REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11212443
Gabrielly Moraes Machado1
Samantha Lima Furtado Floriano2
Orientador: Profº Ms.Bruno Santos de Assis3
Resumo: Trata-se de um estudo sobre o papel do enfermeiro na prevenção da violência obstétrica, onde os profissionais de saúde estão centralizados na atenção à gestante durante o pré-parto, parto e pós-parto. Objetivo: Analisar as atribuições e as dificuldades enfrentadas pelo enfermeiro obstetra durante a assistência à parturiente e as normativas que asseguram saúde da mulher. Método: Refere-se a uma revisão narrativa, fundamentado em artigos publicados nas bases de dados Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Ministério da Saúde no período entre 2017 e 2023, sendo selecionado 17 artigos. Conclusão: entende-se que o cuidado que o enfermeiro desempenha na assistência obstétrica vai para além do aspecto clínico. Tornando-se notória a necessidade de se analisar meios que permitam superar os desafios existentes e fortalecer as políticas e ações que valorizem o papel do enfermeiro na saúde materna.
Palavras-chave: Violência obstétrica; Prevenção; Assistência de Enfermagem; Parto Humanizado; Direitos das parturientes.
Abstract: This is a study on the role of nurses in preventing obstetric violence, where health professionals are focused on caring for pregnant women during pre-delivery, childbirth and postpartum. Objective: To analyze the duties and difficulties faced by obstetric nurses during care for women in labor and the regulations that ensure women’s health. Method: Refers to a narrative review, based on articles published in the Virtual Health Library (VHL), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS) and Ministry of Health databases. of Health in the period between 2017 and 2023, with 17 articles selected. Conclusion: it is understood that the care that nurses perform in obstetric care goes beyond the clinical aspect. The need to analyze ways to overcome existing challenges and strengthen policies and actions that value the role of nurses in maternal health has become clear.
Keywords: Obstetric violence; Prevention; Nursing Assistance; Humanized birth; Rights of women in labor.
1 INTRODUÇÃO
A gestação é considerada um processo fisiológico onde o corpo passa por inúmeras mudanças. O parto é visto como um momento único e transformador na vida da maioria das mulheres, no qual a atenção dos profissionais de saúde deve ser centrada no protagonismo da parturiente com o objetivo de tornar esse momento o mais natural possível. Demandando primariamente apoio, acolhimento, atenção e principalmente, humanização (MEDEIROS; NASCIMENTO, 2022).
Ao longo dos anos, foram apresentadas várias definições sobre a violência obstétrica, uma delas é a primeira legislação latino-americana proposta na Venezuela:
Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelo profissional de saúde, expressa através de um tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, resultando na perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres (Ley Orgánica sobre el Derecho de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia, 2007, p. 354.064).
Além disso, a violência obstétrica pode ser caracterizada pelo desrespeito aos direitos da mulher, e pode se manifestar de diversas maneiras, incluindo a omissão, negligência, violência física e psicológica, abusos sexuais, intervenções medicamentosas sem necessidade, além de outros fatores que podem afetar direta ou indiretamente à mulher e seu filho (BITENCOURT et al., 2022).
Ou seja, a presença da violência obstétrica durante o atendimento à mulher no pré-parto, parto e pós-parto por parte dos profissionais de saúde é destacada. De acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), essa violência é caracterizada por condutas desrespeitosas e desumanizadas, como o uso excessivo de ocitocina sintética, manobra de Kristeller, episiotomia, além de negligência e maus tratos dirigidos à parturiente e ao recém-nascido, podendo resultar em danos físicos e psicológicos, abrangendo todos os níveis de assistência (MOURA et al., 2018).
É evidente a importância de abordar a questão da violência obstétrica durante o parto, assim como a relevância de examinar estratégias que possibilitem a prevenção e redução desse tipo de violência (Nascimento et al., 2022). Segundo a análise, as consequências para as mulheres que contaram com cuidados durante o trabalho de parto de natureza humanizada diferem substancialmente daquelas que não experimentaram essa abordagem. A execução dos procedimentos, a qualidade do tratamento e a orientação recebida emergem como fatores determinantes para o desfecho pós-parto e isso pode ser atribuído também às restrições físicas exigidas nos serviços, uma vez que as instalações são precárias (MEDEIROS; NASCIMENTO, 2022).
Desta forma, o presente estudo justifica-se pela necessidade de compreender a importância do papel do enfermeiro na assistência humanizada e na prevenção da violência obstétrica, desempenhando uma função crucial na garantia de que o momento do parto seja o mais natural possível, contribuindo para o bem estar físico, psicológico e emocional da mulher. O momento do parto é inesquecível para a maioria das mulheres, fazendo com que seja essencial o acolhimento, apoio e respeito.
Sendo assim, os objetivos propostos para esse trabalho são apresentar o profissional de Enfermagem como protagonista na assistência de enfermagem obstétrica humanizada e na prevenção da violência obstétrica. Além de identificar as principais dificuldades enfrentadas pelo Enfermeiro na prevenção da violência, e realizar uma análise acerca das normativas que asseguram a saúde da mulher.
2 MATERIAL(IS) E MÉTODOS
Esse artigo trata-se de uma revisão narrativa da literatura a partir de artigos científicos relacionados ao tema. O qual tem o objetivo de resumir e sintetizar as principais informações sobre o protagonismo do Enfermeiro na prevenção da violência obstétrica, levando em consideração diversos escritores.
Para a construção desta revisão, foi utilizado os seguintes documentos: artigos científicos, caderneta e manuais do Ministério da Saúde. Para que fossem incluídos neste estudo de revisão narrativa, foram estabelecidos critérios específicos, tais como artigos com publicação entre os anos de 2017 a 2023, no idioma português, inglês e espanhol, inclusão de diferentes perspectivas e disponibilização eletrônica gratuita na íntegra.
As bases de dados utilizadas para a seleção dos artigos foram a Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Ministério da Saúde (MS).
Para seleção dos artigos foi construído a estratégia de busca com os seguintes descritores: Violência obstétrica; Prevenção; Assistência de Enfermagem; Parto Humanizado; Direitos das parturientes.
Os resultados das buscas foram 56 artigos, destes 17 foram selecionados de acordo com os critérios citados para a elaboração deste artigo. Nesse sentido, foram excluídos artigos com datas anteriores a 2017, que não abordaram diretamente o tema, duplicados ou que não apresentaram métodos de estudos adequados a pesquisa. Com exceção da Resolução do COFEN n° 516/2016, Ley Orgánica sobre el Derecho de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia, Cartilha de Humanização do parto do Ministério da Saúde e a Lei Maria da Penha.
3 DESENVOLVIMENTO
Para o alcance dos objetivos propostos para essa revisão de literatura e melhor compreensão do leitor, o presente desenvolvimento encontra-se sistematizado em três eixos do saber, os quais se descrevem a seguir nos tópicos 3.1; 3.2 e 3.3.
3.1 – O protagonismo do profissional de Enfermagem na assistência de enfermagem obstétrica humanizada e na prevenção da violência obstétrica
Em uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2010, comprovou que um quarto das brasileiras que tiveram partos normais vivenciaram algum tipo de abuso ou falta de respeito, durante uma ou mais fases do processo de parto (Almeida; Ramos, 2020). Lamentavelmente, o dia a dia da assistência às mulheres durante o parto e o nascimento ainda é caracterizado, em grande parte, por uma abordagem que favorece a intervenção. Esse cenário pode ser evidenciado por meio de três fenômenos: o excesso de procedimentos como episiotomia, amniotomia, medicalização do corpo feminino e a manobra de Kristeller; a utilização de práticas consideradas ineficazes, como a tricotomia e a lavagem intestinal; e a prevalência alarmante de cesarianas, especialmente em território brasileiro (JACOB et al., 2021).
Em um estudo realizado no estado de Amazonas, Brasil, foi analisado 43 denúncias inseridas no Inquérito Civil Público instaurado pelo Ministério Público Federal, foram identificadas 29 ações ou técnicas denunciadas como violentas, foi observado uma predominância de agressão e humilhação verbal, seguido pela proibição do acompanhante e descaso e abandono. Esse padrão de comportamento reflete um tratamento rude e ameaçador, manifestado através de gritos, repreensão, humilhação e abuso verbal (MARTINS et al., 2022).
Devido a isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) promove e incentiva a participação ativa dos enfermeiros obstetras reconhecendo seu impacto direto na melhoria dos indicadores obstétricos durante o cuidado à mulher durante o trabalho de parto e parto (Oliveira et al., 2021). Além de destacar que a gestação de baixo risco pode ser acompanhada por um enfermeiro obstétrico, cuja presença durante o trabalho de parto não apenas oferece conforto e satisfação à parturiente e sua família, mas também ao próprio profissional (VELOSO et al., 2020).
A Resolução do COFEN n° 516/2016 normatiza:
A atuação e a responsabilidade do Enfermeiro, Enfermeiro Obstetra e Obstetriz na assistência às gestantes, parturientes, puérperas e recém-nascidos nos Serviços de Obstetrícia, Centros de Parto Normal e/ou Casas de Parto e demais locais onde ocorra essa assistência e estabelecer critérios para registro de títulos de Enfermeiro Obstetra e Obstetriz no âmbito do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem (BRASIL, 2016, p. 92).
Dentro dessa perspectiva, a presença do enfermeiro obstetra é essencial, pois sua prática de cuidados desempenha um papel vital na humanização da assistência ao parto, adotando um modelo de assistência que busque resgatar valores como o protagonismo da mulher, além de sua individualidade, privacidade e autonomia, objetivando promover partos saudáveis, minimizando intervenções desnecessárias e substituindo por alternativas que possuam benefícios evidentes (ALVES et al., 2018).
O cuidado prestado pela enfermeira obstétrica à parturiente é amparado no relacionamento interpessoal, na valorização da linguagem não verbal, na escuta ativa, no diálogo, na empatia e no conhecimento técnico-científico. Esse cuidado promove a participação ativa mulher, reconhece a importância do acompanhante, minimiza intervenções médicas desnecessárias, favorece o parto vaginal e utiliza tecnologias não invasivas, garantindo uma atenção humanizada com boas práticas durante o parto e nascimento (OLIVEIRA et al., 2021).
Por exemplo, um estudo realizado com 104 puérperas em um hospital universitário no estado de Mato Grosso, Brasil, evidenciou que as práticas realizadas pelas enfermeiras obstétricas, quando pautados em evidências científicas e recomendações oficiais, propicia à puérpera maior sensação de segurança e conforto, além de estimular um ambiente humanizado e promover seu empoderamento e protagonismo (ALVARES et al., 2018).
Para o Ministério da Saúde (2002):
A humanização compreende pelo menos dois aspectos fundamentais. O primeiro diz respeito à convicção de que é dever das unidades de saúde receber com dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido. Isto requer atitude ética e solidária por parte dos profissionais de saúde e a organização da instituição de modo a criar um ambiente acolhedor e a instituir rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto à mulher. O outro se refere à adoção de medidas e procedimentos sabidamente benéficos para o acompanhamento do parto e do nascimento, evitando práticas intervencionistas desnecessárias, que embora tradicionalmente realizadas não beneficiam a mulher nem o recém-nascido, e que com frequência acarretam maiores riscos para ambos (BRASIL, 2002, p. 5).
Dessa forma, humanização da atenção obstétrico-neonatal é essencial para garantir um acompanhamento adequado do parto e puerpério. Isso envolve a promoção do respeito e da dignidade à mulher e a sua família, criando um ambiente acolhedor por parte da equipe profissional. Além disso, inclui a adoção de boas práticas durante o parto e nascimento, com a redução de procedimentos intervencionistas e de rotina que não oferecem benefícios para a mulher e seu recém-nascido, mas podem trazer maiores riscos para ambos (POLICARPO, 2021).
Segundo Moura et al. (2018), algumas orientações para prestar assistência obstétrica de forma adequada e prevenir a ocorrência da violência obstétrica incluem: (1) explicar claramente ao paciente sua condição, as opções de tratamento disponíveis e como ela pode colaborar; (2) evitar procedimentos invasivos, dolorosos e arriscados, exceto quando necessários em cirurgias indicadas; (3) buscar ouvir atentamente o paciente, trabalhar em parceria com os colegas e garantir o tratamento respeitoso; (4) promover o direito do paciente de escolher um acompanhante durante o pré-natal e o parto; (5) garantir acesso igualitário ao leito e assistência baseada na equidade; (6) orientar a mulher sobre seus direitos relacionados à maternidade e reprodução; e (7) investir em sua própria formação profissional, buscando realização no trabalho e mantendo-se atualizado.
Além disso, os profissionais empregam em sua assistência estratégias não farmacológicas e práticas integrativas para alívio da dor. Estas incluem técnicas como massagens, deambulação, utilização de bola suíça, banhos de aspersão e imersão, criação de ambientes com penumbra, uso do rebozo, acupuntura, aromaterapia, musicoterapia e cromoterapia (JACOB et al., 2021).
Em um estudo realizado com 237 puérperas na cidade de Fortaleza, Ceará, evidenciou que os métodos não farmacológicos estão correlacionados com uma maior satisfação por parte das mulheres em trabalho de parto. Entre os mais utilizados estão: banho de chuveiro, técnicas de respiração, massagem, utilização da bola de parto, cavalinho e a deambulação ou exercícios pélvicos (RIBEIRO et al., 2023).
Corroborando com o propósito de evitar a violência obstétrica, os profissionais podem recorrer a técnicas de enfermagem não invasivas, como encorajar a presença, participação e envolvimento dos acompanhantes da paciente, promover a prática de respiração consciente, criar um ambiente acolhedor e aplicar conhecimentos sobre óleos essenciais, seja por meio da técnica de massagem ou não (PRATA et al., 2021).
3.2 – As dificuldades enfrentadas pelo Enfermeiro na prevenção da violência obstétrica
No contexto do processo de parto, o enfermeiro obstetra demonstra um comportamento profissional caracterizado pelo comprometimento com a preservação da dignidade humana, mesmo em meio a circunstâncias desafiadoras no ambiente de trabalho. Essa dedicação favorece um envolvimento genuíno entre o profissional e a mulher, promovendo um cuidado mais digno e respeitoso (OLIVEIRA et al., 2021).
Segundo um estudo realizado com 22 profissionais de saúde em Minas Gerais, Brasil, demonstrou que os principais desafios enfrentados na assistência obstétrica incluem a falta de preparo dos profissionais para lidar com as diversas situações encontradas durante a assistência, problemas institucionais como a falta de infraestrutura e recursos adequados, a superlotação e a escassez de pessoal (BITENCOURT et al., 2022).
Além disso, evidenciou-se também uma tendência à banalização do sofrimento da parturiente, o que, por sua vez, contribui para a aceitação da violência institucional. Isso é evidenciado por comentários disfarçados de brincadeiras, que minimizam a experiência da mulher durante o parto. Adicionalmente, a dificuldade dos profissionais em identificar a violência obstétrica é notável, especialmente entre aqueles que associam violência apenas a ações extremas que causam danos físicos ou emocionais de forma intencional (BITENCOURT et al., 2022).
Em relação a essa questão, há uma tendência por parte dos profissionais de saúde em valorizar a paciente que suporta em silêncio, é obediente e que se mostra ‘colaborativa’, enquanto aquela que expressa desconforto não é bem recebida e nem tratada com a mesma consideração, podendo ouvir expressões como ‘na hora de fazer não chorou’, o que evidencia a banalização da violência obstétrica institucional. Essa atitude é muitas vezes encarada como uma brincadeira pelos envolvidos e, lamentavelmente, até mesmo esperada pelas mulheres em trabalho de parto. Além disso, existem casos em que as puérperas não recebem os cuidados adequados devido à indiferença e insensibilidade dos profissionais, resultando em negligência e desrespeito nesse momento delicado (MEDEIROS; NASCIMENTO, 2022).
Conforme apontado por um estudo realizado com 56 puérperas no Rio de Janeiro, Brasil, algumas estruturas físicas de hospitais apresentam limitações significativas, uma vez que os planos originais não contemplam possibilidades de ampliação ou acomodação de acompanhantes em determinados espaços. Essa falta de adaptação dificulta a inserção de acompanhantes em ambientes específicos. Além disso, a distribuição desses espaços pode comprometer a privacidade das parturientes, especialmente quando se trata da presença de acompanhantes do sexo masculino, podendo causar constrangimento (RODRIGUES et al., 2017).
Ademais, enfermeiros obstetras frequentemente se deparam com desafios como a superlotação dos serviços, a escassez de material, a inadequação da estrutura física e a insuficiência de profissionais. Esses obstáculos impactam diretamente na qualidade e na segurança do cuidado oferecido às puérperas. Como resultado, tais dificuldades podem resultar na precarização das condições de trabalho, o que, por sua vez, pode resultar na violação dos direitos tanto dos profissionais de saúde quanto das próprias mulheres assistidas (OLIVEIRA et al., 2021).
Além do exposto, o excesso de burocracia no ambiente hospitalar pode representar um obstáculo significativo para as profissionais que buscam se envolver diretamente no cuidado das mulheres durante o parto e nascimento. Essa sobrecarga burocrática não apenas dificulta a atuação prática, mas também pode levar a uma crescente insatisfação entre os profissionais de saúde, que se veem impedidos de oferecer um cuidado mais personalizado e direcionado às mulheres durante o processo de parturição (DULFE et al., 2021).
Um estudo realizado com 09 enfermeiras obstetras atuantes no Centro de Parto Normal no estado de Pará, Brasil, revelou que a falta de conhecimento dos enfermeiros sobre as diretrizes do centro de parto normal e as políticas públicas relacionadas ao parto de risco habitual, pode desencorajar as mulheres a procurarem esses centros devido à percepção de que a presença de médicos obstetras ou pediatras é essencial durante o trabalho de parto. Tal situação evidencia a desconsideração da atuação capacitada e atualizada do enfermeiro obstetra (ALMEIDA et al., 2023).
De acordo com Nascimento et al. (2022), a falta de conhecimento das parturientes pode favorecer os casos de violência obstétrica. Nesse sentido, um estudo realizado com 20 enfermeiras obstétricas em Bahia, destacou a importância dos fatores relacionados à mulher e seu acompanhante, ressaltando a necessidade crucial de informações prévias para preparar tanto fisicamente quanto emocionalmente as mulheres e seus acompanhantes. Além disso, enfatizou como a interação entre esses indivíduos sociais desempenha um papel fundamental na melhoria do acompanhamento obstétrico (OLIVEIRA et al., 2021)
Portanto, ainda há obstáculos a serem superados para garantir uma assistência humanizada e de excelência às parturientes, devido à carência de investimentos e infraestrutura nas instituições, bem como à falta de preparo profissional para a prestação desse modelo de cuidado (RIBEIRO et al., 2023).
3.3 – As principais normativas que asseguram a saúde da mulher
Um dos principais instrumentos que asseguram o direito da mulher foi a criação da Lei Maria da Penha (LMP) que dispõe:
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (Lei Maria da Penha nº 11.340/2006, arts. 1 e 2, p. 1).
Além desta, a Lei nº 14.335 de 2022 (que altera a Lei nº 11.664/2008) “dispõe sobre a efetivação de ações de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino, de mama e colorretal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).” (Lei nº 14.335, 2022, p. 3).
Analisando a problemática da violência obstétrica, fica claro que há uma necessidade de transformar a realidade atual, com foco na humanização da assistência à parturiente. Essa mudança abrange não apenas adaptações no ambiente hospitalar, mas também uma reconfiguração do papel dos profissionais de saúde envolvidos, com destaque para o enfermeiro (MOURA et al, 2018).
Considerando a necessidade de garantir o acesso à assistência ao parto nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e seguindo os princípios da universalidade, integralidade e equidade, o Ministério da Saúde instituiu o Centro de Parto Normal através da Portaria MS/GM n° 985, de 05 de agosto de 1999 com o objetivo de promover a humanização e a qualidade no atendimento ao parto de baixo risco, permitindo que o centro opere tanto em ambientes hospitalares quanto fora dele (ALMEIDA et al, 2023).
Dessa forma, o Centro de Parto Normal representa um marco significativo e identitário no movimento de humanização e empoderamento da mulher durante o processo de nascimento, com a enfermeira obstetra atuando como facilitadora nesta transição, priorizando a valorização do parto com foco no processo fisiológico e não mais no aspecto biológico (JACOB et al, 2021).
Uma das muitas formas de violência obstétrica é a proibição do direito ao acompanhante, como forma de garantir, a legislação estabeleceu as bases para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização dos serviços correspondentes, como instituído na Lei nº 8.080 de 1990. Posteriormente, esta lei foi alterada pela Lei nº 11.108/2005, que assegurou o direito da parturiente à presença de acompanhante durante todo o processo de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), tanto em unidades próprias quanto conveniadas (ALMEIDA; RAMOS, 2020).
Além destas, a legislação brasileira vigente garante às gestantes o direito a acompanhamento especializado durante todo o período da gravidez, conforme estabelecido na Lei 9.263/1996. E a Lei 11.634/2007 que estipula que toda gestante assistida pelo SUS possui o direito de ter acesso ao conhecimento prévio da maternidade na qual seu parto será realizado, assim como da maternidade onde será atendida em casos de intercorrências durante o pré-natal (Cartilha de defesa dos direitos reprodutivos das mulheres, 2021).
Ademais, em 2004 foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), que dispõe estratégias de saúde da mulher conforme os princípios da integralidade, equidade e universalidade. Esta política abrange medidas destinadas à prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da saúde em todos os estágios da vida da mulher (ROSA; CABRAL, 2023).
Em junho de 2011, foi estabelecida pelo governo brasileiro a Rede Cegonha dentro do âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde) através da Portaria nº 1.459, garantindo à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e uma atenção humanizada durante a gravidez, parto e puerpério. Além de assegurar à criança o direito a um nascimento seguro e um crescimento e desenvolvimento saudáveis. De acordo com o Ministério da Saúde, um dos objetivos da Rede Cegonha é “fomentar a implementação de novo modelo de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança com foco na atenção ao parto, ao nascimento, ao crescimento e ao desenvolvimento da criança de zero aos vinte e quarto meses” (Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, 2017, p. 7).
Em 2018, os Estados Membros da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), aderiram o Plano de ação para a saúde da mulher, da criança e do adolescente 2018-2030 que:
[…] propõe uma visão de atenção à saúde e serviços de saúde integrados e preventivos que transcende abordagens fragmentadas. Além das intervenções na infância e adolescência, a promoção da saúde da mulher requer uma abordagem coerente que trate da interação dos determinantes biológicos e sociais da saúde da mulher, inclusive o papel da desigualdade de gênero como fator que aumenta a exposição e vulnerabilidade ao risco e limita o acesso à atenção e informação em saúde (Organização Pan-Americana da Saúde, 2018, p. 18).
Dessa forma, o Plano de ação para a saúde da mulher, da criança e o adolescente tem um dos focos específicos que consiste em dar continuidade aos esforços já iniciados em planos de ação anteriores para reduzir a mortalidade materna e neonatal, assegurando que todas as gestantes tenham acesso universal a cuidados abrangentes desde antes da concepção até o período pós-natal, com foco especial na proteção dos subgrupos em condições de vulnerabilidade (Organização Pan-Americana da Saúde, 2018).
6 considerações finais
O presente estudo evidenciou que o profissional de Enfermagem é um protagonista na assistência de enfermagem obstétrica humanizada e na prevenção da violência obstétrica, uma vez que a humanização é fundamental para garantir o respeito, dignidade e segurança das mulheres durante o pré-parto, parto e pós-parto. A presença e o papel ativo do enfermeiro obstetra são elementos essenciais para a promoção de práticas baseadas em evidências e redução de intervenções desnecessárias. A implementação de métodos não farmacológicos contribui para uma experiência mais positiva e satisfatória para as parturientes.
Evidenciou-se ainda que as principais dificuldades enfrentadas pelo Enfermeiro na prevenção da violência são: a falta de preparo para lidar com situações desafiadoras; problemas institucionais como a escassez de recursos, infraestrutura inadequada e insuficiência de profissionais; a sobrecarga burocrática e superlotação; a banalização do sofrimento da parturiente; e a falta de preparo físico e emocional, além das informações prévias sobre seus direitos e deveres, direcionados à puérpera e ao acompanhante.
Por fim, com a elaboração do trabalho, foi possível realizar uma análise acerca das normativas que asseguram a saúde da mulher e dentre dessas normativas observou-se como as mais importantes: a Lei Maria da Penha que representa um marco na luta contra a violência doméstica e familiar, garantindo mecanismos de prevenção e assistência às mulheres em casos de violência; a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a Rede Cegonha que garantem uma atenção humanizada durante a assistência obstétrica, além de promover o planejamento reprodutivo e o desenvolvimento saudável da criança; e o Plano de Ação para a Saúde da Mulher, da criança e do Adolescente da OPAS que estabelece metas e estratégias para reduzir a mortalidade materna e neonatal, assegurando o acesso universal a cuidados desde antes da concepção até o período pós-natal.
Desta forma, entende-se que o cuidado que o enfermeiro desempenha na assistência obstétrica vai para além do aspecto clínico. Tornando-se notória a necessidade de se analisar meios que permitam superar os desafios existentes e fortalecer as políticas e ações que valorizem o papel do enfermeiro na saúde materna.
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1Acadêmica do 8º semestre do curso Bacharelado em Enfermagem do Centro Universitário UniLs.
2 Acadêmica do 8º semestre do curso Bacharelado em Enfermagem do Centro Universitário UniLs.
3Professor orientador, Enfermeiro mestre em ciência política com linhas de pesquisa em direitos humanos, cidadania e estudos sobre a violência. Coordenador do curso bacharelado em Enfermagem do Centro Universitário UniLs.