela qual o direito e economia se entrelaçam; é um todo indiviso, razão da necessária existência da análise econômica do direito. 

A análise econômica do direito, frequentemente denominada de Escola de Chicago, é identificada como uma escola que defende a aplicação dos postulados da teoria econômica às mais diversas áreas do direito. Nas palavras de Portilho e Sant’anna (2018, p. 355): 

Desenvolvida a partir da década de 1960, primeiramente com os estudos de Ronald H. Coase – responsável pela elaboração do famoso Teorema de Coase – e Guido Calabresi, tem seu principal expoente na figura de Richard A. Posner, Professor da Universidade de Chicago cuja obra Economic Analysis of Law (1972) traçou as bases que sustentam a AED. 

A tarefa da Economia é explorar as implicações em assumir que o homem é um maximizador racional de seus fins e objetivos na vida, suas satisfações, como relatam os autores: 

A Análise Econômica do Direito propõe como fundamento principal o alcance de maior previsibilidade e segurança para as relações jurídicas. Para tanto, traz os postulados que operam na ótica do mercado, a fim de tornar seu funcionamento adequado, para a lógica do ordenamento jurídico. Assim, as relações jurídicas deveriam agregar as noções de maximização, eficiência e equilíbrio. 
A lição de Posner (2003) apresenta os aspectos normativos e positivos da AED. No que tange ao aspecto normativo, utiliza-se do exemplo do roubo para ilustrar seu raciocínio: um economista não poderia dizer à sociedade para objetivar limitar o roubo em geral, mas pode demonstrar que seria ineficiente permitir o roubo de forma ilimitada. Assim, seria possível esclarecer um conflito de valores ao demonstrar o quanto de um determinado valor – qual seja, eficiência – deve ser sacrificado para o atingimento de outro. 
Ademais, em se tratando de visar à limitação do roubo, o economista poderá mostrar que os meios pelos quais a sociedade tentava atingir seu objetivo restam ineficientes, apresentando alternativas metodológicas para se alcançar maior prevenção a menor custo (Sztajn; Zylbersztajn, 2005, n.p.). 

Não é forçoso concluir, portanto, que a busca da análise econômica do direito repousa sobre a premissa de relações jurídicas pautadas e desenvolvidas sob o manto da eficiência. 

Os dois memoráveis trabalhos de Coase, The Nature of the Firm (1937) e The Problem of Social Cost (1960), representam os pontos focais para o desenvolvimento da Economia dos Custos de Transação e da moderna Análise Econômica do Direito e das Organizações (Sztajn; Zylbersztajn, 2005, n.p.). 

A legislação falimentar anterior era muito criticada. O Decreto-lei nº 7.661/45 maximizava o poder do Magistrado e, ao revés, diminuía a atuação e gerência dos credores (Brasil, 1945). 

Especificamente, quanto ao instituto da recuperação judicial da empresa, o objeto é, ao menos em tese, dar celeridade e efetividade ao processamento, afastando-se conflitos de interesses, para que se possa propiciar à Recuperanda o seu refazimento e, com isso, a circulação de riqueza daquele universo. 

Barrosi Filho (2011) anota que o esgotamento da empresa é solucionado com a descontinuidade ou extinção do negócio. Já, quando a situação financeira é transitória, o que se precisa é um fôlego para a retomada do negócio e da riqueza que ele gera. 

A influência vem do espírito da lei norte-americana, aplicada com algumas variações, mas, também, tendo como um dos pontos mais marcantes da recuperação judicial e com viés

absolutamente econômico e financeiro, é a realização de assembleia de credores, movimento que engloba os sócios da Recuperanda e, sendo o caso, as coligadas com vistas ao refazimento da empresa devedora e satisfação dos contratos inadimplidos. 

Para os cientistas das Organizações, e para nós, preocupados com as interfaces do Direito, Economia e Organizações, o que mais importa no trabalho de Coase é a identificação da “firma contratual”, a substituição da função de produção pelo nexo de contratos e a relevância dos direitos de propriedades (Sztajn; Zylbersztajn, 2005, n.p.). 

Barrosi Filho (2011, p. 33) também afirma que o plano de recuperação na legislação nacional desempenha o mesmo papel na US Bankruptcy Law, muito embora críticas sejam apropriadas a ambos; eles buscam, ainda que em tese, materializar de forma eficaz, eficiente e fôlego necessário ao retorno da circulação de riqueza. 

À luz da Teoria das Finanças, traduzimos o plano de recuperação por projeto de recuperação financeira, o que demanda uma peça analítica técnica baseada no conceito de fluxos de caixa livre de empresas (Barrosi Filho, 2011, p. 35). 

O ponto chave repousa na eficiência do plano de recuperação, uma vez que este é aprovado pelos credores, e nem sempre o homem consegue imprimir as medidas necessárias à primar, primeiro e notadamente, pela tão buscada eficiência, por muitas vezes o interesse pessoal dominar o que deveria ser uma relação jurídica objetiva a um menor custo para todos – inclusive, se esse menor custo implicar no esgotamento definitivo da empresa. 

É inegável que a Lei nº 11.101/2005 tem um desdobramento, protuberante, na economia, uma vez que a empresa, atendidos os requisitos legais, poderá buscar seu reequilíbrio econômico e financeiro, a partir de uma série de medidas e procedimentos previstos pela respectiva norma (Brasil, 2005). 

O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações entre pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou alocação dos recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia, e as Organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional (Sztajn; Zylbersztajn, 2005, n.p.). 

Para Barossi Filho (2011), a Lei nº 11.101/2005 traz um viés notadamente econômico, de entabulação econômica contratual, ainda que aconteça no desenrolar de um processo judicial ou extrajudicial, uma vez que os grandes atores do procedimento e definidores do regramento a ser adotado são os credores e os devedores. E isso fica ainda mais evidente na

recuperação judicial, uma vez que a cooperação acontece para que os direitos patrimoniais sejam observados. Afirma que a análise econômica permeia e direciona toda a recuperação judicial. 

Sobre a Lei de Recuperação e Falência, não há dúvida; há muita influência do ramo da análise econômica do direito, notadamente no tocante à recuperação judicial que gira em torno de um plano de recuperação construído a muitas mãos, tanto dos devedores como dos credores. 

O viés econômico perfaz todo esse enredo na busca da satisfação patrimonial dos credores, justamente porque a recuperação judicial é a análise econômica da possibilidade de refazimento da empresa, já que, ao revés, estaríamos falando direto de falência, onde o procedimento é, basicamente, de arrecadação de bens. 

Aduz Nusdeo (2020, p. 35) que Economia e Direito são indissociáveis, uma vez que as relações básicas estabelecidas pela sociedade para o emprego de recursos escassos são de caráter institucional, vale dizer, jurídico. Também, que as necessidades econômicas influenciam sobremaneira a organização institucional e a elaboração das leis, de modo que não há fenômeno econômico não inserido em um nicho institucional. 

Ao tratar de recuperação judicial, na perspectiva da ratio da norma, é falar em refazimento para a manutenção e circulação de riqueza, de arrecadação de impostos, de privilégio e honra ao crédito. É a busca pela manutenção de toda uma engrenagem econômica sem, contudo, abandonar a eficiência, inclusive, da solução legislativa. 

Negrão (2017, p. 147), ao citar Buttwill e Wihlborg, diz que os processos de insolvência, sob a ótica da eficiência, devem se destinar para além da situação de crise, também como solução obtida a um menor custo possível. 

Diz, ainda, Negrão (2017, p. 147) que os autores concluem que a eficiência é elevada quando os processos são flexíveis para permitir diversos tipos de solução, havendo retomada de contratações e a melhor definição possível daquele processo de insolvência, incluindo-se, aí, a solução legislativa. 

As ações de “reorganização”, “saneamento” ou “recuperação”, tecnicamente, deveriam distinguir a extensão dos arranjos necessários, incluindo melhorias e inovações (reorganização) ou eliminando vícios e irregularidades (saneamento) que permitam ao devedor retornar à dinâmica econômica anterior às perdas havidas (recuperar ação). Verifica-se, entretanto, que a distinção é tão somente semântica e deixa de ter relevância. Os múltiplos meios disponibilizados pelos legisladores, cumprindo ou não distintas tarefas, têm como único objeto comum a manutenção da empresa (Negrão, 2017, p. 151).

Pode-se afirmar, então, que a análise econômica da recuperação passa pela eficiência econômica e, também, pela legislativa. 

CONCLUSÃO 

Uma das principais e mais relevantes preocupações com o processamento da recuperação judicial é a superproteção da empresa devedora Recuperanda com a criação de obstáculos, aos credores, não previstos em lei ou interpretações desarrazoadas para a concessão de benesses em nome da preservação (exacerbada) da empresa. 

Há de se observar, também, que a suspensão trazida pelo stay, a princípio de 180 dias corridos, vem, no cotidiano dos Tribunais Estaduais, alongando-se cada vez mais. Muitas prorrogações que, por vezes, não incomum, duram anos e mais anos. Assim, o credor extraconcursal não pode ser indefinidamente privado de seus créditos que, pela própria natureza jurídica, devem se consolidar desde o primeiro ensaio de inadimplemento. 

Para a segurança e circulação do crédito, é necessária a proteção jurídica ao investimento privado, para tanto, dando-se o tratamento devido ao crédito garantido pela propriedade fiduciária, ao invés do prolongamento reiterados de restrições indevidas, sob a justificativa da preservação da empresa. 

REFERÊNCIAS 

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1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Mestra em Direito Econômico. Doutoranda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP/DF.