INTANGIBILIDADE DAS VERBAS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA FRENTE À “PENHORA ON LINE” NOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11270082


Anderson Moreira Aguiar1


RESUMO: Mediante o dinamismo exigido pelos novos sistemas do mundo moderno, o Poder Judiciário se vê obrigado a acompanhar essa tendência, não ficando engessado a procedimentos burocráticos, buscando sempre novas tecnologias e procedimentos eficientes e eficazes. E, neste novo cenário de renovação e adaptação às tecnologias disponíveis, surge o instituto da penhora online, o qual está previsto no art. 854 do CPC – Código de Processo Civil e na Lei Complementar 118/2005, dando novo texto ao Código Tributário Nacional e acrescentando o art. 185-A que formalizou a penhora online nos processos de execuções fiscais. Tal procedimento somente é possível através do convênio denominado BACEN-JUD, que consiste na associação entre o Banco Central do Brasil e o Poder Judiciário, permitindo assim o acesso imediato às informações sobre valores disponíveis em contas correntes, bem como aplicações financeiras ao qual o executado venha a possuir, de maneira eletrônica, não dando margens a possibilidade de evasão dos recursos destinados a prover a obrigação no processo de execução, de forma a combater a inércia dos procedimentos de execução. Mormente, o trabalho busca analisar de forma sistêmica o aludido instituto, seus princípios norteadores, sua classificação, bem como sua base legislativa, sua evolução, suas características peculiares, seus mecanismos de execução, sempre analisando a forma como este instituto influi nas relações jurídicas dos processos de execução, racionalizando os atos necessários, acelerando a prestação jurisdicional. Não destarte, em contrapartida a toda sua eficiência e desburocratização, o presente trabalho busca demonstrar suas consequências e implicações, quando a penhora recai sobre recursos alimentícios, pois sua generalização pode acarretar danos aos credores. Logo, o presente trabalho busca realizar um estudo sobre as várias ópticas do instituto em questão, tanto pelo lado positivo quanto pelo negativo.

Palavras-chave: Penhora online. Impenhorabilidade. Rendimentos alimentícios.

ABSTRACT: By the dynamism required by new systems of the modern world, the judiciary is obliged to follow the trend, not getting cast aside by bureaucratic procedures, always seeking new technologies and procedures efficiently and effectively. And in this new scene of renewal and adaptation to available technologies, the institute comes from attachment online, which is set forth in Art. 854 of the CPC – Code of Civil Procedure and also in Complementary Law 118/2005, giving new text to the tax code and adding art. 185-A which formalized the attachment online in the processes of foreclosures. This procedure is only possible through the agreement JUD – called Central Bank, which is the association between the Central Bank of Brazil and the judiciary, enabling instant access to information on available values ​​in current accounts as well as financial investments which will run to possess, to electronically, giving banks the possibility of evasion of resources to stem the obligation in the implementation process, in order to combat the inertia of enforcement procedures. Mainly, the work seeks to analyze in a systematic way the institute, its guiding principles, its classification, and its legislative basis, its evolution, its peculiar characteristics, its delivery mechanisms, always analyzing how this influences the institute of legal relations execution processes, rationalizing actions required, accelerating adjudication. Otherwise, in contrast to all its efficiency and streamlining, this paper seeks to demonstrate its consequences and implications, when the attachment is on food resources as its generalization can result in damage to the creditors. Therefore, this paper seeks to conduct a study on the various optical institutes in question from both the positive and the negative.

Keywords: Attachment online. Unseizability. Income food.

1. INTRODUÇÃO

A penhora de bens do devedor em execuções fiscais ganhou mais notoriedade e dinamicidade com o advento da utilização de meio eletrônico, pelo Judiciário, para bloquear valores em contas bancárias, através de sistema informatizado.

Mormente, essa medida traz grande benefício à efetividade do processo, trazendo maior eficiência e celeridade ao processo de execução fiscal, pois o seu objeto é a satisfação da dívida e o objeto da tutela no processo de execução fiscal é o interesse do particular (credor), não podendo esquecer que a Constituição Federal, quando adota em seu artigo 7º, inciso X, a proteção do salário, como um dos direitos e garantias fundamentais. O constituinte estava preocupado com a subsistência do trabalhador e sua família.

A “penhora on line” possibilita que seja efetuada a penhora em dinheiro de forma eletrônica, via internet, com a autorização do Judiciário, que solicita o bloqueio em todas as instituições financeiras. 

A discussão aqui levantada é sobre a forma indiscriminada que esses bloqueios são feitos, onde muitas vezes alcançam contas onde são depositadas verbas de natureza alimentar, como exemplo, do ganho salarial. 

A relevância deste tema é demonstrada através da mudança de posicionamento das jurisprudências dos tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho, onde desde o início da utilização da “penhora on line” pela Justiça do Trabalho em 2002, têm adotado um posicionamento mais cauteloso, levando em consideração que “a execução seja processada de forma menos gravosa para o devedor”, nos termos do artigo 805 do CPC/15, no sentido de que não se pode autorizar “penhora on line” antes de esgotados todos os meios à localização do devedor, sendo que posteriormente a inclusão do instituto “penhora on line”, por meio da Lei 11.382/2006, no CPC, em seu artigo 854, tal entendimento tem mudado, e agora, o bloqueio pode ser feito de forma indiscriminada. 

Nesse contexto, o presente trabalho pretende reunir as principais discussões acerca do tema, a fim de que sirva de subsídios para o seu aprofundamento, uma vez que a “penhora on line” é um instituto ainda recente, contextualizando os questionamentos observados com o advento da utilização da “penhora on line” nos processos de execução fiscal, bem como se dava a execução da dívida ativa antes desse instituto, e, principalmente, que modificações significativas ela trouxe para o processo de execução fiscal.

É importante salientar também os pressupostos necessários apontados pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência para a utilização da “penhora on line, e também sobre quais créditos recaem sobre a mesma, nos processos de execuções fiscais e como se verifica o bloqueio.

Outro ponto fundamental que será analisado neste trabalho são as implicações e consequências que são observadas quando a “penhora on line” atinge valores oriundos de remuneração em geral, ou sobre montantes recebidos pelo trabalhador ou recursos para o sustento do devedor.

Por fim, o objetivo principal deste trabalho é analisar as implicações oriundas pelo advento da “penhora on line” nos processos de execuções fiscais, mediante o crédito bloqueado possuir natureza alimentícia, bem como analisar os aspectos históricos e conceituais deste instituto, sua fundamentação normativa e ao final analisar os critérios de aplicação da “penhora on line” nos processos de execuções fiscais. 

2. PRINCÍPIOS E DIREITOS CONTRAPOSTOS NA PENHORA DOS RENDIMENTOS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA

2.1. Noções Gerais

Inicialmente, é conveniente destacar o que se dispõe no artigo 833, inciso IV do CPC:

Art. 833: São impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as
remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

Notoriamente, ainda que venha expressa em lei a menção da impenhorabilidade de salários, dentre outros rendimentos, é de grande importância verificar os dois princípios norteadores do ordenamento jurídico, que são eles o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

Sobre o princípio da proporcionalidade, pôde-se averiguar que o mesmo se desenvolveu inicialmente no âmbito do direito administrativo, funcionando como limitação à discricionariedade administrativa, e, mediante os excessos decorrentes desses atos, o princípio precisa ser reafirmado através de decisões judiciais, para ratificar o valor impresso no mesmo. (BARROSO, 2009). 

E, com base neste princípio, almeja-se estabelecer um meio termo que guarne uma tomada de decisão justa, sendo um instrumento fundamental ao operador de direito, ajudando-o a dar um meio ao fim requerido pela lei.

Neste entendimento, Steinmetz (2001, p. 149) ensina:

O princípio ordena que a relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser proporcional, racional, não excessiva, não arbitrária. Isso significa que entre meio e fim deve haver uma relação adequada, necessária e racional ou proporcional.

Logo, ao se ponderar com base nos conceitos inseridos no princípio da proporcionalidade, o órgão julgador se vê obrigado a realizar uma análise criteriosa, comparando a falta cometida com a punição ser proferida, de maneira tal que encontre a proporcionalidade, alcançando a harmonia e a justiça. Concluindo, o princípio da proporcionalidade reporta ao entendimento da quantidade da pena.

Já sob a ótica do princípio da razoabilidade, Barroso (2009, p. 256) ensina:

Na vida em sociedade, agir com razão, ou mesmo, ser razoável nas decisões cotidianas é benéfico para inibir a opressão aos mais fracos. Não sendo diferente, a Constituição acolhe a razoabilidade como princípio a ser perseguido. Igualmente ao princípio da proporcionalidade, a razoabilidade serve como instrumento de valoração do fato em relação ao direito a ser aplicado. 

O princípio da razoabilidade apresenta características de sensatez, moderação, lógica, aceitação, demonstrando equilíbrio, justiça, bom senso, provendo assim as devidas explicações, conectando um efeito a uma causa. Por conseguinte, opõem-se à arbitrariedade, baseando-se na prudência, e intimamente ligada às virtudes morais do senso comum.

Finalizando, o princípio da razoabilidade busca interpretar uma circunstância jurídica sob a luz de aspectos qualitativos, como a questão social, econômica, cultural e política, sempre ligada aos ditames legais, e, partindo para o assunto específico deste trabalho, uma vez que foram esgotadas todas as tentativas de recebimento do crédito pelo executante, se faz necessária a utilização dos princípios em questão, quando do bloqueio de valores financeiros constantes em nome do executado, por poder ser referente a salário ou outro rendimento de caráter alimentício.

2.2 A busca do equilíbrio entre os direitos e princípios envolvidos na penhora de remuneração em geral

A tutela almejada mediante o processo de execução, quando não há o pagamento espontâneo pelo devedor, somente é garantida no momento da localização de bens em nome do executado, isto feito, é natural concluir que, existindo apenas aqueles bens enumerados no ordenamento processual ora debatido, o adimplemento da obrigação estaria fadado ao fracasso. (SUNDFELD, 1992)

Notadamente, deve-se observar o status alimentício do rendimento bloqueado, conforme já foi visto, embora se faça necessário manter o equilíbrio entre o credor e devedor, com o intuito de realizar a efetiva atividade jurisdicional.

De uma forma geral, deve-se frisar a necessidade de se proteger a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, resguardar os rendimentos de caráter alimentar do devedor.

Todavia, é necessário realizar análise crítica sobre a questão; logo, vale destacar que também é assegurado ao credor, o direito à defesa do desenvolvimento natural de suas atividades que, na maioria das vezes, é utilizada para o sustento seu e de sua família, sendo que este somente poderá ocorrer com a adimplência dos seus devedores. (SILVA, 2013)

Em execução fiscal, observamos que, conforme o princípio da finalidade ou resultado, a execução deve seguir em proveito do credor para que assim possa alcançar o grau máximo de utilidade.

É preciso, portanto, uma compatibilização entre esses princípios, tendo-se sempre em mente que a necessidade de se imprimir à execução uma real efetividade não pode prescindir de um sistema que desburocratiza atos processuais. 

O credor, inegavelmente, tem o direito de ter seu crédito adimplido, portanto tem o direito a penhora de bens do devedor, pois o objeto tutelado na execução fiscal é o interesse do particular. No entanto, a busca pela celeridade processual em busca da satisfação do credor não pode afetar a dignidade humana do devedor, sendo necessário, analisar se a aplicação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade pode evitar sacrifício total de um dos direitos em conflito.

3. CONTROLE DA IMPENHORABILIDADE DOS RENDIMENTOS DE NATUREZA ALIMENTÍCIAS FRENTE A “PENHORAS ON LINE” NOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL

3.1. Noções gerais sobre a Impenhorabilidade 

A redação final do art. 789 do CPC complementa de forma inquestionável o art. 832 do CPC, que declara imunes à execução dos “bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”, não se devendo confundir os significados de inalienabilidade e da impenhorabilidade. 

Por conseguinte, convém destacar o significado dos dois termos, que conforme Assis (2013, p. 2), conceitua:

Inalienável é o bem que o próprio obrigado não pode dispor e, consequentemente, tampouco responderá pelo cumprimento de obrigações contraídas no comércio jurídico. Por exemplo: o bem de família, instituído pelos cônjuges ou por terceiro, e registrado no álbum imobiliário, subtrai-se à livre disposição dos titulares do domínio, a teor do art. 1.717 do CC/2002. Ao invés, o bem impenhorável submete-se à plena disposição do proprietário, sem responder, todavia, pelo cumprimento da obrigação; em outras palavras, nenhum credor poderá apropriá-lo em seu proveito. Exemplo digno de registro, na mesma área do bem de família, é o da residência familiar, declarada impenhorável pelo art. 1,° da Lei 8.009/90 – disposição que sobreviveu à Lei 11.382/2006 -, e que pode ser alienada, a qualquer tempo, pelos proprietários e o produto da alienação utilizado para solver as dívidas da família. Em síntese, a impenhorabilidade se encontra implícita na inalienabilidade. 

3.2. Princípios da impenhorabilidade 

Agora, conhecendo a distinção pretendida através do art. 832 do CPC, é necessário focar no conceito da impenhorabilidade, que vem norteada por dois princípios básicos: a tipicidade e a disponibilidade.

Como se observou na cláusula final do art. 789 do CPC, o mesmo demonstra a norma legal que pode tipificar a impenhorabilidade, conhecida também como a técnica do numerus clausus ou da tipicidade.

De certa forma, não é lícito ao obrigado subtrair algum bem da responsabilidade patrimonial por meio de negócio unilateral. Mormente, o inadimplente se livraria de qualquer sacrifício e muito dificilmente seus credores realizariam seus créditos com sucesso. No entanto, o direito brasileiro tolera negócio jurídico entre o credor e o devedor. É que, no caso de inadimplemento, talvez o bem subtraído à execução seja o único remanescente e apto a satisfazer o crédito. Tal situação infringiria o interesse público. 

Logo, no direito brasileiro, os figurantes do negócio jurídico podem predestinar bens à garantia do inadimplemento, por meio da constituição de direito real de garantia, hipótese em que a “penhora recairá, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia” (art. 655, § 1°, do CPC, na redação da Lei 11.382/2006), também podem excepcionar a disposição do art. 391 do CC/2002. Evidentemente, em razão do princípio da relatividade dos negócios jurídicos, semelhante impenhorabilidade “contratual” somente opera perante o credor que pactuou com o devedor. (FERREIRA, 2003, on line).

Na prática, o princípio da tipicidade tem várias formas de ser aplicado, embora nenhuma regra excluísse previamente a penhora dos valores em dinheiro da pessoa jurídica, como exemplo. Não se destacando, de acordo com o valor da dívida, a penhora recairá sobre a renda, em se tratando de execução em desfavor de empresa que funcione por meio de concessão ou autorização (art. 863, caput, do CPC). Exigiu-se assim a jurisprudência do STJ que, neste caso específico fosse aplicado o art. 862 do CPC, ou seja, o juiz deveria designar um administrador judicial, ou, então determinar o percentual da regra, muito embora, na maior parte dos casos o mesmo designava a total penhorabilidade do valor disponível.

Não se tratando de bens inalienáveis, os bens impenhoráveis comportam simplesmente atos de disposição no proceder do processo, como exemplo, cita-se a quitação mediante pagamento para dissolver a dívida, embora nada impeça atos desta natureza no decorrer do processo. Sabiamente, Pontes de Miranda ensina: “sempre que o devedor poderia mudar, a seu talante, a qualidade do bem, é possível anuir ao ato de nomeação, que é ‘como’ se fosse execução voluntária (sem no ser, porque se trata de ato processual de início de execução forçada)”. (COSTA, 2013, online)

Lição memorável e exata que acabou por ser acolhida, como destaca exemplar julgado na 3.ª T. do STJ que segue: 

Os bens inalienáveis são absolutamente impenhoráveis e não podem ser nomeados à penhora pelo devedor pelo fato de se encontrarem fora do comércio, e, portanto, serem indisponíveis. Nas demais hipóteses do art. 649 do CPC, o devedor perde o benefício se nomeou o bem à penhora ou deixou de alegar a impenhorabilidade na primeira oportunidade que teve para falar nos autos, ou nos embargos à execução, em razão do poder de dispor do seu patrimônio”. (ARAUJO, 2013, online)

Agora, conhecendo os princípios que norteiam a impenhorabilidade, passa-se agora a entender os seus tipos, de acordo com cada situação.

3.3. A sistemática da aplicação da penhora online: Sistema Bacen Jud

Após o entendimento do que concerne ao instrumento da penhora online, faz-se necessário conhecer sua sistematização; e, o sistema que opera a penhora online é conhecido como Bacen Jud. Por ser online, ele não necessita de formalização material, ou seja, o envio de documentos (ofícios e requisições) na forma de papel para o Banco Central, toda vez que houver necessidade de se realizar a quebra do sigilo bancário ou mesmo ordenar bloqueio de contas-correntes de devedores no decorrer de processo de execução. Por conseguinte, as referidas requisições são realizadas através de um login particular em um site próprio da Internet, utilizando para isso a sua senha fornecida previamente. (REINALDO FILHO, 2013)

Sem complicação, a penhora online pode ser resumida como sendo uma ferramenta que se utiliza o meio eletrônico para a operacionalização das ordens judiciais de bloqueio de contas e depósitos bancários, tratando-se assim de um procedimento a parte, e que de forma alguma interfere com as normas e regras do CPC. 

Por fim, o sistema desburocratiza, pois substitui a emissão de documento formal e físico, o qual que seria recepcionado por uma pessoa, demandando assim muito mais tempo para ser processado, pelo seu envio eletrônico, utilizando para isso a Internet, racionalizando os serviços, conferindo-lhe mais agilidade na execução das ordens judiciais no campo de ação do Sistema Financeiro.

3.4. Requisitos para a penhora on-line

A par das inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre o tema, a penhora on-line, positivada em 2006, com a promulgação da Lei 11.382/2006, que alterou substancialmente o processo executivo, pode-se dizer que permanecem os requisitos básicos para o deferimento do chamado bloqueio de valores on line, quais sejam: citação válida do executado; a não indicação por este de bens à penhora; e, a recusa justificada, pelo magistrado, da indicação de bens oferecida pelo devedor, após a oitiva da Exequente.

Outro requisito previsto no art. 854 do CPC é o requerimento da Exequente, embora haja discussão no sentido de poder o magistrado proceder à penhora de ofício, em vista de uma interpretação mais ampla, conjugando o citado dispositivo com o art. 835, I, do CPC, com o interesse público que norteia o processo executivo e o dever que tem o juiz de impulsionar o processo.

Em suma, estes são os requisitos básicos para o deferimento da penhora on-line.

No entanto, os Tribunais tiveram zelo pelos princípios supramencionados, e que o respeito ao rendimento de natureza alimentícia está presente até mesmo nas ações trabalhistas, onde o crédito também é de natureza alimentar.

De certa forma, a restrição legal que preceitua a impenhorabilidade não deve ser encarada de forma absoluta e irrestrita, dentro do contexto do sistema jurídico. Não se pode admitir a prevalência de um bem jurídico sobre outro de igual valor.

Muito embora a jurisprudência autorize esses procedimentos, o mesmo não deve ser entendido como regra geral, mas visto caso a caso, suas especificidades, sempre embasado no princípio da proporcionalidade, e conforme Cavalcante e Neto (2013, on-line) ensina que é “indiscutível a necessidade de se respeitar à dignidade da pessoa humana do executado, mas do outro lado, o do credor, há uma pessoa que também precisa se sustentar e aos seus, que tem sua dignidade”, sendo que o mesmo necessita e tem pleno direito de receber o que é devido por conta de seu trabalho, e que o mesmo não deve ser exaurido.

De toda sorte, ao estudar os princípios que protegem a subsistência do devedor/cidadão e ao analisar recentes decisões jurisprudenciais, que se inclinam no sentido da não-agressão aos salários e remuneração em geral, conclui-se que essa discussão é legítima e oportuna.

4. CONCLUSÃO

De uma maneira geral, o que se percebeu com o decorrer deste trabalho e que, o caráter alimentício do soldo ou rendimento similar não deve ser argumento absoluto e inconteste, no qual o devedor se agarre para buscar eximir-se do pagamento de suas obrigações, ocasionando dolo ao direito do credor em ter seus créditos recebidos.

De certa forma, a interpretação restritiva do art. 833 do CPC, aparenta tomar partido de apenas um lado, ferindo princípios constitucionais, como exemplos da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade, da economia, entre outros. Pois, se o crédito pode ter sua natureza alimentícia para o executante, por qual motivo também não teria para o executado.

Mormente, o ensinamento que se teve com base nos estudiosos do assunto e que a interpretação do dispositivo 833 do CPC não deve de forma alguma incorrer de maneira restritiva, interpretando apenas o escrito no texto legal, e sim é necessário realizar uma análise sistêmica, acarretando assim em uma decisão justa e consonante os preceitos e princípios do Direito. 

Não se pode deixar de lado, de uma maneira geral, a exigência legal que a execução garante que é a segurança ao devedor, na forma que os seus atos executórios sejam realizados da maneira menos danosa ao mesmo, resultando na satisfação do credor e a correta prestação jurisdicional.

Pode-se perceber que alguns dos operadores do Direito defendem o entendimento de que o bloqueio de valores depositados em conta-corrente, principalmente quando realizado de forma on-line, pode contrariar o princípio da menor onerosidade, o qual está previsto no art. 805 do CPC. 

Tal hipótese seria fundamentada no fato de que no momento da utilização do Bacen Jud, por ser eletrônico e buscar pelo CPF do executado, possibilitaria um bloqueio de forma indiscriminada e de maneira ampla, pois o sistema atinge todas as contas cadastrada no mesmo CPF, o que, consequentemente, acarretaria um ônus muito excessivo ao executado. Justificavam-se ainda que, o bloqueio on line poderia atingir valores e contas reservados para a realização de pagamentos de obrigações do devedor, bem como recair sobre valores abrangidos pela impenhorabilidade, como exemplo os de natureza alimentícia ou que figurem ser exclusivos de ganhos salariais.

Por conseguinte, a possibilidade de a constrição atingir os valores de natureza alimentícia ou até mesmo um total maior do que o valor demandado, sempre subsiste, mesmo quando era operada da maneira manual, utilizando ofício impresso, o qual era enviado através do correio ou então através de mandando entregue por um Oficial de Justiça. Não destacar, na ocorrência desta situação, o desbloqueio, quando autorizado, demorava muito mais do que com a utilização do sistema Bacen Jud. 

Um ponto também importante a se observar é que, lançando mão do entendimento no qual o princípio da menor onerosidade não se deve sobrepor aos demais que norteiam o processo de execução, principalmente aquele destacado no art. 797 do CPC, que salienta o princípio da maior utilidade da execução voltada ao credor, impedindo assim que a mesma se realize através de ferramentas ineficazes a captação de crédito do devedor, é de suma importância congraçar estes princípios, buscando sempre dar a execução uma efetividade real e palpável, não podendo assim dispensar de um sistema que desburocratize os atos processuais os tornando mais ágeis.

Por fim, o que se quer assegurar com a impenhorabilidade dos valores alimentícios é a digna sobrevivência do devedor, e não a manutenção de um estilo de vida acima dos padrões de sua renda, garantida pela sonegação de pagamento ao seu credor.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Thicianna da Costa Porto. Bem de família e a impenhorabilidade. Disponível em:<http://www.jurisway.org.br/monografias/monografia.asp?id_dh=749>. Acesso em: 29 de julho de 2013.

 ASSIS, Araken de. A nova disciplina da Impenhorabilidade no Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.penhora on line\a-nova-disciplina-da-impenhorabilidade-no-direito-bra.htm>. Acesso em: 25 de julho de 2013.

BRASIL, Código de Processo Civil. Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1973.

______, Distrito Federal. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm>. Acesso em: 15 de maio de 2013.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAMARGO, Ingridy Taques. A penhora on line na ação de execução e seus entraves. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6356. Acesso em: 24 de maio de 2013.

 CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; NETO, Francisco Ferreira Jorge. A penhora sobre os créditos de natureza salarial no curso da execução trabalhista. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-trabalho/2771-a-penhora-sobre-os-creditos-de-natureza-salarial-no-curso-da-execucao-trabalhista>. Acesso em: 26 de janeiro de 2013.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª. ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2009.

COSTA, Gustavo D´Assunção. A desnecessidade de esgotamento das tentativas de localização do devedor para se proceder à citação por edital nas execuções fiscais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23941/a-desnecessidade-de-esgotamento-das-tentativas-de-localizacao-do-devedor-para-se-proceder-a-citacao-por-edital-nas-execucoes-fiscais>. Acesso em: 22 de março de 2013.

FERREIRA, Lusimar Silva; NAHUZ, Cecília dos Santos. Manual para Normalização de Monografias. 3. ed., São Luis, 2002.

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. A impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7019/a-impenhorabilidade-do-imovel-residencial-do-devedor3>. Acesso em: 25 de julho de 2013.

REINALDO FILHO, Demócrito. A penhora online: a utilização do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8459/a-penhora-on-line>. Acesso em: 29 de abril de 2013.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GONÇALVES, Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de Direito processual civil, execução e processo cautelar. 4ª. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2011.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo: Estudos e Pareceres. 2º ed. São Paulo: DPJ Editora, 2009.

HORCAIO, Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. São Paulo: Editora Primeira Impressão, 2008. 

HADARA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 18ª Ed. São Paulo, Editora Atlas S.A. 2009.

IATAROLA, Ana Cristina Silva. Penhora Online. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,penhora-online,31233.html>. Acesso em: 18 de dezembro de 2012.

MARTINS, Guilherme Pereira Gonzales Ruiz. Sigilo financeiro e a obtenção da prova criminal. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10911. Acesso em: 29 de março de 2013.

MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999. 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de execução. 3ª ed. Editora RT, 2011.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 3. ed. ver. – São Paulo: Saraiva, 2006. 

OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003.


1Graduado em Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, Pós-graduado em Direito civil e processual civil, Pós-Graduado em Direito Tributário. Oficial de Justiça Federal do Tribunal Regional Federal da 1° Região. E-mail: moreiraaguiar.anderson@gmail.com