PERFIL DO PACIENTE PEDIÁTRICO COM OSTOMIA INTESTINAL

PROFILE OF PEDIATRIC PATIENTS WITH INTESTINAL OSTOMY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11320042


Auriane de Sousa Alencar1#; Ivo Lima Viana2; Rogério de Araújo Medeiros³; Edinaldo Gonçalves de Miranda4.


RESUMO

Aostomia intestinal consiste em uma estratégia cirúrgica na qual é realizada uma abertura alternativa do intestino delgado ou cólon, sendo as principais indicações: anomalia anorretal e doença de Hirschsprung. OBJETIVO: Esse trabalho visa elaborar e avaliar o perfil dos pacientes ostomizados pediátricos. MÉTODOS: Esse é um estudo observacional transversal baseado na obtenção de dados dos prontuários de pacientes internados no Hospital Infantil Lucídio Potella (HILP), no período de janeiro de 2020 a julho de 2023 e que estavam/foram estomizados no período da coleta. Esse estudo conta com uma amostra de 66 pacientes. RESULTADOS: Houve prevalência do sexo masculino, 42 (63,6%). A minoria era da capital do estado, 17 (25,8%). Quase metade da amostra ainda não está em idade escolar, 31 (47,7%). A maioria não possui uma renda familiar fixa, 41 (65,1%), e recebe algum benefício social, 40 (60,6%), com destaque para o Bolsa Família, 30 (76,9%). Realizaram enterostomia com 361,2 dias de vida e levaram 1091,43 para realizar o fechamento. 38 pacientes (60,3%) fazem uso de bolsa de colostomia. A minoria possui comorbidades, 17 (23%). A maioria passou por enterostomia devido a anomalia anorretal, 24 (36,4%). Com relação à ostomia, preferências quanto a localização, tipo de ostomia e modo de exteriorização foram: quadrante inferior esquerdo, 41 (63,1%); colostomia de cólon descendente/sigmoide, 49 (74,2%); em alça, 32 (49,2%). A maior parte dos pacientes, 61 (96,8%), realizou o fechamento da colostomia, com 3,48 anos de idade. CONCLUSÃO: Com o presente estudo, traçou-se o perfil dos pacientes submetidos a enterostomia.

PALAVRAS-CHAVE: Cirurgia pediátrica; Ostomia intestinal; Reconstrução de Trânsito Intestinal; Anomalia Anorretal; Pediatria.

ABSTRACT

Intestinal ostomy consists of a surgical strategy in which an alternative opening of the small intestine or colon is performed, the main indications being: anorectal anomaly and Hirschsprung’s disease. OBJECTIVE: This work aims to develop and evaluate the profile of pediatric ostomy patients. METHODS: This is a cross-sectional observational study based on obtaining data from the medical records of patients admitted to Hospital Infantil Lucídio Potella (HILP), from January 2020 to July 2023 and who were/were ostomized during the collection period. This study has a sample of 66 patients. RESULTS: There was a prevalence of males, 42 (63.6%). The minority was from the state capital, 17 (25.8%). Almost half of the sample is not yet of school age, 31 (47.7%). The majority do not have a fixed family income, 41 (65.1%), and receive some social benefit, 40 (60.6%), with emphasis on Bolsa Família, 30 (76.9%). They performed an enterostomy at 361.2 days of age and took 1091.43 days to complete the closure. 38 patients (60.3%) use a colostomy bag. The minority has comorbidities, 17 (23%). The majority underwent enterostomy due to anorectal anomaly, 24 (36.4%). Regarding the stoma, preferences regarding location, type of stoma and method of externalization were: lower left quadrant, 41 (63.1%); descending/sigmoid colon colostomy, 49 (74.2%); in loop, 32 (49.2%). The majority of patients, 61 (96.8%), underwent colostomy closure, at 3.48 years of age. CONCLUSION: With this study, the profile of patients undergoing enterostomy was outlined.

Keywords: Pediatric surgery; Intestinal ostomy; Intestinal Transit Reconstruction; Anorectal Anomaly; Pediatrics

INTRODUÇÃO

A enterostomia consiste em uma estratégia cirúrgica, na qual é realizada uma abertura alternativa do intestino delgado (ileostomia) ou do cólon (colostomia). Dependendo da técnica cirúrgica aplicada, ela pode ser classificada de forma variável, além de poder ser realizada em diferentes segmentos anatômicos (ROCHA JJR, 2021). Além disso, mesmo que estejam sujeitas a algumas complicações, as enterostomias são consideradas procedimentos seguros. Quando o paciente passa por preparo adequado e havendo boa execução da técnica cirúrgica, a taxa de mortalidade associada à sua realização é baixa (SANTOS, et al., 2024).

Nos pacientes pediátricos, as enterostomias podem ser aplicadas para manejar uma significativa variedade de condições, com destaque para alterações congênitas, a exemplo: malformações anorretais; atresia intestinal; e Doença de Hirschsprung. Destaque também para condições adquiridas, como enterocolite necrotizante. Além delas, traumas, Doença de Crohn e colite ulcerativa são situações menos comuns, mas que podem indicar o procedimento. Em uma fase mais tardia da infância, a ostomia no segmento intestinal também pode ser uma opção para distúrbios de motilidade, como a constipação funcional intratável, para crianças com doença inflamatória intestinal, ou mesmo para pseudo-obstruções intestinais (VRISMAN, MH, et al., 2020), (CARVALHO AF, 2024). Sendo assim, na população pediátrica, as enterostomias são majoritariamente temporárias e, a depender da doença de base e dos procedimentos cirúrgicos necessários, pode ocorrer a reconstrução do trânsito gastrointestinal (EGITO ETBN, et al., 2024).

Entretanto, mesmo com o preparo adequado, e, apesar da baixa taxa de mortalidade associada, as crianças submetidas à enterostomia estão sujeitas a diversas complicações, como: sangramento; vazamento com perda de fluidos e eletrólitos; infecção; prolapso ou retração do estoma; obstrução intestinal; isquemia local; e baixo ganho de peso em cerca de 41% dos pacientes (SAKAMOTO R, et al., 2021)

Em primeiro lugar, a análise do perfil dos pacientes com ostomias de eliminação permite uma melhor compreensão das condições médicas subjacentes que levam à necessidade desse procedimento cirúrgico. Identificar as principais indicações para a realização de ostomias em pacientes pediátricos pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento mais eficazes dessas condições.

Além disso, entender as características demográficas dos pacientes com ostomias em um ambiente hospitalar específico, como idade, sexo e histórico médico-familiar, pode fornecer insights valiosos para aprimorar o planejamento e a entrega de cuidados de saúde pediátrica. Essas informações podem ajudar os profissionais de saúde a adaptar as intervenções clínicas e educacionais às necessidades específicas desses pacientes, melhorando assim sua qualidade de vida e resultados de saúde a longo prazo.

Outra razão para a realização deste trabalho é a possibilidade de identificar disparidades no acesso aos cuidados de saúde relacionados às ostomias entre diferentes grupos de pacientes pediátricos. Analisar se existem diferenças no perfil dos pacientes com ostomias em termos de características socioeconômicas, geográficas pode fornecer dados importantes sobre potenciais desafios no acesso equitativo aos serviços de saúde pediátrico.

Diante do exposto, observa-se que a enterostomia é um importante procedimento utilizado como terapêutica dentro da cirurgia pediátrica, sobretudo àqueles pacientes com malformações congênitas. No entanto, existem várias situações que restringem seu uso e complicações graves advindas da inserção desse tipo de acesso, evidenciando, assim, a relevância de estudos que avaliem a utilização desse dispositivo na pediatria. Ademais, com base na literatura a qual obteve-se acesso, há uma escassez de estudos a nível local que façam esse tipo de análise, reforçando a importância da presente pesquisa.

Por fim, a análise do perfil dos pacientes com ostomias de eliminação em um hospital pediátrico de referência em Teresina contribui para a base de conhecimento científico existente sobre essa população específica. Os resultados deste estudo podem servir como base para futuras pesquisas clínicas e epidemiológicas relacionadas às ostomias em pacientes pediátricos, bem como para o desenvolvimento de políticas de saúde voltadas para a melhoria dos cuidados oferecidos a esses pacientes e suas famílias.

Esse trabalho visa elaborar e avaliar o perfil dos pacientes estomizados no Hospital Infantil Lucídio Portella em Teresina-PI, no que se refere ao perfil clínico e epidemiológico dos pacientes submetidos à enterostomia, além de verificar as principais características do estoma (indicação, localização e técnica cirúrgica utilizada), bem como mensurar o tempo aproximado de fechamento da ostomia.

MÉTODOS

Esse é um estudo observacional transversal, com abordagem descritiva e quantitativa, baseado na obtenção de dados dos prontuários de pacientes internados no Hospital Infantil Lucídio Portella, no período de janeiro de 2020 a julho de 2023 e que estavam/foram estomizados no período da coleta.

Por meio da análise dos prontuários, foram coletados dados suplementares por meio de uma ficha para coleta desenvolvida pelos pesquisadores e sem validação. As variáveis analisadas foram: sexo, procedência, escolaridade, renda familiar, contemplação de benefício social, idade em que realizou enterostomia, uso de bolsa de colostomia, se recebe bolsa de colostomia, materiais utilizados por pacientes além da bolsa de colostomia recebida, tempo decorrido entre enterostomia e seu fechamento, comorbidades, etiologias que levaram à ostomia, localização da ostomia, tipo de ostomia, modo de exteriorização da ostomia, complicações na ostomia, se houve fechamento de colostomia, faixa etária na época do fechamento e permanência hospitalar pós-operatório de fechamento.

Foram incluídos pacientes hospitalizados no serviço onde o estudo foi aplicado e que foram submetidos ao procedimento cirúrgico de enterostomia. Os critérios de exclusão foram: possuir idade superior a 15 anos; e/ou não possuir todos os dados informados no prontuário. Totalizou-se assim, uma amostra de 66 pacientes.

Os dados obtidos foram organizados no programa Microsoft Office Excel versão 2016 e analisados com auxílio do Software Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 26.0. Na análise descritiva, para as variáveis qualitativas foram aplicadas as frequências relativa e absoluta. E para as variáveis quantitativas, foram aplicadas as medidas de posição (média e mediana) e dispersão (desvio padrão).

O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), além de respeitar as determinações da resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, nos seus itens III, IV e V, em conformidade com a PLATAFORMA BRASIL, e garante a confidencialidade, anonimato e não utilização das informações em prejuízo dos indivíduos, como também os riscos são mínimos, pois os dados da pesquisa foram obtidos e analisados de forma anônima e os resultados serão apresentados de forma agregada, não permitindo a identificação dos participantes de pesquisa. O procedimento de coleta de dados teve início somente após a sua aprovação pelo CEP, com número de parecer 5.986.759.

RESULTADOS

Foram analisados prontuários de 66 pacientes. Destes, houve prevalência de indivíduos do sexo masculino, 42 (63,6%), sobre os de sexo feminino, 24 (36,4%) . Quanto à procedência, observou-se que a minoria era da capital do estado, apenas 17 (25,8%), sendo os 74,2% restantes de cidades do interior. Apesar deste dado, há praticamente um equilíbrio entre pacientes advindos de zona urbana e rural (Figura 1).

TABELA 1: Perfil da amostra quanto ao sexo, cidade de origem e zona de origem.

 N*(%)Intervalo de confiança – 95%
GÊNERO  
Masculino42(63,6)(51,6-74,5)
Feminino24(36,4)(25,5-48,4)
CIDADE DE ORIGEM  
Teresina17(25,8)(16,4-37,2)
Outras cidades49(74,2)(62,8-83,6)
ZONA DE ORIGEM  
Zona urbana31(47,0)(35,3-58,9)
Zona rural35(53,0)(41,1-64,7)

*66 pacientes
Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Em relação à escolaridade, quase metade dos pacientes da amostra do presente estudo ainda não estão em idade escolar, 31 (47,7%), e 14 pacientes (21,5%) estavam em idade escolar, porém não frequentavam a escola (figura 1). A maioria dos pacientes não possui uma renda familiar fixa, 41 (65,1%), e a minoria possui renda de 2 a 3 salários mínimos, 7 (11,1%). Outrossim, a maioria recebe algum benefício social, 40 (60,6%), dentre eles, havendo destaque para o Bolsa Família, concedido a 30 (76,9%) dos pacientes da amostra (Tabela 2).

Figura 1 – Perfil da amostra quanto à escolaridade.

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Tabela 2 – Perfil da amostra quanto à renda familiar e recebimento

de benefícios sociais.

 N(%)Intervalo de confiança – 95%
RENDA FAMILIAR  
Sem renda fixa41(65,1)(52,8-76,0)
1 salário mínimo15(23,8)(14,6-35,3)
2-3 salários mínimos7(11,1)(5,1-20,6)
BENEFICIO SOCIAL  
Não26(39,4)(28,3-51,4)
Sim40(60,6)(48,6-71,7)
TIPO DE BENEFICIO SOCIAL  
Bolsa Família30(76,9)(62,1-87,9)
BPC-Loas*9(23,1)(12,1-37,9)

* Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social
Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Da amostra em estudo, 38 pacientes, cerca de 60,3% do total, fazem uso de bolsa de colostomia e, destes, apenas 1 não a recebia. Foi constatado também, que, além de bolsa de colostomia, 49 pacientes (81,7%) fazem uso também de fraudas descartáveis/reutilizáveis (Figura 3).

Tabela 3: Perfil da amostra quanto ao uso de bolsa de colostomia, recebimento de bolsa de colostomia e materiais utilizados.

 N(%)Intervalo de confiança- 95%
USA BOLSA DE COLOSTOMIA  
Não25(39,7)(28,3-52,0)
Sim38(60,3)(48,0-71,7)
RECEBE BOLSA DE COLOSTOMIA  
Não26(41,3)(29,7-53,6)
Sim37(58,7)(46,4-70,3)
MATERIAL UTILIZADO  
Compra bolsa de colostomia11(18,3)(10,2-29,5)
Fralda descartável/material reutilizável49(81,7)(68,6-88,6)

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

No presente estudo, também foi realizado levantamento e apurado que a maioria dos pacientes não possuem comorbidades, apenas 17 (23%) o fazem (Figura 11). Verificou-se ainda que a maioria dos pacientes tiveram que se submeter a enterostomia devido a diagnostico de anomalia anorretal (24 pacientes, correspondente a 36,4% da amostra) e 21 (31,8%) devido ao diagnóstico de doença de Hirschsprung (Figura 2). Dentre as anomalias anorretais, as mais frequentes foram fístulas retovestibular e retoperitoneal, com 7 pacientes cada (28%) (Figura 3).

Figura 2: Perfil da amostra quanto ao diagnóstico

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Figura 3: Perfil da amostra quanto ao tipo de anomalia anorretal

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Com relação à ostomia, as preferências quanto à localização, tipo de ostomia e modo de exteriorização foram, respectivamente: quadrante inferior esquerdo em 41 pacientes (63,1%); colostomia de cólon descendente/sigmoide em 49 pacientes (74,2%); em alça em 32 pacientes (49,2%) (Tabela 4).

Tabela 4 – Perfil da amostra quanto a localização, tipo de ostomia e modo de exteriorização.

LOCALIZAÇÃON(%)Intervalo de confiança-95%
Quadrante inferior direito22(33,8)(23,2-45,9)
Quadrante inferior esquerdo41(63,1)(51,0-74,0)
Quadrante superior esquerdo2(3,1)(0,6-9,5)
TIPO DE ESTOMIA
Cecostomia7(10,6)(4,9-19,7)
Descendente/colón sigmóide49(74,2)(62,8-83,6)
Transversostomia3(4,5)(1,3-11,6)
Ileostomia/jejunostomia7(10,6)(4,9-19,7)
EXTERIORIZAÇÃO
Duas bocas31(47,7)(35,9-59,7)
Em alça32(49,2)(37,3-61,2)
Terminal2(3,1)(0,6-9,5)

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Os pacientes realizaram enterostomia com 361,2 dias de vida em média, aproximadamente um ano de idade, e levaram em média 1091,43 para realizar o fechamento da ostomia (Tabela 5). Da amostra, a maior parte dos pacientes, 61, correspondente a 96,8%, realizaram o fechamento da colostomia (Figura 19), com cerca de 3,48 anos de idade (Tabela 6).

Tabela 5: Idade de realização de enterostomia e tempo para realização do fechamento

 Média (Intervalo de Confiança – 95%)MedianaDesvio Padrão
Idade de realização de enterostomia (em dias)361,20 (140,43-581,96)14,50898,04
Tempo para realização do fechamento (em dias)1091,43 (840,64-1342,21)852,00979,21

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

Tabela 6:  Idade de realização da reconstrução de trânsito intestinal

 Média (Intevalo de Confiança – 95%)MedianaDesvio Padrão
Idade de realização de fechamento (em anos)3,48 (2,66-4,31)3,003,19

Fonte: ALENCAR, AS; VIANA, IL; MEDEIROS, RA; MIRANDA, EG., (2024).

DISCUSSÃO

A prevalência do sexo masculino e a idade dos pacientes que precisaram ser submetidos a enterostomias estão em concordância com o encontrado na literatura (VRIESMAN MH, et al., 2024), (SAKAMOTO R, et., 2021). Além disso, a situação de baixa renda das famílias, também é uma similaridade (EGITO ETBN, et al., 2024). Porém, diferente de outros estudos, este aborda mais profundamente acerca do perfil socioeconômico das famílias, no sentido de que realizou-se levantamento acerca da contemplação em benefícios sociais, em que o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-Loas) tiveram destaque. Uma possibilidade para a predominância deste perfil de paciente no presente estudo, é o fato de ter sido realizado em um hospital pertencente à rede pública de saúde.

O Bolsa Família e o BPC-Loas são programas governamentais que visam mitigar a pobreza e promover a inclusão social, oferecendo assistência financeira a famílias em situação de vulnerabilidade econômica. Ao investigar a contemplação desses benefícios entre as famílias dos pacientes submetidos a enterostomias, esta pesquisa lança luz sobre as disparidades socioeconômicas que podem influenciar o acesso aos cuidados de saúde pediátrica.

A inclusão desses aspectos socioeconômicos na análise é fundamental, pois evidencia como fatores fora do ambiente clínico, como renda familiar, acesso a recursos e suporte social, podem influenciar a saúde e o tratamento de crianças e adolescentes com condições médicas complexas.

A idade do paciente quando ocorreu a enterostomia foi concordante com a literatura (EGITO ETBN, et al., 2024), que aponta como grupo majoritário pacientes com cerca de um ano de idade. No entanto, na literatura há serviços em que o tempo para fechamento da ostomia é bem menor do que a média de 1091 dias (cerca de 3 anos) encontrada neste estudo, apesar de que o caráter temporário dela permanece um consenso. Em um hospital público do Distrito Federal, a maioria dos pacientes (38%) permanece com o estoma apenas por 6 meses e apenas a minoria (26%) o mantém por mais de um ano (MONTEIRO S, et al., 2024).

No entanto, a identificação de discrepâncias como essa ressalta a importância da revisão contínua das práticas clínicas e da análise de dados para otimizar o manejo de pacientes com ostomias. Compreender as variações no tempo de permanência da ostomia e seus determinantes pode ajudar os profissionais de saúde a identificar áreas para melhorias na qualidade do cuidado, como a implementação de protocolos de acompanhamento mais eficazes, intervenções precoces para complicações relacionadas à ostomia e abordagens individualizadas para o fechamento da ostomia, de acordo com as necessidades específicas de cada paciente.

Quanto à condição que levou à confecção da ostomia, há estudos que apontam para problemas congênitos como os principais. Alguns estão completamente de acordo com este, em que anomalias anorretais e megacólon congênito são os mais frequentes, nesta ordem [5], há os que apontam Doença de Hirchsprung como a principal causa e há ainda os que apontam para condições adquiridas, como enterocolite necrotizante em crianças menores e constipação funcional em crianças maiores e adolescentes (MONTEIRO S, et al., 2024).

Essas discrepâncias na literatura destacam a complexidade na determinação da condição primária que leva à necessidade de uma ostomia em pacientes pediátricos. Por exemplo, enquanto as anomalias anorretais e o megacólon congênito representam condições congênitas comuns que podem exigir intervenção cirúrgica precoce, a Doença de Hirschsprung é outra condição congênita que afeta o sistema gastrointestinal e pode resultar em obstrução intestinal grave, necessitando de uma ostomia como parte do tratamento. (VRISMAN, MH, et al., 2020).

A tendência parece apontar uma preferência, ou uma necessidade maior, devido às etiologias mais prevalentes, pela colostomia, apesar de que há estudos que apontam para a prevalência de ileostomias. Além disso, há uma concordância na maior frequência de ostomias em alça. (EGITO ETBN, et al., 2024),

Por exemplo, em casos de anomalias anorretais ou megacólon congênito, onde a intervenção cirúrgica é necessária para corrigir obstruções intestinais ou outras complicações, a colostomia pode ser preferida devido à sua capacidade de desviar o fluxo fecal da parte inferior do intestino grosso, permitindo que essa área se cure antes de procedimentos cirúrgicos adicionais. Por outro lado, em condições como a doença de Crohn ou a enterocolite necrosante, onde a inflamação e a doença afetam principalmente o íleo ou o intestino delgado, a ileostomia pode ser preferida para desviar o fluxo fecal da parte afetada do intestino.

Além disso, a observação da maior frequência de ostomias em alça também é consistente com os achados da literatura. As ostomias em alça são frequentemente escolhidas em situações em que é necessária uma descompressão temporária do trato gastrointestinal ou uma derivação temporária do fluxo fecal para permitir a cura ou tratamento da área afetada. Essa abordagem é particularmente comum em casos de trauma intestinal, obstrução intestinal ou infecções graves, onde uma intervenção cirúrgica rápida é necessária para estabilizar o paciente e permitir tratamento adicional.

Portanto, a escolha do tipo específico de ostomia em pacientes pediátricos é multifacetada e depende de uma série de fatores clínicos, cirúrgicos e contextuais. A compreensão desses fatores é essencial para garantir o melhor resultado possível para cada paciente, otimizando a eficácia do tratamento, minimizando complicações e promovendo uma recuperação rápida e segura.

Percebe-se que o estudo sobre enterostomias no público pediátrico ainda é uma área pouco explorada, que requer maior atenção, para que se possa ter melhor embasamento para futuras pesquisas e, principalmente, para o desenvolvimento de melhores estratégias para a prática médica.

CONCLUSÃO

Com o presente estudo, traçou-se o perfil dos pacientes submetidos a enterostomia no Hospital Infantil Lucídio Portella:  sexo masculino; provenientes da zona rural de cidades do interior do Piauí; fora da idade escolar; de famílias sem renda fixa; contemplados por programas assistenciais, com destaque para o Bolsa Família. Foram submetidos ao procedimento com cerca de um ano de idade; a maioria usa bolsa de colostomia, e a maior parte dos que usam, a recebe; o que mais faz-se uso, no entanto, não é da bolsa de colostomia, e sim de fraudas descartáveis ou reutilizáveis.

Foram submetidos à enterostomia, principalmente, por problemas congênitos (anomalias anorretais e Doença de Hirschprung). As estomias foram prevalentemente colostomias de cólon descendente/sigmoide, no quadrante inferior esquerdo, com exteriorização em alça. Realizaram cirurgia para fechamento em média após 1091 dias, com média de três anos e meio de idade.

Houve uma tendência apontando para uma preferência pela colostomia devido às etiologias mais prevalentes, embora algumas divergências tenham sido observadas.

Com esses resultados, pretende-se fomentar o estudo sobre as estomias, ainda pouco exploradas no âmbito da cirurgia pediátrica, sobretudo no estado do Piauí, bem como, posteriormente, levantar discussões e debates para promover estratégias de acompanhamento a longo prazo  desses pacientes, melhorar o acesso dos mesmos ao hospital com medidas sociais para que os pacientes não percam seguimento no hospital. E promover políticas públicas que priorizem a cirurgia de reconstrução de trânsito intestinal dos pacientes pediátricos.

REFERÊNCIAS

CARVALHO W. Estomas em Pediatria. ESTIMA [Internet]. 01 de março de 2003 [citado 3 de fevereiro de 2024];1(1). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/121

EGITO ETBN, et al. Estado nutricional de pacientes pediátricos ostomizados. Rev Paul Pediatr. [Internet]. 19 de abril de 2013 [citado 3 de fevereiro de 2024];31(1):58–64. doi: 10.1590/S0103-05822013000100010

MONTEIRO S, et al. Perfil de Crianças e Adolescentes Estomizados Atendidos de um Hospital Público do Distrito Federal. ESTIMA [Internet]. 23 de março de 2016 [citado 4 de fevereiro de 2024];12(3). Disponível em: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/93

ROCHA JJR da. Estomas intestinais (ileostomias e colostomias) e anastomoses intestinais. Medicina (Ribeirão) [Internet]. 30 de março de 2011 [citado 3 de fevereiro de 2024];44(1):51-6. doi: 10.11606/issn.2176-7262.v44i1p51-56

SANTOS JS, et al. Gastrostomia e jejunostomia: aspectos da evolução técnica e da ampliação das indicações. Medicina (Ribeirão) [Internet]. 30 de março de 2011 [citado 3 de fevereiro de 2024];44(1):39-50. doi: 10.11606/issn.2176-7262.v44i1p39-50

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VRIESMAN MH, et al. Outcomes after enterostomies in children with and without motility disorders: A description and comparison of postoperative complications. J Pediatr Surg. [Internet]. 26 de junho de 2020 [citado 3 de fevereiro de 2024];55(11):2413-18. doi: 10.1016/j.jpedsurg.2020.05.027


1Cirurgiã pelo Hospital Universitário do Piauí (HU-UFPI) e Cirurgiã Pediátrica pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6426-9357; E-mail: aurialencar@hotmail.com.
Contribuições substanciais para a concepção ou desenho da obra; a aquisição, análise ou interpretação de dados para o trabalho; elaborar o trabalho quanto ao conteúdo intelectual importante; acordo em ser responsável por todos os aspectos do trabalho para garantir que questões relacionadas à precisão ou integridade de qualquer parte do trabalho sejam adequadamente investigadas e resolvidas.
2Doutor em Engenharia Biomédica pela Universidade Brasil (UNIVBRASIL) e cirurgião pediátrico pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7061-3804; E-mail: ivocipe@gmail.com
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3Mestre em Saúde da Família pelo Centro Universitário Uninovafapi (UNINOVAFAPI) e cirurgião pediátrico pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6036-3223; E-mail: rogerio.medeiros@uninovafapi.edu.br
Contribuições substanciais para a concepção ou desenho da obra; revisá-lo criticamente quanto ao conteúdo intelectual importante; acordo em ser responsável por todos os aspectos do trabalho para garantir que questões relacionadas à precisão ou integridade de qualquer parte do trabalho sejam adequadamente investigadas e resolvidas.
4Doutor em Ciência Cirúrgica Interdisciplinar pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) e fundador e chefe da residência médica de Cirurgia Pediátrica na Universidade Estadual do Piauí (UESPI). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1526-6146; E-mail: edinaldomiranda@hotmail.com
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#Autor correspondente:
Auriane de Sousa Alencar
Endereço: Rua Chile, Bairro: Cidade Nova 2000, Teresina- Piauí, CEP: 64017570. Telefone: (86) 99921-8580; E-MAIL: aurialencar@hotmail.com