UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA E SEGURANÇA JURÍDICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11242286


Anderson Moreira Aguiar¹


RESUMO: O texto analisa a relação entre o Código de Processo Civil (CPC) e a Constituição Brasileira, com foco nos princípios da autonomia e flexibilidade judicial. O texto também discute os debates em torno da possibilidade de flexibilização do CPC, com foco nos casos em que a sua aplicação resulta em evidente injustiça ou contradição aos princípios constitucionais. A Constituição brasileira garante a segurança jurídica dos cidadãos, mas é importante considerar as limitações e possibilidades do sistema jurídico. A Constituição inclui mecanismos de revisão de decisões tomadas num processo judicial, o que significa que uma decisão judicial não é uma garantia absoluta e pode ser ajustada em determinadas circunstâncias. O ordenamento jurídico também determina as hipóteses de flexibilidade para a decisão judicial, o processo de determinação desta e os dados utilizados para determiná-la. O conceito de “relativização” da decisão judicial é crucial, pois não é possível relativizar o que já é relativo. O ordenamento jurídico deve considerar a perspectiva constitucional e a possibilidade de nulidade na decisão judicial.

Palavras -chaves: Coisa julgada. Segurança jurídica. Constituição Federal.

ABSTRACT: The text analyzes the relationship between the Civil Procedure Code (CPC) and the Brazilian Constitution, focusing on the principles of judicial autonomy and flexibility. The text also discusses the debates surrounding the possibility of making the CPC more flexible, focusing on cases in which its application results in clear injustice or contradiction to constitutional principles. The Brazilian Constitution guarantees the legal security of citizens, but it is important to consider the limitations and possibilities of the legal system. The Constitution includes mechanisms for reviewing decisions made in a judicial process, which means that a court decision is not an absolute guarantee and can be adjusted in certain circumstances. The legal system also determines the flexibility hypotheses for the judicial decision, the process for determining it and the data used to determine it. The concept of “relativization” of the judicial decision is crucial, as it is not possible to relativize what is already relative. The legal system must consider the constitutional perspective and the possibility of nullity in the judicial decision.

Keywords: Res judicata. Legal security. Federal Constitution.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo propõe uma análise das circunstâncias que envolvem coisa julgada e segurança jurídica, bem como os limites do legislador ao definir o perfil dogmático da coisa julgada e do judiciário ao promover sua flexibilização atípica.

A Constituição brasileira garante a segurança jurídica dos cidadãos, mas é importante considerar as limitações e possibilidades do sistema jurídico. A Constituição inclui mecanismos de revisão de decisões tomadas num processo judicial, o que significa que uma decisão judicial não é uma garantia absoluta e pode ser ajustada em determinadas circunstâncias. O ordenamento jurídico também determina as hipóteses de flexibilidade para a decisão judicial, o processo de determinação desta e os dados utilizados para determiná-la. O conceito de “relativização” da decisão judicial é crucial, pois não é possível relativizar o que já é relativo.

A ação rescisória é uma demanda autônoma de impugnação que é de competência originária dos tribunais, utilizada no sistema processual brasileiro para anular as decisões tomadas pela autoridade da coisa julgada. É o único mecanismo previsto na Constituição Federal que pode contestar as decisões finais tomadas pelo Poder Judiciário. A consagração constitucional de proteção à coisa julgada é um mecanismo jurídico elevado à categoria de garantia fundamental. A ação rescisória é necessária quando se pretende impugnar a decisão por um vício previsto no artigo 966 do CPC, mas apenas altera as situações fáticas ou jurídicas consideradas na decisão transitada em julgada.

A flexibilização da coisa julgada em hipóteses não previstas em lei é difícil e não atingiu a convergência doutrinária. A flexibilização em situações não previstas em lei pode enfraquecer completamente a garantia constitucional, o que pode ter consequências com que situações aberrantes e insuportáveis sejam ignoradas ou menosprezadas. A flexibilização da coisa julgada é necessária quando a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade ou difuso, juntamente com um instrumento de ampliação da eficácia, é necessária. A possibilidade de superação desse tipo é um grande problema doutrinário que ainda precisa ser resolvido. A relação entre a coisa julgada e a eficácia executiva da decisão transitada em julgada é uma questão intrigante que deve ser examinada.

2. AS BASES NORMATIVAS E JURISPRUDENCIAIS QUE INFORMAM O OBJETO DO PRESENTE TRABALHO

O tema complexo e multifacetado “Das Premissas Fáticas, Normativas e Jurisprudenciais sobre a Coisa Julgada como Direito Fundamental Constitucional Irreversível” envolve uma análise profunda das dimensões fática, normativa e jurisprudencial que cercam a coisa julgada no contexto da constituição brasileira.

2.1. Premissas fáticas

As estratégias fáticas referem-se à realidade prática e aos efeitos sociais da coisa julgada. A coisa julgada no mundo jurídico é de qualidade que, depois de esgotados todos os recursos possíveis, torna uma decisão judicial indiscutível e imutável. Essa característica garante estabilidade às relações jurídicas e segurança jurídica aos litigantes, evitando que questões já resolvidas sejam rediscutidas indefinidamente.

Numa sociedade que valoriza a certeza do direito e a previsibilidade das relações, a irreversibilidade da coisa julgada é fundamental. Isso permite que as pessoas planejem suas vidas e seus negócios com a certeza de que as decisões judiciais são definitivas e não serão reabertas de forma arbitrária.

2.2. Premissas Normativas

De acordo com o artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal do Brasil de 1988, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esse dispositivo conecta-se à coisa julgada aos princípios do direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, elevando-a ao status de garantia constitucional.

A coisa julgada como direito fundamental significa que só pode haver exame de revisão ou anulação de uma decisão transitada em julgada em obrigações específicas previamente definidas pela lei, como quando as decisões judiciais são baseadas em fraude ou erro grosseiro.

2.3. Premissas jurídicas

O Supremo Tribunal Federal (STF) e os demais tribunais superiores têm adotado a interpretação de que uma coisa julgada é um direito fundamental que é essencial para a estrutura de um Estado Democrático de Direito. De forma geral, a jurisdição brasileira tem defendido a inviolabilidade da coisa julgada para garantir a autoridade e a eficácia das decisões judiciais.

No entanto, algumas decisões também admitem a possibilidade de relativizar a coisa julgada em casos muito específicos e sob condições rigorosamente controladas, especialmente quando é evidente que a decisão perpetua uma situação de flagrante injustiça ou quando há manifestação de violação das normas constitucionais.

Assim, para preservar a ordem jurídica e proteger os direitos individuais, é fundamental ter uma compreensão do que é considerado um direito constitucional fundamental irreversível.  Embora a irreversibilidade da coisa julgada seja um princípio amplamente aceito, é importante equilibrar a segurança jurídica e a justiça das decisões ao aplicá-lo. Para garantir que o direito à coisa julgada não seja uma injustiça perpetuada, as propostas fáticas, normativas e jurisprudenciais discutidas apontam para a necessidade de uma interpretação cuidadosa e contextualizada.

3. COISA JULGADA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

No artigo 5o, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, o direito à coisa julgada é considerado um direito fundamental, garantindo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esta disposição eleva a coisa julgada ao status de cláusula pétrea, o que significa que não pode ser alterada para diminuir suas garantias.  

A garantia constitucional da coisa julgada assegura que uma decisão judicial não possa ser revisada depois que ela for tomada em julgada, aumentando a confiança no sistema judiciário. O princípio da segurança jurídica é essencial para o Estado de Direito, pois protege os cidadãos contra alterações arbitrárias nas leis e decisões judiciais.

Embora a irreversibilidade da coisa julgada seja um princípio firme no sistema jurídico brasileiro, tem-se discutido na doutrina e na competência sobre a possibilidade de flexibilizá-lo. A maioria desses debates se concentra em casos extremos em que a aplicação da regra da coisa julgada resultaria em uma injustiça evidente ou em contrariedade aos princípios constitucionais fundamentais.

O Supremo Tribunal Federal tem julgado a relativização da coisa julgada em casos de fraude ou erro evidente de fato (RE 328.812). Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de revisão de um caso que autoriza direitos previdenciários com base em documentos falsos. No entanto, essas situações são extremamente particulares e não representam uma abertura generalizada à flexibilização da coisa julgada. 

Em situações excepcionais é importante considerar a possibilidade de flexibilização da coisa julgada. A segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais são priorizadas na Constituição, mas podem ser comprometidas se a coisa julgada não for protegida como um direito fundamental irreversível.

A disposição inicialmente mencionada garante que uma decisão judicial se torne definitiva e obrigatória para todos os envolvidos, inclusive o poder público, quando ela transitar em julgada. Esta proteção é fundamental para aumentar a segurança jurídica e a confiança nas instituições judiciais.

Ao executar políticas públicas e administrar questões de estado, o executivo deve respeitar as sentenças judiciais.  Isso significa que o governo não pode ignorar ou tentar mudar o impacto de uma decisão judicial por meio de ações administrativas ou novas leis que contrariem casos específicos já decididos.

Da mesma forma, o Legislativo não pode aprovar leis que alterem os efeitos de uma decisão judicial definitiva retroativamente. Exceto em reformas constitucionais onde os direitos fundamentais e a cláusula pétrea não são afetadas, qualquer nova legislação deve respeitar os contornos da coisa julgada, excluindo regras que impliquem revogação ou alteração de decisões judiciais consolidadas.

O próprio tribunal também está ligado à coisa julgada. Os juízes e tribunais são obrigados a cumprir as decisões tomadas por outros juízes ou tribunais com autoridade sobre o caso em questão. Isso ajuda a manter o sistema judiciário consistente e evita conflitos.

Não menos importante, insta consignar que a implementação do princípio da coisa julgada envolve dificuldades e disputas. A inflexibilidade da coisa julgada pode ser colocada em questão em casos de corrupção, fraude ou erros judiciais graves, especialmente se a decisão resultar em injustiça, flagrantes ou perpetuação de ilegalidades. Em tais situações, o Supremo Tribunal Federal permite a revisão de decisões para corrigir erros que comprometem a ordem pública e a justiça.

4. SEGURANÇA JURÍDICA E COISA JULGADA: LIMITES E POSSIBILIDADES A COISA JULGADA

O Estado Democrático de Direito é obrigado a estabilizar as relações jurídicas após a apreciação do Poder Judiciário, pois isso garante a segurança jurídica. Como podemos ter confiança sem ter certeza de que uma decisão tomada pelo Poder Judiciário, após um processo adequado, é realmente a norma jurídica que governará a demanda em questão?

Quando um Estado de Direito quer estabelecer normas jurídicas que garantam que os cidadãos tenham previsibilidade sobre o direito em vigor, é mais razoável confiar no que o próprio Estado apreciou, definindo e informou ao jurisdicionado sobre a norma específica que regulará suas relações jurídicas.

Ao examinar o sistema jurídico brasileiro, notamos que o artigo 5°, XXXVI da Constituição Federal prevê a proteção da coisa julgada, que é uma garantia essencial e elevada à condição de cláusula pétrea.

No entanto, a própria Constituição Federal também inclui mecanismos de revisão das decisões transitadas em julgadas, o que significa que uma decisão julgada não é uma garantia absoluta e pode ser ajustada em determinadas circunstâncias.  Além disso, outra informação significativa que podemos extrair dessas normas é que de responsabilidade do legislador ordinário determinar as hipóteses de flexibilização da coisa julgada, a forma como isso será processado e os dados em que isso pode ocorrer.

No particular, é intrigante a crítica que o professor Barbosa Moreira faz à noção de “relativização” da coisa julgada.  O Autor esclarece que não é possível relativizar o que já é relativo; em vez disso, é possível tentar ampliar as hipóteses de relativização existentes no ordenamento jurídico.²

Aqui encontramos um ponto de extrema importância. Apesar do fato de que a Constituição estabelece o direito fundamental dos cidadãos conhecido como garantia constitucional, o legislador ordinário determinará o perfil dogmático desse direito. Este perfil deve ser definido a partir da noção de segurança jurídica que existe em um determinado momento histórico, quando o Poder Judiciário tem capacidade de alterar decisões judiciais, o que resultará na flexibilização da confiança do Estado aos juízes. Portanto, é necessário examinar como o ordenamento jurídico brasileiro regula esse importante instituto jurídico.

4.1. Hipóteses relacionadas à relativização da coisa julgada

4.1.1 A querela da nulidade

Antes da sua previsão, acreditava-se que as sentenças com erros de formação (errores in procedendo) eram inexistentes juridicamente (nulla sententia), o que significava que não havia necessidade de impugnação formal para retirá-las do meio jurídico. Não precisavam ser observadas. Assim, para garantir a segurança jurídica àquele beneficiado pela decisão tomada, a querela nullitatis surgiu como uma maneira de proteger a decisão tomada, pois, enquanto não fosse formalmente contestada, deveria ser considerada válida e plenamente eficaz.³ No Brasil, no entanto, essa noção nunca prevaleceu, sendo necessária sempre uma impugnação posterior ao trânsito em julgado para rescindir a decisão viciada.

Ao longo dos anos, as justificativas para o ajuizamento da querela nullitatis foram progressivamente incorporadas como hipóteses de cabimento da ação rescisória (que será examinada posteriormente). Como resultado, esse instituto não conseguiu cumprir suas expectativas no sistema processual brasileiro. No entanto, apesar da ausência de um regulamento específico para a impugnação de decisões judiciais e do fato de a ação rescisória ter incorporado as hipóteses que historicamente justificaram sua aplicação, o executado tem a capacidade de se opor à execução por meio da alegação de que a citação foi nula ou incompleta no processo de conhecimento4.

É interessante observar como a doutrina aceita um meio que pode anular uma decisão que foi coberta pela força da coisa julgada por decisão de um juízo de primeira instância. Nesse caso, as disposições constitucionais relacionadas à necessidade de julgamento de ação rescisória perante um tribunal para contestar decisões de mérito transitadas em julgadas são ignoradas.

A pergunta que permanece neste quadro é a seguinte: em face da grave deformidade que a mácula, é possível que o legislador ordinário crie situações que possam resultar na nulidade das decisões judiciais resolvidas pelo manto da coisa julgada? Ou seria a única situação aceitável aquela resultante de uma citação incorreta ou nula, já que assim sempre foi?

Em relação aos embargos à execução, acredito que a possibilidade de alegar a falta ou nulidade da citação deve ser revisada de acordo com a perspectiva constitucional da coisa julgada. Isso ocorre porque admitir que um juiz de primeira instância possa violar a garantia da coisa julgada por meio de uma ação ordinária não está em conformidade com os princípios da CF/88.

As disposições constantes Código de Processo Civil de 2015, não é possível encontrar um regulamento explícito que permita a anulação de decisões judiciais que contenham o vício ali previsto, como a maioria das pessoas acredita. A regra que eles extraem apenas permite que o réu acredite que sua esfera jurídica não foi atingida por uma decisão na qual ele não participou. Isso se deve ao fato de que, em uma democracia de direito, é inaceitável que o bem jurídico de uma pessoa seja violado sem o processo legal adequado.

De acordo com a CF/88, a única forma de permitir a desconstituição de coisa julgada, conforme já exposto, é por meio de ação rescisória apreciada por um tribunal.  Trata-se de um requisito básico que visa proteger a segurança jurídica da coisa julgada. A melhor maneira de cumprir os ditames constitucionais é admitir que existem abordagens devido à gravidade do vício que macula o processo.  Por exemplo, seria preferível que o sistema de ação rescisória fosse modificado para atender a tais situações extremamente graves, permitindo que o prazo para desconstituição do julgado começasse quando o réu souber que a decisão foi tomada à sua revelação.  Assim, o imperativo constitucional de proteger a coisa julgada é, ao mesmo tempo, dar ao indivíduo cujo direito de defesa foi retirado a liberdade de se insurgir contra o julgado.

4.1.2 Ação para rescindir

A ação rescisória, uma demanda autônoma de impugnação que é de competência originária dos tribunais, é um meio comum utilizado no sistema processual brasileiro para anular as decisões tomadas pela autoridade da coisa julgada.  Como mencionado anteriormente, é o único mecanismo previsto na Constituição Federal que pode contestar as decisões finais tomadas pelo Poder Judiciário.

Atualmente, existe uma consagração constitucional de proteção à coisa julgada, que é um mecanismo jurídico elevado à categoria de garantia fundamental, além da ação rescisória, e tem regulamentação ampla infraconstitucional.  Diante desse desenho legal, com especial atenção aos comandos constitucionais, fica a pergunta de qual mensagem o Constituinte quis transmitir ao dar tanta importância à coisa julgada e permitir sua desconstituição por meio de ação rescisória.

Parece-me que a Constituição Federal estabeleceu a possibilidade de superação da coisa julgada por meio de ação rescisória, o que significa que, diante de uma garantia constitucional de tal importância para o Estado Democrático de Direito, a única maneira pela qual uma decisão judicial comprometida pode ser superada pela autoridade da coisa julgada é por meio do instrumento previsto na própria Constituição.  Evite-se que o assunto tenha sido tratado apenas de forma incidental, como uma etapa de julgamento de outra questão; em vez disso, foi destinado a ser analisado como uma demanda independente.

As hipóteses no artigo 966 do CPC que permitem o ajuizamento de ação desconstitutiva geralmente não refletem uma revisão do juízo do magistrado sobre a solução do caso. Trata-se de vícios de alta gravidade que aconselham a rescisão do julgado, seja porque a imparcialidade ou a competência do juiz foram comprometidas, seja por atos das partes que impediram a análise adequada do caso, por ofensa à coisa julgada, violação da literal disposição de lei, obtenção de documento novo ou descoberta de falsidade de documento antigo, invalidação da confissão, renúncia ou transação que serviu como base para a

Portanto, não há possibilidade de corrigir a injustiça do julgado resultante de um juízo incorreto sobre a prova dos autos ou da escolha de uma interpretação razoável do texto legal nas hipóteses de cabimento da ação rescisória5.

Por fim, uma questão importante é a necessidade de usar a ação rescisória quando se pretende impugnar a decisão por um vício previsto no art. 966 do CPC, mas apenas alterar as circunstâncias fáticas ou jurídicas consideradas na decisão transitada em julgado, fazendo com que a decisão não mais seja adequada para lidar com a nova situação que se formou. Quando a demanda se refere a relações jurídicas de trato continuado, tais circunstâncias ocorrem. Nesses casos, a decisão tomada afeta não apenas fatos jurídicos passados, mas também futuros, enquanto as mesmas circunstâncias estão presentes.

O objetivo da ação rescisória é rescindir um julgado devido a um erro que o macule, oferecendo a desconstituição do julgado (iudicium rescindens) e, se necessário, a prolação de um novo julgamento (iudicium rescissorium). Portanto, quando se trata de uma relação jurídica de trato continuado e as circunstâncias que foram objeto de uma apreciação judicial anterior, o objetivo não é rescindir o julgado, pois nenhum vício o maculou. Em vez disso, o objetivo é reconhecer que a decisão anterior não era adequada para lidar com as circunstâncias agora existentes. Como tais circunstâncias não constituem uma hipótese de superação da coisa julgada, eles não justificam a propositura de ação rescisória.

Assim, caso a relação jurídica objeto da avaliação judicial da sofra alterações cobertas pela autoridade da coisa julgada, o julgado em questão não terá capacidade de controlar a nova relação jurídica que foi constituída.  Isso significa que não se está pensando em anular a decisão anterior, mas sim em examinar seus limites objetivos e determinar qual relação jurídica ela envolve.

4.1.3.  A flexibilização atípica e a coisa julgada

A flexibilização da coisa julgada em hipóteses não previstas em lei ainda é difícil e ainda não atingiu a convergência doutrinária. Em tais conversas, há uma certa quantidade de sentimentos aflorados, o que ocasionalmente nos desvia da abordagem adequada para o discurso jurídico.

Teme-se que qualquer permissão para flexibilizar o julgamento em situações não previstas em lei possa enfraquecer completamente a garantia constitucional. Em alguns casos, esse temor às últimas consequências pode fazer com que as situações aberrantes e insuportáveis sejam ignoradas ou menosprezadas como um mero risco que o sistema deve enfrentar.

Em relação ao direito tributário, o Professor Humberto Ávila dá um exemplo interessante de como a flexibilização da coisa julgada é necessária quando a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade ou difuso, juntamente com um instrumento de ampliação da eficácia (resolução do Senado ou súmula vinculante), e um contribuinte é obrigado a se submeter a um “estado de desigualdade” como resultado de uma decisão transitada em julgado.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral fixou a tese quanto aos efeitos temporais da coisa julgada nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo são imediatamente cessados quando o STF decidir em sentido oposto em controle concentrado de constitucionalidade ou recurso extraordinário com repercussão geral, vide:

Tese fixada – Tema 885 e 881:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Diante desse contexto, é questionável se a regra da coisa julgada é justificada para ser imponderável em relação a outros princípios constitucionais, além das hipóteses explicitamente previstas de cabimento de ação rescisória.

Esse assunto tem raízes profundas na teoria geral do direito, principalmente no estudo das distinções entre regras e princípios, bem como a possibilidade de superação das regras, mesmo que a previsão normativa de sua incidência não seja cumprida.

De acordo com Marinoni, embora a garantia de uma coisa julgada seja considerada uma regra constitucional, ou seja, uma “super-regra”6, a aplicação não segue a lógica do “tudo ou nada” em todas as situações técnicas, nas quais a superação é possível mesmo que o enunciado prescritivo exija sua observância.7

A possibilidade de que uma superação desse tipo seja realizada pelo Poder Judiciário, fora das hipóteses previstas pela lei, é um grande problema doutrinário que ainda precisa ser resolvido.  Trata-se de um dos temas mais difíceis porque não há nenhuma lei a respeito, exceto a regra constitucional de proteção da coisa julgada e a autoridade dos tribunais para julgar rescisões e revisões criminais.

5. AS DECISÕES TOMADAS E A EFICÁCIA DA LIDERANÇA

5.1 Diferenças importantes

A relação que se acredita existir entre a coisa julgada e a eficácia executiva da decisão transitada em julgado é uma questão intrigante que deve ser examinada. A questão é se a eliminação da possibilidade de execução de uma decisão transitada em julgado implica alguma forma de violação da garantia da coisa julgada.

Como mencionado anteriormente, a imutabilidade da coisa julgada depende de uma norma jurídica específica determinada na decisão transitada em julgada sobre mérito.  Esta norma legal é apenas um direito subjetivo criado pelo sistema jurídico em vigor.

A princípio, os jurisdicionados devem voluntariamente seguir o ordenamento em vigor, identificando a norma jurídica concreta a partir das relações jurídicas previstas socialmente.  Há, no entanto, situações em que não há consenso sobre o conteúdo da norma jurídica específica, o que obriga o Poder Judiciário a fazê-lo.  A fim de fornecer segurança jurídica à sociedade, o Estado-Juiz intervém e define uma norma jurídica específica, que poderia ter sido definida pelos assuntos da demanda julgada8. Isso aumenta a autoridade do juiz e o torna imutável.

Repita-se que o objetivo da coisa julgada não é a exigibilidade dos direitos ou a eficácia executiva da decisão, mas sim o direito que foi reconhecido, tornando-o incontestável. No entanto, a exigibilidade pode ser alterada, suprimida, interrompida ou suspensa sem violar a coisa julgada.

5.2.     Efetividade executiva e segurança legal

É fundamental entender que o instituto da coisa julgada é apenas um método de proteção da segurança jurídica, fazendo a distinção entre o objeto da coisa julgada e a eficácia executiva da decisão transitada em julgada. Como mencionado anteriormente, o princípio da segurança jurídica pode ser extraído diretamente da Constituição e é uma consequência direta do Estado Democrático de Direito. Assim, ele deve guiar todas as leis, tanto na criação quanto na interpretação.

O assunto nos interessa porque a suspensão da execução de um direito reconhecido judicial pode causar uma situação de insegurança incompatível com a promessa constitucional de um ordenamento jurídico sólido. Imaginemos, por exemplo, uma determinação legal que determine que o autor vitorioso deve exigir a execução da decisão judicial em 24 horas, sob pena de o título executivo não ser necessário. Após a extensão fisiológica e, ocasionalmente, patológica do processo, seria razoável um prazo tão curto para o exercício da pretensão executória?

A resposta a essa pergunta será encontrada ponderando os valores protegidos com a regra hipotética anterior e o valor de segurança legal. Se entendermos que uma disposição legal cria uma situação de insegurança injustificável em relação aos valores que visa promover, essa disposição deve ser reconhecida como inconstitucional.

6. CONCLUSÃO

O objetivo principal do estudo foi fornecer soluções para situações bastante complexas que ainda são tema de discursão no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Trabalhar com o instituto da coisa julgada requer uma compreensão do conceito de segurança jurídica em um determinado período de tempo.

Para começar, a questão abordada mais desafiadora foi: a possibilidade de flexibilização incomum da coisa julgada pelo Poder Judiciário. Em geral, não é possível aceitá-lo, pois implicaria uma verdadeira violação da garantia constitucional. No entanto, essa hipótese não pode ser eliminada totalmente, pois a segurança jurídica, que visa promover a coisa julgada, não é um valor absoluto e pode mudar quando outros valores constitucionais prevalecem. Devido à importância da coisa julgada para a formação de um Estado Democrático de Direito, essa recomendação deve ser feita em situações extremamente excepcionais, com muito esforço argumentativo e, por fim, com muita atenção do poder legislativo, seja para desenvolver um método para flexibilizar situações ou para tipificar tais situações.

Em uma segunda análise, a segurança jurídica foi usada para avaliar a coisa julgada e determinar em que medida esse princípio deve ser respeitado em situações flagrantemente injustas. Examinou-se o significado e as consequências desse instituto jurídico, dando-lhe o status de imutável. Examinada a melhor doutrina sobre esse complicado assunto e chegou-se à conclusão de que a coisa julgada é uma situação jurídica caracterizada pela imutabilização da norma concreta definida na parte dispositiva das decisões judiciais.

Portanto, os efeitos da decisão não são inabaláveis; ao contrário, são alteráveis ou mesmo não podem ser feitos. Existe a possibilidade de que um tratamento igual não seja eficaz porque a capacidade de produzir efeitos não é imutável e existem inúmeras possibilidades de que seja suprimida, obstada ou limitada.


²RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 2.ª ed. São Paulo: Resenha Universitária, 1977, p. 428.
³TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp. 208-211.
4FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. “Réu revel, querela nullitatis e ação rescisória.”. Ensaios de Direito Processual. Rio de Janeiro, 2003.
5Consoante se infere da súmula3433 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
6MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in) constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada: a questão da relativização da coisa julgada. 2. Ed. Rev. E atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 191.
7Sobre a superabilidade das regras, importante a leitura de Ávila, Humberto. Teoria dos princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. Ed. Ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 112 a 120. Destaca-se: “Como as regras têm caráter imediatamente descritivo de conduta ou de atribuição de poder para adoção de conduta, cabendo ao intérprete aplicar a regra cujo conceito seja finalmente-correspondente ao conceito dos fatos, sua eficácia de resistência horizontal é superior à dos princípios. De fato, as regras têm uma eficácia decisiva que os princípios não têm, na medida em que elas estabelecem uma decisão para um conflito entre razões, não cabendo ao aplicador substituir pura e simplesmente a ponderação legislativa pela sua. As regras têm uma eficácia definitória dos princípios, no sentido de que vários dos ideais cuja realização é por eles determinada já se encontram ‘regrados’, não cabendo ao intérprete concretizar o ideal constitucional de modo diferente daquele previsto pela Constituição. E as regras têm eficácia de trincheira, pois, embora geralmente superáveis, só o são por razões extraordinárias e mediante um ônus de fundamentação maior.”
8“Em todas essas hipóteses a atividade do juiz, embora apoiada no direito material, apresenta eficácia e efeitos diversos aos do plano do direito material, porque o comando sentencial é munido de atributos próprios da soberania (imperatividade, possibilidade de execução coativa, vinculação das partes etc.).” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 89-90.).

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¹Graduado em Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, Pós-graduado em Direito civil e processual civil, Pós-Graduado em Direito Tributário. Oficial de Justiça Federal do Tribunal Regional Federal da 1° Região. E-mail: moreiraaguiar.anderson@gmail.com