REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10989823
Aline Conceição de Araujo1, Janaina Morais Pereira1, Sislane da Silva Machado1, Clayton Pereira Silva de Lima2
RESUMO
O Ozempic, ou semaglutida, é um medicamento originalmente desenvolvido para o tratamento de diabete tipo 2. No entanto, sua utilização tem crescido de forma indiscriminada como uma estratégia para perda de peso. Assim, este trabalho examinou as implicações desse uso não autorizado, destacando os potenciais benefícios e riscos associados. O Ozempic atua no organismo aumentando a sensação de saciedade, reduzindo o apetite e retardando o esvaziamento gástrico, resultando em uma ingestão calórica reduzida e perda de peso. Embora estudos clínicos demonstrem sua eficácia para emagrecimento em indivíduos com sobrepeso e obesidade, seu uso fora das indicações aprovadas pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) levanta preocupações significativas. Entre os riscos associados ao uso sem acompanhamento profissional estão os efeitos colaterais, como náuseas, diarreia e possíveis complicações metabólicas. Além disso, a falta de acompanhamento médico adequado pode resultar em interações medicamentosas não identificadas e desequilíbrios na saúde geral do paciente. É crucial que os profissionais de saúde estejam cientes do uso alternativo deste medicamento e informados sobre os riscos e benefícios do Ozempic para a perda de peso. Além disso, políticas regulatórias mais rigorosas podem ser necessárias para controlar seu acesso e garantir seu uso seguro e eficaz. Em suma, embora a semaglutida possa oferecer uma ferramenta valiosa no tratamento da obesidade, seu uso sem orientação profissional representa preocupações significativas de segurança e eficácia que exigem atenção tanto dos profissionais de saúde quanto das autoridades regulatórias em saúde.
Palavras-Chave: Uso indiscriminado, Semaglutida, perda de peso, orientação profissional, off label
ABSTRACT
Ozempic, or semaglutide, is a medication originally developed for the treatment of type 2 diabetes. However, its use has grown indiscriminately as a weight loss strategy. Therefore, this work examined the implications of this unauthorized use, highlighting the potential benefits and associated risks. Ozempic works in the body by increasing the feeling of satiety, reducing appetite and delaying gastric emptying, resulting in reduced caloric intake and weight loss. Although clinical studies demonstrate its effectiveness for weight loss in overweight and obese individuals, its use outside of indications approved by the US Food and Drug Administration (FDA) raises significant concerns. Among the risks associated with use without professional supervision are side effects, such as nausea, diarrhea and possible metabolic complications. Furthermore, the lack of adequate medical monitoring can result in unidentified drug interactions and imbalances in the patient’s general health. It is crucial that healthcare professionals are aware of the alternative use of this medication and informed about the risks and benefits of Ozempic for weight loss. Additionally, more stringent regulatory policies may be necessary to control their access and ensure their safe and effective use. In summary, although semaglutide may offer a valuable tool in the treatment of obesity, its use without professional guidance poses significant safety and efficacy concerns that require attention from both healthcare professionals and healthcare regulatory authorities.
Keywords: Indiscriminate Use, Semaglutide, weight loss, professional guidance, off label
1. INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é uma condição crônica e multifatorial, caracterizada pelo excesso de tecido adiposo com IMC é ≥30kg/m² comprometendo a saúde dos indivíduos. Ela resulta da interação de fatores genéticos, metabólicos, comportamentais, culturais e familiares, sendo considerada uma doença por predispor à morte precoce e ao desenvolvimento de enfermidades, e por ser atualmente um dos problemas mais graves de saúde pública.
O diagnóstico da obesidade é geralmente realizado através do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), avaliado segundo a OMS, quando o IMC é ≥30kg/m², e a faixa de peso que indica a eutrofia entre 18,5 e 24,9kg/m² (ABESO, 2016). No diagnóstico de obesidade, as medidas antropométricas dos indivíduos são avaliadas, incluindo o cálculo do índice de massa corporal (IMC), que é a razão entre o peso do paciente e o quadrado de sua altura.
Com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2020), mais da metade dos adultos no Brasil está com excesso de peso, representando 96 milhões de pessoas, sendo mais prevalente no público feminino (62,6%) do que no masculino (57,5%). Além disso, a obesidade atinge 25,9% da população adulta, totalizando 41,2 milhões de pessoas. Em relação às crianças acompanhadas na Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS em 2021, 15,9% das menores de 5 anos e 31,7% das crianças entre 5 e 9 anos tinham excesso de peso, com 7,4% e 15,8% apresentando obesidade, respectivamente, conforme o índice de Massa Corporal (IMC) para idade. Quanto aos adolescentes acompanhados na APS, 31,8% e 11,9% apresentavam excesso de peso e obesidade, respectivamente. Estima-se que cerca de 6,4 milhões de crianças brasileiras menores de 10 anos têm excesso de peso, e 3,1 milhões têm obesidade. Para os adolescentes brasileiros, estima-se que cerca de 11,0 milhões têm excesso de peso e 4,1 milhões têm obesidade (BRASIL. Ministério da Saúde, et al. 2023).
Os dados indicam uma lacuna significativa tanto em termos de investimento em políticas de saúde voltadas para o tratamento da obesidade quanto na conscientização para prevenir que pessoas com peso saudável se tornem obesas. A obesidade é considerada uma doença crônica altamente estigmatizada, frequentemente sub diagnosticada e subtratada. Existe um viés reducionista em relação ao tratamento farmacológico, devido à resistência em considerar medicamentos para perda de peso. Embora haja várias abordagens para tratar pessoas com excesso de peso, o consenso sobre a melhor forma de lidar com pacientes com sobrepeso e obesidade não está claro, tanto na atenção primária à saúde quanto em outras áreas de cuidado (SEMLITSCH T, 2019; RUBINO F, et al., 2020).
Os medicamentos utilizados para redução de peso têm ação de inibir a apetite e outros agem na redução de absorção de gordura no corpo. Porém, na atualidade, ainda possui poucos medicamentos aprovados no Brasil para tratamento de obesidade, sendo prescritos medicamentos que são registrados para outra patologia (GONÇALVES E ABREU, 2021). Embora este fármaco esteja disponível no Brasil, é comum que medicamentos de outras classes farmacêuticas sejam prescritos de forma off label para o tratamento da obesidade. O termo off label significa que o medicamento não possui indicação do tratamento formal em bula, além disso, não possui registro aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para esta indicação. Deste modo, a semaglutida (Ozempic®) um agonista do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon 1 humano (GLP-1), aprovada no Brasil desde 2018 desenvolvida para o tratamento da diabetes mellitus, vem sendo utilizada na redução do peso na forma off-label.
Atualmente, o consumo de medicamentos para emagrecimento está em ascensão, muitas vezes impulsionado pela preocupação crescente das pessoas com sua imagem e estética, frequentemente influenciada pela mídia. Isso leva indivíduos a buscar meios de alcançar o corpo desejado, seja por meio de dietas ou até mesmo com o uso de medicamentos. O uso desses fármacos tem se tornado uma das opções mais procuradas, porém, muitas vezes as pessoas não compreendem o modo como as substâncias atuam em seus corpos e os riscos envolvidos, levando-as a adquirir tais medicamentos sem prescrição ou orientação de um profissional qualificado (TORRES et al., 2022).
Portanto, o objetivo geral deste trabalho é analisar a eficácia e segurança do uso da semaglutida (Ozempic®) como abordagem terapêutica no tratamento da obesidade, além de investigar a eficácia da semaglutida na redução de peso corporal. Faz-se necessário apresentar à sociedade e à comunidade acadêmica os riscos associados ao uso indiscriminado do medicamento Semaglutida, além de analisar as evidências relacionadas à sua segurança tolerabilidade e identificar os efeitos adversos relatados durante seu uso, e apresentar a importância do farmacêutico no cuidado com o paciente que utiliza esse tipo de fármaco.
2. METODOLOGIA
O trabalho constitui uma revisão bibliográfica integrativa da literatura e exploratório sobre os riscos do uso indiscriminado do Ozempic para perda de peso, conduzida por meio de uma revisão integrativa da literatura. As informações foram coletadas a partir de publicações científicas no período de 2010 a 2024, em âmbito nacional e internacional, tanto em português quanto em inglês, encontradas nas bases de dados no U.S. National Library of Medicine (PUBMED), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Google Scholar, e posteriormente sistematizadas para análise. Além de incluir informações provenientes de entidades importantes na área, como a Sociedade Brasileira de Diabete e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (ABESO), foram utilizados os seguintes termos-chave durante a pesquisa e seleção: semaglutida, diabete, medicamentos, sobrepeso, uso indiscriminado.
O propósito deste estudo é conduzir uma revisão da literatura acerca da utilização da semaglutida (Ozempic ®) no contexto do tratamento para perda e manutenção de peso. Adicionalmente, busca-se analisar as evidências relacionadas à segurança do seu uso, bem como identificar os potenciais efeitos adversos, a importância da atenção farmacêutica sobre o uso destes medicamentos injetáveis, documentados durante a sua utilização.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Obesidade
A obesidade é um problema generalizado no século XXI, caracterizado pela acumulação excessiva de gordura corporal e é considerada uma doença persistente. Estudos indicam que as consequências da obesidade podem ter um impacto significativo no bem-estar global da população. Além disso, de acordo com Amann, Santos e Gigante (2019), ela está associada ao aumento da taxa de mortalidade.
A obesidade pode ser classificada conforme o peso e a localização da gordura pelo corpo. Esse índice classifica as pessoas em categorias com base na quantidade de gordura corporal IMC (Tabela 1).
As primeiras opções de tratamento são a dieta e o exercício físico. A utilização de fármacos é reservada para aqueles que não apresentaram melhora com as abordagens de mudanças comportamentais saudáveis, sendo sempre combinada com dieta e exercícios. A prescrição de fármacos deve ser feita com cautela, orientação médica, levando em consideração características importantes dos anorexígenos, como reações adversas no sistema nervoso central, cardiovascular e o potencial elevado para síndrome de abstinência, abuso, dependência e tolerância (CASTILHO MM, et al., 2021).
O tratamento para obesidade na grande maioria se faz pelo uso off label, ou seja, é o uso de medicamentos para finalidades terapêuticas que não foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não constam na bula, ou seja, são usados de maneira diferente daquela para a qual foram originalmente aprovados e registrados, mas que de certa forma tiveram bons resultados na perda de peso. As potencias novas indicações de um medicamento reflete de forma positiva na farmacologia, abrindo novos campos de atuação para um fármaco, contudo, não afasta os efeitos adversos, inclusive, esses medicamentos merecem maior atenção, visto que não foram criados para o fim o qual a bula não contempla, proporcionando maiores riscos de surgimento de efeitos adversos não estudados ou esperados pelos criadores da medicação. Portanto, o uso deve ser sempre orientado e fiscalizado por um profissional (Silva B.L. & Cantisani J.R., 2018; Paim M.B. & Kovaleski D.F., 2020).
O tratamento pode envolver diferentes classes de medicamentos, como inibidores de apetite, anorexígenos, inibidores de absorção de gordura, moduladores do sistema nervoso central e agonistas do receptor GLP-11. De fato, o desvio de aplicação para o qual o medicamento foi criado tem fatores negativos, um exemplo são os medicamentos com ações termogênicas, que ativam o sistema simpático, pois ao promover a termogênese há um aumento tanto da frequência cardíaca como da pressão arterial. Alguns exemplos medicamentos: Dinitrofenol, fenilpropanolamina, aminorex, efedrina (COLMAN E, et al., 2012; HALPERN B e HALPERN A, 2015; GOMES, et al., 2021).
Há outras medicações, proibidas sem ter ação termogênica como os medicamentos que agem no Sistema Nervoso Central conhecidos como Inibidores de Apetite, um dos efeitos colaterais mais conhecidos desta classe é dependência, o paciente se torna dependente da medicação, a compulsão alimentar que é a ingestão descontroladamente de comida e o efeito rebote que é a recuperação do peso eliminado, podendo ganhar o dobro do peso já eliminado. Alguns exemplos medicamentos: fenfluramina, rimonabanto (COLMAN E, et al., 2012; HALPERN B e HALPERN A, 2015; ONAKPOYA IJ, et al., 2016; RUBAN A, et al., 2019; PACCOSI S, et al., 2020; GOMES, et al., 2021).
Medicamentos de ação periférica têm uma melhor aceitação, melhores resultados terapêuticos e menores efeitos colaterais, como os análogos do GLP-1 a semaglutida, desenvolvida a princípio para diabete mellitus tipo 2, e prescrita como “off label” para o tratamento da obesidade, podendo ser usada a longo prazo, ou até mesmo de forma contínua. A Semaglutida combinada com dieta e exercícios físicos foi bem aceita em estudos que estão em dependência houve eventos inesperados de segurança, mostrou eficácia no controle e perda de peso como consequência trouxe múltiplos benefícios como a manutenção do peso perdido, melhorias em eventos cardíacos e diminuição da pressão arterial sistólica. A perda de peso acontece principalmente por redução da ingestão de energia pela supressão do apetite e aumento da saciedade (KANE MP, et al., 2021).
3.2 Uso de medicamentos sem acompanhamento farmacêutico
O uso de medicamentos de forma indiscriminada é uma prática comum no Brasil, visto a acessibilidade dos mesmos em farmácias, como também em sites da internet (estes, em grande, parte são clandestinos e não cumprem a legislação sanitária do país) (DA SILVA; DE SOUZA; AOYAMA, 2020). Relacionado à utilização excessiva de remédios, a automedicação é um exemplo, em que uma pessoa, sem orientação adequada, decide iniciar um tratamento com medicamentos por diferentes motivos, muitas vezes influenciada por amigos, familiares, influenciadores digitais, com objetivos estéticos, sobretudo para perda de peso (SURAN, 2023).
Segundo Sella (2017), o Brasil é globalmente reconhecido pela prática excessiva de automedicação. Conforme um estudo conduzido pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) em 2016, 72% dos brasileiros fazem uso de medicamentos sem a devida orientação profissional e, além disso, muitos tendem a aumentar as doses na tentativa de acelerar os efeitos. Adicionalmente, cerca de 40% da população realiza autodiagnóstico através da internet.
A busca pelo corpo perfeito está cada vez mais predominante na sociedade contemporânea, especialmente entre mulheres que se submetem a procedimentos estéticos, passam por problemas alimentares e muitas vezes acabam se frustrando com resultados insatisfatórios. Além disso, muitas pessoas que não possuem um perfil de paciente obeso, com necessidade de tratamento, têm acesso a medicamentos para essa finalidade, utilizando-os de forma incoerente (PAIM; KOVALESKI, 2020).
A automedicação é considerada um recurso de tratamento rápido onde o paciente se responsabiliza por utilizar um medicamento considerando que ele lhe trará benefícios, entretanto essa prática pode gerar impactos na saúde como o surgimento de efeitos colaterais e até mesmo dependência medicamentosa, pois o paciente não possue o conhecimento acadêmico necessário para a autoprescrição (DA SILVA; DE SOUZA; DE ANDRADE, 2020).
O uso indiscriminado da semaglutida para emagrecimento, promovido por grupos no Facebook e Whatsapp, leva muitas pessoas a seguir orientações da internet, aumentando assim os riscos de efeitos colaterais. De acordo com médicos e especialistas, a utilização irregular desse medicamento, sem acompanhamento e prescrição individualizada, pode resultar em impactos na saúde, que variam de reações moderadas como enjoos, dor abdominal, vômitos, diarreia e constipação, a efeitos colaterais graves como a retinopatia, que pode afetar 1 em cada 10 pessoas que fazem uso do fármaco. Além disso, por se tratar de um medicamento injetável, é crucial armazená-lo adequadamente e garantir a dosagem correta, tanto em termos de eficácia quanto de segurança, além de considerar as contraindicações (Guimarães; Silva, 2021).
Assim como qualquer medicamento destinado à perda de peso, a semaglutida deve ser complementada por uma dieta saudável e exercícios físicos. No entanto, muitas pessoas optam por medicamentos que suprimem o apetite ou aumentam a queima de calorias, enquanto mantêm hábitos sedentários e dietas inadequadas. Essa abordagem geralmente resulta em uma perda de peso de curto prazo e pode levar ao efeito rebote a longo prazo, causando sua dependência (Wright; Aroda, 2020; Dos Santos; Da Silva; Modesto, 2019).
A literatura destaca que a automedicação persiste devido à baixa qualidade dos medicamentos disponíveis, dificuldades no acesso a consultas médicas, falta de conhecimento sobre os efeitos adversos dos fármacos sem prescrição, orientações de funcionários em farmácias, familiares, amigos e vizinhos, prescrições antigas e influência da propaganda (Hoffmann et al., 2017).
3.3 O fenômeno da automedicação
Certamente, muitas pessoas costumam ter algum problema de saúde e não buscam um médico ou farmacêutico para resolvê-lo, lidando com tal situação por meio do consumo de medicamentos por conta própria, sem a orientação de um profissional qualificado. De acordo com Herbert Arlindo Trebien: O uso inadequado de medicamentos é fato bastante conhecido e frequente no Brasil, e uma das causas centrais desse uso inadequado é a prática da automedicação na qual o indivíduo leigo na área da saúde, ou seja, sem formação específica, toma medicamentos por conta própria (TREBIEN,2011, p. 19).
A automedicação é definida como a utilização de medicamento sem a prescrição, orientação e/ou acompanhamento do médico, ou dentista, nos termos da Portaria n.º 3.916/1998 do Ministério da Saúde (BRASIL, 1998). Ela é uma iniciativa de um indivíduo enfermo, ou de seu responsável, em adquirir, produzir ou usar um produto que acredita lhe trazer benefícios com relação ao tratamento de doenças, bem como ao alívio de sintomas, sem haver a orientação de uma profissional do âmbito da saúde qualificado para companhá-lo (CASTRO et al., 2006).
Vários são os fatores que influenciam as pessoas a se automedicarem, sendo os principais: propaganda desenfreada e massiva de determinados medicamentos; a dificuldade e o custo de se obter uma consulta médica; o desespero e a angústia provocadas por sintomas ou pela possibilidade de adquirir alguma enfermidade; e o costume de tentar resolver problemas de saúde através da opinião de pessoas próximas ou si próprias (DOMINGUES et al., 2017).
Segundo dados fornecidos pelo instituto de pesquisa Datafolha, em parceria com o Conselho Federal de Farmácia–CFF, a automedicação é utilizada por 77% dos brasileiros, sendo que quase metade desses se automedica pelo menos uma vez ao mês e 25% o fazem diariamente ou pelo menos uma vez na semana. Acredita-se que esses números podem ter se intensificado devido à pandemia provocada pela covid-19 (CAVALHEIRO; UNGARI, 2020).
Dentre os medicamentos mais utilizados na automedicação estão aqueles que não necessitam de receita para serem vendidos nas farmácias, sendo mais utilizados os analgésicos, os anti-inflamatórios e os relaxantes musculares, conforme estudo realizado pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade–ICTQ (ICTQ, 2018). Assim, verifica-se que a automedicação está atrelada à facilidade na comercialização e à banalização da compra de medicamentos, bem como à própria cultura da população brasileira. É bastante cômodo ir a uma farmácia para comprar medicamentos que não necessitam de receita visando aliviar algum sintoma ou até mesmo para dormir melhor, sem pensar nos eventuais riscos que essa atitude pode acarretar (TREBIEN. 2011).
3.4 Semaglutida
A semaglutida, comercialmente conhecida como Ozempic, é indicado para o tratamento de adultos com diabete mellitus tipo 2, como adjuvante à dieta e exercício físico. A sua substância ativa, a semaglutida, é um análogo sintético da incretina GLP-1, que aumenta a produção de insulina e diminui a produção de glucagon (Nigro et al., 2021). Além disso, assim como outros medicamentos antidiabéticos, pode afetar diretamente a perda ou ganho de peso corporal, sendo frequentemente utilizada em pacientes com sobrepeso (do Nascimento, 2021). O’Neil et al. (2018) publicaram um ensaio clínico randomizado feito com 957 pessoas com sobrepeso de 8 países, o qual comparavam a semaglutida com outros antidiabéticos no controle do peso corporal. Verificaram que 67% dos indivíduos que utilizaram a semaglutida por 4 meses, chegaram a ter até 10% do peso corporal reduzido.
Este medicamento é apresentado na forma de solução injetável de 1,34mg/mL em sistema de aplicação preenchido, cada sistema de aplicação contém 1,5ml e libera doses de 0,25mg e 5,0mg, aplicados uma vez na semana. A dose inicial é 0,25mg, após quatro semanas, a dose deve ser aumentada para 0,5mg, após quatro semanas, posterior a isso pode ser aumentada para 1.0mg (NOVO NORDISK, 2019).
3.5 Semaglutida e seu mecanismo de ação
A Semaglutida, um análogo do GLP-1 com sequência homóloga de 94% do GLP-1 humano, atua como agonista seletivo dos receptores de GLP-1, reduzindo a glicemia de forma dependente da glicose, estimulando a secreção de insulina e diminuindo a secreção de glucagon. Além disso, reduz o peso corporal e a massa adiposa, diminuindo a ingestão energética e a preferência por alimentos ricos em gordura, e exerce efeitos benéficos nos lípidos plasmáticos, pressão arterial, inflamação e aterosclerose, demonstrando impacto positivo em vários sistemas do corpo.
Em estudos clínicos demonstrou efeitos benéficos sobre os lipídios plasmáticos, pressão arterial sistólica e redução da inflamação. Em estudos em animais, também mostrou atenuar o desenvolvimento de aterosclerose, prevenindo a progressão da placa aórtica e reduzindo a inflamação na placa (Gomes & Trevisan, 2021; Nigro et al., 2021; do Nascimento, 2021). Portanto, pode-se concluir que o uso da semaglutida no tratamento do diabete tipo 2 e da obesidade é uma ferramenta valiosa, mas deve ser supervisionado por um profissional de saúde, e deve ser combinado com mudanças no estilo de vida, incluindo dieta equilibrada e atividade física, para obter os melhores resultados. Cada paciente é único, e a escolha entre esses medicamentos dependerá das necessidades e características individuais do tratamento. (TRABULSI, 2023)
Ela reduz a glicose sanguínea de uma forma dependente da glicose, estimulando a secreção da insulina e reduzindo a secreção de glucagon quando a glicose sanguínea está elevada. O mecanismo de redução da glicose sanguínea também envolve um ligeiro atraso do esvaziamento gástrico na fase pós-prandial precoce. Durante a hipoglicemia, a Semaglutida diminui a secreção de insulina e não inviabiliza a secreção de glucagon. Com isso, reduz o peso corporal e a massa de gordura corporal através da diminuição da necessidade de aporte de energia, o que envolve uma redução geral do apetite. Além disso, reduz a preferência por alimentos ricos em gordura.
3.6 Vantagens da utilização da Semaglutida
O Ozempic reduz o peso corporal reduzindo o apetite e a fome, aumentando a saciedade, restringindo os desejos por comida, alterando as preferências alimentares e limitando a ingestão de energia. Ele ajuda a melhorar o controle glicêmico de forma que induz a perda de peso. Esse medicamento também pode proteger contra problemas cardiovasculares em pacientes com diabete tipo 2(CHAMBERLIN; DABBS, 2019).
O mecanismo de ação qual a semaglutida ajuda na perda de peso se dá pelo fato principal dela retardar o esvaziamento gástrico, proporcionando uma sensação de saciedade por mais tempo, age diminuindo a fome do paciente e menos propensão à ingestão de alimentos ricos em gordura, no que se refere a sua ação hipoglicemiante, ela estimula a secreção de insulina das células beta-pancreáticas, diminuindo assim a glicose plasmática em jejum e pós-prandial (NOVO NORDISK, 2021; CHRISTOU et al., 2019).
Ela demonstra uma eficácia superior quando comparada a outros antidiabéticos, pois age reduzindo a velocidade de trânsito intestinal diminuindo a velocidade do esvaziamento gástrico, e o déficit calórico de forma que há uma redução do apetite de uma forma geral, além de reduzir a preferência por alimentos com alto teor de gordura, os receptores do GLP-1 também têm efeito sobre os lipídios plasmáticos, diminuindo a pressão arterial sistólica e a inflamação, o uso da semaglutida, além da redução do índice glicêmico, tem efeitos benéficos, comprovados, no sistema cardiovascular (STEINBERG; CARLSON, 2019, GOMES; TREVISAN, 2021).
Em 2022, o estudo de Wilding et al., avaliou que a segurança e eficácia da semaglutida comparada ao placebo, obteve melhores resultados com dieta e a prática de atividades físicas, observando que após a retirada da semaglutida, os indivíduos que não tiveram mudança no estilo de vida e faziam o uso do fármaco tiveram efeito rebote do medicamento (WILDING et al., 2022).
3.7 Efeitos colaterais do medicamento
Os principais efeitos colaterais relatados nos pacientes de forma geral são: distúrbios do trato gastrointestinal como náusea, vômito, diarreia, dor abdominal, constipação e dispepsia, tendo potencial de ocasionar uma desidratação havendo possibilidade de uma deterioração da função renal em paciente com insuficiência renal, além de ocorrência de distúrbio associado à vesícula biliar, a presença de colelitíase. Smits e Van (2021) avaliaram que os efeitos colaterais são dependentes da dose e também transitórios, podendo ocorrer principalmente nas duas primeiras semanas de tratamento.
A incidência de hipoglicemia (queda nas taxas de açúcares no sangue) foi considerada como efeito que pode ocorrer raramente. Peter e Bain (2020) avaliaram que a hipoglicemia pode ocorrer caso a semaglutida seja administrada com insulina ou sulfonilureias, cujos sintomas já são comuns.
Chamberlin e Dabbs (2019) apontam que o Ozempic não é indicado para pessoas com histórico familiar, de problemas na tireoide ou no sistema endócrino, pois esse medicamento, assim como outros agonistas receptores GLP-1, possui um risco potencial de desenvolver câncer de tireoide. Além disso, restrito para gestantes e lactantes (NOVO NORDISK, 2021).
Outros efeitos foram percebidos pelos pacientes, entre eles, dor de cabeça, nasofaringite (febre, congestão nasal, tosse). Esses sintomas estão relacionados ao sistema nervoso central e foram identificados tonturas e dores de cabeça explicadas por teorias envolvendo o fluxo sanguíneo. Considera-se que GLP-1 aparenta reduzir a pressão arterial, podendo levar a quadros de tontura. Também se relaciona a isso o hormônio pós-prandial que proporciona o aumento do fluxo sanguíneo cerebral regional. A vasodilatação de vasos sanguíneos cerebrais por hipotensão pode enviar sinais para o nervo trigêmeo, causando a dor de cabeça (MORAES et al., 2022; CASTRO; REIS; PAIXÃO, 2022; OLIVEIRA et al., 2023).
3.8 Interações medicamentosas com Ozempic
É importante notar que o Ozempic pode interagir com outros medicamentos, o que pode aumentar a probabilidade de efeitos adversos ou diminuir a eficácia do tratamento. Medicamentos como a semaglutida possuem ação direta no sistema nervoso central, logo, não podem ser administrados juntamente com medicamentos com ação no SNC, como por exemplo, a fluoxetina, pois há possibilidades de desenvolver dependência. Também é contraindicado o uso concomitante com inibidores da monoamina oxidase (IMAOs), podendo ser letal caso aconteça a síndrome serotoninérgica (De Castro; Reis, Paixão, 2022).
A insulina pode aumentar o risco de hipoglicemia quando combinada com Ozempic. A dose de insulina pode precisar ser ajustada. Alguns antibióticos, como a Amoxicilina, podem interferir na absorção de Ozempic, diminuindo sua eficácia. Antiácidos contendo hidróxido de alumínio e magnésio podem reduzir a absorção de Ozempic, diminuindo sua eficácia. Diuréticos, como a Furosemida, podem aumentar o risco de desidratação quando combinados com Ozempic, especialmente em pacientes idosos ou com problemas renais. Os beta-bloqueadores podem mascarar os sintomas de hipoglicemia quando combinados com Ozempic, dificultando detectar e tratar episódios de baixa glicose no sangue.
Interações medicamentosas com Paracetamol e semaglutida atrasa a taxa de esvaziamento gástrico, conforme avaliado pela farmacocinética do paracetamol durante um teste com refeições padronizadas. A AUC0-60min e a Cmax do paracetamol registaram uma diminuição de 27% e 23%, respetivamente, após a utilização concomitante de 1 mg de semaglutida. A exposição total do paracetamol (AUC0-5h) não foi afetada. Não é necessário qualquer ajuste da dose de paracetamol quando esta é administrada com semaglutida.
Interações medicamentosas com contracetivos orais e semaglutida não deverá diminuir o efeito dos contraceptivos orais, dado que o semaglutida não alterou a exposição geral do etinilestradiol e do levonorgestrel para um grau clinicamente relevante quando foi coadministrada uma associação medicamentosa de contraceptivos orais (0,03 mg de etinilestradiol/0,15 mg de levonorgestrel) com semaglutida. A exposição de etinilestradiol não foi afetada; foi observado um aumento de 20% relativamente à exposição de levonorgestrel no estado estacionário. A concentração máxima (Cmax) não foi afetada em nenhum dos componentes.
Interações medicamentosas com atorvastatina e o medicamento semaglutida (Ozempic) não alterou a exposição geral de atorvastatina na sequência da administração de uma dose única de atorvastatina (40 mg). A Cmax da atorvastatina foi reduzida em 38%. Avaliou-se que esta situação não é clinicamente relevante.
A semaglutida não alterou a exposição geral ou a Cmax de digoxina na sequência de uma dose única de 0,5 mg, nem afetou a exposição geral ou a Cmax de metformina na dosagem de 500 mg, duas vezes por dia, ao longo de 3,5 dias, e não modificou a exposição geral ou a Cmax da varfarina R e S na sequência de uma dose única de 25 mg, sem afetar clinicamente os efeitos farmacodinâmicos da varfarina com base na razão normalizada internacional (INR).
3.9 Eficácia e Segurança
Os análogos de GLP1, estimulam as células beta pancreáticas e retardam o esvaziamento gástrico, e quando associado a mudanças do estilo de vida, contribuem para a redução do peso corporal basal e dos níveis glicêmicos, podendo serem utilizados no tratamento da obesidade. Os estudos apresentaram alta eficácia dessa droga, sendo os seus benefícios superiores aos efeitos colaterais.
Estudos mostram que a semaglutida combinada com dieta e exercícios físicos apresenta eficácia no controle e perda de peso e sem ocorrência de eventos inesperados de segurança. Alguns efeitos adversos mais comuns são: os efeitos gastrointestinais, como náusea, vômitos e diarreia, e hipoglicemias caso sejam associadas com uma sulfonilureia ou insulinas. (De Oliveira et al., 2023).
A semaglutida tem demonstrado eficácia na redução de peso, bem como na melhora da glicemia e lipídios, disponível e aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2, também apresentando benefícios cardiovasculares. (De Paulo, 2021).
O medicamento semaglutida, apesar de prioritariamente ter sido desenvolvimento como terapia para Diabetes tipo 2, demonstrou bastante eficácia no tratamento da obesidade, tornando-se assim uma opção segura e com menos efeitos colaterais quando comparada a outros fármacos já existentes utilizados para este objetivo.
3.9 Atenção farmacêutica no uso da semaglutida (ozempic)
Segundo a resolução n.º 338 de 06 de maio de 2004, divulgada no Diário Oficial do Conselho Nacional de Saúde, a Assistência Farmacêutica engloba um conjunto de ações voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto ao nível individual quanto coletivo. O medicamento desempenha um papel fundamental na garantia do acesso e na promoção do uso responsável, abrangendo atividades que vão desde pesquisa, desenvolvimento e produção de medicamentos e insumos, até a seleção, planejamento, aquisição, distribuição e dispensação, assegurando a qualidade dos produtos e serviços, além do acompanhamento e avaliação de seu uso.
Por essa razão, mesmo que existam medicamentos classificados isentos de prescrição, a atuação do farmacêutico pode ser pautada na orientação ao paciente, tendo em vista que o mesmo detém conhecimento técnico acerca dos fármacos. Em outras palavras, por intermédio da prescrição farmacêutica, o respectivo profissional se responsabiliza pela seleção de um medicamento, para atenuar ou resolver o problema de saúde a pedido do paciente (GASPAR; MACHADO, 2015).
O farmacêutico desempenha um papel crucial na orientação do uso racional do medicamento Ozempic. Eles podem fornecer informações sobre a dosagem correta, possíveis efeitos colaterais, interações medicamentosas e orientações sobre o uso adequado para garantir o máximo benefício e segurança para o paciente. Além de ser encontrado em um estabelecimento estratégico (farmácia ou drogaria) e de amplo alcance à população, o que o torna um profissional privilegiado para a promoção do uso racional de medicamentos, para uma dispensação voltada à necessidade do usuário que busca pelos medicamentos.
Diante disso, se faz pertinente à atuação de uma equipe multidisciplinar para avaliar e acompanhar o paciente de acordo a sua necessidade clínica e no seu perfil individual, o qual inclua o profissional farmacêutico, que desempenha importante papel na Atenção Primária de Saúde e Assistência Farmacêutica, contribuindo para a farmacoterapia da obesidade. Essa equipe multidisciplinar deve atuar tanto na dispensação como na orientação do paciente para possíveis eventos adversos e interação medicamentosa, aconselhando os pacientes sobre as instruções de administração, expectativas terapêuticas e possíveis efeitos colaterais, assegurando assim, uma melhor resposta terapêutica e continuidade do tratamento. (ALLENDE, et al., 2016).
4. CONCLUSÃO
Este trabalho observou a influência dos medicamentos que inicialmente eram utilizados exclusivamente para o tratamento de Diabete Mellitus tipo 2, na redução do apetite e na perda de peso em pacientes com o intuito de emagrecer. Observou-se o mecanismo de ação destes fármacos, conhecidos como análogos ao hormônio endógeno GLP-1, que desempenham um importante papel no organismo, auxiliando na redução de peso e medidas ansiadas pelo paciente, variando, entretanto, conforme o tempo de uso e com o metabolismo individual. Entretanto, por se tratar de medicamentos relativamente recentes, nota-se a presença de diversos efeitos colaterais do uso, incluindo, principalmente, os distúrbios gastrointestinais, além de terem um acesso limitado, por se tratar de medicamentos de alto custo. Além disso, os dados sugerem que o tratamento da obesidade é complexo e desafiador, sendo necessário de um acompanhamento especializado, assim como as pessoas com sobrepeso que precisam apenas de um acompanhamento para instruir quanto a uma alimentação saudável e exercícios físicos necessários com profissionais habilitados. O uso indiscriminado de Ozempic para emagrecer pode causar sérios problemas de saúde às pessoas que o consomem devido aos efeitos adversos. Nesse sentido é de suma importância a assistência da equipe multidisciplinar, em especial do profissional farmacêutico, para acompanhar o tratamento farmacológico e orientar sobre os riscos do uso indiscriminado deste medicamento.
Embora o Ozempic possa oferecer benefícios significativos na perda de peso e no controle da glicemia, é importante considerar cuidadosamente os riscos associados ao seu uso, especialmente quando utilizado fora das indicações aprovadas. Os pacientes devem discutir com seus médicos sobre os potenciais benefícios e riscos do Ozempic, e explorar outras opções de tratamento disponíveis, antes de iniciar o uso deste medicamento para perda de peso.
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1Graduandas de Farmácia generalista. Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Carlos-UNITPAC. Av. Filadélfia, 568, Setor Oeste, CEP:77.816-540, Araguaína – TO. E-mails:alinearaujo581@yahoo.com; moraisjanaina845@gmail.com; sislane.nm@gmail.com.
2Doutor, Professor Assistente. Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Carlos-UNITPAC Av. Filadélfia, 568, Setor Oeste, CEP:77.816-540, Araguaína – TO. E-mail: clayton.lima@unitpac.edu.br