NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL E ECONOMIA CIRCULAR: CONVERGÊNCIAS, POSSIBILIDADES E DESAFIOS A PARTIR DA CADEIA DE PRODUÇÃO DO AÇAÍ (EUTERPE OLERACEA)

BUSINESSES WITH SOCIAL IMPACT AND CIRCULAR ECONOMY: CONVERGENCES, POSSIBILITIES AND FROM THE AÇAÍ PRODUCTION CHAIN (EUTERPE OLERACEA)

EMPRESAS COM IMPACTO SOCIAL Y ECONOMÍA CIRCULAR: CONVERGENCIAS, POSIBILIDADES Y DESAFÍOS DE LA CADENA PRODUCTIVA DEL AÇAÍ (EUTERPE OLERACEA)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11568644


João Augusto Lobato Rodrigues


RESUMO

Buscou-se entender como a Economia Circular (EC) pode criar possibilidades de Negócios de Impacto Social (NIS) a partir de produto da Amazônia. Objetivou analisar potencialidades e desafios da NIS no contexto da EC a partir do açaí oriundo do município de Igarapé-Miri/PA. A pesquisa teve 3 níveis de análise: estrutura político-institucional nacional, estadual e municipal; cadeia de produção do açaí; e possibilidades de NIS e EC serem implementados em Igarapé-Miri e os limites em nível municipal. Foram feitas análises crítico-descritiva, com abordagem qualitativa. Em termos teóricos a Economia Circular e os Negócios de Impacto Social derivam de uma mesma origem epistemológica, a teoria dos sistemas de Karl Von Bertalanffy. Empiricamente, o estudo demonstrou que o aumento da produção de açaí, em Igarapé-Miri, gera um volume significativo de resíduos que pode ser utilizado para projetos de NIS no contexto da EC e contribuir para o desenvolvimento municipal especialmente na área de bioeconomia. O estudo identificou que o poder público municipal não tem capacidade político-administrativa de construir arranjos e parcerias entre governo, mercado e sociedade para implementar projetos econômico-social, o que faz com que o mercado global domine o sistema e imponha condições mercadológicas mantendo o contexto de pobreza prevalente no município.

Palavras-Chave: Economia Circular. Negócios de Impacto Social. Açaí. Sustentabilidade.

ABSTRACT

We sought to understand how the Circular Economy (CE) can create possibilities for Social Impact Business (NIS) from an Amazon product. Specifically, it aimed to analyze the potential and challenges of NIS in the context of CE based on açaí from the municipality of Igarapé-Miri/PA. The research had 3 levels of analysis: national, state and municipal political-institutional structure; açaí production chain; and possibilities for NIS and EC to be implemented in Igarapé-Miri and the limits that exist at the municipal level. Critical-descriptive analyzes were carried out, with a qualitative approach. In theoretical terms, the Circular Economy and Social Impact Businesses derive from the same epistemological origin, Karl Von Bertalanffy’s systems theory. Empirically, the study demonstrated that the increase in açaí production, specifically in Igarapé-Miri, generates a significant volume of wasted waste that can be used for NIS projects in the context of EC and contribute to municipal development especially in the area of bioeconomy. The study identified that the municipal public power does not have the political-administrative capacity to build arrangements and partnerships between government, market and society to implement economic-social projects, which causes the global market to dominate the system and impose market conditions.

Keywords: Circular Economy. Social Impact Business. Açaí. Sustainability.

RESUMEN

Buscamos comprender cómo la Economía Circular (CE) puede crear posibilidades para Negocios de Impacto Social (NIS) a partir de producto de Amazonia. Específicamente, tuvo como objetivo analizar el potencial y los desafíos de los SNI en el contexto de la EC a partir del açaí de Igarapé-Miri/PA. La investigación tuvo 3 niveles de análisis: estructura político-institucional nacional, estatal y municipal; cadena productiva del açaí; y posibilidades de implementación del NIS y EC en Igarapé-Miri y los límites que existen a nivel municipal. Se realizaron análisis crítico descriptivos, con enfoque cualitativo. En términos teóricos, la Economía Circular y los Negocios de Impacto Social derivan de un mismo origen epistemológico, la teoría de sistemas de Karl Von Bertalanffy. Empíricamente, el estudio demostró que el aumento de la producción de açaí, específicamente en Igarapé-Miri, genera un volumen significativo de desechos que pueden ser utilizados para proyectos NIS en el contexto de la CE y contribuir al desarrollo municipal, especialmente en el área de la bioeconomía. El estudio identificó que el poder público municipal no tiene la capacidad político-administrativa para construir acuerdos y alianzas entre gobierno, mercado y sociedad para implementar proyectos económico-sociales, lo que provoca que el mercado global domine el sistema.

Palabras Clave: Economia Circular. Negocios de Impacto Social. Açaí. Sostenibilidad.

1.INTRODUÇÃO

Considerando que a economia circular (EC) é um sistema econômico que utiliza a abordagem sistêmica para manter o fluxo circular dos recursos, por meio da adição, retenção e regeneração de seu valor, contribuindo para o desenvolvimento sustentável (BSI, 2017) e  negócios de impacto social (NIS) um modelo de convergência entre a maximização do lucro e a geração de impacto social positivo (DRAYTON, 1980), observa-se que existe uma lacuna significativa no campo epistemológico sobre estudos que relacionem EC e NIS.

Estudo bibliométrico feito por Abadia, Galvão e Carvalho (2022) entre 2006 e 2016, utilizando o termo “Circular Economy” na fonte Web of Science, encontrou 217 arquivos, entre artigos e reviews, sem que nenhum deles estivesse relacionado com NIS, tendo como resultado sua relação com a ciência ambiental e ecologia (146); engenharia (109); combustível (16); química (9); ciências dos materiais (7); matemática, agricultura, conservação da biodiversidade, tecnologia da construção, geografia (4); termodinâmica, ciência da computação, administração pública (3); transporte (2); estudos urbanos, toxicologia, sociologia, física, demografia, sistemas de controle e automação, arquitetura (1).

Outra pesquisa bibliométrica usando o termo “circular economy” feita entre os anos 2004 e 2020 por Karl e Campos (2022) encontrou 3119 artigos da base de dados Web of Science e 3442 da base de dados Scopus, inserindo-os e mesclando-os no RStudio. Partindo do zero em 2004, o ano mais promissor de publicações foi o ano de 2019, cuja produção científica foi de 1373 artigos. O periódico que mais publicou foi o Journal of Cleaner Production, com 543 publicações. As palavras-chave mais recorrentes foram economia circular, gestão de resíduos, reciclagem e desenvolvimento sustentável. Nessa pesquisa também não apareceu qualquer expressão relacionada a negócio de impacto social.

Desta forma, este artigo associa economia circular (EC) e negócios de impacto social (NIS), destacando um produto oriundo da biodiversidade amazônica, o açaí (euterpe oleracea), porém mais especificamente, seu resíduo, a fim de investigar o potencial de reaproveitamento dos caroços do fruto. Considerando o percentual elevado de pobreza da região amazônica, e seu potencial de biodiversidade, mostra-se promissor o caminho do aproveitamento e reaproveitamento de suas riquezas naturais, que pode ser um caminho que pode ser trilhado pelo poder público em parceria com atores locais.     

O NIS é um conceito relativamente novo no campo acadêmico e ainda precisa de uma consolidação teórica. Trata-se de um constructo que reúne resultados diversificados, entre os quais, dividendo financeiro, impacto socioambiental e uma maior participação na economia, seja ela criativa regeneradora ou circular, envolvendo diversos atores e empreendedores, especialmente os micro e pequenos.

A EC, apesar de também ser considerado um conceito novo, está mais bem consolidado na literatura, e alinha-se com o conceito de NIS, haja vista que ambos contemplam o reaproveitamento de produtos usados via logística reversa, a valorização socioambiental, e uma nova forma de gerar bens e serviços. Dado todo esse contexto, a questão da pesquisa é compreender de que forma modelos de negócios, ancorados em processo da economia circular aplicados em produtos da biodiversidade amazônica, geram impactos sociais?

Assim, o objetivo geral da pesquisa foi analisar as possibilidades e desafios que produtos da biodiversidade amazônica podem ter no contexto da EC e da constituição de NIS, através de uma abordagem metodológica qualitativa feita através de análise crítico descritiva com os stakeholders. Especificamente, os objetivos do trabalho se concentraram em: identificar produtos que podem ser desenvolvidos a partir de resíduos da cadeia produtiva do açaí; analisar a conjuntura político-institucional-econômica do município de Igarapé-Miri, considerado a capital mundial de produção do açaí; e assinalar quais os arranjos com maiores possibilidades de contribuir para transformação social e desenvolvimento local de Igarapé-Miri.

2. REFERENCIAL TEÓRICO.

2.1. Economia circular.

A economia circular (EC) provém de um modelo econômico integrativo de diversas escolas e linhas de pensamento, entre os quais estão a ecologia industrial, engenharia do ciclo de vida, gestão do ciclo de vida e economia de performance. Após convergências de ideias, Ghisellini, Cialani e Ulgiati (2022) identificaram que o conceito de EC mais delimitado foi introduzido no trabalho de Pearce & Turner (1990), resgatando a ideia presente em Boulding (1966), autor do artigo “A economia da próxima espaçonave Terra”, para quem a ideia da economia pensada como um sistema circular, já havia sido considerada pré-requisito para garantir a manutenção da vida humana na Terra.

Quanto ao seu desenvolvimento teórico a China tem destaque especial a partir da aprovação pelo seu governo da lei “Circular Economy Law” no ano 2002, fato que gerou uma quantidade significativa de pesquisas sobre o assunto sendo, contudo, que em sua maioria trata das realidades específicas daquele país (Abadia, 2022). Entretanto, atualmente a maioria das publicações sobre EC são originárias do Reino Unido e Estados Unidos, seguidos por Holanda, Japão e Itália (Abadia, Galvão, Carvalho, 2022), devido estes países já terem iniciado pesquisas sobre o tema de forma pioneira.

Na análise da EC destaca-se, contudo, o conceito da Economia Azul (Pauli, 2010, apud, Santos, 2023, p.02), modelo onde o meio ambiente local deve ser aproveitado e reaproveitado em suas especificidades e características ecológicas para produção e consumo sustentáveis, e onde os materiais que seriam descartados retornam à cadeia de produção, dessa vez como insumos para gerar novos produtos, sendo uma proposta abrangente dos objetivos da EC, buscando preservar o meio ambiente, como modelo de negócio autossustentável, adotado neste trabalho.

Da mesma forma que outros países, o Brasil iniciou suas práticas de EC através dos resíduos sólidos, quando este material passa a ser comercializado para reutilização na forma de matéria prima. A partir da nova legislação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS passaram a entrar em vigor os acordos setoriais de logística reversa aumentando o volume de resíduo tratado e ou comercializado de forma circular no país.

No entanto, o Brasil tem todas as condições de consolidar uma política de reaproveitamento de resíduos sólidos através da efetivação da Lei Federal nº 12.305, de 2010 – PNRS, que prevê a implantação da logística reversa obrigatória, com a destinação adequada dos resíduos sólidos, promovendo práticas que ajudem a superar o paradigma linear de produção e descarte no caminho de uma economia circular, de reaproveitamento e reuso de produtos.

2.2 Negócios de impacto social.

O conceito de negócios de impacto social (NIS) foi inicialmente concebido por Bill Drayton (1980), fundador da ASHOKA1 nos anos de 1970, como um modelo de convergência entre a busca de maximização do lucro e a geração de impacto social, visando unir dois objetivos tidos como contraditórios, tendo como ponto chave a geração de impacto social, contribuindo para o desenvolvimento humano, reduzindo privações e ampliando liberdades.

Na lógica do conceito de NIS há o entendimento de que, dentro do sistema capitalista e suas controvérsias, existem necessidades e possibilidades de criação de negócios que proporcionem resultados favoráveis às populações em situação de pobreza causada pela produção em escala linear e com baixa preocupação com o impacto ambiental causado por este modelo.

Todavia, tal qual o conceito de EC, o NIS também possui várias interpretações e centralidades, tais como: negócio social (YUNUS, MOINGEON E LEHMANN-ORTEGA, 2010), negócios inclusivos (TEODÓSIO; COMINI, 2012) e negócio com impacto social (BARKI et al., 2015), entre outros, que embora possuam pequenas diferenças conceituais, conforme podemos ver abaixo, possuem a mesma base de caráter social.

O termo negócios sociais foi criado em Bangladesh, na década de 1970, por Muhammad Yunus, professor de economia ganhador do prêmio Nobel da Paz em 2006. No dizer de Kickul et al., (2012), Yunus considerava que o objetivo da educação não é tonar as pessoas ricas, mas sim enriquecer a vida das pessoas por valorizarem a ajuda ao próximo e com isso possibilitar a redução da pobreza.

Barki et al., (2015), compartilha dessa mesma ideia, e cita a premiação do prêmio Nobel da Paz em 2006 a Yunus como reconhecimento por seu trabalho sobre microcrédito, projeto que buscou diminuir a vulnerabilidade das pessoas pobres em Bangladesh, a partir dessa experiência o conceito se fortaleceu. Nessa perspectiva, negócio social, conforme Yunus, Moingeon e Lehmann-Ortega (2010) é um empreendimento que visa resolver problemas sociais, mas que deve ser autossustentável e capaz de gerar receita suficiente para suprir suas próprias despesas. Sanados os gastos de custos e o investimento, a receita que excede a isso volta a ser reinvestida para expansão e melhorias do NIS.

Os NIS ganharam considerável espaço nos países em desenvolvimento por buscarem resolver problemas relacionados a pobreza e distribuição de renda desigual, o que ganhou relevância no Brasil e em outros países latino-americanos, bem como outras variações como negócios com impacto social ou negócios socioambientais. Outro destaque foi o aparecimento do termo negócios inclusivos também muito presente nos países em desenvolvimento, por dar ênfase na inclusão social por meio do consumo (ROSOLEN; TISCOSKI; COMINI, 2013, apud, Marlos, 2022, p.43).

Prahalad e Hart (2022) observaram o número crescente de pessoas que melhoraram suas condições econômicas a partir de seu ambiente, entrando na dinâmica de mercado pela primeira vez, e consideram que houve uma espécie de capitalismo inclusivo, o qual passa a ser buscado por grandes corporações. Nessa nova modalidade de capitalismo, ocorre a oportunidade não somente de expandir os negócios, mas também a possibilidade de favorecer a população de baixa renda.

Segundo o relatório Enimpacto (2019), no Brasil a força tarefa em favor desse tipo de negócio foi criada em 2015, a partir de 200 atores consultados pela Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais (FTFS). A partir daí, houve um aprendizado, que se somou aos estudos sobre recomendações feitas por países do G8 a fim de se atender o campo localmente. Essas informações ganharam impulso com a publicação de 15 recomendações feitas para o mercado brasileiro, a fim de alcançar metas nos cinco anos seguintes, envolvendo como corresponsáveis empreendedores, investidores, universidades, governo e outros atores.

Mesmo se mostrando um setor complexo, que demonstra estar em estágio incipiente em todo o planeta, o Brasil se destaca como um dos países pioneiros na área e que já está formulando legislação própria sobre o tema. Assim, no Brasil, o Decreto Federal nº 9.977, de 19 de agosto de 2019, além de promover a disseminação do modelo econômico, em seu art. 2º, definiu os negócios de impacto, investimentos de impacto e organizações intermediárias da seguinte forma:

Negócios de Impacto: São empreendimentos com o objetivo de gerar impacto socioambiental e resultado financeiro positivo de forma sustentável;

Investimentos de Impacto: Consiste na mobilização de capital público ou privado para negócios de impacto; e

Organizações Intermediárias: São instituições que facilitam, conectam e apoiam a conexão entre a oferta (investidores, doadores e gestores empreendedores) e a demanda de capital (negócios que geram impacto social).

Ou seja, esse conceito já apresenta um respaldo teórico-empírico que o torna base para diversos estudos importantes, tais como as publicações produzidas pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), e pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), entre outros, focados para essa nova perspectiva da economia de impacto positivo.

2.3 A bioeconomia como caminho de desenvolvimento local na Amazônia.

Na interseção que se faz entre EC e NIS, dentro de uma visão de economia azul, surge as potencialidades da bioeconomia para a Amazônia, através da produção do açaí (euterpe oleracea). A bioeconomia se associa ao que apregoa o conceito de desenvolvimento endógeno, que é aquele baseado em ativos e potencialidades locais capazes de emergir novos produtos e mercados. No entanto, requer infraestrutura e arranjos ímpares para ocorrer, uma vez que esse paradigma não exige somente a cooperação entre empresas, mas também demanda ciclos fechados de materiais, via reciclagem, recuperação e reutilização de resíduos, além de ser necessário promover a ecoeficiência por meio da troca de diferentes subprodutos.

O conceito de bioeconomia vem mudando, desde a década de 1970, quando o romeno Nicholas Georgescu-Roegen se voltou para a potencialidade de coisas que a natureza poderia ofertar aos humanos como energia solar, combustíveis fósseis e nutrientes do solo, os quais poderiam influir nos cálculos econômicos, e impactar na capacidade de produção e sobrevivência de gerações futuras (CECHIN; VEIGA, 2022). 

A bioeconomia se desenvolve no Brasil desde 1970, a partir da criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que ajudou o país a amenizar sua dependência dos combustíveis fósseis (EMBRAPA, 2022). Passadas cinco décadas, e considerando os impactos da mudança climática, a bioeconomia ganhou mais força e saiu da mera preocupação com a finitude dos recursos naturais para um novo paradigma, que correlaciona os aspectos ambiental, social e econômico, já harmonizado com as diretrizes da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, ocorrida em junho de 2012. Sobre essa vertente econômica da biodiversidade, reforçou-se a necessidade desses recursos se associarem à agregação de valor de commodities e desenvolvimento tecnológico enquanto vantagens comparativas, que podem impactar positivamente tanto na biotecnologia genômica, quanto no campo dos biofármacos e biocosméticos.

3. ARCABOUÇO TEÓRICO-METODOLÓGICO.

Tanto a economia circular quanto os negócios de impacto social têm sua origem epistemológica na teoria dos sistemas de Karl Von Bertalanffy sendo um novo paradigma a partir do renascimento do ambientalismo moderno nos anos de 1960, e que, portanto, convergem epistemologicamente. Nas perspectivas iniciais sobre a interseção de características entre a EC e os NIS, figura 1, a sustentabilidade se destaca a partir dos conceitos de responsabilidade social e ambiental, consumo consciente, reaproveitamento e revenda. Os demais são complementares.

Figura 1 – Interseção dos estudos epistemológicos.

Fonte: Arquivo do autor (2022)

Nesse sentido, tomou-se por opção metodológica a escolha de um lócus (município) para análise que permitirá entender mais facilmente os fatores internos que possam a vir contribuir para a constituição de NIS dentro do contexto de EC. Para isso escolheu-se o município de Igarapé-Miri (PA), considerado a capital mundial do açaí (IBGE, 2022), pelo volume de sua produção.

A pesquisa tomou como abordagem metodológica a perspectiva qualitativa que assumiu uma análise crítico-descritiva do discurso (FAIRCLOUGH, 1989) dos dados coletados por via de análise documental (leis, decretos, dados de financiamento e investimentos, entre outros), entrevistas com gestores municipais como os secretários de desenvolvimento e gestão do município de Igarapé-Miri/PA, representantes de agências de financiamento como o Banco da Amazônia e com pesquisadores da Universidade Federal do Pará que tem o açaí como objeto de investigação além de questionários enviados para os administradores das indústrias locais. Todas as entrevistas ocorreram entre os meses de janeiro a junho de 2022, utilizando-se como instrumento de pesquisa aparelhos Smartphones da marca Apple Iphone SX, planilhas Microsoft Excel para os questionários e tabelas e anotações em diário de campo.

Assim sendo, foi feita a pesquisa abordando: 1) as políticas de financiamento produtivo, especificamente para negócios de impacto social; 2) as políticas de ciência e tecnologia que dão suporte à novas tecnologias a serem desenvolvidas por universidades e institutos de pesquisa, seja para negócios, seja para economia circular; e 3) as políticas de gestão de resíduos sólidos e as margens que estas dão tanto para NIS quanto para EC. Neste nível de análise, a pesquisa documental e legislativa foi a principal forma de apreensão de dados.

3.1 Lócus da pesquisa e suas potencialidades.

O município de Igarapé-Miri faz parte da zona Guajarina, mesorregião do baixo Tocantins, estado do Pará. Sua extensão territorial é de 1.996,790 km², recortada por rios, furos, igarapés e ilhas fluviais, possuindo dois grandes ecossistemas, terra firme e várzea. (COELHO JUNIOR; SILVA, 2021).

A área de várzea, onde se concentra boa parte dos açaizeiros em Igarapé-Miri, apresenta grande umidade e riqueza de nutrientes decorrentes do húmus e enchentes periódicas. Esse ambiente promove a disseminação e germinação de sementes (SOUZA, 2022).

4. O processo produtivo do açaí: da plantação ao reaproveitamento dos resíduos do caroço.

Informações levantadas por Tagore (2022) indicam também que existem no estado do Pará mais de três mil pontos de venda de açaí, nos quais são comercializados cerca de 471 mil litros de açaí por safra, proporcionando mais R$40.000.000,00 de receita e 25 mil empregos diretos em sua cadeia de produção, da coleta à comercialização e beneficiamento do fruto. Oliveira et al., (2016), destaca haver mais de 300 mil pessoas nessa atividade, espalhados por 54 municípios, chegando a ocupar nessa atividade cerca de 70% da renda da população ribeirinha.

O açaí tem sido um importante objeto de investigação de diversas pesquisas feitas na Universidade Federal do Pará (UFPA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Esses estudos vão desde investigações sobre o processo de cultivo e manejo (OLIVEIRA, 2007), composição químico-biológica do fruto (YUYAMA, 2011) e até estudos de mercado para fins produtivos (LOPES, 2017).

A produção do estado do Pará, obteve como valor R$5.132.183,00 (2021); quantidade produzida 1.388.116 toneladas (2021); área colhida 198.963 hectares (2021); rendimento médio 6.977 quilos por hectare (2021); estabelecimentos 35.374 unidades (2017); número de pés 100.159 unidades (2017); Maior produtor Igarapé-Miri (2021), que arrecadou R$1.618.739,00 (IBGE, 2022).

Conforme Oliveira et al., (2022), existem pelo menos 6 mil batedores artesanais de açaí no estado, dos quais pelo menos 4 mil estão localizados na Região Metropolitana de Belém (RMB). Informações da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB (2022) indicam também que existem mais 3 mil pontos nos quais o processo vai desde a coleta até a comercialização e o completo beneficiamento do produto.

4.1 Produtos derivados do caroço do açaí.

O volume de resíduo do açaí produzido por dia no Brasil é na casa de toneladas, e sua maior parte é despejado em locais inapropriados e conforme afirma Oliveira e Cruz (2020). Em 2022 o IBGE identificou que no Brasil foram produzidas 1.510.022 toneladas de açaí. Somente os caroços representam 85% desse montante. Ou seja, após o seu processo de beneficiamento, é grande a sobra de resíduos que pode ser reaproveitada pela bioeconomia, movimento econômico que vem ganhando espaço no Brasil e na Amazônia. Existem outras possibilidades de uso e reaproveitamento do caroço do açaí tal como a produção de adubo orgânico, ou ainda como fonte de energia térmica em olarias na produção de tijolos e telhas, conforme constatou pesquisa de Cordeiro (2022) em Bragança, estado do Pará.

Experiência parecida foi feita por Silva (2018), em Imperatriz, no Maranhão, que usou os caroços de açaí em fornos de olaria a fim de amenizar o problema ambiental de seu descarte. A pesquisa aproveitou 2.250 quilos de caroços equivalente a 1,44 metros cúbicos, que economizou cerca de 3 metros cúbicos de lenha e gerou uma relevante eficiência energética, com ganho de tempo de uso em uma fabricação mais ecológica, com eficiência ambiental.

Outro pesquisador, Miranda (2021), desenvolveu pesquisa em duas cidades do Amapá (Macapá e Santana), onde descobriu que diariamente há envio de 11.580 quilos de caroços de açaí às olarias locais, embora existam cerca de 65% dos batedores de açaí que ao invés de obter renda com seus resíduos, pagam para prestadores de serviços recolherem os caroços de açaí de seus estabelecimentos. Os batedores de açaí com maior renda já despertam sua consciência para descartar os caroços da melhor forma, causando baixo impacto ao meio ambiente podendo, inclusive, gerar renda adicional.

Há também o óleo de açaí que possui diversos compostos fenólicos, com maior quantidade para o ácido vanílico, os quais são abundantes em propriedades antioxidantes, tornando esse tipo de óleo promissor para uso como alimento, suplemento, cosmético e medicamento (PACHECO-PALENCIA et al., 2022). Outros estudos focam-se no aproveitamento dos seus caroços e resíduos para outras finalidades como produção de placas de filtragem para água e carvão vegetal.

Fragoso et al., (2022), estudaram o uso do caroço do açaí na produção da indústria, os quais apresentaram maior poder calorífico se comparados à queima de lenha, e ainda com menor custo nessa comparação. O estudo verificou que 1 metro cúbico de caroço produz 1000 telhas por hora, sendo que o uso do caroço diminui o corte de lenha da floresta nativa. Esse montante de lenha chega a uma média utilizada, no estudo de caso da empresa, em aproximadamente 650 toneladas por mês, em comparação a seu consumo anterior mensal de 720 toneladas por mês, chegando-se ao valor de 468 toneladas por mês economizado de lenha que pode sair da floresta, e consequentemente diminuindo o impacto ambiental por derrubada de árvores. Esta estratégia em si, de geração de calor, conserva a floresta, a fauna e flora, ao mesmo tempo em que direciona destinação de uso energético aos caroços de açaí que têm elevado poder calorífico.

Ferreira et al., (2022), aplicaram os caroços de açaí no setor cerâmico de produção de telhas para a construção de civil, usando as cinzas dos resíduos do caroço do açaí (RCA) na mistura com argila vermelha (AV) na proporção de 10% RCA e 90% AV, o que provocou uma significativa melhora nas propriedades físicas das telhas, amenizando sua porosidade e absorção de água, ao mesmo tempo em que aumentou sua resistência mecânica.

No estudo de Sato et al., (2022), o carvão ativado feito da queima dos caroços de açaí, demonstraram capacidade para melhorar a qualidade do solo em propriedades físicas e químicas, pois gerou um aumento de nutrientes (potássio, magnésio e fósforo) e diminuiu a perda hídrica no solo. O carvão ativado quando submetido a temperaturas de 700ºC por hora promove a fertilidade do solo e potencializa o sequestro de carbono (SATO, 2022).

Almeida et al., (2022), realizaram estudo levantando os mais diversos beneficiamentos do caroço do açaí em áreas específicas: Agricultura: destinação adequada para os resíduos sólidos; melhoramento dos atributos do solo; ação do adubo orgânico de qualidade equivalente aos usados pela agricultura. Medicina: diminuição do número de cirurgias; redução de custos na fabricação das próteses em até cinco vezes; adição de valor à matéria-prima. Movelaria: aumento da aderência do material; aderência com resinas de base oleosa; potencialidade para uso comercial; alta resistência a flexão; material resistente à fadiga; fabricação de materiais polímeros com reforço de fibras vegetais. Artesanato: permite variações de cor, tamanho formato etc; atrativo comercial. Matéria-prima vendida em grande quantidade com custo unitário baixo; aproveitamento integral da semente; produtos acabados com valor agregado de até 800% sobre o custo de fabricação.

Geração de bioenergia: alternativa de geração energética em comunidades isoladas; demais componentes do caroço podem ser reinseridos na agroindústria e no mercado de artesanato; 46% do fruto usada na geração energética e 4% de perdas, alta quantidade de celulose, lignina e um baixo teor de cinza e umidade aumento da eficiência; fácil aquisição da matéria-prima e baixo custo de transporte; baixo custo de operação dos processos de transformação.

  Tratamento de água: vantagem ambiental e solução econômica para ribeirinhos. Método eficiente e ecológico, possível solução aos efluentes contaminados lançados na baía do Guajará, fonte da água de consumo para a população da cidade de Belém; eficiência equivalente ao carvão ativado industrial, melhoramento da qualidade da água onde há precariedade no tratamento, nível de potabilidade da água com uso do carvão a base de caroços condizente com os padrões do Ministério da Saúde (Port. 518/2004).

Os autores conseguiram reunir uma variedade de aplicações dos resíduos de açaí, despontando claramente a necessidade de uma melhor estruturação do seu uso por indústrias de transformação, potencializando dividendos, e amenizando os impactos ambientais causados quando destinados em locais inadequados. Considerando esse leque de opções, observa-se que existem possibilidades reais de se desenvolver negócios de impacto social na região de Igarapé-Miri utilizando os resíduos do açaí na produção de produtos da bioeconomia conforme apresentados nos exemplos acima.

5. ANÁLISE DA CADEIA PRODUTIVA DO AÇAÍ E OUTROS ARRANJOS INSTITUCIONAIS NO MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-MIRI.

5.1 Políticas de financiamento produtivo

Informações do secretário de gestão e planejamento do município de Igarapé-Miri, dão conta que muitas iniciativas feitas por parte dos produtores locais são feitas sem nenhum incentivo fiscal ou mesmo financiamento. Em relação as políticas de financiamento, o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte – FNO, administrado pelo Banco da Amazônia, é a linha de financiamento mais utilizada e indicada para o desenvolvimento de atividades da agricultura e produção do açaí no município2.

Em série histórica os financiamentos nos últimos dez anos podem ser vistos conforme apresentados abaixo na tabela 1.

Tabela 1 Financiamento Rural – Plantio / extrativismo discriminado (Igarapé-Miri). Atualizar segundo so valores da IGP-DI da FGV

Fonte: Banco da Amazônia (2022).

Em visita técnica à sede do Banco da Amazônia em Belém (PA), a fim de saber qual o valor total financiado pelo Banco da Amazônia para a produção de açaí, aprovado no estado do Pará para o município de Igarapé-Miri, separados entre valores destinados a empresas e ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, o banco informou por meio da gerência executiva de planejamento e da coordenadoria de inteligência corporativa do agronegócio, o valor de R$ 359.088.339,28 no período entre os anos de 2011 e 2021, sendo sua maioria para a atividade de manejo (extrativismo). Nesse período o PRONAF financiou no município de Igarapé-Miri o valor de R$10.379.673,93 para 773 pessoas físicas e R$2.734.483,95 para 19 pessoas jurídicas perfazendo um total de R$13.114.157,88 o que representa somente 3,65% do valor total financiado no estado do Pará e uma grande concentração em pessoas físicas.

Sobre outras verbas de financiamento para a produção do açaí em Igarapé-Miri, os poucos dados consolidados apontam, segundo Miranda (2020), que foi previsto até R$2.000.000,00 em crédito rural no ano de 2020 para serem investidos em projetos feitos pelo escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater, em manejo da várzea. Em 2019, o crédito rural contratado pela agricultura familiar foi no valor de R$995.000,00 em custeio e investimento.

Em Igarapé-Miri, segundo informações do secretário municipal de planejamento e gestão, a Emater atende pelo menos 900 famílias que vivem da exploração do açaí. Cada família trabalha em média com cinco hectares, e sua produção anual chega a duas mil latas do fruto, aproximadamente 28 toneladas. Até 2020 a Emater, em Igarapé-Miri, atualizou o cadastro de mais de 1 mil e 700 famílias que trabalham no extrativismo, agropecuária e pesca artesanal.

Sobre as principais empresas de produção de polpa de açaí que receberam financiamento do Banco da Amazônia, a direção do setor de financiamentos do banco esclareceu que no período de 2011 até 2021, foram atendidas 25 empresas do ramo com 75 contratos e um total aplicado de R$65.760.450,73. No município de Igarapé-Miri, no período de 2015 até 2021, o banco atendeu 6 empresas do ramo, com 19 contratos e um total aplicado de R$10.575.565,80 (BANCO DA AMAZÔNIA, 2022).

Em termos relativos observa-se que Igarapé-Miri, mesmo sendo o principal produtor do fruto, recebeu apenas dezesseis por cento do total aplicado pelo Banco da Amazônia na região, demonstrando uma falta de empreendedorismo e senso de oportunidade por parte dos empresários da região, adicionalmente, dos valores financiados, segundo informou o banco, nenhum teve como foco negócios de impacto social.

Quanto à questão da regularização fundiária para fins de financiamento no Banco da Amazônia, houve financiamentos de açaí no município para família de agricultores em todos os anos já sinalizados (2011 a 2021), indicando que a regularização fundiária não é um problema para o financiamento da produção de açaí no município. Segundo o banco, foram concedidos 792 créditos nos últimos 10 anos para famílias de agricultores de Igarapé-Miri, totalizando R$13.114.157,88 (BANCO DA AMAZÔNIA, 2022).

É importante observar também que Igarapé-Miri, embora seja considerado a capital do açaí, não foi o município que mais recebeu financiamentos do estado no período informado, ficando em 10° lugar neste ranking. O município de Acará foi o principal beneficiário dos financiamentos para o extrativismo, com R$26.249.191,11, em segundo lugar está Abaetetuba, que recebeu R$ 17.983.577,16. No entanto, o município de Igarapé-Miri recebeu de financiamento o montante de R$ 13.114.157,88.

 Diante desse cenário é possível analisar que falta uma maior ação articulada a fim de obter melhores resultados nesse campo, seja do ponto de vista dos produtores de base, seja pelas instituições municipais e poder público local, ou ainda, das fábricas que fazem parte do município. Esse tipo de financiamento depende de organização e regularização de documentos e convênios firmados para facilitar a liberação de verbas a serem investidas.

Segundo informações do secretário de desenvolvimento, no município de Igarapé-Miri existem catalogadas aproximadamente 150 batedeiras de açaí, e a região vive um bom momento econômico, pois já possui pelo menos oito fábricas instaladas que são, entre outras, a Dapancol, Açaí Miriense, Preto Açaí, Nutri Açaí, Açaí Amazon; Sabor do Açaí, Vale do Açaí e Bony Açaí, todas de produção de polpa, e que em breve poderá chegar a ter até 10 fábricas (CORRÊA, s/d), o que se estima a geração de mais de 357.000 toneladas de resíduos em forma de caroços no ano. 

Na observação do secretário, as empresas e pequenas indústrias que se beneficiam do açaí, está assumindo e impondo as regras de comercialização das rasas3 de açaí, vendidas pelos pequenos produtores por meio dos atravessadores. Segundo ele, ocorre uma apropriação do capital por parte das indústrias, que estabelecem o valor das rasas por um preço muito baixo, eliminando o poder de oferta desses produtores menores, chegando ao ponto de haver um clima de enfrentamento entre as partes.

Esse desconforto dos pequenos produtores culminou em agosto de 2018 com uma greve, a chamada “greve da peconha4”, quando os produtores se recusaram a vender sua produção, a preços abaixo do mínimo necessário à sua subsistência, às indústrias. Atualmente (2022), a média do valor da rasa pretendido seria entre oitenta e cem reais, mas a negociação com a indústria levou o preço para a faixa entre trinta e cinquenta reais.

 Nesta conjuntura, é importante refletir que para ocorrer um efetivo desenvolvimento local a participação dos atores locais é fundamental, no sentido de intercooperação e interdependência, a fim de aproveitar os recursos locais, com vistas a gerar um impacto positivo nos interesses e perspectivas de seus atores (VAN DER PLOEG; SACCOMANDI, 1995, apud, Douglas, 2023, p.8). É necessário haver vínculos efetivos e proativos que correlacionam a localidade, o mercado e as políticas, buscando o desenvolvimento local.

O produtor contrata o peconheiro para apanhar o açaí, que depois é vendido para o atravessador, que depois vende para indústria. As pequenas cooperativas e associações vendem diretamente para a indústria, mas a maioria conta com o articulador, o atravessador, que compra e revende. Esta relação comercial estabelecida no município reflete um antigo modelo de capitalismo financeiro ou monopolista, no qual os grandes proprietários acabam por determinar os preços de mercado, estabelecendo regras próprias, unilaterais, sem abrir espaço para os pequenos fornecedores de matéria prima.

A falta de mais opções de escoamento da produção desfavorece os pequenos produtores que se sentem obrigados a vender para quem está perto deles, já que ainda não dispõem de logística ou conhecimento que os ajude a expandir suas vendas aos mercados exteriores. A partir da possibilidade de sua organização como categoria de produtores locais, esse tipo de obstáculo deverá diminuir.

Os gestores municipais de Igarapé-Miri entrevistados entendem que há a necessidade de uma política que favoreça uma melhor exploração dessa fruta, embora ainda não esteja clara nem tenham proposto ou demonstrado, de maneira sistemática, como seria essa política. Nos planos municipais está prevista a possibilidade de implantação de um sistema agroflorestal, onde o açaí seria plantado junto a outro produto vegetal, a exemplo do cacau, para produção de chocolate, mas tal proposta é um plano futuro para a atual administração municipal. Essas colocações levam a concluir que não existe um plano efetivo ou uma política de governo baseado no açaí para o desenvolvimento local no município.

Essa ausência de plano só demonstra a necessidade de uma maior articulação político-institucional-econômica que envolva os mais diversos atores locais, de modo competente, considerando que a legislação e programas de financiamento estão bastante favoráveis a esse tipo de ação conjugada. Isto tudo demonstra a importância da ação do poder público na busca de um modelo de produção adequado à região Amazônica. Georgescu-Roegen (1971), já havia apresentado no século passado a bioeconomia como um modelo alternativo de desenvolvimento sustentável em nível local e regional na Amazônia, com base em uma economia ecológica e socialmente sustentável.

D’ascenzi e Lima (2023), concordam que a endogeneidade fundamenta a ideia de mudança social intencional a partir das características culturais e setoriais locais que permitam novas proposições desenvolvimentistas, quando atores locais e regionais começam a empreender ações com a finalidade de influenciar os processos de crescimento das economias locais. Tenório (2022), acredita que o diferencial deste modelo é a estruturação proposta a partir dos próprios atores locais, desvinculando-se de um planejamento centralizado, exógeno, que é feito de fora ou de cima para baixo.

Mas o que se observou no município em relação a cadeia produtiva do açaí e ao reaproveitamento dos resíduos, é que esse modelo de desenvolvimento endógeno ainda está em uma fase embrionária, precisando minimamente de articulações sociais, econômicas, políticas, capazes de estabelecer um ambiente onde os atores locais sejam protagonistas desse processo de desenvolvimento. A falta de diálogo entre os principais atores locais, trabalhadores, empresas, poder público, representações sociais, dificulta qualquer avanço mais planejado que possa ser feito em conjunto e executado coletivamente. O diretor administrativo e financeiro da Cooperativa Agropecuária dos Produtores Rurais de Meruú – COOAPRIME, associação de produtores dessa região que há treze anos atua nessa atividade, afirma que a cooperativa nasceu para reorganizar o movimento e assumir o controle da gestão na venda direta do açaí in natura e palmito de manejo na busca de um projeto coletivo para os trabalhadores locais. Mas o diretor também esclarece que não existe qualquer política de investimentos e incentivos do governo municipal em relação a cadeia de produção do açaí devido as precárias condições financeiras do município e a pouca atenção do governante atual.

Embora exista uma série de políticas governamentais federais e estaduais em que a cooperativa pode se candidatar a obter o apoio necessário, é necessário que antes esteja organizada em termos de documentos, o que ainda não conseguiu fazer, a fim de estar apta a requerer estes investimentos e, se obter o aval positivo, poderá prosseguir em suas realizações e planos.

O diretor afirmou ainda que a cooperativa busca consolidar um projeto de desenvolvimento local, começando por sua própria regularização fundiária, em área de 30 ha na rodovia PA-151, as proximidades da comunidade, para implantação de um micro polo agroindustrial de beneficiamento dos produtos derivados do açaí, polpas e corantes, caule do açaizeiro, palmito, e caroço, biomassa, energia e amadeirados. No entanto, esse projeto, que está em fase inicial, sem parcerias efetivas com as esferas pública e privada, nesse caso a prefeitura municipal e as indústrias de beneficiamento da polpa da fruta, possui 42 famílias produtoras envolvidas em um total de 600 trabalhadores que moram naquela região do rio Meruú.

Todos os projetos implantados ou que poderão aportar no município, devem levar em consideração a questão geográfica e o perfil econômico do município, que segundo o IBGE, apresenta as seguintes características: a área territorial de Igarapé-Miri é de 1.996,790 quilômetros quadrados (2021). Sua população estimada é de 63.367 pessoas (2021), sua densidade demográfica é de 29,08 habitantes por quilômetro quadrado (2010), escolarização (6 a 14 anos) 93,5% (2010), IDHM (Índice de desenvolvimento humano municipal) 0,547 (2010), mortalidade infantil 16,78 óbitos por mil nascidos vivos (2020), receitas realizadas R$ 11.742,90 (×1000) (2017) e despesas empenhadas R$ 17.950,74 (×1000) (2017), Produto Interno Bruto (PIB) per capita R$ 9.957,57 (2020) (IBGE, 2022).

Quanto o perfil econômico da população, a parcela que possui rendimento nominal mensal per capita de até meio salário-mínimo (2010) era de 55,3 %, cenário que corrobora o baixo valor do PIB per capita que pode ser observado abaixo no gráfico 1, em uma evolução dos valores desde o ano de 2010 até 2019: 

Gráfico 1 – PIB per capita em Igarapé-Miri de 2010 a 2019.

Fonte IBGE (2022).

Esse quadro coloca o PIB per capita de Igarapé-Miri em 57º lugar no estado do Pará ficando atrás dos municípios de Jacareacanga e São Geraldo do Araguaia. Tal cenário que confronta de um lado muita pobreza, de outro demonstra um potencial econômico que pode gerar desenvolvimento local, e no centro, um governo local que precisa consolidar projetos de desenvolvimento a médio e longo prazos, e que requer uma gestão social pautada na economia local, capaz de dar respostas efetivas para problemas não somente sociais, mas econômicos, culturais e ambientais.

5.2 Políticas de ciência e tecnologia.

No que diz respeito à política estadual de ciência e tecnologia, o estado do Pará tem obtido resultados significativos na pesquisa e desenvolvimento de novas aplicações para o açaí. Esses avanços são evidentes tanto em estudos relacionados à economia sustentável de produtos naturais da Amazônia, liderados pelo professor Hervé na Universidade Federal do Pará (UFPA), quanto em iniciativas que se concentram na promoção da agricultura sustentável na cadeia produtiva do açaí. Além disso, o estado tem se destacado na transformação de resíduos do açaí em produtos biotecnológicos e bioenergia, bem como no manejo responsável dos recursos naturais e na pesquisa de reconhecimento de solos, conduzidos pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Essas realizações também podem ser observadas no Polo de Inovação do Instituto Federal do Pará, localizado no Campus do município de Castanhal.

Quanto as ações do município, o Plano Diretor Municipal, Lei Municipal Nº. 4.948 de 06/10/2006, aponta diversas maneiras de aprimoramento dos processos administrativos e econômicos que podem favorecer direta e indiretamente o reaproveitamento dos caroços de açaí. Os Princípios Fundamentais do Plano Diretor do Município de Igarapé-Miri, em seu Art. 1º, norteiam ações de gestão democrática municipal que podem integrar o município em si mesmo e com outros municípios ao redor.

Esses princípios estabelecem a base para que o município cumpra sua função social, e possa garantir direitos fundamentais aos seus cidadãos e cidadãs. Pelo Plano Diretor cabe ao município incentivar a associação com outros municípios, a fim de se unirem no enfrentamento de problemas comuns. É previsto também o incentivo à gestão e planejamento democráticos que possam promover o desenvolvimento social e ambiental de Igarapé-Miri, assim como a potencialização do capital social, a promoção da participação popular no planejamento e na gestão do Município.

Também está prevista a integração do planejamento municipal com os planos nacionais e regionais, que sejam favoráveis ao ordenamento do território e desenvolvimento econômico e social, de modo que assegure o desenvolvimento sustentável e adequação à realidade local (Igarapé-Miri, 2022). As indústrias locais geram emprego, mas não em grande escala, e os subsídios fiscais e retenção de recursos voltados para o município é muito pouco. Todas as indústrias atualmente instaladas só fazem o despolpamento e os subprodutos do produto são feitos fora de Igarapé-Miri gerando impostos que ficam em outros municípios, isso porque o despolpamento é considerado uma atividade de produto in natura.

Na tabela 2 abaixo verifica-se o nome das empresas, produção mensal do açaí, resíduo gerado e destinação do resíduo, número de funcionários da empresa e quantos destes são moradores do município. Duas delas, de um total de oito, não responderam às perguntas solicitadas:

Tabela 2 – Dados das empresas de açaí localizadas em Igarapé-Miri.

Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Das cinco empresas que responderam aos questionários, quatro delas (uma delas fornece para a indústria cerâmica local) informaram que o destino do resíduo de sua atividade é a Indústrias Votorantim S.A. (VSA), empresa que possui uma fábrica de cimento na região. As cinco empresas somadas informaram que produzem diariamente 459.700 quilos de resíduos, ou seja, quase meia tonelada que é usada em indústrias de cerâmica e de materiais de construção, enquanto biomassa de energia térmica.

Fica evidente, ao observar os dados da pesquisa, o descompasso entre as políticas de ciência e tecnologia propostas pelo governo de estado (que não chegam ao município), e as propostas do governo municipal que ainda não conseguiram ser implementadas, demonstrando a falta da aplicação de uma política efetiva de ciência e tecnologia para o município.

5.3 Políticas de gestão de resíduos sólidos.

Através da responsabilidade compartilhada, a política nacional de resíduos sólidos – PNRS, tem a base legal necessária para o desenvolvimento de ações que favoreçam ao reaproveitamento dos caroços de açaí, tão abundante em Igarapé-Miri, e que pode dar início a um ciclo de desenvolvimento sustentável local ou mesmo regional, com o apoio  e participação de outros municípios, aprimorando a cadeia produtiva do açaí, ao mesmo tempo em que busca organizar os produtores em cooperativas e associações, necessitando, contudo, haver um planejamento estratégico participativo dos diferentes atores, a fim de se obter resultados que possam beneficiar o município em suas mais diversas necessidades e aspirações.    

O artigo 30 da PNRS e seus respectivos incisos, aponta diretamente para os objetivos e princípios defendidos pelo reaproveitamento de resíduos, reduzindo impactos ambientais e desperdício de recursos que podem ser reutilizados, a fim de ampliar a oferta ao mercado de produção e o consumo de produtos derivados do açaí, com eficiência, sustentabilidade e responsabilidade socioambiental.

O contexto observado no município de Igarapé-Miri pede uma organização maior, envolvendo os diversos atores institucionais e de produção da cadeia do açaí. Segundo Vasconcellos e Vasconcellos (2022), a parceria entre atores sociais e institucionais para o desenvolvimento de ações coletivas é fundamental para que haja efetividade nas políticas públicas favoráveis à implementação de modelos de desenvolvimento sustentável.

Conforme Espada e Vasconcellos Sobrinho (2022), um trabalho feito em formato de rede pode favorecer o desenvolvimento local sustentável, pois fortalece o protagonismo dos atores locais de determinado território, ao mesmo tempo em que cria um ambiente propício a transformações positivas que beneficiem o coletivo. De acordo com o secretário de desenvolvimento social de Igarapé-Miri, algumas empresas da cidade usam o caroço para a produção de carvão, ração e ou adubo orgânico. No entanto, um novo debate sobre o reaproveitamento dos caroços de açaí vem sendo estimulado pela gestão municipal que é a produção do carvão ativado, para servir como filtro para tornar a água potável para os moradores locais. Na zona rural o município vem substituindo o uso do cloro por poços artesianos. Há um programa do governo municipal chamado “Beba dessa água”, que busca fornecer mais pontos de acesso a água potável.

Essa iniciativa da prefeitura demonstra haver, mesmo que ainda de maneira inicial, programas direcionados ao desenvolvimento da cidade, buscando um ambiente favorável para que a população possa ter acesso a bens e serviços de forma sustentável, incentivando a participação dos cidadãos na busca de melhorias nas condições de vida. Esse tipo de incentivo e fomento também pode ser direcionado ao reaproveitamento do principal resíduo produzido em Igarapé-Miri, que é o caroço do açaí, desde que seja devidamente elaborado um plano municipal que permita haver uma política pública que beneficie tanto a cadeia produtiva, quanto os atores envolvidos.

Na entrevista com diretores da única cooperativa daquele  município, perguntado sobre o volume de produtividade da cooperativa, áreas plantadas, o diretor administrativo financeiro da COOAPRIME, afirma que em períodos pré-pandemia, os níveis de produção anual chegaram a 1.120 toneladas, em média com o trabalho de 25 famílias, tendo a média de produção mensal na safra, cinco meses, o volume de 80.000 rasas de 14 quilos cada, o que equivale em área plantada, somadas as dos associados, a um tamanho de 200 hectares. A cooperativa espera voltar a esses níveis e aumentar gradativamente tais volumes com a adoção de novos sócios através da implantação dos projetos de economia circular.

Observa-se assim, que apenas as 25 famílias associadas à cooperativa, no espaço físico de 200 hectares, chegam a produzir mais de 1.000 toneladas de açaí, em apenas cinco meses, considerando que o resíduo é em torno de 85%, esse descarte é bastante volumoso. Para produzir uma tonelada de açaí in natura, sem despolpar, a quantidade de caroço equivaleria a aproximadamente 850 toneladas. Esse montante, caso fosse usado em negócios de impacto social para reaproveitamento do resíduo, poderia gerar uma diversidade de investimentos incluindo mais famílias gerando dividendos, emprego e renda para o município.

Questionado sobre o que a cooperativa planeja fazer com o caroço do açaí, o diretor financeiro da COOAPRIME afirmou que em parceria com outros agentes, que não especificou exatamente quais, desenvolve projeto de reaproveitamento dos resíduos para produção de biomassa a partir da implantação de manufaturas na sede da cooperativa no rio Meruú, com o objetivo de ter produção própria de polpas, projeto que está em fase final de construção. No entanto, o diretor ainda está prospectando parceiros investidores para a conclusão desses projetos, bem como está em fase de organização dos documentos necessários a cada família e a cooperativa para concorrer a financiamentos públicos.

Segundo o diretor da COOAPRIME, os caroços de açaí de uso doméstico daquela localidade, rio Meruú, são utilizados para compostagem, mas a grande maioria derivada da venda in natura para as fábricas, desconhece a destinação final. A cooperativa espera a partir do beneficiamento próprio e venda direta das polpas e conservas, conseguir capital próprio para a criação de fundo soberano de investimento a fim de oferecer como contrapartida junto a investidores nas áreas de química (fármacos e cosméticos), energia (biomassa, combustíveis), outros manufaturados (painéis em MDF, utensílios domésticos) e metalurgia.

Com o objetivo de fomentar a cadeia de produção local e desenvolver o reaproveitamentos dos resíduos do açaí, a cooperativa está em fase de organização da 1ª Estação de Eco Negócios da Amazônia, empreendimento exclusivamente gerido pelos povos e comunidades tradicionais da floresta, buscando a geração de novas fronteiras produtivas nos campos da nutrição, bioquímica, energia e metalurgia, pretendendo-se com tais iniciativas, estabelecer o protagonismo dos habitantes da comunidade do Meruú como novo polo eco produtivo no estado do Pará, fazendo jus à real  nominação do município de Igarapé-Miri como a capital mundial do açaí.

Desse modo, observa-se que a COOAPRIME está construindo um plano que pode no futuro trabalhar no reaproveitamento dos principais resíduos do açaí para diversas finalidades. No entanto, para que haja uma boa gestão desses recursos, em direção ao desenvolvimento local é fundamental haver uma governança ambiental (CAVALCANTI, 2004; FONSECA; BURSZTYN, 2022), a qual por ser mais abrangente do ponto de vista da gestão, permitindo uma maior participação dos atores locais, com a descentralização das tomadas de decisão, responsabilidade compartilhada e equidade de autonomia entre os atores (FONSECA; BURSZTYN, 2022).

Vasconcellos e Vasconcellos (2021), não encontraram na literatura evidências substantivas de parcerias no campo do poder político e sociedade civil, ou seja, gestão pública local e trabalhadores, associações, entre outros, a partir de um consistente processo participativo. No entanto o processo de parceria entre o estado e a sociedade civil para o desenvolvimento local pode ser compreendido a partir de prós e contras, por exemplo, o contexto histórico das parcerias e colaborações pode ajudar ou não conforme as ações desenvolvidas nesse sentido. Há uma discussão na literatura sobre o ambiente sociopolítico que está para além do processo de parceria, pois tal ambiente é crítico e instável, por isso precisa de um contexto favorável, a fim de evitar mais conflito entre o governo e as organizações locais.

O desafio posto a esse ambiente, como é o caso do município de Igarapé-Miri, é conciliar as parcerias em situações em que os direitos de diferentes grupos de pessoas são diversos, e isso requer conciliação de interesses e prioridades dos atores envolvidos, daí haver uma rede de complexidade para a construção um ambiente favorável a parcerias entre o poder público e os diferentes atores envolvidos em um determinado plano de desenvolvimento sustentável local.

De acordo com Espada e Sobrinho (2022), as parcerias são elos valiosos para a governança ambiental na direção de uma gestão apropriada dos recursos naturais na Amazônia. Esse arranjo também impacta positivamente na geração de trabalho e renda, bem como na melhoria da qualidade de vida das populações que vivem em ambientes florestais, a exemplo de Igarapé-Miri. Esses autores até indicam o manejo florestal comunitário, como o que está sendo feito na Floresta Nacional do Tapajós, localizada no oeste do Pará, como um exemplo de parceria que desenvolve uma rede de relações sociais, produtivas e de cooperação que consequentemente fortalece os atores locais.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Os estudos se desenvolveram sob duas perspectivas, teórica e empírica, a fim de melhor compreender e responder a problemática proposta. De modo geral, verificou-se as convergências, possibilidades e desafios que o produto (resíduos) poderia ter diante do contexto encontrado na pesquisa empírica, especificamente no município de Igarapé-Miri/PA, associando EC e NIS.

O estudo demonstra que em perspectiva teórica é possível relacionar os conceitos básicos da EC e NIS, por serem complementares, e derivarem da mesma matriz epistemológica, a teoria dos sistemas, desenvolvida por Karl Von Bertalanffy. Os conceitos se somam como alternativa viável e sustentável em dissonância com modelos de produção e consumo linear, que geram grandes desperdícios, ao mesmo tempo em que se harmonizam com modelos que buscam amenizar ou mesmo eliminar os efeitos negativos do impacto ambiental à sociedade, priorizando um novo modelo econômico capaz de promover desenvolvimento com sustentabilidade.

Na pesquisa empírica constatou-se que o caroço do açaí (euterpe oleracea), fruto abundante na biodiversidade amazônica, tem grande potencial para gerar valor através da bioeconomia, considerando as possibilidades de reaproveitamento e desenvolvimento de produtos derivados, entre os quais sucos, bebidas aromáticas, energia térmica, biomassa, objetos sólidos do tipo madeira, cabo de escova, carvão ativado, e uma série de outros subprodutos listados no corpo teórico da tese.

Quanto àconjuntura político-institucional-econômica, verificou-se que o município tem poucos investimentos públicos e sua base socioeconômica se assenta principalmente no funcionalismo público, agricultura familiar (pequenos agricultores) e comércio local, sendo a produção do açaí a monocultura prevalente na atual conjuntura.

No campo das convergências e possibilidades, a tese deixou claro que é viável a triangulação do trinômio EC + NIS + RCA, resultando na possibilidade de novos negócios econômicos locais e de transformação social positiva e sustentável. Isso porque se somam as perspectivas teórica e empírica, em um contexto de elevada produtividade de açaí, com grande potencial de reaproveitamento em diferentes frentes de produção e derivação de novos produtos. Também é favorável nesse contexto a existência de planos de financiamento viáveis e propícios à atividade de desenvolvimento da cadeia produtiva do açaí em Igarapé-Miri (FNO, PRONAF Bioeconomia, Plano Nacional da Sociobiodiversidade).

No campo dos desafios e limitações, o ambiente político-institucional-econômico para a cadeia produtiva do açaí requer maiores articulações e parcerias público e privadas consolidadas para criar um contexto e ambiente favorável ao desenvolvimento sustentável local. Contudo existe um cenário que pode ser bastante melhorado, dentro de uma perspectiva que envolva a participação efetiva dos atores locais.

Destaca-se ainda a necessidade de uma gestão social abrangente e inclusiva que possa auxiliar nas decisões coletivas, no sentido de um desenvolvimento inclusivo, com participação de cidadãos de todos os setores envolvidos. A responsabilidade compartilhada prevista na política nacional de resíduos sólidos pode melhorar e potencializar a gestão da cadeia de produção do açaí de Igarapé-Miri, envolvendo a sociedade, especialmente as associações, cooperativas, pequenos produtores, poder público (local) e a iniciativa privada (empresários).

No mesmo campo, verifica-se que os pequenos produtores de açaí da COOAPRIME ainda não se mostram capazes de desenvolver estratégias de beneficiamento dos resíduos, agregando maiores dividendos a seus produtos, mesmo na pré-pandemia com uma produção anual de 1.120 toneladas, somando 25 famílias. As empresas e indústrias de açaí também ainda não se mostram interessadas em produções a partir do resíduo do fruto, o caroço.

É também um desafio a efetivação da primeira estação de eco negócios no município, proposta pela COOAPRIME, que se efetivada, poderá ser um fator central de destaque e que pode agregar parcerias entre os diversos atores locais, por meio da cadeia produtiva do açaí. No campo das possibilidades, com base no potencial bioeconômico da região, entre os arranjos produtivos para o desenvolvimento local, existe a proposta de produção de carvão ativado para tratamento de água potável, que foi apresentado como um dos objetivos da atual gestão municipal, a fim de melhorar a qualidade da água do município. Existente ainda por parte da COOAPRIME projeto para o reaproveitamento do caroço de açaí através de sua transformação em biomassa energética.

Foi desenvolvido neste artigo um tema inédito em sua propositura, ou seja, que buscou associação de dois construtos teóricos (de perspectiva sustentável, convergentes em seus conceitos fundantes), somados a um objeto empírico oriundo da biodiversidade amazônica. Talvez por isso, em certos momentos, a pesquisa teve dificuldades em consolidar os dois construtos, até por serem conceitos ainda em consolidação, bem como aplicar esse arcabouço conjugado em uma contextualidade político-institucional-econômica ímpar.

No entanto, considerando as convergências, possibilidades e desafios questionados na tese, é necessário reconhecer que a problemática não se esgotou, mas abriu outras lacunas para novas pesquisas, tanto em associação teórica, quanto em triangulação com um objeto empírico, o que pode ser uma boa perspectiva epistemológica para novas e futuras pesquisas nos mais diferentes campos do saber.


1Organização não governamental com foco em incentivar o empreendedorismo social, fundada na Índia por Bill Drayton em 1980.

2Esse fundo foi criado pela Lei Federal Nº 7.827, de 27/09/89, em acordo com o art. 159, da CF/88 e objetiva fomentar o desenvolvimento da Região Norte, mostrando-se o principal instrumento financeiro da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) que ajuda na redução de disparidades regionais, podendo ser aplicado em setores produtivos da indústria, agroindústria, mineral, turismo, agropecuária, comércio, produtos essenciais da biodiversidade, prestação de serviços, inovação e tecnologia, com projetos que incorporam logística, saneamento, água e esgoto.

3Unidade de medida equivalente a 14 quilogramas.

4Peconha é um instrumento feito da folha do açaí usado para subir no caule da árvore de açaí a fim de coletar o fruto.

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