HIPOTERMIA TERAPÊUTICA COMO TRATAMENTO APÓS PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA E SEUS BENEFÍCIOS EM PACIENTES EM ESTADO VEGETATIVO: REVISÃO DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11527057


Pedro Augusto de Lima Barroso¹
Charlane Marinho Almeida Urach¹
Ana Rita Bizerra do Nascimento Ribeiro¹
Rejane Saionara dos Santos Tavares¹
Laura Regis Araújo¹
Vivianne Tavares Bezerra Nóbrega¹
Nathalia Franca Falcao Dantas Bronzeado¹
Moisés Filipe Rodrigues Lima Alves Chaves¹
Fernando de Paiva Melo Neto²
Bianca Etelvina Santos de Oliveira³


RESUMO

A aplicação clínica da hipotermia terapêutica tem sido objeto de pesquisa extensiva em uma variedade de contextos médicos, incluindo parada cardiorrespiratória, lesão cerebral traumática e acidente vascular cerebral. Seu mecanismo de ação envolve uma série de processos neuro protetores, incluindo a redução da liberação de neurotransmissores excitatórios, a supressão da atividade metabólica celular e a diminuição da permeabilidade da barreira hematoencefálica. Neste permeio o objetivo desta investigação é analisar na literatura atual os benefícios da hipotermia terapêutica após parada cardiorrespiratória em pacientes em estado vegetativo. O presente trabalho adota uma abordagem bibliográfica de natureza exploratória para investigar a aplicação da hipotermia terapêutica no tratamento pós-parada cardiorrespiratória e seus impactos em pacientes em estado vegetativo. Para isso, foram consultadas diversas fontes de informação primárias e secundárias, incluindo as bases de dados PubMed e Scielo e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A hipotermia terapêutica oferece várias vantagens notáveis, como proteção neuronal, diminuição do edema cerebral, regulação da resposta inflamatória, aprimoramento dos resultados funcionais e aumento da taxa de sobrevivência. Essas vantagens são particularmente significativas para pacientes em estado vegetativo, cuja recuperação neurológica e funcional apresenta desafios específicos. Portanto, a hipotermia terapêutica emerge como uma ferramenta crucial no tratamento de pacientes em estado vegetativo após parada cardiorrespiratória, proporcionando esperança e possibilidades de recuperação neurológica e funcional. Uma aplicação cuidadosa e criteriosa desse método pode abrir novos horizontes na medicina intensiva e na reabilitação neurológica.

Palavras-Chave: Hipotermia; Estado Vegetativo; Parada Cardiorrespiratória.

ABSTRACT

A variety of medical contexts, including cardiopulmonary arrest, traumatic brain injury, and stroke. Its mechanism of action involves a series of neuroprotective processes, including reducing the release of excitatory neurotransmitters, suppressing cellular metabolic activity and decreasing the permeability of the blood-brain barrier. In this context, the objective of this investigation is to analyze in current literature the benefits of therapeutic hypothermia after cardiorespiratory arrest in patients in a vegetative state. The present work adopts an exploratory bibliographical approach to investigate the application of therapeutic hypothermia in post-cardiorespiratory arrest treatment and its impacts on patients in a vegetative state. For this, several primary and secondary sources of information were consulted, including the PubMed and Scielo databases, and the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations. Therapeutic hypothermia offers several notable advantages, such as neuronal protection, decreased cerebral edema, regulation of the inflammatory response, improved functional outcomes, and increased survival rate. These advantages are particularly significant for patients in a vegetative state, whose neurological and functional recovery presents specific challenges. Therefore, therapeutic hypothermia emerges as a crucial tool in the treatment of patients in a vegetative state after cardiorespiratory arrest, providing hope and possibilities for neurological and functional recovery. A careful and judicious application of this method can open new horizons in intensive medicine and neurological rehabilitation.

Keywords: Hypothermia; Vegetative state; Cardiopulmonary arrest.

        1.   INTRODUÇÃO

A Parada Cardiorrespiratória (PCR) é uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo, com taxas de sobrevivência variáveis, muitas vezes dependentes do tempo de resposta e da qualidade da assistência médica imediata. Quando não há uma intervenção rápida e eficaz, as células cerebrais começam a sofrer hipóxia e passam pelo processo de morte celular questão de minutos devido à falta de oxigênio, levando a danos neurológicos irreversíveis (PRADO, 2017).

Esses danos podem se manifestar de diversas maneiras, desde deficiências cognitivas e motoras até a completa perda da função cerebral, resultando em um estado vegetativo persistente (PRADO, 2017).

O estado vegetativo é uma condição clínica complexa que desafia os limites da definição tradicional de morte cerebral. Embora os pacientes em estado vegetativo possam parecer estar “acordados” devido à abertura dos olhos e ciclos de sono-vigília, eles não exibem nenhum comportamento consciente ou resposta intencional ao ambiente. Isso contrasta com o estado de consciência mínima, no qual os pacientes podem mostrar sinais mínimos de consciência, como seguir comandos simples (OLIVEIRA, 2017).

A hipotermia terapêutica tem sido objeto de extensa pesquisa e aplicação clínica em uma variedade de contextos médicos, incluindo PCR, lesão cerebral traumática e acidente vascular cerebral. Seu mecanismo de ação envolve uma série de processos neuroprotetores, incluindo a redução da liberação de neurotransmissores excitatórios, a supressão da atividade metabólica celular e a diminuição da permeabilidade da barreira hematoencefálica (LAZZARINI, 2019).

Além de sua capacidade de minimizar os danos cerebrais agudos após uma PCR, a hipotermia terapêutica também demonstrou influenciar a evolução a longo prazo do paciente. Estudos clínicos e observacionais sugerem que os pacientes submetidos a hipotermia terapêutica após uma PCR têm uma maior chance de recuperação funcional e uma menor incidência de sequelas neurológicas graves em comparação com aqueles tratados apenas com cuidados de suporte convencionais (STORN, 2016).

No entanto, o sucesso da hipotermia terapêutica como tratamento pós-PCR depende de uma série de fatores, incluindo a rapidez com que o procedimento é iniciado após a PCR, a duração e a profundidade do resfriamento, e a qualidade geral dos cuidados prestados ao paciente. Além disso, nem todos os pacientes são candidatos ideais para esse tipo de intervenção, e a decisão de implementar a hipotermia terapêutica deve ser individualizada e baseada em uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios para cada caso (LAZZARINI, 2019).

Embora os resultados clínicos e a aplicabilidade da hipotermia terapêutica em pacientes em estado vegetativo após PCR sejam promissores, ainda há muitas questões em aberto que requerem mais pesquisas e estudos clínicos bem projetados. Essas questões incluem a otimização das estratégias de resfriamento, a identificação de biomarcadores preditivos de resposta ao tratamento e a determinação dos protocolos de reabilitação mais eficazes para pacientes que se recuperam após a hipotermia terapêutica (ABOUT et al., 2016).

Com isso, a hipotermia terapêutica representa uma ferramenta valiosa no arsenal terapêutico para o tratamento pós-PCR e suas potenciais complicações, como o estado vegetativo. No entanto, seu uso requer uma abordagem cuidadosa e multidisciplinar, com uma compreensão abrangente dos benefícios, limitações e considerações éticas associadas a essa técnica inovadora (LAZZARINI, 2019).

Contudo que foi descrito no decorrer da introdução desta pesquisa, vale salientar o objetivo geral da mesma na qual é analisar na literatura atual os benefícios da hipotermia terapêutica após a ocorrência de PCR em pacientes em estado vegetativo.

        2.   MATERIAIS E MÉTODOS

Mediante ao andamento da pesquisa se torna necessário preencher etapas para poder sintetizar o objetivo da investigação da melhor forma, o pesquisador Michel (2015) relata que para ter um produto final da pesquisa são sintetizadas as seguintes fases: a sistematização da pesquisa (desde a escolha do tema até as bases de dados que serão utilizadas) , a categorização (escolha dos critérios de inclusão e exclusão das pesquisas) e tornar acessível da melhor forma os dados que serão construídos mediante ao conhecimento adquirido no processo de ensino – aprendizagem.

[…] o que nos motiva pesquisar algo advém das experiências de vida, sejam pessoais e/ou profissionais, do contexto sociopolítico e econômico vivenciado e das lacunas existentes nas investigações científicas. Desse modo, faz-se necessário ressaltar a profunda necessidade do ato de pesquisar, seja pela constante mutabilidade do conhecimento […] (NETO E CASTRO, 2017, p.155).

Neste sentido, o presente trabalho adota uma abordagem bibliográfica de natureza exploratória para investigar a aplicação da hipotermia terapêutica no tratamento pós-PCR e seus impactos em pacientes em estado vegetativo. Para isso, foram consultadas diversas fontes de informação primárias e secundárias.

[…] elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de: livros, revistas, publicações em periódicos e artigos científicos, jornais, boletins, monografias, dissertações, teses, material cartográfico, internet, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o assunto da pesquisa. Na pesquisa bibliográfica, é importante que o pesquisador verifique a veracidade dos dados obtidos, observando as possíveis incoerências ou contradições que as obras possam apresentar (PRODANOV; FREITAS,

2013, p. 54).

Com relação a pesquisa exploratória, visando aprofundar o entendimento sobre os mecanismos de ação da hipotermia terapêutica e seus efeitos fisiológicos no cérebro e no organismo como um todo. Esta etapa envolveu a análise crítica de estudos experimentais e clínicos, bem como a identificação de lacunas no conhecimento existente.

Em cunho da pesquisa descritiva, com o objetivo de caracterizar os benefícios da hipotermia terapêutica em pacientes de estado vegetativo após PCR. Isso incluiu a análise de casos clínicos, relatos de experiência e ensaios clínicos controlados, a fim de avaliar a eficácia e segurança dessa abordagem terapêutica.

Além disso, foi realizada uma análise qualitativa dos dados, buscando compreender as percepções e experiências de profissionais de saúde, familiares e pacientes em relação ao uso da hipotermia terapêutica como tratamento pós-PCR em pacientes em estado vegetativo.

Para garantir a validade e confiabilidade dos resultados, foram adotados critérios de inclusão e exclusão claros na seleção dos estudos e dados a serem analisados. Além disso, foram utilizadas técnicas de análise de conteúdo para sistematizar e interpretar os dados obtidos, permitindo a identificação de padrões, tendências e discrepâncias na literatura revisada.

Os critérios de inclusão utilizados foram: Artigos publicados entre os anos de 2008, desde as primeiras investigações até o ano de 2023; Trabalhos devidamente indexados nas bases de dados Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), bases de dados na área de saúde tais como Scientific Electronic Library Online (SciELO), United States National Library of Medicine (PubMed) e EBSCP Information Services; artigos nos idiomas inglês e português; textos em formatos open access íntegra; Publicações que contivessem os descritores, verificados na plataforma Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH),

“Hypothermia”; “Vegetative state”; “Cardiopulmonary Arrest” e suas variantes, utilizados de forma individual ou combinados através dos operadores booleanos AND e OR; Estudos com delineamento de pesquisa de caráter ensaio clínico, série de casos, coorte, estudo transversal, estudo observacional, metanálise.

Por outro lado, foram excluídos os trabalhos que não cumpriram algum dos critérios de inclusão, bem como, duplicatas ou estudos que não se enquadram na temática da pesquisa.

Com isso, os resultados obtidos foram discutidos à luz da teoria existente e das evidências encontradas, permitindo uma reflexão crítica sobre a eficácia e os desafios associados ao uso da hipotermia terapêutica como tratamento pós-PCR em pacientes de estado vegetativo. Essa abordagem integrada visa contribuir para o avanço do conhecimento científico e para a melhoria da prática clínica nessa área (LAKATOS, 2020).

  • RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 O Estado Vegetativo após PCR

O termo “estado vegetativo” foi descrito e definido, em 1972, por Bryan Jennett e Fred Plum, para descrever os pacientes que estavam “despertando” do coma, significando que estes abriam seus olhos espontaneamente ou a partir de um estímulo, mas permanecem inconscientes em relação a si próprio ou do ambiente, apresentando apenas algumas respostas motoras reflexas (PUGGINAI, SILVA, 2015).

Sendo assim, podemos dizer que o estado vegetativo consiste numa condição neurológica clínica onde há vigília mas sem a percepção do ambiente em que o mesmo está inserido. Este paciente consegue realizar funções como abrir os olhos, com preservação do ciclo sono-vigília podendo variar em função da gravidade do insulto sofrido pelo sistema nervoso central, preservação das funções autonômicas, mas não apresenta as funções cognitivas e as funções motoras não são voluntárias ( MENDES et al., 2013).

Os doentes em estado vegetativo persistente apresentam drive respiratório preservado até certo grau e muitos respiram espontaneamente e ou com um dispositivo auxiliar como bipap, digerem de forma natural os alimentos e realizam outras funções metabólicas, encontrando-se em uma situação estável clinicamente. No entanto, não conseguem se alimentar sozinhos se não lhes são ofertados e administrados os alimentos e os líquidos necessários para a manutenção sistêmica do organismo, podendo morrer por inanição ou por desidratação, caso não sejam mantidas as medidas de suporte nutricional (MENDES et al., 2013).

Ao falar dos mecanismos que podem levar a um estado vegetativo, temos as lesões cerebrais desencadeadas após PCR, também chamada de “síndrome pós-PCR”, e está relacionada a um complexo processo fisiopatológico de lesão isquêmica e reperfusão. Durante a PCR, a falta de oxigenação cerebral vai resultar em baixa da produção de adenosina trifosfato, perda da integridade das membranas celulares e outras alterações celulares que levarão a apoptose mitocondrial, além de provocar alterações no ácido desoxirribonucleico (DNA) celular. A lesão celular começa com isquemia e reperfusão, mas esta pode durar por horas ou dias após o dano inicial. A lesão neurológica, ocasionada por esse processo fisiopatológico, e suas manifestações clínicas dependem da região cerebral acometida (ALTURKUSTANI, 2016; MENDES et al., 2013).

Nos casos dos pacientes mais graves, eles podem apresentar um estado de coma persistente, e estes indivíduos frequentemente sofrem prejuízos cognitivos mais graves que os tornam completamente dependentes, no entanto, outros recuperam minimamente a consciência ou permanecem em estado vegetativo. Reconhecer os mecanismos fisiopatológicos e da sua relação com as características dos pacientes e manobras de RCP pode melhorar o prognóstico (ALTURKUSTANI, 2016; MENDES et al., 2013).

A PCR permanece como uma das emergências cardiovasculares de grande prevalência e com morbidade e mortalidade elevadas. A criação de protocolos e algoritmos internacionais permitiu a padronização e a organização da assistência médica. O reconhecimento precoce das causas desencadeantes, orientando a intervenção para cada cenário clínico, com ênfase nos cuidados após o retorno à circulação espontânea, trouxe melhorias nos resultados, contribuído ao prognóstico dos pacientes (BERNOCHE et al., 2019).

3.2 Mecanismo de Ação do Controle de Temperatura Hipotalâmico

O mecanismo de ação do controle de temperatura hipotalâmico é fundamental para entender como a hipotermia terapêutica funciona no contexto do tratamento pós-PCR e em pacientes em estado vegetativo (LEÃO, 2015).

O hipotálamo, uma região do encéfalo localizada na base do cérebro, abaixo do tálamo e acima da hipófise, desempenha um papel central na regulação da temperatura corporal, integrando informações sensoriais de diferentes partes do corpo e coordenando respostas fisiológicas para manter a temperatura interna dentro de uma faixa estreita, conhecida como homeostase térmica, conforme está descrito abaixo, mediante Hall et al. (2021):

  • Receptores de temperatura periférica: O hipotálamo recebe informações sobre a temperatura corporal através de receptores localizados na pele e nos tecidos periféricos. Esses receptores detectam mudanças na temperatura ambiente e na temperatura da superfície corporal e transmitem essas informações ao hipotálamo;
  • Centro de controle termorregulatório: O hipotálamo contém um centro de controle termorregulatório composto por várias regiões, incluindo o núcleo pré-óptico anterior (NPO) e o núcleo paraventricular (NPV). Essas regiões recebem sinais dos receptores de temperatura periférica e integram essas informações para gerar respostas apropriadas para manter a temperatura corporal dentro de limites normais;
  • Efeito sobre os sistemas efetores: O hipotálamo coordena respostas fisiológicas para alterar a produção de calor e a perda de calor, ajustando a atividade de sistemas efetores, como os músculos esqueléticos, os vasos sanguíneos periféricos e as glândulas sudoríparas;
    • Produção de calor: Em resposta a uma queda na temperatura corporal, o hipotálamo pode aumentar a produção de calor através de mecanismos como o tremor muscular (termogênese tremorogênica) e o aumento do metabolismo celular (termogênese metabólica), principalmente nos tecidos adiposos e musculares;
    • Perda de calor: Da mesma forma, em resposta a um aumento na temperatura corporal, o hipotálamo pode promover a perda de calor através de mecanismos como a vasodilatação periférica, que aumenta o fluxo sanguíneo para a pele, e a transpiração, que remove o calor do corpo através da evaporação do suor;
  • Resposta à hipotermia terapêutica: No contexto da hipotermia terapêutica, o objetivo é reduzir a temperatura corporal do paciente para um nível controlado e hipotérmico, geralmente entre 32°C e 34°C. Isso é alcançado através de técnicas de resfriamento externo, como o uso de cobertores resfriados, bolsas de gelo ou dispositivos de resfriamento especializados. O hipotálamo desempenha um papel crucial na regulação desse processo, ajustando os mecanismos de produção e perda de calor para alcançar e manter a temperatura corporal alvo.

3.3 Classificação da Hipotermia

A hipotermia terapêutica consiste na redução controlada da temperatura corporal com o objetivo de atenuar o risco de lesões neurológicas. Esta técnica apresenta eficácia devido ao potencial de diminuir a demanda cerebral de oxigênio e oferecer proteção contra a isquemia. Adicionalmente, ela tem o efeito de reduzir a formação de coágulos sanguíneos, o que aumenta significativamente as chances de sobrevivência e ajuda a prevenir sequelas. Como resultado, a hipotermia terapêutica emergiu como um dos primeiros tratamentos eficazes na redução do dano neurológico isquêmico em pacientes após PCR.

[…] Essa técnica tem se demonstrado ser um tratamento eficaz em reduzir o dano isquêmico cerebral produzido dos diferentes insultos neurológicos, como no trauma de crânio, nos acidentes vasculares cerebrais, na hemorragia subaracnóidea e na anóxia induzida pela parada cardíaca[…] (ANDRADE et al., 2011, p.12).

A hipotermia pode ser observada de forma tópica ou sistêmica, ela é considerada como um estado de anormalidade, no qual ocorre o esgotamento dos reguladores cutâneos e nervosos, levando a supressão dos controles hipotalâmicos. De acordo com Rech (2010), em: Hipotermia leve (34ºC a 32ºC), Hipotermia moderada (32ºC a 28ºC) e hipotermia profunda (menor que 28ºC).

No entanto, esta classificação é contestada por alguns autores, que determinam o quadro de hipotermia profunda como os quadros abaixo de 26ºC e outros, inferiores a 32ºC. Esta refutação ocorre porque em alguns casos, pode-se observar a cessação de tremores a 32ºC e, abaixo de 28ºC, o aumento do risco de fibrilação ventricular.

Contudo, estudos enfatizam que a temperatura ideal para se obter o resultado terapêutico desejado seria entre 32ºC e 34ºC . De acordo com Safar e Kochanek (2002), “A melhora dos desfechos atribuída à hipotermia só aconteceu no momento em que se compreenderam seus mecanismos de ação, com o entendimento de que a hipotermia leve (32ºC a 34ºC), ao invés da hipotermia profunda (≤ 30ºC), era suficiente para promover neuroproteção, a custos de efeitos adversos menores.”

3.4 Técnica da Hipotermia

Quando falamos sobre maneiras de resfriamento, o objetivo é encontrar um método que possa induzir a hipotermia de forma rápida, sem o perigo de resfriamento excessivo; manter a temperatura desejada durante o período de estabilização, sem flutuações significativas; permitir um reaquecimento gradual e controlado; ser pouco invasivo e ter custos acessíveis. Existem métodos não invasivos, como o uso de gelo, mantas térmicas, equipamentos comerciais de resfriamento superficial e infusão de soluções geladas. Embora sejam eficazes na indução da hipotermia, esses métodos podem não controlar tão bem a taxa de mudança de temperatura, aumentando o risco de resfriamento excessivo e dificultando o reaquecimento (RECH et al., 2010).

A combinação desses métodos tem sido estudada e mostrou resultados promissores. A infusão rápida de solução salina gelada, pode causar uma queda significativa na temperatura corporal e pode ser administrada mesmo antes da chegada do paciente ao hospital. A aplicação de pacotes de gelo em áreas estratégicas do corpo também é uma maneira simples de manter o resfriamento, mas deve-se ter cuidado para evitar lesões na pele (RECH et al., 2010).

Os equipamentos comerciais de resfriamento superficial, como as pás revestidas de gel condutor de calor, são mais precisos no controle da temperatura e menos propensos a causar resfriamento excessivo. Eles estão conectados a uma unidade que regula a temperatura da água circulante com base nas necessidades do paciente (RECH et al., 2010).

Atualmente, os cateteres endovasculares são considerados os mais eficazes na indução da hipotermia. Eles oferecem um controle preciso da temperatura durante todo o processo e são rápidos na redução da temperatura corporal. No entanto, eles apresentam riscos de complicações, como infecção e trombose venosa, e seu custo é mais elevado. Apesar disso, são menos trabalhosos para a equipe médica em comparação com os métodos convencionais (RECH et al., 2010).

A hipotermia desencadeia uma série de alterações no funcionamento do corpo, e compreender essas mudanças é fundamental para otimizar os benefícios do resfriamento. A hipotermia terapêutica passa por quatro etapas distintas: a identificação dos pacientes, a indução da hipotermia, a manutenção e o reaquecimento (RECH et al., 2010).

Na Identificação dos pacientes: Desde 2003, a ILCOR(Aliança Internacional dos Comitês de Ressuscitação) tem recomendado o emprego da hipotermia terapêutica para todos os pacientes que sobrevivem à parada cardiorrespiratória e permanecem em estado de coma após a reanimação, independentemente do ritmo cardíaco durante a parada e do local onde ocorreu. No entanto, certos critérios de exclusão são aplicados: pacientes reanimados por mais de 60 minutos; aqueles cuja circulação espontânea foi restabelecida há mais de 6 horas; pacientes com histórico de coma anterior à parada cardiorrespiratória; gestantes; pacientes com sangramento ativo, coagulopatia, ou que tenham passado por cirurgia de grande porte nos últimos 14 dias; pacientes em choque cardiogênico ou séptico; e pacientes terminais. Além disso, pacientes que chegam ao hospital já hipotérmicos e preenchem os critérios de exclusão não devem ser reaquecidos (RECH et al., 2010).

Na Indução da hipotermia: A meta de temperatura a ser alcançada situa-se entre 32°C e 34°C. Estudos randomizados e prospectivos com controles históricos têm evidenciado os benefícios neuroprotetores desses níveis de temperatura. Essa faixa representa um equilíbrio entre os benefícios clínicos e os efeitos adversos, os quais se agravam significativamente em temperaturas mais baixas. Abaixo de 31°C, são comuns arritmias cardíacas, e abaixo de 28°C, o risco de fibrilação ventricular aumenta consideravelmente. Além disso, esse intervalo de temperatura (32°C a 34°C) pode ser facilmente alcançado por meio de métodos não invasivos de resfriamento (RECH et al., 2010).

Os exames laboratoriais necessários durante a hipotermia incluem hemograma, contagem de plaquetas, coagulação, eletrólitos e gasometria arterial, a serem realizados no início e a cada 6 ou 12 horas. Pequenas mudanças na coagulação podem ocorrer durante a hipotermia, afetando levemente a formação de coágulos, mas geralmente não causam sangramentos graves. A avaliação da oxigenação sanguínea e os ajustes na ventilação são mais precisos por meio da gasometria arterial, já que a oximetria de pulso não é confiável durante a hipotermia devido à vasoconstrição cutânea (RECH et al., 2010).

A hipotermia também pode causar movimento de íons como potássio, magnésio, cálcio e fósforo para dentro das células, resultando em baixos níveis desses íons no sangue, o que pode levar a arritmias graves. Recomenda-se iniciar a reposição de eletrólitos durante a fase de indução e interrompê-la durante o reaquecimento (RECH et al., 2010).

É fundamental monitorar continuamente a temperatura, buscando mantê-la dentro da faixa de 32ºC a 34ºC ao longo de um período de 24 horas. Além disso, é crucial acompanhar de perto os parâmetros hemodinâmicos desses pacientes. Recomenda-se manter a pressão arterial média acima de 80 mmHg em pacientes pós-parada cardiorrespiratória (PCR), podendo ser necessário administrar fluidos intravenosos e vasopressores para alcançar esses valores. Um vasopressor comumente utilizado durante a hipotermia terapêutica é a noradrenalina (RECH et al., 2010).

A hipotermia é causada por uma resistência à insulina. Para monitorar os níveis de glicose com precisão, é recomendável coletar sangue de acesso venoso, já que a vasoconstrição na pele pode afetar os resultados. Os testes laboratoriais devem ser agendados a cada 6 ou 12 horas, dependendo dos resultados anteriores, e devem incluir os mesmos exames realizados durante a fase de indução. Durante a hipotermia, a oximetria de pulso não é um indicador confiável, portanto, os ajustes na ventilação mecânica devem ser baseados nos valores da gasometria. Anestesia e dor apropriadas são elementos essenciais durante o início da HT (RECH et al., 2010).

O tremor é uma reação física comum na tentativa de regular a temperatura do corpo. O surgimento de tremores é desvantajoso, pois produz calor e atrasa o processo de resfriamento, além de aumentar consideravelmente o uso de oxigênio e a pressão dentro do crânio. midazolam e fentanil são substâncias utilizadas regularmente. Muitas vezes, é necessário adicionar bloqueadores musculares ao plano de anestesia, com o objetivo de controlar a agitação (RECH et al., 2010).

Após 24 horas do início do resfriamento, começa a fase de reaquecimento, que deve ser gradual, com uma taxa de aquecimento de 0,2ºC a 0,4ºC/hora, ao longo de 12 horas, até atingir uma temperatura entre 35ºC e 37ºC. O reaquecimento pode ser passivo ou ativo. No reaquecimento passivo, a temperatura central geralmente chega a 35ºC em cerca de 8 horas. Se o reaquecimento é feito com mantas térmicas, elas devem ser removidas quando a temperatura atingir 35ºC. Se são usados equipamentos de resfriamento externo ou cateteres endovasculares, a velocidade do reaquecimento pode ser programada, o que é uma vantagem desses dispositivos. Durante o reaquecimento, é comum ocorrer instabilidade hemodinâmica, com vasodilatação periférica e hipotensão, devido à síndrome pós-reperfusão. Isso pode exigir doses mais altas de vasopressores (RECH et al., 2010).

Há também preocupação com o desenvolvimento de hipercalemia, pois o potássio que saiu das células durante a hipotermia retorna para o ambiente extracelular. Isso pode acontecer rapidamente e levar a arritmias cardíacas. Portanto, todas as soluções contendo potássio ou magnésio devem ser interrompidas neste momento, assim como a infusão de insulina, para evitar hipoglicemia. Quando a temperatura atinge 35ºC, a sedação contínua é interrompida.

Após o término da terapia de hipotermia, é recomendado tratar a febre agressivamente, se ocorrer, pois está associada a resultados desfavoráveis em pacientes pós-parada cardiorrespiratória (RECH et al., 2010).

3.5 Indicações e Contra Indicações

A hipotermia terapêutica, também conhecida como terapia de resfriamento, emergiu como uma intervenção promissora no tratamento pós-parada cardiorrespiratória (PCR). Em pacientes em estado vegetativo, esta abordagem apresenta uma série de indicações potenciais que visam melhorar os desfechos neurológicos e funcionais. Algumas das principais indicações, conforme Abreu et al. (2015):

  • Proteção Neuronal: A hipotermia terapêutica demonstrou ter efeitos neuroprotetores significativos, reduzindo a cascata de eventos neurodegenerativos que ocorrem após a PCR. Isso pode ajudar a preservar a função cerebral e minimizar danos adicionais nos tecidos neurais;
  • Redução do edema cerebral: A diminuição da temperatura corporal durante a hipotermia terapêutica pode ajudar a reduzir o edema cerebral, um dos principais contribuintes para o aumento da pressão intracraniana após lesões cerebrais agudas. Isso pode prevenir complicações graves, como a herniação cerebral;
  • Supressão da atividade metabólica: A hipotermia terapêutica diminui a taxa metabólica cerebral, reduzindo assim a demanda de oxigênio e nutrientes pelos tecidos cerebrais. Isso pode ser especialmente benéfico em pacientes em estado vegetativo, onde a função cerebral está comprometida e a necessidade de oxigênio é reduzida;
  • Modulação da resposta inflamatória: A temperatura corporal reduzida durante a hipotermia terapêutica pode modular a resposta inflamatória do corpo, reduzindo a liberação de citocinas pró-inflamatórias e diminuindo a permeabilidade vascular. Isso pode ajudar a prevenir danos secundários nos tecidos cerebrais.;
  • Melhora do prognóstico: Vários estudos têm sugerido que a hipotermia terapêutica pode melhorar os desfechos neurológicos e funcionais em pacientes após PCR. Em pacientes em estado vegetativo, isso pode resultar em uma melhoria na consciência, na função cognitiva e na capacidade de interação com o ambiente.

Dando sequência a descrição, segue agora a questão das contraindicações da hipotermia terapêutica em pacientes estado vegetativo: Embora a hipotermia terapêutica ofereça benefícios potenciais em pacientes em estado vegetativo, também existem algumas contraindicações importantes a serem consideradas seguindo a perspectiva de Abreu et al (2015):

  • Instabilidade hemodinâmica: A hipotermia terapêutica pode agravar a instabilidade hemodinâmica em pacientes com disfunção cardiovascular grave. Em pacientes em estado vegetativo que já estão em risco de choque ou hipotensão, a hipotermia terapêutica pode piorar essa condição, comprometendo ainda mais a perfusão cerebral;
  • Coagulopatia grave: Pacientes com coagulopatia grave ou distúrbios hemorrágicos podem apresentar risco aumentado de sangramento durante a hipotermia terapêutica, especialmente se forem submetidos a procedimentos invasivos durante o resfriamento e reaquecimento. Isso pode aumentar o risco de complicações hemorrágicas, incluindo hemorragia intracraniana;
  • Infecção ativa: A hipotermia terapêutica pode suprimir o sistema imunológico do corpo, tornando os pacientes mais suscetíveis a infecções. Em pacientes em estado vegetativo com infecções ativas ou imunossupressão, a hipotermia terapêutica pode aumentar o risco de complicações infecciosas, incluindo pneumonia e sepse;
  • Lesão traumática grave:Em pacientes com lesões traumáticas graves, especialmente lesões com risco de hemorragia ou lesão medular, a hipotermia terapêutica pode interferir na estabilização hemodinâmica e na função neurológica, aumentando o risco de complicações graves;
  • Limitações de recursos: A implementação da hipotermia terapêutica requer recursos especializados, incluindo equipamentos de resfriamento e monitoramento contínuo da temperatura corporal. Em ambientes com recursos limitados, a hipotermia terapêutica pode não ser viável ou segura para pacientes em estado vegetativo.

        4.   CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hipotermia terapêutica emergiu como uma intervenção promissora no tratamento pós-PCR e tem sido objeto de crescente interesse na comunidade médica, especialmente em relação ao seu uso em pacientes em estado vegetativo. Este artigo explorou as indicações, contraindicações e benefícios dessa abordagem inovadora, fornecendo uma visão abrangente de sua aplicação em pacientes com lesões cerebrais graves.

É evidente que a hipotermia terapêutica oferece uma série de vantagens significativas, incluindo proteção neuronal, redução do edema cerebral, modulação da resposta inflamatória, melhora dos desfechos funcionais e aumento da sobrevivência. Esses benefícios são especialmente relevantes para pacientes em estado vegetativo, que enfrentam desafios únicos na recuperação neurológica e funcional.

No entanto, é importante reconhecer que a hipotermia terapêutica não é uma panaceia e apresenta suas próprias limitações e contraindicações. A instabilidade hemodinâmica, coagulopatia grave, infecção ativa, lesão traumática grave e limitações de recursos são considerações importantes que devem ser avaliadas antes de iniciar essa terapia.

À medida que a pesquisa continua a avançar nesta área, é provável que surjam novas abordagens e técnicas para melhorar a eficácia e a segurança da hipotermia terapêutica em pacientes em estado vegetativo. No entanto, mesmo com os avanços tecnológicos, é fundamental manter um enfoque centrado no paciente, priorizando o bem-estar e a qualidade de vida dos indivíduos afetados por lesões cerebrais graves.

Destarte, a hipotermia terapêutica representa uma ferramenta valiosa no arsenal terapêutico para pacientes em estado vegetativo após PCR, oferecendo esperança e oportunidades para a recuperação neurológica e funcional. O seu uso judicioso e criterioso pode abrir caminho para novos horizontes na medicina de cuidados intensivos e na reabilitação neurológica.

REFERÊNCIAS

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¹ Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

² Médico pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)

³ Neurologista e Docente do Curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)