CONHECIMENTO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS NÃO GERIATRAS SOBRE VIOLÊNCIA NO IDOSO

KNOWLEDGE OF NON-GERIATRIC MEDICAL PROFESSIONALS ABOUT VIOLENCE IN THE ELDERLY

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11433804


João Henrique Inácio Ferreira Corrêa1
Vytor Vinicius de Almeida Costa2
Antônio Maria Sousa Amorim Filho3
Bruna Viviane Bacha Miranda4
Juliana Paula Malheiros Dias5
Paula dos Santos Storino6
Tanise Nazaré Maia Costa7


Resumo

A violência contra a população idosa vem crescendo mundialmente, principalmente durante a pandemia do COVID-19, que fez com que a maior parte da população ficasse isolada em casa, interferindo diretamente no aumento de casos de violência na pessoa idosa, pois a maioria é de ordem doméstica. Dessa forma, objetivou-se identificar o nível de conhecimento dos profissionais médicos não geriatras sobre violência no idoso. Tratou-se de um estudo exploratório observacional, de caráter transversal, descritivo e analítico com os médicos não geriatras que realizam atendimentos no Centro de Especialidades Médicas do Cesupa (CEMEC) do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), na UBS Paulo Frota e na UBS Tenoné. Concluiu-se que um grande percentual de médicos apresentou dificuldades em reconhecer a violência contra o idoso, pois muitos respondentes durante os atendimentos que realizavam até suspeitavam que a pessoa idosa sofria violência, entretanto não notificavam às autoridades. Em suma, o público pesquisado apresentou baixo nível de conhecimento sobre violência na pessoa idosa, visto que, ao caracterizar a habilidade desses profissionais em detectar essa violência identificou-se que grande parte não costuma perguntar aos seus pacientes idosos sobre violência, além disso, a maioria também nunca suspeitou de algum caso de violência contra a pessoa idosa e recebeu capacitação acerca dessa temática.

Palavras-chave: Conhecimento. Violência. Idoso.

Abstract

The violence against the elderly population has been growing worldwide, especially during the COVID19 pandemic, which caused the majority of the population to be isolated at home, directly interfering in the increase in cases of violence against the elderly, as the majority are of domestic order. Thus, the objective was to identify the level of knowledge of non-geriatric medical professionals about violence in the elderly. This was an observational, exploratory, cross-sectional, descriptive and analytical study with non-geriatric doctors who provide care at the Centro de Especialidades Médicas do Cesupa (CEMEC) of the Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), at UBS Paulo Frota and at UBS Tenoné. It was concluded that a large percentage of doctors had difficulties in recognizing violence against the elderly, as many respondents, during the care they provided, even suspected that the elderly person was suffering violence, but did not notify the authorities. In short, the researched public presented a low level of knowledge about violence in elderly people, since, when characterizing the ability of these professionals to detect this violence, it was identified that a large part of them do not usually ask their elderly patients about violence, in addition, the majority also never suspected any case of violence against elderly people and received training on this topic.

Keywords: Knowledge. Violence. Elderly.

1   INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, foi observado um aumento expressivo da população idosa em todo o mundo, o qual reflete-se na mudança da pirâmide etária. A redução das taxas de mortalidade e natalidade é responsável por esse fenômeno. Esta diminuição é reflexo da modernidade da sociedade, na qual o número de filhos por família está reduzindo cada vez mais e a inovação tecnológica na área médica está em constante crescimento. O envelhecimento populacional é um desafio para a saúde pública, já que, junto com ele, elevou-se a violência contra a pessoa idosa, impactando diretamente na qualidade de vida dessa população (MAIA; FERREIRA E FERREIRA; et al., 2019).

O Brasil, segundo os dados divulgados pelo IBGE está em processo progressivo de transição demográfica, entretanto o conceito de “envelhecimento ativo” – que consiste no processo de consolidação de oportunidades para a saúde, a participação e segurança, com o intuito de melhorar a qualidade de vida, à medida que as pessoas envelhecem – adotado pela OMS em 2022, está sendo violado frequentemente, principalmente no período após o início da pandemia do COVID-19, no qual essa população tem tido esse direito desrespeitado(DOS SANTOS et al., 2020). Logo, parafraseando Tomiko Born: “não basta viver mais, mas sim com qualidade de vida, dignidade, sabedoria e respeito dos mais jovens, continuando a ser útil à sociedade” (CUNHA et al., 2021).

Em 2002, a OMS definiu violência contra a pessoa idosa como “um ato de acometimento ou omissão, que pode ser tanto intencional como involuntário. O abuso pode ser de natureza física ou psicológica ou pode envolver maus tratos de ordem financeira ou material. Qualquer que seja o tipo de abuso, certamente resultará em sofrimento desnecessário, lesão ou dor, perda ou violação dos direitos humanos e uma redução na qualidade de vida do idoso” (RIBEIRO et al., 2021). 

A violência contra a população idosa vem crescendo mundialmente, principalmente durante a pandemia do COVID-19, que fez com que a maior parte da população ficasse isolada em casa, interferindo diretamente no aumento de casos de violência na pessoa idosa, pois a maioria é de ordem doméstica. Um estudo apoiado pela OMS e publicado na Lancet Global Health em 2017 afirma que quase 16% das pessoas com 60 anos ou mais sofre alguma forma de abuso, seja ele psicológico, financeiro, físico, sexual ou de negligência (YON et al., 2017). O estudo também afirma que se essa proporção não diminuir, o número de vítimas pode alcançar 320 milhões em 2050. No Brasil, esse número também é alarmante. Em 2017, segundo o balanço anual do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), foram registradas 33.133 denúncias de violações contra a pessoa idosa. Destas, 85% ocorreram na casa da própria vítima, sendo mais da metade praticadas pelos próprios filhos da vítima (DE SOUZA LIMA; PALMEIRA; DE MACEDO, 2021). Logo, nota-se que a violência contra a pessoa idosa, na maioria dos casos, ocorre em ambiente doméstico. Esse fato agravou-se desde o início da pandemia do COVID-19, já que, segundo dados do Disque 100, em 2020 foram registrados 48,5 mil casos e entre março e junho desse ano os números cresceram cerca de 59% em relação ao mesmo período em 2019 (LOPES; D´ELBOUX, 2021).

Ao observar as lacunas existentes dentro da atuação do médico não geriatra, bem como o conhecimento limitado acerca da violência contra a pessoa idosa, torna-se fulcral o desenvolvimento de um projeto de pesquisa com foco em analisar e descrever o grau de conhecimento dos profissionais médicos não especialistas sobre a violência contra o idoso, relacionando com o potencial de prevenção e redução da mortalidade na terceira idade. 

Portanto, a realização desse trabalho justifica-se no intuito de dar relevância ao tema e diminuir a negligência profissional em relação aos casos de violência contra o idoso. Além desses aspectos, as experiências acadêmicas vivenciadas pelos autores da presente pesquisa no tocante aos Módulos e Internato do Curso de Graduação em Medicina geraram uma percepção empírica de uma alta prevalência de relatos de pacientes acometidos por violência familiar. Aspecto esse que instigou a elaboração do presente estudo e aprofundamento dessa temática.

Ademais, cabe ressaltar que a temática da violência geriátrica se faz presente de forma demasiada na população brasileira, e por ser muitas vezes negligenciada e não tratada, portanto, cabe ao âmbito acadêmico a análise mais aprofundada desse quesito, bem como, mensurar o nível de conhecimento por parte da comunidade médica acerca desse tema. Em suma, urge pesquisas relacionadas a essa temática e o adequado manejo desses casos durante a prática clínica e consultas.

Diante disso, este trabalho buscou identificar o nível de conhecimento de profissionais médicos não geriatras sobre violência no idoso do Centro de Especialidades de Clínica Médica do CESUPA, localizado em Belém, e de Unidades Básicas de Saúde dos Municípios de Belém e Ananindeua no ano de 2023.

2   METODOLOGIA

2.1Considerações Éticas

O presente estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e desenvolvido observando-se as normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde(“Res 466_2012”, [S.d.]), da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg. Sendo que, a coleta de dados iniciou somente após a sua aprovação por esse CEP supracitado, CAAE: 67281623.0.0000.5169.

2.2 Desenho de Estudo

Tratou-se de um estudo exploratório observacional, de caráter transversal, descritivo e analítico. Sendo que, a pesquisa foi realizada no período de maio a agosto de 2023 com os médicos não geriatras que realizam atendimentos no Centro de Especialidades de Clínica Médica (CEMEC) do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), na Unidade Básica de Saúde Paulo Frota e na Unidade Básica de Saúde do Tenoné, situados nos municípios de Belém e Ananindeua, Estado do Pará.

2.3 População Alvo do Estudo, Amostra e Critérios de Inclusão

O presente estudo utilizou uma amostragem por conveniência, sendo que, a amostra da pesquisa foi composta por 50 médicos não geriatras que realizam consultas e atendimentos à comunidade no CEMEC-CESUPA, na Unidade Básica de Saúde Paulo Frota e na Unidade Básica de Saúde do Tenoné, os quais aceitaram participar do estudo. Sendo que, foram incluídos todos os médicos não geriatras que atendem no CEMEC, na Unidade Básica de Saúde Paulo Frota e na Unidade Básica de Saúde do Tenoné, e estivessem dispostos a participar da pesquisa por livre e espontânea vontade, concordando com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que aceitassem formalmente participar do estudo pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Foram excluídos aqueles profissionais que se negaram a assinar o TCLE e/ou que não responderam adequadamente ao protocolo de pesquisa.

2.4 Coleta de Dados

O levantamento dos dados se deu por meio de um formulário estruturado e elaborado pelos autores da presente pesquisa, tendo o mesmo sido respondido de forma virtual por meio da ferramenta       “Google Forms”,           cujo     link      segue   a          seguir: https://forms.gle/3KQ6DonQcyYZsWZk9. Para tanto, foram abordadas variáveis como: sexo, faixa etária, tempo de graduação, especialidade médica e perguntas específicas relacionadas à temática da violência no idoso.

2.5 Análise de Dados

Considerando os dados coletados para a análise descritiva do presente estudo, estes foram organizados em planilhas no programa Microsoft Excel 2016, sendo que, os gráficos e tabelas foram construídos com as ferramentas disponíveis nos programas Microsoft Word e Excel. E para análise estatística descritiva dos dados coletados, os resultados alcançados foram organizados na forma de tabelas e gráficos apresentando valores absolutos e relativos das variáveis estudadas. 

As variáveis foram testadas quanto à sua normalidade pelo teste Kolmogorov-Smirnov, sendo que, também foi realizada análise bivariada para exploração inicial dos dados e testar a diferença entre as variáveis quantitativas pelo teste t de Student. Sendo que, os testes estatísticos supracitados foram aplicados por meio do programa Software BioEstat 5.0 para Windows, considerando nível de significância de 5% (p≤0,05).

3   RESULTADOS

Foram entrevistados 50 médicos não geriatras que realizam consultas/atendimentos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA – CEMEC, na Unidade Básica de Saúde Paulo Frota e na Unidade Básica de Saúde do Tenoné. Para tanto, o sexo predominante entre os participantes da pesquisa foi o feminino (74%) seguido do masculino (26%), além disso a faixa etária mais prevalente foi entre 40 e 49 anos de idade (38%) seguido da faixa etária de 30 a 39 anos (30%), 50 a 59 anos (20%), acima de 60 anos (10%) e 20 a 29 anos (2%).

E quanto ao tempo que esses médicos completaram a graduação, os participantes indicaram que tinham mais de 20 anos (50%), de 15 a 19 anos (18%), de 10 a 14 anos (16%) e de 5 a 9 anos (16%), conforme descrição na tabela 1. 

A amostra estudada compreende 23 especialidades médicas, sendo que, as especialidades mais prevalentes foram a Pediatria (14%), Medicina de Família e Comunidade (10%), Clínica Médica (10%), Endocrinologia (8%), Nefrologia (6%) e Dermatologia (6%) (Gráfico 1).

Tabela 1 – Caracterização do perfil socioprofissional dos médicos não geriatras do CEMEC, UBS Paulo Frota e UBS Tenoné. Belém e Ananindeua – PA, 2023.

t: Teste t de Student. *p<0,005. Fonte: Protocolo de pesquisa, 2023.

Além disso, verificou-se a habilidade dos profissionais médicos em detectar a violência contra o idoso, sendo que, foi questionado aos participantes se costumam perguntar aos seus pacientes idosos sobre violência, e a maioria indicou que não perguntava (70%) seguido de 30% que perguntavam (Tabela 2).

Outro questionamento foi se durante a prática profissional o médico já suspeitou de algum caso de violência contra o idoso e se a notificou, sendo que, a maioria dos respondentes (44%) indicou que nunca suspeitou de nenhuma violência sofrida pelo seu paciente idoso, 42% dos médicos suspeitaram, mas não notificaram e 14% suspeitou e notificou a violência sofrida pelos pacientes idosos.

Além disso, também foi perguntado se o participante médico sabe ou saberia quais órgãos são competentes para notificação conforme o Estatuto do Idoso, e a maioria indicou o Conselho Municipal do Idoso (68%), Autoridade policial (62%), Delegacias de polícia (56%),

Ministério Público (52%), Conselho Nacional do Idoso (20%), Conselho Estadual do Idoso (10%) e Defensoria Pública (4%).

E por fim, foi perguntado se receberam capacitação sobre violência no idoso e caso a resposta fosse positiva, onde receberam essa capacitação. Com isso, os respondentes indicaram que não receberam treinamento acerca dessa temática (90%) e 10% que receberam, e dos que receberam, 6% tiveram essa capacitação em Congresso ou eventos científicos, 2% na Residência ou Pós-graduação e 2% durante a Graduação (Tabela 2).

Tabela 2 – Caracterização da habilidade dos profissionais médicos não geriatras do CEMEC, UBS Paulo Frota e UBS Tenoné em detectar a violência contra o idoso. Belém e Ananindeua – PA, 2023.

t: Teste t de Student. *p<0,005. Fonte: Protocolo de pesquisa, 2023

4   DISCUSSÃO

Ainda que seja notável o crescimento da prevalência da violência contra a pessoa idosa, estudos que tratam do tema ainda são escassos, dificultando comparações entre as diversas regiões do território brasileiro(YON et al., 2017). Para tanto, há uma insuficiência de informações sobre a natureza e a extensão do abuso de idosos em países de baixa renda, sendo que, a maioria dos estudos existentes foi realizado em países de alta renda, fazendo com que estratégias em relação à prevenção e ao tratamento permanecem incipientes(LOPES; D´ELBOUX, 2021). 

De acordo com Bittencout e Silva (BITTENCOUT; DA SILVA, 2018), o aumento da população idosa é significativo, e no Brasil existem projeções demográficas crescentes para as próximas décadas, sendo que, para 2060, a previsão é de que a população acima de 65 anos será de aproximadamente 25% do total de habitantes. Ou seja, a longevidade assume lugar de importância nas políticas públicas e na sociedade, visto que, nesta faixa de idade os indivíduos se apresentam mais vulneráveis a alterações no estado de saúde e a dependências.

Para tanto, a violência sofrida pela pessoa idosa é uma questão importante de saúde pública, e diante desse cenário é esperado um número cada vez maior de idosos vulneráveis(YON et al., 2019). O estudo de Corbi et al.(SILVA, PAULA THAYNÁ; VIEIRA, 2021) estimou a prevalência global da violência sofrida pela pessoa idosa em 15,7%, indicando ainda que 1 em cada 6 adultos acima de 65 anos são subnotificados e mal documentados em decorrência da falta de conhecimento e de consciência sobre o tema. 

Aspecto esse que corrobora com a presente pesquisa, pois verificou-se que 70% dos médicos respondentes indicou que não perguntava sobre violência para o paciente idoso durante a consulta e anamnese do mesmo.

Por conseguinte, há uma escassez de estudos que abranjam essa temática e conforme descreve Rosen(ROSEN et al., 2018), provavelmente uma das principais razões para o baixo número de diagnósticos e notificações de casos é a atitude frequentemente neutra sobre essa questão, além da falta de conhecimento por parte dos médicos da atenção primária à saúde.

Dado esse confirmado pela presente pesquisa, pois 90% dos médicos respondentes indicaram que não receberam treinamento acerca dessa temática.

O estudo de Rathke et al.(RATHKE; COSTA; SOUTO, 2021) assinala que inúmeros profissionais afirmam que conseguem identificar os casos de violência, estando entre os mais comuns o abandono e a negligência, porém preferem que as denúncias sejam realizadas pela família ou pelo próprio idoso, pois a equipe tem medo da reação dos agressores. Corroborando com a presente pesquisa, visto que, 42% dos médicos respondentes indicaram que suspeitaram de violência durante a consulta, mas não notificaram.

Com isso, Coelho et al. (RATHKE; COSTA; SOUTO, 2021)acrescentam que os profissionais acreditam que a falta de apoio e de comunicação entre os setores responsáveis pelo atendimento do idoso vítima de violência prejudica diretamente o decorrer de todo processo de atenção a essas pessoas. Já para Cardoso et al.(CARDOSO DOS SANTOS et al., 2021), há o entendimento de que, tanto na esfera federal como estadual e municipal, as ações de combate à violência encontram obstáculos na operacionalização da rede de atenção à saúde, a qual carece de serviços assistenciais, recursos financeiros e pessoas capacitadas para lidar com as situações de violência. E avanços nessa direção demandam a compreensão ampliada do fenômeno, uma gestão envolvida com o estabelecimento dos fluxos e definição de estratégias diversificadas de reconhecimento e enfrentamento(ALARCON et al., 2021).

Quanto à notificação dos casos de violência à pessoa idosa, o estudo de Silva et al.(VERNASQUE et al., 2022) salienta que 1 a cada 6 idosos são violentados, porém apenas 1 a cada 24 casos são notificados. E essa subnotificação é decorrente do medo de denunciar, visto que, na maioria das vezes, o agressor faz parte do núcleo familiar. Portanto, é de extrema importância que profissionais e gestores se mantenham atualizados e capacitados em relação à violência, para que consigam identificar os idosos vitimados e adotar as condutas apropriadas, a fim de evitar suas consequências(CASTRO; RISSARDO; CARREIRA, 2018).

E tendo em vista os aspectos citados acima, 6% dos médicos respondentes da presente pesquisa tiveram essa capacitação em Congresso ou eventos científicos, e 2% na Residência ou Pós-graduação. Quantitativos discretos, embora evidencie que essa temática está presente no âmbito acadêmico-científico.

O serviço de saúde é um local considerado essencial para o reconhecimento dos casos de violência, tendo os profissionais de Medicina destaque no desenvolvimento de práticas interativas e cuidado integral, repercutindo na educação e promoção da saúde(OLIVEIRA et al., 2018). Ou seja, esses profissionais de saúde devem aproveitar as oportunidades de aproximação com idosos e familiares, pois, nesses momentos, conseguem investigar situações de violência que podem ocorrer com os idosos que buscam os serviços de saúde, como ambulatórios, serviços de urgência e emergência e, especialmente, os serviços de Atenção Primária à Saúde. como é caso da presente pesquisa, que foi realizada em uma Clínica Escola de atendimento à comunidade, bem como em duas Unidades Básicas de Saúde.

Como se vê, muitos profissionais ainda apresentam dificuldades para agir perante a situação da violência no idoso, especialmente para a realização da denúncia(SCHENKER; COSTA, 2019). E em decorrência dessa problemática, o estudo de Carneiro et al.(CARNEIRO; SOUTO, 2021) verificou que a utilização do treinamento para o ensino dessa temática nas modalidades on-line tem sido uma alternativa assertiva e eficaz. E esses treinamentos caracterizam-se como atividades de ensino e aprendizagem que têm como finalidade   o ensino de uma nova habilidade, pois são realizados em locais controlados e em muitas ocasiões ocorrem simulando situações reais, proporcionando uma vivência fictícia, contudo, muito próxima da realidade(ALDERSON et al., 2022).

Para Maia et al.(MAIA; FERREIRA; et al., 2019) a educação em saúde promove uma transformação social, sendo o diálogo e a discussão medidas essenciais à mudança e conscientização das pessoas, pois tanto as vozes dos profissionais quanto da população em geral são ouvidas, levando-se em consideração o conhecimento e interesse de cada indivíduo. Neste contexto, os profissionais de saúde, incluindo os de Medicina, possuem um importante papel no enfrentamento deste problema, por meio da escuta sensível e observação atenta da comunicação, do comportamento, das expressões e dos fatores de risco(OLIVEIRA et al., 2018). 

Mesmo sendo um desafio, o enfrentamento da violência contra os idosos é latente nos serviços de saúde, principalmente porque muitos casos poderiam ser evitados se houvesse maior empenho e ações de intervenção e educação direcionadas aos familiares e cuidadores de idosos(DOS SANTOS et al., 2020). Entretanto, os serviços de saúde não transparecem estar preparados para atender essa parcela populacional vítima de violência, e necessitam adequar tanto a capacitação como a estrutura organizacional para que possam acolher apropriadamente esses idosos(SALIBA et al., 2007).

Aspecto esse discordante do presente estudo, pois também foi perguntado se o médico respondente sabe ou saberia quais órgãos são competentes para notificação conforme o Estatuto do Idoso, e a maioria indicou o Conselho Municipal do Idoso (68%), a Autoridade Policial (62%) e as Delegacias de Polícia (56%), indicando saberem como direcionar casos de violência ao paciente idoso.

O estudo de Silva et al.(SILVA, ELAIANE DOS SANTOS et al., 2019) reitera que os serviços de saúde devem estar preparados para a investigação e identificação dos casos de violência e maus-tratos, cabendo aos profissionais de saúde uma ação coordenada com outros profissionais para traçarem intervenções capazes de gerar efeitos positivos nos indicadores de violência contra a pessoa idosa.

Já para Lima et al.(BEZERRA; SAMPAIO, 2020), os profissionais de saúde são considerados essenciais na identificação de indivíduos e grupos populacionais de risco para a violência, pela posição que ocupam na prestação de serviços à população, e para a promoção e prevenção. Sendo que há uma crescente necessidade de atendimento às vítimas de violência que chegam aos serviços de saúde, o que evidencia a precariedade na estrutura do sistema de saúde e dificuldades de seus profissionais no atendimento e acompanhamento dessas pessoas, contribuindo para a reincidência e agravamento de casos(GRAZIELLE; LOPES, 2025).

Para Pampolim e Leite(ALMEIDA et al., 2019) a violência mais comum sofrida pelo idoso é a negligência, representada pela ausência de cuidados básicos da família para com o idoso quanto à saúde, higiene e alimentação.  Além disso, a negligência e o abandono podem preceder episódios de violência física, tornando a situação uma sucessão de abusos à pessoa idosa(ALMEIDA et al., 2019). E nos atendimentos rotineiros urge a atenção na comunicação do idoso, no seu comportamento, gesticulações e nas suas expressões faciais. Tal conduta pode ser muito mais relevante do que apenas se restringir a evidências como lesões, déficits ou incapacidades, podendo muitas vezes ser o único recurso para a detecção de alguma situação de abusos ou maus tratos(MENDONÇA et al., 2020).

Por fim, o estudo de Machado et al.(MACHADO et al., 2020) conduzido em 204 municípios das cinco macrorregiões do Brasil registrou que 40% dos idosos vítimas de violência não relataram o fato à pessoas conhecidas ou à órgãos competentes. Ou seja, é consenso que as diferentes formas de manifestação da violência e seu impacto no processo saúde-adoecimento vêm exigindo novas formas de abordar o problema nos serviços de saúde, demandando a readequação do processo de trabalho e a organização em rede para consolidar o que é preconizado pelas políticas públicas brasileiras (SILVA, PAULA THAYNÁ; VIEIRA, 2021).

5   CONCLUSÃO

Quanto ao perfil socioprofissional e formação educacional dos participantes da pesquisa, constatou-se que a maioria é do sexo feminino, com faixa etária entre 40 e 49 anos e mais de 20 anos de formação. Bem como, as especialidades mais prevalentes foram a Pediatria, a Clínica Médica, e Medicina da Família e Comunidade.

Em relação ao nível de conhecimento sobre violência no idoso, concluiu-se que os participantes apresentam baixo nível, visto que, ao caracterizar a habilidade desses profissionais em detectar a violência contra o idoso identificou-se que a maioria não costuma perguntar aos seus pacientes idosos sobre violência, além disso, a maioria também nunca suspeitou de algum caso de violência contra o idoso e recebeu capacitação acerca dessa temática. Entretanto, salientamos que não se trata de ausência de expertise e competência acadêmico-profissionais, mas sim, de um conhecimento específico e de uma problemática cada vez mais rotineira nos serviços de saúde.

Um dado alarmante da presente pesquisa reside ao fato que muitos médicos apresentam dificuldades em reconhecer a violência contra o idoso, pois muitos respondentes durante os atendimentos suspeitaram de violência, mas não notificaram, além de que alguns suspeitaram, mas não notificaram. Com isso, cabe salientar a importância do conhecimento e atuação preventiva contra a violência no idoso por parte da equipe de saúde, principalmente na atenção primária à saúde e rede assistencial de apoio à pessoa idosa.

Por fim, é necessário capacitar os profissionais médicos para a realização das notificações, das condutas a serem realizadas frente à violência física ou psicológica ao idoso, e consequentemente facilitar a solução do problema em questão, bem como é importante capacitá-los quanto ao Estatuto do Idoso durante a formação acadêmica e/ou ingresso nos serviços de saúde.

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1 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Campus João Paulo do Valle Mendes. E-mail: jhifc0512@gmail.com
2 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Campus João Paulo do Valle Mendes. E-mail: vytordr@gmail.com
3 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Campus João Paulo do Valle Mendes. E-mail: Antoonioamorim@gmail.com
4 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Campus João Paulo do Valle Mendes. E-mail: bruh111@hotmail.com
5 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Campus João Paulo do Valle Mendes. E-mail: julianamalheirosdias@gmail.com
6 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Campus João Paulo do Valle Mendes. E-mail: paulastorino@gmail.com
7 Docente do Curso de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará. Mestre em Ensino em Saúde da Amazônia pela Universidade do Estado do Pará. E-mail: tanise.costa@prof.cesupa.br