ACESSO À RECONSTRUÇÃO MAMÁRIA IMEDIATA APÓS MASTECTOMIA NO HOSPITAL CENTRAL DA AERONÁUTICA

ACCESS TO IMMEDIATE BREAST RECONSTRUCTION AFTER MASTECTOMY AT HOSPITAL CENTRAL DA AERONÁUTICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11545866


Luciana Jandre Boechat Alves1, Ana Luiza Telles Leal2, Carolina Cunha Silveira3, Saulo Bandeira Dias4, Tania da Rocha Santos5, Ana Paula Jandre Boechat6


RESUMO

Objetivo: avaliar o acesso de pacientes com câncer de mama à reconstrução mamária imediata após mastectomia, no Hospital Central da Aeronáutica, entre setembro de 2018 e junho de 2022. Métodos: estudo observacional retrospectivo, por revisão de prontuário. Resultados: No período estudado, foram realizadas 87 mastectomias. Desse total, 30 pacientes realizaram reconstrução mamária imediata.Todas as pacientes que não foram submetidas à reconstrução imediata apresentavam contra-indicações para realização ou não desejavam fazê-la. Conclusão: As pacientes portadoras de câncer de mama com indicação de mastectomia e sem contra-indicações à reconstrução mamária imediata possuem acesso a essa cirurgia no Hospital Central da Aeronáutica, diminuindo o impacto negativo da doença na imagem corporal feminina e as consequências psicossociais relativas à mastectomia. O presente estudo, reforça a posição da Unidade Hospitalar dentro dos centros de excelência do País. 

Descritores: Mama, Câncer de Mama, Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos, Mamoplastia

ABSTRACT

Objective: to evaluate the access of patients with breast cancer to immediate breast reconstruction after mastectomy, at the Hospital Central da Aeronáutica, between September 2018 and June 2022. Method: retrospective observational study, by reviewing medical records. Results: during the studied period, 87 mastectomies were performed. Of this total, 30 patients underwent immediate breast reconstruction surgery. All patients who did not undergo immediate reconstruction had contraindications to it or did not wish to undergo it. Conclusion: patients with breast cancer with indication for mastectomy and without contraindications to breast reconstruction have immediate access to this surgery at the Hospital Central da Aeronáutica, tracking the negative impact of the disease on female body image and the psychosocial consequences related to mastectomy. This study reinforces the position of the Hospital Unit within the country’s centers of excellence.

Keywords: Breast, Breast Neoplasms, Reconstructive Surgical Procedures, Mammaplasty

INTRODUÇÃO

Em 1894, foi publicado o trabalho de Halsted1, que descreveu a técnica da mastectomia radical, que consiste na retirada de toda a mama, músculos peitoral maior e menor e conteúdo axilar. Esse tratamento aumentou as taxas de sobrevida das pacientes com câncer de mama, porém, a deformidade decorrente dessa cirurgia estimulou o surgimento de estudos visando o desenvolvimento de uma técnica cirúrgica menos mutilante, mantendo a mesma eficácia2,3

Em 1948, Patey descreveu a mastectomia radical modificada, em que o músculo peitoral maior era preservado, técnica alterada por Madden em 1965, com preservação dos músculos peitorais e remoção apenas da mama e conteúdo axilar1.

O surgimento de novos medicamentos, de tratamentos como a radioterapia, e o diagnóstico precoce devido à evolução de técnicas diagnósticas, como a mamografia, possibilitaram procedimentos menos agressivos, em que a mama é preservada e é retirado apenas o tumor com margem de segurança, mantendo-se os mesmos resultados da cirurgia radical4,5

Atualmente, é possível tratar muitos casos, com a mesma eficácia, somente com a retirada de um segmento de mama e complementação da cirurgia com sessões de radioterapia5. Ainda assim, algumas pacientes possuem indicação de mastectomia, que consiste na retirada completa da mama, o que traz prejuízo à compreensão de autoimagem corporal pela mulher e dificuldade de aceitação do tratamento4.

Dessa forma, todas as mulheres que passam por cirurgia de câncer de mama tem direito à reconstrução mamária, conforme dispõe a Lei nº 13.770, de 19 de dezembro de 2018, do Governo Federal6

Vale ressaltar, que segundo dados extraídos do DATASUS, apenas 20% das mulheres brasileiras realizaram cirurgia de reconstrução mamária imediata após a mastectomia7.

OBJETIVO

Avaliar o acesso de pacientes com câncer de mama à reconstrução mamária imediata após mastectomia, no Hospital Central da Aeronáutica, no período compreendido entre setembro de 2018 e junho de 2022. 

METODOLOGIA

Estudo observacional, retrospectivo, por revisão de prontuário médico. Foram revisados os prontuários das pacientes do sexo feminino, que foram submetidas à cirurgia de mastectomia no Hospital Central da Aeronáutica, entre setembro de 2018 e junho de 2022, para avaliar se foi realizada reconstrução imediata da mama e, caso não tenha sido realizada, verificar o motivo para sua não realização. 

RESULTADOS

No período estudado, foram realizadas 87 mastectomias no Hospital Central da Aeronáutica, incluindo as diferentes técnicas dessa cirurgia, sejam elas: adenomastectomia, mastectomia poupadora de pele, mastectomia simples e mastectomia radical modificada à Madden. Desse total, 30 pacientes realizaram reconstrução mamária imediata, ou seja, mais de 30% dos casos. Todas as pacientes que não foram submetidas à reconstrução imediata apresentavam condições que justificavam a não realização, como idade avançada, comorbidades proibitivas ao aumento do tempo cirúrgico, necessidade de radioterapia adjuvante, doença localmente avançada ou opção pessoal de não realizar o procedimento reconstrutivo. 

DISCUSSÃO

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais comum entre as mulheres brasileiras, à exceção do câncer de pele não melanoma8. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer, em 2023, foram estimados 73.610 novos casos da doença9. Trata-se de uma doença heterogênea, com uma ampla gama de possibilidades terapêuticas de acordo com cada caso10. Quando descoberta em suas fases iniciais, o tratamento cirúrgico pode ser menos radical12. Porém, a doença inicial é assintomática, na maioria dos casos, somente visível nos exames de imagem12. Esse fato reforça a importância dos programas de rastreio mamográfico, em que mulheres sem sinais ou sintomas podem ser diagnosticadas em estágios iniciais, em que a chance de cura é muito grande10.

Diante da prevalência elevada e em faixas etárias cada vez mais jovens8,9, o tratamento do câncer de mama apresenta constante evolução, com surgimento crescente de novas drogas para refinamento do tratamento11. Isso permitiu que o tratamento cirúrgico se tornasse menos radical, e muitas mulheres acometidas podem ser adequadamente tratadas com a cirurgia conservadora, em que a mama é preservada, sendo retirado somente o tumor com margem de segurança12. Nas cirurgias conservadoras, o tratamento adjuvante com radioterapia é fundamental13

Ainda assim, em alguns casos, não se consegue obter o tratamento adequado com a cirurgia conservadora e a mastectomia se faz necessária. A possibilidade de retirada da mama torna ainda mais difícil a aceitação da doença e do tratamento para muitas mulheres. Diante disso, a ciência também evoluiu e diversas técnicas de reconstrução mamária foram desenvolvidas14

A reconstrução de mama pode ser imediata ou tardia. A reconstrução imediata é realizada após a mastectomia, na mesma cirurgia. A técnica mais comum envolve a colocação de expansor de tecido ou prótese mamária14. Porém, em caso de lesões mais extensas, com necessidade de grandes excisões de pele, o cirurgião plástico consegue realizar a reconstrução utilizando retalhos miocutâneos de outras áreas do corpo da própria paciente15,16.  

A reconstrução de mama traz à mulher a possibilidade de tratar sua doença de forma adequada sem se sentir mutilada, aumentando a aceitação ao tratamento com maior adesão às terapias propostas 14. Porém, em determinadas situações, a reconstrução imediata é contra indicada, por aumentar o risco cirúrgico de forma injustificável 15. Por exemplo, no caso de pacientes com algumas comorbidades, em que o aumento do tempo cirúrgico necessário para que se realize a reconstrução imediata a torna proibitiva. Além disso, pacientes com diagnóstico de carcinoma inflamatório também não devem realizar a reconstrução imediata, pois há grande risco de complicações pós-operatórias. Há também mulheres que não desejam a reconstrução imediata e essa vontade deve ser respeitada17

É importante orientar a paciente que a reconstrução de mama também pode ser tardia, em outra cirurgia posterior à mastectomia18. A reconstrução tardia pode ser realizada a qualquer momento, desde que haja condições clínicas para tal. Vale ressaltar, que no Brasil a falta recursos, centros médicos e profissionais especializados são causa importante para sua não realização19

CONCLUSÃO

Todas as mulheres que passam por cirurgia de câncer de mama são candidatas à reconstrução mamária, uma vez que o tratamento gera algum grau de mutilação. A Lei nº 13.770, de 19 de dezembro de 2018, do Governo Federal, dispõe sobre a cirurgia plástica reconstrutiva da mama em casos de mutilação decorrente de tratamento de câncer6. Em caso de impossibilidade de reconstrução imediata, a paciente será encaminhada para acompanhamento e terá garantida a realização da cirurgia imediatamente após alcançar as condições clínicas requeridas. As pacientes portadoras de câncer de mama com indicação de mastectomia e sem contra-indicações à reconstrução mamária imediata possuem acesso a essa cirurgia no Hospital Central da Aeronáutica, diminuindo o impacto negativo da doença na imagem corporal feminina e as consequências psicossociais relativas à mastectomia. O Hospital tem uma taxa de reconstrução proporcional 50% maior que o SUS. O presente estudo, reforça a posição da Unidade Hospitalar dentro dos centros de excelência em diagnóstico e tratamento do câncer de mama do País. 

REFERÊNCIAS

1. Hermann RE, Steiger E. Modified radical mastectomy. Surg Clin North Am. 1978;58(4):746-54.

2. Clough KB, Kroll SS, Audretsch WN. An approuch to the repair of partial mastectomy defects. Plast Reconstr Surg. 1999 Aug.; 104(2):409-19.

3. Madden JL. Modified radical mastectomy. Surg Gynecol Obstet. 1965;121:1221-30.

4. Bonadonna G, Veronesi U, Brambilla C, Ferrari L, Luini A, Greco M, et al.. Primary chemotherapy to avoid mastectomy in tumors with diameters of three centimeters or more. J Nat Cancer Inst. 1990;82(19):1539-45

5. Veronesi U, Saccozzi R, Del Vecchio M, Banfi A, Clemente C, De Lena M, et al. Comparing radical mastectomy with quadrantectomy, axillary dissection and radiotherapy in pacient with small cancer of breast. N Engl J Med. 1981;305:6-11.

6. Diário Oficial da União, de 20/12/2018 [acesso em 2022 ago 8]. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=515&pagina=1&data=20/12/2018&totalArquivos=243

7. Apenas 20% das mulheres tiveram suas mamas reconstruídas no Brasil entre 2008 e 2015. Sbmastologia,2018; Disponível em: » https://www.sbmastologia.com.br/releases/apenas-20-das-mulheres-tiveram-suas-mamas-reconstruidas-no-brasil-entre-2008-e-2015/ Acesso em: 29 de maio, 2024

8. Brasil, Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Câncer de mama: vamos falar sobre isso? / Instituto Nacional de Câncer.
8. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: INCA, 2023.

9. Brasil, Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: INCA, 2022.

10. Frasson A, Novita G, Brenelli F, Luzzatto F, Berrettino Júnior A, Cavalcante FP, et al., editores. Doenças da mama: guia de bolso baseado em evidências. 3ª edição. São Paulo Atheneu; 2022.

11. National Comprehensive Cancer Network. NCCN Clinical Practices in Oncology [internet]. Philadelphia: NCCN; 2023 [acesso em 2023 ago 10]. Disponível em: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/default.aspx .

12. Osborne MP, Orminston N, Harmer CL, McKinna JA, Baker J, Greening WP. Breast conservation in the treatment of early breast cancer – A 20-year follow-up. Cancer. 1984;53:349-55.

13. Nevin JE, Baggerly JT, Laird TK. Radiotherapy as an adjuvant in the treatment of carcinoma of the breast. Cancer. 1982;9:1194-200.

14. Bostwick J, Vasconez LO, Jurkiewics MJ. Breast reconstruction after a radical mastectomy. Plast Reconstr Surg. 1978;61:682-93.

15. Petit JY, Rietjens M, Garusi C. Breast reconstructive techniques in cancer patients: which ones, when to apply, which immediate and long term risks?. Crit Rev Oncol Hematol. 2001;38(3):231-9.

16. Hartrampf CR, Scheflan M, Black PW. Breast reconstruction with a transverse abdominal island flap. Plast Reconstr Surg. 1982;69:216-24.

17. Howsepian BA, Merluzzi TV. Religious beliefs, social support, self-efficacy and adjustment to cancer. Psychooncology. 2009;18(10):1069-79

18. Bellino S, Fenocchio M, Zizza M, Rocca G, Bogetti P, Bogetto F. Quality of life of patients who undergo breast reconstruction after mastectomy: effects of personality characteristics. Plast Reconstr Surg. 2011;127(1):10-7.

19. Acesso à cirurgia plástica de reconstrução das mamas ainda é difícil no país. drauziovarella.uol.com.br, 2024. Disponível em:  drauziovarella.uol.com.br/oncologia/acesso-a-cirurgia-plastica-reparadora-das-mamas-ainda-e-dificil-no-pais/ Acesso em: 29 de maio,2024


1Major Médica, Chefe da Seção de Mastologia, Hospital Central da Aeronáutica, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: lucianajandreboechatalves@gmail.com

2Médica residente em Mastologia, Hospital Central da Aeronáutica, Rio de Janeiro – RJ; Rua Werneck da Silva, 11, bloco 1, apt. 203 – Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro/RJ. Telefone (21) 96556-2323, e-mail: analuizat.leal@gmail.com

3Capitão Médica, Médica assistente da Seção de Mastologia, Hospital Central da Aeronáutica, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: carolsilveira2909@gmail.com

4Capitão Médico, Médico assistente da Seção de Mastologia, Hospital Central da Aeronáutica, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: saulobandias@gmail.com

5Capitão Médica, Médica assistente da Seção de Mastologia, Hospital Central da Aeronáutica, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: taniadarocha@gmail.com

6Capitão Médica, Médica assistente da Subdiretoria de Saúde Operacional, Diretoria de Saúde da Aeronáutica, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: apjboechat@gmail.com