REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11203904
Ayane Camila de Araújo Silva1
Hêndria Barata de Moura2
Hilvany Lannay Silva Araújo3
Maria de Fátima da Rocha Mar4
Rayelle Coelho Duarte Santos5
RESUMO
A metamorfose, de Franz Kafka, apresenta uma abordagem social modelada nas tendências capitalistas do início do século XX, na Europa. É importante ressaltar que o continente europeu, no início do século passado, foi cenário para diversas crises financeiras, cujos efeitos foram devastadores para a economia. Não obstante as turbulências econômicas da época, os reflexos do patriarcado histórico podem ser vislumbrados na obra de Kafka assim como a passividade das personagens femininas diante de sua “inércia” em relação ao protagonismo de Gregor Samsa e à figura “soberana” de seu pai. O artigo tem como problema de pesquisa a seguinte indagação: “Por que o capitalismo reduz a figura feminina e destaca, com maior ênfase, a masculina à luz diegética de A metamorfose?”. Sobre a problemática, o universo patriarcal pode invalidar a participação das mulheres por entender que o papel delas é o da nulidade existencial em seus lares. O objetivo principal do estudo visa compreender as nuances narrativas contidas em A metamorfose que reproduzem a participação mínima e a colocação reles da mulher no âmago do capitalismo nos anos iniciais do século XX; e os específicos buscarão compreender as relações da família Samsa com a rigorosidade capitalista; as causas pelas quais os homens tinham o protagonismo total no capitalismo e como a sociedade, por si mesma, não permitia o reconhecimento efetivo das mulheres no cenário social, artístico e existencial.
Palavras–chave: A metamorfose; Capitalismo; Desigualdade; Feminismo; Século XX.
INTRODUÇÃO
A Metamorfose, escrita pelo austro-húngaro Franz Kafka[2], é um dos livros mais influentes do século XX e a sua importância perpassa várias nuances do devir humano. A novela conta, de forma dramática e catártica, a história triste do protagonista, Gregor Samsa, que, no amanhecer de um novo dia, se vê metamorfoseado em um inseto grotesco, abissal e assustador. A trama segue com a nova configuração física e existencial do personagem dentro de um mundo em que ele é o centro do sustento financeiro de uma família considerada disfuncional em vários aspectos.
Não obstante a metáfora inicial que aborda, de forma simbólica e absurda, uma transformação impossível durante uma noite de sono, A metamorfose ainda apresenta uma alegoria perceptível em relação à estruturação impiedosa e inexorável do sistema capitalista que, nos anos iniciais do século XX, trouxe ao mundo uma série considerável de efeitos colaterais das mais diversas naturezas. É conveniente destacar que as consequências no âmbito econômico foram de proporções dantescas, uma vez que os sistemas financeiros entraram em colapso[3] e suas consequências foram devastadoras na estrutura financeira do planeta.
Não bastassem as penosas intempéries no campo econômico, o capitalismo, alvo da sutil, e ao mesmo tempo notória crítica de Kafka, ainda apresentou uma estrutura familiar em que as mulheres eram figuras secundárias no escopo financeiro e participativo da sociedade do novo século, estando, assim, à mercê e à sombra da participação presente e intensa dos homens. Ora, se a presença feminina em uma obra literária, uma vertente direta da arte que, por si mesma, busca a representação mimética de uma realidade, é possível afirmar que o livro traz uma representação real do mundo nos iniciais do século passado, denunciando, assim, a nulidade feminina em detrimento do protagonismo do patriarcado que sempre foi o centro da civilização. Partindo da observação das mulheres na sociedade capitalista do século XX, sob a ótica kafkiana de estrutura familiar, este artigo apresenta a seguinte pergunta de pesquisa: “Por que o capitalismo reduz a figura feminina e destaca, com maior ênfase, a masculina à luz diegética de A metamorfose?”.
O estudo apresenta alguns objetivos; o geral visa compreender as nuances narrativas contidas em A metamorfose que reproduzem a participação mínima e a colocação reles da mulher no âmago do capitalismo nos anos iniciais do século XX. Os objetivos específicos procuram compreender as relações da família Samsa com a rigorosidade capitalista; as causas pelas quais os homens tinham o protagonismo total no capitalismo e como a sociedade não permitia o reconhecimento efetivo das mulheres no cenário social, artístico e existencial.
A escolha pela temática se deu em função de observações literárias, de cunho social, acerca da posição da mulher no mundo capitalista em que os homens detêm a supremacia de protagonismo, destaque e sucesso. Tal constatação precisa gerar reflexões para que a mulher possa alcançar cada vez mais espaço na modernidade.
A FAMÍLIA SAMSA E AS ESTRUTURAS IMPLACÁVEIS DO TRABALHO
Em A metamorfose, Franz Kafka narra, de forma simbólica e metafórica, o drama de Gregor Samsa, um jovem trabalhador que faz parte do sistema capitalista, mais por necessidade do que por afeição à atividade profissional. Gregor Samsa é uma espécie de “escravo (pouco) remunerado” de um sistema cujas entidades proletárias jamais alcançarão a glória financeira, tampouco o sossego e a abundância em relação à calmaria futura no que tange o sossego e a segurança monetária (COUTINHO, 1999).
Não bastassem os imbróglios de origem social/econômica, o jovem Samsa, ao despertar atrasado para o trabalho, encontra-se metamorfoseado em uma criatura horrenda. Nas palavras do próprio autor, a ruptura entre o antes conformado com o agora perturbado Gregor Samsa é narrado com as seguintes angústias:
Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos (KAFKA, 2021, p. 5).
É importante ressaltar que o evento de proporções catastróficas na compleição e na estrutura emocional do protagonista antecede o instante em que ele já deveria estar a caminho do trabalho. É importante ressaltar que a lentidão com que Samsa desperta, a limitação de seus movimentos e o colapso provocado com a contemplação de sua nova realidade neutralizam toda a sua outrora agilidade em relação aos procedimentos de auto preparação para mais um dia em sua jornada de labor. Tal paralisia de ações e comprometimento em relação à fala e às habilidades racionais contrasta com a velocidade e a intensa otimização do tempo na esfera capitalista, onde tempo é dinheiro (CASTRO, 2020).
Samsa é caixeiro-viajante e o único responsável pelo sustento e manutenção financeira de sua família. Embora não tenha nenhum apreço pelo seu ofício, ele teme, de forma quase desesperada, perder o seu emprego, que é a sua única fonte de renda. Neste aspecto de aceitação da relação paradoxal “gostar-precisar” do trabalho, é importante levar em consideração o que afirma Locke acerca do tema em tela:
A satisfação laboral é um fenômeno de ordem pessoal que é classificado em duas esferas: os eventos e as condições de trabalho e os agentes do trabalho. Sobre esses elementos, destacam-se a natureza do trabalho desempenhado, os vencimentos, as possibilidades de promoção, o reconhecimento, as condições em que o ofício é realizado, os colegas de igualdade e superioridade hierárquica e as relações pessoais e interpessoais com todos os participantes do labor (LOCKE, 2009, p. 309).
Sobre a citação de Locke (2009), é importante destacar que Samsa, a exemplo da estrutura impiedosa do capitalista, não era um sujeito querido e bem quisto por muitas pessoas, mas a sua utilidade profissional era de suma importância para o seu empregador. Tal afirmação se comprova em um fragmento de A metamorfose, quando narrador revela aos seus leitores que o próprio chefe de Gregor Samsa, estranhando o atraso e, posteriormente, a ausência de seu funcionário, bate à porta de casa da família e diz verborragicamente:
Vim com a intenção de dizer-lhe isto em particular, mas, visto que o senhor está a tomar tão desnecessariamente o meu tempo, não vejo razão para que os seus pais não ouçam igualmente. Desde há algum tempo que o seu trabalho deixa muito a desejar; esta época do ano não é ideal para uma subida no negócio, claro, admitamos isso, negócio absolutamente nenhum, essa não existe, Senhor Samsa, não pode existir (KAFKA, 2021, p. 22).
Assim, percebe-se que o fragmento de Kafka (2021) corrobora a argumentação de Locke (2009) no tocante às relações entre patrão e empregado e às possibilidades de promoção na firma onde Samsa era funcionário. Deste modo, pelo discurso do chefe, é possível verificar que há um evidente desprezo pelo Samsa profissional e uma indiferença frente às urgências e necessidades pessoais do trabalhador.
Neste cenário diegético tumultuado, percebe-se que Gregor Samsa poderia abandonar o seu trabalho, uma vez que não tinha nenhum afeto ou admiração pela sua atividade desempenhada. Ele não tinha a coragem para se livrar de tal ocupação porque a ele existiam duas grandes responsabilidades: a manutenção do lar e o sustento de seus familiares, sobretudo da mãe e da irmã.
A família Samsa, além de Gregor, era formada pelo pai, um sujeito considerado inválido, que não podia trabalhar devido a um sério problema na coluna; a mãe, uma mulher submissa que não trabalhava, e Greta, que era uma jovem de dezesseis anos, amante da música e exímia violinista.
Sobre a posição passiva das mulheres Samsa na organização familiar e na estrutura social do século XX, o capítulo seguinte discorrerá acerca da temática.
AS MULHERES DA FAMÍLIA SAMSA: AS SOMBRAS FEMININAS DO SÉCULO XX
Gregor Samsa tinha duas mulheres em sua família, cada uma com um grau de importância diferente, papéis cruciais no desenvolvimento da narrativa de Kafka e foram, inclusive, uma poderosa simbologia feminista em relação à anulação das ações das mulheres, sobretudo pelo patriarcado milenar, do início do século XX: a sua mãe e a sua irmã, Grete.
A senhora Samsa foi uma mulher que, apesar de extremamente submissa ao marido, era bastante dedicada ao lar e à família da qual era matriarca. Durante o início da transmutação do filho, ela se mostrou muito comovida com a situação e demonstrou um imenso compadecimento à situação claustrofóbica de Gregor. Ela não trabalhava fora e a sua única ocupação estava concentrada aos cuidados domésticos da casa em que vivia com os familiares.
Desde a chegada dos primeiros colonizadores, era comum que os nativos do sexo masculino fossem os responsáveis pela caça, pelas batalhas e pela proteção de suas casas e de seus familiares, e que as mulheres cuidassem dos filhos, da alimentação e da manutenção dos lares em que viviam (FAUSTO, 2008). Os tempos remotos em que às mulheres eram atribuídas apenas atividades caseiras foram registrados pela História durante séculos. De acordo com Ângela Davis:
O lugar das mulheres era mesmo em casa – mas não apenas porque elas pariam e criavam as crianças ou porque atendiam às necessidades do marido. Elas eram trabalhadoras produtivas no contexto da economia doméstica, e seu trabalho não era menos respeitado do que o de seus companheiros (DAVIS, 2016, p. 52).
No contexto apresentado por Davis (2016), é possível, então, afirmar que a senhora Samsa cumpriu o seu papel, pois ela assumiu a responsabilidade operacional de seu lar, protegeu os membros (em especial Gregor, em seu momento de sofrimento, no quarto) e zelou pela manutenção de sua casa. Em um dos inúmeros momentos de lúgubres sofrimentos, a mãe de Gregor diz: “Oh, meu Deus, talvez ele esteja terrivelmente doente e estejamos a atormentá-lo” (KAFKA, 2012, p. 42). Em relação à situação econômico-financeira do filho, a senhora Samsa sabe, e reconhece, que ele não possui uma estabilidade monetária digna para a manutenção plena ou razoável da sua família. Ela tem o conhecimento acerca da exploração de seu filho por parte da companhia para quem ele trabalha.
A respeito da realidade da época, da exploração do trabalho e sobre a hegemonia do trabalho desenvolvido pelos homens, é importante levar em consideração o que afirma Hooks:
Ao mesmo tempo, as mulheres sabem que muitos homens nos seus grupos sociais são explorados e oprimidos. Por saberem que os homens nos seus grupos não têm poder social, político e económico, não considerariam libertadora a partilha do estatuto social deles. Embora tenham consciência de que o sexismo nega os privilégios aos homens, nos seus respetivos grupos, é mais provável verem expressões exageradas de chauvinismo masculino nos seus companheiros, resultantes da sua sensação de impotência e ineficácia para com os grupos masculinos dominantes (HOOKS, 2019, p. 15).
Refletindo acerca do pensamento de Hooks (2019), nota-se que a exploração e opressão são evidentes no cenário social, e que os homens, mesmo no posto de figuras fortes e favorecidas, mostram-se impotentes diante de um sistema cada vez mais impiedoso.
Deste modo, se o sistema capitalista é árduo e ferrenho, percebe-se que Gregor Samsa é dolorosamente explorado. No entanto, mesmo sendo homem, favorecido em torno das preferências, as coisas já são difíceis, é interessante discorrer sobre a posição da senhora Samsa e Grete no cenário em que os homens são protagonistas.
Um dos fatores de discrepância entre os gêneros no cenário laboral é a Interseccionalidade. Segundo Collins:
A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de poder influenciam as relações sociais em sociedades marcadas pela diversidade, bem como as experiências individuais na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera que as categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas (COLLINS, 2021, p. 16).
O conceito de interseccionalidade, desta maneira, fundamenta o porquê da preferência masculina em detrimento à contratação de mulheres no segmento profissional. Sobre tal afirmação, Fausto explica:
Ao longo da História, os homens ocuparam grande parte dos postos oferecidos para o desempenho laboral. (…) Mesmo com o ingresso das mulheres no campo trabalhista, verificou-se grandes índices de discrepância salarial nos rendimentos de ambos, mesmo ocupando os mesmos cargos e desempenhando as mesmas funções (FAUSTO, 2008, p. 310).
Sobre a afirmação de Fausto (2008), é interessante refletir acerca do que diz Madalozzo (2010):
A participação das mulheres no mercado de trabalho representa um dos pontos centrais da análise econômica sob a ótica feminista. Apesar do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e da diminuição da diferença salarial média entre os dois gêneros, as mulheres ainda enfrentam uma grande dificuldade de serem remuneradas e promovidas em relação aos homens. Os modelos econômicos competitivos não conseguem explicar essas diferenças sem fazer uso de hipóteses fortes sobre as preferências individuais e os objetivos da família. Uma das possibilidades estudadas é que a diferença na remuneração das mulheres tem um aspecto social através de seu trabalho não somente para o mercado, mas também para a manutenção da ordem dentro da família (MADALOZZO, 2010, p. 1).
Madalozzo (2010) é muito enfática quando discorre sobre os absurdos envolvendo as diferenças salariais entre os homens e as mulheres. No entanto, o que mais chama atenção em seu pensamento é uma espécie de ordem proposital nessa diferenciação, ou seja, paga-se menos às mulheres para que elas não se lancem no mercado de trabalho, que fiquem em suas casas para garantirem “a manutenção da ordem dentro da família” (idem).
Assim, refletindo sobre o que afirmaram Collins (2021), Fausto (2008) e Madalozzo (2010), percebe-se que há mesmo uma preferência pela ocupação dos homens no mercado de trabalho, que essa ocupação é histórica e não remonta a contemporaneidade e que a diferenciação salarial entre homens e mulheres traz consigo uma intenção: manter as mulheres em casa para a manutenção da ordem organizacional e operacional dos lares.
Acerca do que os teóricos abordaram, é possível compreender porque a senhora Samsa e a sua filha, Grete, ficavam em casa e cuidavam dos afazeres domésticos, assim como das figuras masculinas. É importante ressaltar que as mulheres Samsa são representações simbólicas das mulheres do início do século XX, que tinham de cuidar de seus lares, dos filhos e das tarefas cotidianas para que os seus maridos e filhos pudessem ir para as ruas garantir o sustento de suas famílias. O capitalismo ganhou dimensões ainda maiores nas décadas iniciais do século XX. As guerras de proporções mundiais e os conflitos nacionais contra o regime republicano no Brasil fomentaram o mercado nos mais diversos setores, e esse crescimento abriu novos postos que tinham de ser ocupados pelos homens, por serem mais fortes, física e emocionalmente (FAUSTO, 2008).
A SOCIEDADE OPRESSORA versus AS MULHERES OPRIMIDAS
O capitalismo ganhou forças, efetivamente, após a Segunda Guerra Mundial, e a sociedade pós-guerra assistiu a uma nova configuração em vários âmbitos da esfera social (FAUSTO, 2008). A nova formatação social trouxe, de forma ainda mais acentuada, muitas injustiças sociais, como a má distribuição de renda, o agravamento da pobreza e várias adversidades humanitárias no que tange às minorias oprimidas pelo sistema, dentre as quais, as mulheres.
Sobre a nova constituição de sociedade nas décadas iniciais do século XX, é importante refletir sobre o que afirma Fraser:
Rejeitando a identificação exclusiva de injustiça com a má distribuição de renda entre classes, as feministas da segunda onda se uniram a outros movimentos emancipatórios para romper o imaginário restritivo e economicista do capitalismo organizado pelo Estado. Politizando o “pessoal”, elas expandiram o significado de justiça, reinterpretando como injustiças as desigualdades sociais que tinham sido negligenciadas, toleradas ou racionalizadas desde tempos imemoriais (FRASER, 2019, p. 245).
Assim, é possível inferir que o feminismo surgiu com o propósito de equiparar as injustiças e os desequilíbrios pretéritos em relação às desigualdades na sociedade, de uma forma macro dinâmica, em todas as esferas sociais.
Sobre o feminismo, Oliveira conceitua como:
(…) um movimento moderno, que surge a partir do contexto das ideias iluministas (1680-1780), com a Revolução Francesa (1789-1799) e Americana (1775-1781), reivindicando direitos sociais e políticos, com maior ênfase para a luta sufragista[4], através da mobilização de mulheres de vários países (OLIVEIRA 2014, p.2).
Com a participação efetiva das mulheres no movimento feminista, as injustiças vêm diminuindo a passos muito lentos e árduos (idem). A sociedade, ainda, é totalmente voltada à tradição de hegemonia dos homens nos postos e nos cargos mais relevantes, como em empresas, companhias e funcionalismo público, em que é composta por homens e as desigualdades estão cada vez mais em voga.
Deste modo, percebe-se que a senhora Samsa e Greta são dois microcosmos simbólicos de uma realidade que transcende o tempo e os cenários geográficos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A metamorfose, de Franz Kafka, é uma obra que apresenta um personagem que sofre, de forma intensa e penosa, em função dos efeitos colaterais do sistema capitalista. As pressões que ele recebe na empresa onde trabalha, juntamente com a responsabilidade de sustentar todos os seus familiares e as dívidas contraídas por eles fazem com que ele, o protagonista da narrativa, subitamente, no instante do despertar, se veja transformado em um inseto repugnante, grotesco e assustador.
Gregor Samsa é o personagem que sente na pele as intempéries do capitalismo em sua essência mais assustadora, mas são as personagens femininas que se veem excluídas do protagonismo laboral e participação efetiva nos mecanismos ativos de uma sociedade que, infelizmente, prefere o protagonismo masculino em função de uma série de fatores, dentre os quais é possível citar a necessidade de as mulheres terem de cuidar de seus lares, de maneira a dar suporte para que os homens possam trabalhar de forma mais produtiva e próspera.
A pergunta de pesquisa à qual este estudo buscou uma elucidação alcançou uma resposta bastante consistente. A elaboração do estudo levantou a seguinte questão: “Por que o capitalismo reduz a figura feminina e destaca, com maior ênfase, a masculina à luz diegética de A metamorfose?”.
O capitalismo não só reduz, como muitas vezes até anula, a participação das mulheres, não só as que fazem parte de A metamorfose, mas grande parte da comunidade feminina do planeta, porque acredita-se que a mulher, como aconteceu nas eras bíblicas e nas mais remotas ainda, tinha apenas o ofício de ficar em casa, cuidar da manutenção do lar, dos filhos e precisava receber com doses infinitas de carinho e solicitude, a figura marital que estava trabalhando.
Os movimentos feministas surgem com o intuito de minimizar os efeitos da nulidade feminina, com propósitos de enfrentar o sistema e tentar equiparar os níveis de igualdade, para que tantos homens como mulheres possam gozar, de forma eficiente e eficaz, dos mesmos direitos e das mesmas benesses.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, Alexandre de Carvalho. A metamorfose e o campo da saúde mental de trabalhadores: uma análise bakthiniana, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/FxxknLdFqQ5NpY8vgVxm3cL/#. Acesso em 22 Jul. 2023.
COLLINS, Patrícia Hill. Interseccionalidade. Rio de Janeiro: Boitempo, 2021.
COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1999.
DAVIS, Ângela. Mulheres, raça e classe. Rio de Janeiro: Boitempo, 2016.
FAUSTO, Bóris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2008.
FRASER, Nancy. Feminismo, capitalismo e a astúcia da História. São Paulo: Bazar do Tempo, 2019.
_____________. Feminismo e o capitalismo organizado pelo estado. São Paulo:Bazar do Tempo.
HOOKS, Bell. Teoria Feminista – Da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2019.
KAFKA, Franz. A metamorfose. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
LOCKE, E. A. What is job satisfaction? Organizational Behaviour Human Performance, 2009.
MADALOZZO, Regina. Participação no mercado de trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais? Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/jshjDy5bBjYS9WxgQMgQT7N/#. Acesso em: 23 Jul. 2023.
OLIVEIRA, Laís Paula Rodrigues de. O movimento feminista: algumas considerações bibliográficas, 2014. Disponível em:http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT10_La%C3%ADs%20Paula%20Ro drigues%20de%20Oliveira%20e%20Latif%20Cassab.pdf. Acesso em: 23 Jul. 2023.
[2] (1883 – 1924, atual República Tcheca)
[3] Os efeitos econômicos catastróficos da Grande Depressão, de 1929, nos Estados Unidos, por exemplo.
[4] Movimento sufragista foi uma campanha feita por mulheres, em diversos países, reivindicando o direito ao voto, entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. O movimento sufragista reivindicou os direitos políticos para as mulheres, mais especificamente, o direito de votar e de ser votada.
2Mestranda de Letras da Universidade Federal de Roraima.