DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE: DA POSSIBILIDADE NA ARBITRAGEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11110920


Bruna Gabriela Fávero1
Pedro Luís de Matos Leão Custódio2


Resumo: Procura-se demonstrar, a necessidade de regulamentação do controle difuso de constitucionalidade na jurisdição arbitral, levantando o entendimento doutrinário, legal e comparado transnacionalmente sobre o tema.

Palavras-chave: Arbitragem. Controle. Difuso. Constituição. Árbitros.

Abstract: We seek to demonstrate, the necessity to regulament the diffuse Constitutionality review in arbitration, for this we use the doctrine, the law and compareted international law cases.

Keywords: Arbitration. Review. Diffuse. Constitutional. Arbitrators

1. INTRODUÇÃO

          A arbitragem está presente na sociedade há muito tempo, entretanto quando tratamos da arbitragem em nosso país, há sua regulamentação apenas em 1996, por meio da Lei nº. 9.307.

          Antes da regulamentação da arbitragem em nosso país, permeou a discussão se está era um procedimento jurisdicional, se os efeitos do “laudo” proferido por um árbitro, teria os mesmos poderes da sentença proferida por um juiz. Discussão esta que foi amenizada quando, a supracitada lei, equiparou os árbitros aos juízes, trazendo o aspecto de que a arbitragem seria uma jurisdição privada contratada pelas próprias partes.

          O mundo passa e irá passar por mudanças durante períodos, onde até meados da década de 90 havia forte dirigismo constitucional sobre o direito contratual, onde a constituição e os estados possuíam grande luz na regência da sociedade, qual as faculdades de direito formavam profissionais para litigarem perante o estado. Entretanto já na primeira década do século XXI, houve a crescente força do dirigismo do direito internacional sobre o direito interno, e com isso também a busca pela celeridade processual, segurança jurídica e especialidade, qual a jurisdição busca o equilíbrio, onde a jurisdição estatal possui dificuldades na obtenção, sendo muito mais fácil para a arbitragem.

          Ao discutir o tema, deve ser lembrado a jurisdicionalidade contratada da arbitragem, para a solução de litígios entre partes, qual sua decisão produzirá os mesmos efeitos da sentença judicial, conforme supra exposto, onde atualmente é buscada nos processos que envolvam litígios com relevante valor, devido a busca pelas partes pela: celeridade, especialidade e segurança jurídica.

          Embora atualmente a arbitragem em nosso país tenha relativo desenvolvimento se comparada no cenário mundial, não devemos negar que existem algumas amarras, dentre elas o controle de constitucionalidade difuso.

          O controle de constitucionalidade difuso, é regulamentado em nosso país, em conjunto com o controle concentrado de constitucionalidade, sendo o Brasil adotante do sistema misto de controle.

          Não afastando o cenário mundial e comparado, países com o sistema misto, regulamentam a possibilidade do controle de constitucionalidade difuso na arbitragem, entretanto outros não, sendo nosso país um deles, já que há a omissão legal, bem como a omissão pela suprema corte, bem como pela superior corte.

          A contrariedade ao controle difuso de constitucionalidade na arbitragem, majoritariamente ocorre na doutrina que pauta-se no controle concentrado, além de que os países que não permitem o controle, tampouco o permitem na jurisdição estatal, estando vedado o controle difuso de constitucionalidade até mesmo aos juízes, não sendo esta a realidade em que vivemos, já que temos o controle difuso de constitucionalidade sendo exercido na jurisdição estatal.

          A ausência de regulamentação, não afasta a realidade de que os árbitros estão realizando decisões que por vezes envolvam o controle difuso de constitucionalidade, já que equiparados a juízes, além de possuírem o dever de realizar julgamentos pautados na Constituição, ao se depararem com eventuais normas inconstitucionais deverão de ofício ou provocados pelas partes, realizar o controle difuso de constitucionalidade, afastando do julgamento a norma inconstitucional.

          Portanto ao longo do estudo, procuraremos evidenciar os elementos levantados pela doutrina, além dos elementos dispostos na própria lei que regulamenta arbitragem no Brasil, bem como elementos constitucionais, além de em sede de direito comparado com demais países relevantes para a discussão do tema, seja por já terem julgamentos favoráveis por suas cortes constitucionais ao tema, ou até mesmo em sede de arbitragem, com a declaração de incompetência de árbitros para a realização do controle difuso de constitucionalidade.

 2. DA ARBITRAGEM

          Inicialmente, é necessário demonstrar os aspectos gerais conceituais da arbitragem, dá qual poderá ser extraída a base para a problemática apresentada.

2.1 DO CONCEITO

          A arbitragem está relacionada diretamente com a solução de controvérsias, e conforme o desenvolvimento tecnológico e social há, cada vez mais, a necessidade da solução dos conflitos rapidamente. Rapidez esta que, por vezes, está dissociada da figura do aparato estatal e da lide não pacífica (Amigo Román, 1995, p. 512).

          As modalidades de solução de controvérsias passaram por diversas modificações ao longo da história. Atualmente com a busca pela solução de conflitos pacificamente negociados, de maneira especializada e com rapidez, a arbitragem ganhou grande força no cenário mundial, substituindo, em alguns casos, a solução da lide por uma força estatal.

          Etimologicamente a palavra arbitragem origina da palavra árbitro que vem do latim arbiter, -tri, remetendo a figura de uma pessoa que é escolhida para a resolução de um litígio (Ernout, Meillet, 1951, p. 75).

          Carlos Alberto Carmona (1993, p. 19) um dos incipientes estudiosos sobre o tema no país, bem como um dos autores da Lei 9307/96, conceitua a arbitragem:

A arbitragem é uma técnica para a solução de controvérsias por meio da intervenção de uma ou mais pessoas, que recebem seus poderes de uma convenção privada proferindo, com base nesta convenção e sem intervenção do Estado, uma decisão destinada a adquirir eficácia de sentença judicial.

          Tânia Lobo Muniz (2002, p. 40) por sua vez, conceitua a arbitragem de forma clara, afirmando que a arbitragem é um:

Procedimento jurisdicional privado para a solução de conflitos, instituído com base contratual, mas de força legal, com procedimento, leis e juízes próprios estabelecidos pelas partes, e que subtrai o litígio da jurisdição estatal.

          Embora a arbitragem esteja a parte do aparato jurisdicional estatal, sendo uma faculdade contratada pelas partes, a Lei nº. 9307/96, que disciplina o procedimento no Brasil, garante que a sentença proferida produzirá os mesmos efeitos da sentença proferida pelo poder judiciário estatal, e que sua sentença assim como, constitui título executivo judicial, conforme o artigo 31 da referida lei. Entretanto a força coercitiva executória ficará a cargo do órgão estatal.

          Cabe mencionar ainda, que a arbitragem mesmo sendo disponível, se contratada pelas partes poderá ser alegada como preliminar no processo judicial, devendo ser alegada antes da apreciação mérito pelo juiz, conforme o artigo 337, X, do Código de Processo Civil. Entretanto o juiz não poderá decretar de ofício a matéria, caso não mencionada pelas partes, implicará na aceitação do julgamento pelo órgão estatal, conforme os §§ 5º e 6º do referido artigo.

          Sendo assim, a arbitragem se trata de um procedimento disponível, contratado para solucionar controvérsias sem o aparato jurisdicional estatal, onde um árbitro escolhido pelas partes irá tomar uma decisão com efeitos da sentença judicial. E assim como a jurisdição estatal, a arbitragem está abrigada o devido processo constitucional, conforme apresenta Candido Rangel Dinamarco (apud Garcez, Martins, 2002, p. 327-343).

2.2 DA NATUREZA JURÍDICA

          Muito se hesitou em reconhecer a arbitragem como um procedimento jurisdicional em nosso país, conforme o Código de Processo Civil de 1973, decisões de tribunais e doutrinas incipientemente não a reconheciam como procedimento jurisdicional.

          A sentença arbitral não passava de um mero “laudo arbitral”, e precisava ser convalidada por um órgão jurisdicional estatal, conforme artigo 1.097 do Código de Processo Civil de 1973.

          Levando em consideração a necessidade de homologação, significante parcela dos doutrinadores percebiam apenas um caráter contratual na arbitragem, afastando a noção jurisdicional desta (Marques, 1963, p. 425).

          Entretanto, também, tal entendimento não era totalmente aceito, havendo oposição como de Carlos Alberto Carmona (1998, p. 184-185), que desde o princípio observou o caráter jurisdicional na arbitragem:

(…) tanto o Código de Processo Civil de 1973 (art. 1.078) como o Código Civil de 1916 (art. 1.041) já a utilizavam para o efeito de demonstrar que a atividade do árbitro era em tudo e por tudo idêntica à do juiz togado(…) o equívoco de imaginar que a decisão do árbitro seria apenas o ingrediente lógico a que o ato de vontade do juiz (…).

          Neste mesmo sentido, evidenciando a atividade jurisdicional da arbitragem, Carreira Alvim (2000, p. 73) critica o caráter contratualista atribuído no período, evidenciando que a teoria contratualista consegue evidenciar os elementos jurisdicionais desta, conforme:

(…) se o laudo arbitral não era exeqüível antes da homologação, este fato, por si só, não lhe retirava o caráter de jurisdicionalidade, mesmo porque também a sentença sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição (art. 475 do CPC) não produz nenhum efeito, enquanto não confirmada pelo tribunal (…).

          A fim de solucionar estes conflitos quando a jurisdicionalidade, o legislador na Lei de Arbitragem, elucidou nos artigos 18 e 31, o caráter jurisdicional da arbitragem, dando a sentença arbitral o mesmo peso da sentença proferida na jurisdição estatal, dispensando assim sua homologação por esta, cabendo para tal apenas o papel coercitivo executório.

          Carreira Alvim (2000, p. 58-59) limita as teorias sobre a natureza jurídica da arbitragem em três, sendo: contratualista ou privatista; jurisdicional ou publicista; intermediária, mista ou conciliadora.

2.3 DA TEORIA CONTRATUALISTA OU PRIVATISTA

          Conforme supra mencionado, a teoria contratualista, afasta a noção de jurisdicionalidade da arbitragem, tendo como natureza jurídica a obrigação contratual.

          Genericamente, esta teoria compreende que o arbitro somente tem o poder de decidir sobre a controvérsia pois as partes lhe conferiram este, não tenho a arbitragem o caráter jurisdicional, que é exclusiva do estado.

          O monopólio jurisdicional estatal funda-se na ideia de somente o estado poder realizar a execução forçada, onde mesmo com a decisão arbitral, somente o juiz togado faria esta valer com a sua execução, transformando a sentença em um somatório de um juízo lógico e de um comando (Carreira Alvim, 2000, p. 59).

          Ou seja, basicamente os contratualistas defendem ainda a ideia já superada pelo legislador de que, a sentença arbitral deverá ser homologada pelo poder jurisdicional estatal, para que esta exista e venha produzir seus efeitos.

          Esta teoria era majoritariamente aceita, visto que era a que o legislador amparava no momento, além de que, em outros locais além do Brasil, havia este entendimento, como na Itália, com Giuseppe Chiovenda, além de que juristas brasileiros de grande notoriedade como Pontes de Miranda, garantindo aos adeptos da teoria embasamento jurídico.

2.4 DA TEORIA JURISDICIONAL OU PUBLICISTA

          Contraria a teoria contratualista, após a promulgação da Lei nº. 9.307/96, a teoria publicista passou a nortear a arbitragem brasileira. Deixando de lado a homologação do laudo arbitral por um órgão jurisdicional estatal, para produção dos efeitos da decisão.

          A parcela majoritária dos juristas, eram adeptos da teoria contratualista, o que causou grande impacto no direito quando houve a alteração pelo legislador para a teoria jurisdicional.

          Embora a parcela majoritária dos juristas fossem adeptos da teoria contratualista, outra parcela já observava o caráter jurisdicional da arbitragem, como o levantamento pelo jurista italiano Guido Zanobini nos anos 1920, observando que a homologação do laudo arbitral por um juiz, não passava apenas de um simples visto de natureza meramente administrativa, e a função jurisdicional foi desempenhada pelo árbitro (apud Carmona, 1998, p. 189).

          Para os publicistas na arbitragem mesmo que o poder jurisdicional por vezes não é atribuído plenamente, a natureza jurisdicional não será perdida, sendo a função dos árbitros idêntica a dos juízes estatais, já que este decidirá sem qualquer consideração pessoal às partes litigantes (Carreira Alvim, 2000, p. 62).

          Logo o poder não será conferido aos árbitros somente pela convenção das partes, este também proverá da lei, do Estado, assim como na jurisdição estatal, por isso que convirá a exemplo, o controle constitucional, por possuir o caráter jurisdicional.

          Os publicistas sustentam que a jurisdição não será de exclusividade do Estado, e afirmam que os juízes servidores públicos quanto os árbitros serão juízes, os árbitros por sua vez serão juízes privados, diferindo a justiça privada da pública apenas quanto ao órgão, exercendo ambas a atividade jurisdicional.

2.5 DA TEORIA INTERMEDIÁRIA OU CONCILIADORA

          Segundo Carreira Alvim (2000, p. 62-63) a teoria intermediária surgiu de um vacilo de Francesco Carnelutti ao tratar da natureza jurídica da arbitragem. Pois ele colocou a arbitragem em seu sistema, considerando-a com um equivalente do processo ou um sub-rogado processual. Sustentando que a função exercida pelo árbitro era jurisdicional, todavia ainda sim a decisão necessitaria da homologação por um juiz. Sendo assim, esta definição tampouco é contratualista ou processualista, sendo um posicionamento intermediário.        

2.6 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM

          Conforme já mencionado a Lei nº. 9.307/96, atual lei que regulamenta a arbitragem no Brasil, deixou para trás as discussões acerca da natureza jurídica da arbitragem, já que antes era exigido a homologação do laudo arbitral por um juiz estatal, o que colocava em xeque o caráter jurisdicional desta. Sendo superado tal dúvida, já que a atual Lei de Arbitragem é clara quanto sua natureza, dispensando a homologação da sentença arbitral por um juiz estatal, possuindo o caráter jurisdicional.

          Há três formas distintas para solução de controvérsias, conforme os estudiosos apontam: a autotutela, a autocomposição e a heterocomposição. Sendo essa derradeira a que abrange a arbitragem, que, conforme apontamentos históricos, surgiu antes da própria jurisdição estatal (Carmona, 2014, p.1).

          Dentre as vantagens que permitiram que a arbitragem continuasse viva até hoje, Carmona (2014, p. 1) menciona justamente a desnecessidade de depender da força e autoridade estatal:

(…) as partes envolvidas no litígio dirigiam-se voluntariamente a um terceiro — normalmente um membro da própria comunidade que lhes inspirasse confiança pela idade, experiência, sabedoria e conduta ilibada — para que este desse solução ao conflito, cumprindo as partes bona fide o preceito ditado pelo árbitro escolhido.

           A evolução histórica da arbitragem não foi linear, tampouco radical da jurisdição estatal, ambos os sistemas conviveram e convivem há séculos, alterando apenas a intensidade de destaque da arbitragem conforme o período (Carmona 2014, p.1).

          Primitivamente havia a imposição do direito do mais forte para o mais fraco, com guerras e conflitos, prevalecendo o direito do vencedor como fator para a solução da controvérsia. Por volta de 3000 a.C. há um dos primeiros casos de arbitragem entre as cidades-estado da Babilônia (Amigo Román, 1995, p. 511).

          O aspecto religioso foi de extrema importância para a solução de controvérsias pacificamente na Grécia antiga, que é considerada o berço do direito, pois houve a possibilidade da existência de deuses que eram aceitos em diversas cidades, nascendo uma religião pan-helênica, unindo aquele povo e estimulando os tratados de paz diminuindo injustiças nas relações (Amigo Roman, 1995, p. 511).

          No Brasil a atual Lei de Arbitragem, é considerada por muitos estudiosos uma das mais avançadas, comparada com a legislação espanhola, alemã e britânica (Chali, 2017, p. 123).

          Avanços esses que conferiram independência a jurisdição arbitral, seja com a dispensa da homologação da sentença arbitral, mesmo que para sentença arbitral estrangeira necessite da homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como com a força dada a clausula compromissória de submissão da controvérsia ao juízo arbitral, conferindo grande avanço ao nosso modelo se comparado aos supra demais (Chali, 2017, p. 123).

          Entretanto mesmo a Lei de Arbitragem brasileira sendo considerada uma das mais avançadas, existem limitações como na possibilidade do árbitro em realizar o controle de constitucionalidade como os juízes, o que é permitido em outros como na Alemanha, Portugal, Equador, Argentina, Peru, dentre outros (Carmona, 2017, p. 731).

3. DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

          No final do século XX, há uma nova perspectiva de interpretação jurídica, conhecida por constitucionalização do direito, com o dirigismo de pressupostos supralegais para interpretação da lei e a criação de garantias e liberdades ao povo (Barroso, 2011, p. 52).

          Abaixo seguirá a conceituação de elementos essenciais para o presente raciocínio.

3.1 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

          A primeira noção de controle de constitucionalidade que apareceu no Brasil, foi durante a vigência da primeira Constituição que foi outorgada em 1824, qual embora não houvesse regulamentação do controle judicial de constitucionalidade, cabia ao legislativo criar, interpretar, suspender, revogar as leis, “velar na guarda da constituição, e promover o bem geral da Nação”, conforme o art. 15, IX, da Constituição de 1824, sendo os derradeiros os principais motivos para a limitação do controle de constitucionalidade ao poder legislativo, além do poder moderador do imperador na época (Palu, 2001, p. 117-119).

          Vinte e um anos antes, já havia sido julgado o notório caso estadunidense de Marbury vs. Madison, inaugurando o modelo moderno de controle constitucional, onde os membros do poder judiciário puderam realizar o controle de constitucionalidade por um sistema difuso, diferente do Brasil que mesmo posteriormente aparou o judiciário desta atuação.

          No final do século XIX, com o ruir do imperialismo e ascendência da República, Rui Barbosa, inspirado no modelo estadunidense, idealizou o projeto da Constituição Provisória de 1890, promulgada no ano seguinte, permitindo o controle de constitucionalidade pelo judiciário. Entretanto o poder foi concedido apenas ao STF, entretanto já era um avanço pois reconhecia o judiciário como apto à prerrogativa (Palu, 2001, p. 122-121).

          Três anos após, em 1894 houve a ampliação da prerrogativa aos demais juízes e tribunais, por meio da Lei nº. 221, art. 13, §10, que foi um marco notável no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro (Veloso, 2003, p. 31).

          O controle de constitucionalidade difuso foi sedimentado no direito brasileiro, sendo mantido nas posteriores constituições, dotado de inovações sendo na Constituição de 1934 nos artigos 179 e 91, IV, quais regulamentaram a exigência do quórum da maioria absoluta dos membros dos tribunais nas decisões em que fosse discutida a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, e, da suspensão pelo Senado Federal, da execução de qualquer deliberação, ato, regulamento ou lei, que fossem declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.

          Posteriormente na Constituição de 1937, o controle difuso de constitucionalidade continuou presente, todavia por ter surgido em um período autoritário, foi amarrada à aprovação do Presidente da República, que tinha poderes para solicitar reexame ao Parlamento, conforme determinado em seu art. 96, parágrafo único. Inexistindo a livre atuação do controle, independente, como determina a definição e natureza deste (Veloso, 2003, p. 32).

          Na Constituição de 1946, houve a superação do autoritarismo, resgatando o modelo difuso sem amarras autoritárias, além de avanços para o surgimento do modelo de controle concentrado (Veloso, 2003, p. 33).

          Foi durante a ditadura militar, que surgiu o controle concentrado de constitucionalidade, por meio da Emenda Constitucional nº. 16 de 1965, que alterou a redação do art. 101, I, k, da Constituição de 1946. Concedendo poderes ao Supremo Tribunal Federal de processar e julgar originariamente, inconstitucionalidades da lei ou ato federal e estadual:

Art. 101 – Ao Supremo Tribunal Federal compete: I – processar e julgar originariamente: […] k) A representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador Geral da República.

          Na Constituição seguinte outorgada em 1967, houve a manutenção do sistema denominado misto ou híbrido, e, o atual modelo de controle de constitucionalidade é o aperfeiçoamento do modelo anteriormente mencionado, acomodando o controle concentrado e o controle difuso.

          Conforme supramencionado, a Constituição de 1988 manteve o controle difuso e concentrado de constitucionalidade, entretanto ampliou o leque de legitimados na propositura de ADI (art. 103), concedeu a possibilidade de ADI por omissão constitucional (art. 103, §2º), bem como o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), ADI estadual art. 125, § 2º), a possibilidade de arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º), a delimitação do RE apenas para discussões constitucionais (art. 102, §1º) e, por fim, a implementação da ADCon (102, I, a).

3.2 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO

          Na presente discussão interessará apenas o controle de constitucionalidade difuso, pois o controle de constitucionalidade concentrado cabe ao Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 102, I, a:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

          O controle difuso de constitucionalidade é um controle incidental, entretanto o caráter incidental não está atribuído apenas à ele, pois o controle concentrado de constitucionalidade também é incidental, nos casos de arguição incidental de descumprimento de preceito fundamental, não devendo ser confundido e relacionando o controle difuso de constitucionalidade exclusivamente como um controle incidental (Cunha Jr., 2015, p. 112).

          Qualquer juiz de qualquer tribunal pode realizar o controle difuso de constitucionalidade, não importando o grau de jurisdição, tanto em primeiro grau quanto em grau recursal, desde que seguindo as regras processuais competentes, não necessitando de veículo específico por se tratar de um incidente (Cunha Jr. 2015, p. 157).

          Aqueles que criam a lei, tem o dever de mantê-la coerente, e aqueles que julgam e à aplicam devem buscar coerência com a integridade, cabendo ao juiz conceber o corpo de normas como um todo e não com decisões discricionárias de interesse estratégico (Baracho Jr., 2000, p. 121).

          O juiz que estará decidindo uma demanda, deverá pauta-se assim primeiramente a Constituição, que é seria o todo, e posteriormente as normas infraconstitucionais, não descontextualizando a norma infraconstitucional para um interesse estratégico, e eventualmente surgindo uma decisão inconstitucional (Veloso, 2003, p. 169).

          Portanto é dever de juiz verificar a compatibilidade do texto normativo com a Constituição, o que permite sua atuação de ofício (Streck, 2004, p. 456-457).

          José de Afonso Silva (1998, p. 173) destaca que o controle difuso é essencial pois apenas o controle concentrado:

(…) não seria suficiente para a organização de um sistema eficaz de proteção aos direitos humanos, pois tal competência” já cabia ao Supremo Tribunal Federal, “no regime das Constituições anteriores, e não raro, lamentavelmente, suas decisões sustentaram o arbítrio do regime militar (…).

          Considerando tais atribuições ao julgador, este tem a plena capacidade de atuar como um defensor da Constituição, cabendo a este interpretar as normas infraconstitucionais nos termos Constitucionais, podendo declarar aquelas que não condizem com esta como inconstitucionais, realizando assim o controle incidental difuso de constitucionalidade.

4. DA POSSIBILIDADE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA ARBITRAGEM

          Conforme mencionado anteriormente a arbitragem é um procedimento jurisdicional e sua sentença possui o mesmo peso da sentença jurisdicional estatal, proferida por um juiz, sendo a juízo arbitral como qualquer outro juízo, quanto a função julgadora (Pontes de Miranda, 1977, p. 260).

          E mesmo as normas que regularizam o controle de constitucionalidade, não fazendo qualquer menção aos árbitros, significativa parcela doutrinária defende que o árbitro pode sim realizar o controle de constitucionalidade, até sem provocação das partes assim como o juiz estatal, conforme Georges Abboud (2012, p. 271):

(…) já tivemos a oportunidade de afirmar que o árbitro, por possuir função jurisdicional, teria a possibilidade de realizar, de ofício, o controle de constitucionalidade das leis, e, do mesmo modo que o magistrado estatal, ao se deparar com o enunciado (texto normativo), seja súmula vinculante ou decisões interpretativas provenientes da jurisdição constitucional, poderia proceder a sua adequação para o caso concreto, mediante controle difuso de constitucionalidade.

          No mais conforme o posicionamento de Nelson Nery Junior (2004, p. 114), o árbitro assim como o juiz estatal poderá realizar o controle de constitucionalidade, entretanto o árbitro deverá valer-se apenas ao caso concreto, não possuindo jurisdição para decidir em abstrato sobre a constitucionalidade da lei, pois a decisão teria efeito erga omnes, o que ultrapassaria os efeitos entre às partes contratantes, o que em regra é o que acontece no controle difuso realizado na jurisdição estatal.

          Até então, em nosso país a legislação e a jurisprudência não é clara quanto a possibilidade da realização do controle de constitucionalidade difuso na arbitragem, todavia, os tópicos infra visam elucidar a licitude e o dever do controle de constitucionalidade difuso na jurisdição arbitral, seja por noções na legislação nacional como comparada a decisões de demais países.

4.1 DO PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS

          Preliminarmente, conforme a Constituição, cabe aos juízes a competência de realizar o controle de constitucionalidade difuso, e devemos destacar que o artigo 18 da Lei de Arbitragem, equipara os árbitros a juízes, bem como considerando a equiparação, a sentença arbitral faz coisa julgada entre as partes, independente de homologação, além de que a arbitragem é considerada um procedimento jurisdicional, o que seria um absurdo ignorar a Constituição.

          A atual noção de Estado é uma noção constitucional, já que a Constituição delimita toda a legislação infraconstitucional e atos administrativos, é uma espécie de gabarito destes, que sua adequação pode ser feita preventivamente pelos legisladores ou repressivamente por meio do controle de constitucionalidade (Mezzomo, 2006, p. 1).

          Konrad Hesse (1991, p. 1-2) trata da efetividade plena das normas constitucionais, vislumbrando o princípio da força normativa da Constituição, onde caso não havendo a mínima eficácia, pode a Constituição ser reduzida a “um pedaço de papel”.

          Ora limitar um árbitro no controle de constitucionalidade, haveria o enfraquecimento da efetividade plena das normas constitucionais, qual segundo Konrad Hesse deve ser máxima, o que afetaria diretamente a força normativa da Constituição.

          Sendo assim, deve prevalecer os princípios da força normativa e a máxima efetividade das normas da Constituição, seja na jurisdição pública como na jurisdição privada, o que auxilia a fundamentação da possibilidade e dever do árbitro em realizar de ofício ou provocado o controle difuso de constitucionalidade, sob pena de violação dos princípios supra.

5. CONCLUSÃO

          Embora o instituto da arbitragem não seja relativamente novo, sua regulamentação no Brasil ocorreu apenas em 1996, e considerando a incipiência desta por aqui, corriqueiramente vem passando por atualizações.

          Conforme a Lei de Arbitragem brasileira, o árbitro possui os mesmos poderes que um juiz, exercendo jurisdição para solucionar controvérsias, estando o árbitro obrigado a observar o direito constitucionalmente.

          O controle difuso de constitucionalidade pode ser exercido por qualquer juiz, ora considerando que é pacífica a equiparação do árbitro a este, os árbitros estariam obrigados e competentes a realizar o controle difuso de constitucionalidade, ao se depararem com uma norma inconstitucional.

          O controle difuso de constitucionalidade exercido por árbitros é uma realidade, e, já foi regulamentado em diversos países do mundo, onde em grande parte dos países que admitem o controle difuso constitucionalidade, a jurisprudência foi clara em permitir que o árbitro seria competente e obrigado a realizá-lo.

          No Brasil o controle de constitucionalidade exercido é o modelo misto, tendo tanto o controle concentrado exercido apenas pela corte constitucional, bem como o difuso. Assim como em demais países que permitiram o controle difuso de constitucionalidade na arbitragem, assim como na jurisdição estatal.

          Com a tendência de equiparação dos árbitros à juízes, e reconhecimento da jurisdição arbitral, é inevitável que o controle de constitucionalidade difuso será atribuído jurisprudencialmente e legislativamente à arbitragem em grande os países que admitem este tipo de controle, sendo apenas uma questão de tempo para o rompimento das amarras que limitam a arbitragem.

          Entretanto por ora no Brasil jurisprudencialmente, pelas cortes superiores e supremas, bem como legislativamente, não há a expressa permissão e obrigação do árbitro em realizar o controle, causando insegurança jurídica, pois o árbitro ao se deparar com uma norma inconstitucional, no dever de realizar o controle, pode se declarar incompetente, desamparando as partes contratantes, assim como já aconteceu nos Estados Unidos.

          O controle difuso de constitucionalidade na arbitragem é uma realidade, e não devemos desconsiderá-lo, pois há a equiparação de árbitros à juízes por fundamentos constitucionais, fundamentos estes que auxiliam a garantir a legalidade do controle de constitucionalidade na jurisdição arbitral, além de demais fundamentos constitucionais processuais. Não havendo nenhuma razão para privar os árbitros deste poder, bem como destes se declararem incompetentes para o exercício do controle difuso de constitucionalidade ao caso concreto decidido.  

REFERÊNCIAS

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1 Auxiliar Administrativo, Polícia Civil do Paraná, Graduanda de Direito na Universidade Estadual de Londrina, brunafavero9@gmail.com.

2 Advogado, Pós graduado em Direito do Estado e Direito Civil e Processual Civil, pedrodematosleao@gmail.com.