MAUS TRATOS E ABANDONO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS EM AMBIENTE URBANO¹

MISTREATMENT AND ABANDONMENT OF DOMESTIC ANIMALS IN URBAN ENVIRONMENTS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10957706


Raissa Daiane Maia Pereira2
Maria dos Reis Ribeiro Guida3


Resumo

O objetivo do presente estudo consiste em analisar a proteção ao animal no ordenamento jurídico brasileiro, levando em conta seus principais dispositivos para a punição e responsabilidade da sociedade e do Estado, possuindo como objetivos secundários discorrer sobre a história de construção dos direitos animais; discutir os dispositivos legislativos que podem ser destacados em relação ao direito de proteção dos animais; descrever as leis que preveem punições, no que diz respeito aos maus tratos aos animais e os possíveis motivos de sua ineficácia. No que diz respeito aos aspectos metodológicos foi o método qualitativo, colhendo e analisando dados descritivos da situação em estudo, método explicativo, buscando identificar as causas do fenômeno em questão e método bibliográfico, utilizando recursos documentais já elaborados, fazendo uso de autores como Lelis e Silva (2021); Nascimento e Ribeiro (2017) e Costa (2018). Por fim, conclui-se por sua vez, que apesar dos animais serem tratados como não humanos, os mesmos tem a necessidade de ser titulares de direito para que possa exercer sua vida de uma maneira digna assim aplicando a lei sansão e os maus tratos dos animais domésticos.

Palavras–Chave: Animais. Direitos. Maus Tratos.

Abstract

The objective of this study is to analyze animal protection in the Brazilian legal system, taking into account its main provisions for the punishment and responsibility of society and the State, with secondary objectives being to discuss the history of the construction of animal rights; discuss the legislative provisions that can be highlighted in relation to the right to protect animals; describe the laws that provide for punishments regarding animal abuse and the possible reasons for their ineffectiveness. With regard to methodological aspects, it was the qualitative method, collecting and analyzing descriptive data of the situation under study, the explanatory method, seeking to identify the causes of the phenomenon in question and the bibliographic method, using documentary resources already prepared, making use of authors such as Lelis and Silva (2021); Nascimento and Ribeiro (2017) and Costa (2018). Finally, it is concluded that despite animals being treated as non-human, they need to be entitled to rights so that they can exercise their lives in a dignified manner, thus applying the sanction law and the mistreatment of animals. domestic animals.
Keywords: Animals. Rights. Mistreatment.

Introdução

A falta de atenção do homem com relação aos animais ocorre de forma gritante. Percebe-se um choque de ideias que são oriundas de épocas passadas e ainda ecoa nesses novos tempos. Do mesmo modo, alguns filósofos confirmam que existe o distanciamento entre o homem e os animais por serem irracionais. Todavia, outros enxergam uma grande importância do respeito e consideração aos animais, criaturas irracionais, mas que também passam por situações de sofrimento.

O abandono de animais no ambiente urbano, vem aumentando cada vez mais no Brasil, e milhares de cães e gatos são abandonados nas ruas, por vários motivos. O ser humano, que faz isso deveria ter consciência pois são seres indefesos que querem um lar e com conforto.                                                                                                               

Além disso, é crime de acordo com o Art. 32 da Lei Nº 9.605, prevendo pena de reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda total. Uma solução para diminuir o grande número de abandonos de animais domésticos é a posse responsável, devendo a sociedade evitar esses problemas.                                                                                                             

Diante desse breve contexto abordado, em especial ao desrespeito com os animais, para que essa pesquisa fosse de fato levada adiante, foi preciso, inicialmente, compreender a perspectiva histórica do direito dos animais. Logo em seguida deve-se tratar sobre o direito dos animais e a necessidade de atenção, cuidado, precaução, prudência e, por fim, à proteção jurídica e a ineficácia das leis.

Portanto, é possível afirmar que esta pesquisa deverá trazer informações relevantes e contribuições ricas e pontuais, tanto para o público acadêmico que desempenha estudos relacionados sobre o tema, quanto para a comunidade em geral, uma vez que é necessário que toda a sociedade compreenda a importância do direito dos animais e percebe como a legislação não vem sendo aplicada em diversos locais e situações.

Importa pontuar que esse trabalho se justifica pela necessidade de explorar o tema proposto de forma mais profunda e crítica, pois é notório que muitos indivíduos não tem o conhecimento básico sobre as leis que asseguram os animais e não compreendem a importância dessas leis para o meio ambiente e para a ética ambiental. Desse modo, destaca-se que para assegurar esses direitos aos animais é lógico que deve interferir na diminuição do percentual de maus tratos. Por outro lado, ao se promover o cuidado com os animais, consequentemente o meio ambiente também é beneficiado.  

A problemática levantada no referido estudo consiste em discutir como ocorre a proteção ao animal doméstico no ordenamento jurídico brasileiro, levando em conta seus principais dispositivos para a punição e responsabilidade da sociedade e do Estado?

O objetivo do presente estudo consiste em analisar a proteção ao animal no ordenamento jurídico brasileiro, levando em conta seus principais dispositivos para a punição e responsabilidade da sociedade e do Estado. E os específicos foram: discorrer sobre a história de construção dos direitos animais; discutir os dispositivos legislativos que podem ser destacados em relação ao direito de proteção dos animais; descrever as leis que preveem punições, no que diz respeito aos maus tratos aos animais e os possíveis motivos de sua ineficácia. 

O estudo teve caráter de abordagem qualitativa, pois tem como fonte um determinado grupo de pessoas que se enquadram na punição e responsabilidade da sociedade e do Estado de garantir a proteção aos animais. Segundo Gil (2010, p. 25) “As pesquisas podem ser classificadas de diferentes maneiras. Mas para que esta classificação seja coerente, é necessário definir previamente o critério adotado para classificação”. Continua no mesmo sentindo Fonseca (2002, p. 2):

A pesquisa qualitativa se preocupa com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. […] A pesquisa qualitativa é criticada pelo seu empirismo, subjetividade e o envolvimento emocional do pesquisador.

No que se refere a escolha da natureza qualitativa, a mesma ocorre pela dinâmica e possibilidades que ela permite junto a pesquisa, como um maior aprofundamento no tema a ser trabalhado e toda e a compreensão da complexidade por trás das informações vinculadas ao referido tema. Ademais o uso da flexibilidade desta natureza de pesquisa permite alterações sempre que necessário sendo o método mais hábil na problemática.

De utilização do método de pesquisa descritivo, o presente trabalho tem por finalidade analisar a garantia de proteção ao animal no ordenamento jurídico brasileiro, dando ênfase aos dispositivos para a punição e responsabilidade da sociedade e do Estado de garantir a proteção aos animais. Acerca desta temática Gil (2010, p. 28) descreve:

Algumas pesquisas, descritivas, vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa relação. […] Há, porém, pesquisas que, embora definidas como descritivas com base em seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das pesquisas exploratórias.

Neste trabalho buscou dar visibilidade a existência de punições, no que diz respeito aos maus tratos aos animais e os possíveis motivos de sua ineficácia. A autora despontou de forma clara os resultados a serem alcançados nesse estudo, de forma a alcançar os objetivos estabelecidos.

Gil (2010, p. 31) menciona que “a modalidade mais comum de documento é a constituída por um texto escrito em papel, mas estão se tornando cada vez mais frequentes os documentos eletrônicos, disponíveis sob os mais diversos formatos”.

Pesquisa bibliográfica trata-se do levantamento, seleção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, sejam em livros, jornais, boletins, monografias, teses, dissertações, material cartográfico […]”, ou seja, o objetivo desta pesquisa é colocar o pesquisador em contato direto com todo o material já escrito sobre ele, mas para isso também é preciso pensar nos autores que fundamentarão os argumentos. Em geral esta pesquisa é regida pela pesquisa documental que trabalha com dados que ainda não receberam tratamento analítico e ainda não foram publicados (LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 66).

No entendimento de Marconi e Lakatos (2007, p. 84) “pode utilizar métodos formais que se aproximam dos projetos experimentais, caracterizados pela precisão e controle estatísticos, com a finalidade de fornecer dados para a verificação de hipóteses”.

A pesquisa foi um estudo acerca do Direito dos animais. Segundo Lakatos e Marconi (2010), a população a ser pesquisado ou universo da pesquisa, é definida como o conjunto de indivíduos que partilham de, pelo menos, uma característica em comum.

No que diz respeito à amostra foi o próprio universo, tendo em vista a proteção jurídica ofertada aos animais, entre outras leis pertinentes ao tema. A pesquisa foi realizada com base na complexidade do assunto e jurisprudências a partir da temática estudada.

Nesse estudo, devem ser seguidos os seguintes passos, para tratar, coletar e analisar os dados: executar downloads de livros, teses, artigos e dissertações e extrair aquilo que está relacionado a temática. Realizar uma busca na biblioteca física da instituição em livros. E por fim, elaborar um texto argumentativo, com o auxílio de autores renomados e jurisprudências. Conforme Gil (2010), o processo de análise dos dados envolve diversos procedimentos: codificação das respostas, tabulação dos dados e cálculos estatísticos.

O trabalho está organizado da seguinte forma, no primeiro capítulo trata dos maus tratos e abandono de animais domésticos em ambiente urbano, contemplando inicialmente a historicidade dos direitos dos animais. Em seguida foi abordado os direitos dos animais na Constituição Federal de 1988 e leis brasileiras e por fim a omissão legislativa quanto à proteção e punição nos crimes contra animais.

Historicidade dos Direitos dos Animais

A história dos direitos dos animais vem desde o século VI a.C, quando o filósofo Pitágoras que acreditava na transmigração da alma, já falava no respeito aos animais, ao passo que seu sucessor Aristóteles, também durante o século VI a.C, alegava que os animais estão distantes dos humanos, eram seres irracionais, não tendo interesse próprio e existindo somente como meros instrumentos para a busca da satisfação do homem.

Durante o século V a.C o filósofo Hipócrates, evidenciou alguns estudos da anatomia e fisiologia, ao qual eram baseados em dissecações e vivissecção de animais. Utilizava um animal vivo, ao qual o propósito era realizar estudos, ou seja, utilizá-los para realizar testes laboratoriais, relacionando o aspecto do órgão humano doente com o de animais. O primeiro a realizar tal procedimento com o objetivo experimental foi o filósofo e médico Galeno (LELIS; SILVA, 2021).

Já no século XVIII, o filósofo inglês Jeremy Benthan lança a base que até nos dias de hoje é utilizada pelos defensores dos animais, quando diz que a questão não é saber se os animais são capazes de raciocinar ou se eles conseguem falar, mas se são passíveis de sofrimento, e assegura que o que deve ser levado em conta, é a capacidade de sofrer e não a de raciocinar, pois se a racionalidade fosse critério, muitos seres humanos, tais como bebês e portadores de deficiência mental, também teriam que ser tratados como coisas.

A história da humanidade retrata que os humanos começaram a caçar os demais animais somente como forma de sobrevivência, pois a partir deles conseguiam carne para alimentação, pele para vestimenta e ossos para fazer armas e utensílios domésticos (LELIS; SILVA, 2021). 

No entanto, na Europa mais para o fim da Idade Média, começou a ser difundido o conceito do antropocentrismo, onde o ser humano se encontra no centro de tudo. Com isso, os seres humanos que caçavam os animais apenas para sobreviver, começaram a ver que os animais poderiam ter outras utilidades e uma delas seria usar a sua inferioridade para que estes pudessem se submeter a eles, sendo explorados de diversas maneiras. Segundo Nascimento e Ribeiro (2017, p. 181) “somos herdeiros de uma cultura de enaltecimento do homem e rebaixamento dos animais” (ditos irracionais). 

Essa situação citada passou a ser agravada devido ao aumento populacional, a chegada das indústrias com produção em grande escala, a difusão do comércio, principalmente o da beleza, alimentos, vestimentas, utensílios, entre outros que têm como matéria prima basicamente fazer o uso desses animais. Em um certo cenário da história, os seres humanos aprenderam a fazer o cultivo da terra e, logo em seguida começaram a criar os animais como reserva alimentar e força de trabalho. 

A partir desse marco começa o processo de domesticação de alguns animais e tem-se uma linha importante nessa relação, onde as pessoas selecionaram quais animais seriam domesticados e quais serviriam como outras formas de atender aos seres humanos em suas necessidades. Com o passar do tempo, os animais domesticados se tornaram mais do que apenas animais e protetores de um determinado espaço, seja casa ou terreno, eles passaram a ser considerados membros da família, como asseguram Lelis e outros autores (2020, p. 27) “Mas a passos largos na direção da harmônica convivência entre homens e animais, surge dos costumes das famílias brasileiras pós-modernas, o desejo de agregar formalmente ao núcleo familiar o animal de estimação”.

Além disso, é preciso dar destaque que apesar dessa ligação afetiva ser fortalecida, que se torna com o tempo cada vez importante, muitos desses animais ainda sofrem abusos, maus tratos, abandono e explorações dos mais variados tipos, despertando assim para a emergente necessidade de possuir uma proteção jurídica efetiva a proteção deles.

Em um contexto mais geral, o primeiro país a legislar em prol dos animais foi a Inglaterra no ano de 1822 apresentando a Lei British Cruelty to Animal, nesta lei tratava-se a respeito da proteção dos animais contra os maus tratos, em especial na exploração destes para fins de pesquisa. Logo depois a Inglaterra volta a ganhar destaque na história, revogando a lei anterior e promulgando uma nova lei: Protection Animal Act. Assim, passou a ampliar a proteção, pois era contra todos os atos crueis dos humanos em face dos animais (SANTOS; ALMEIDA, 2022).

Em julho de 1891 a Argentina também fez parte desse marco histórico e sancionou a primeira lei contra os atos hostis em face dos demais animais: a Lei nº 2.786. Esta por sua vez já condenava qualquer pessoa que realizasse maltrato ou submetesse qualquer animal a dor, além disso, estabeleceu a cooperação da polícia para participar ativamente desse cumprimento. Dessa forma, como destacam Nascimento e Ribeiro (2017, p. 194):

[…] justiça argentina participa desse despertar necessário para a sociedade, descoisificando os animais e reconhecendo estes (animais) como sujeitos de direitos. Esse reconhecimento jurídico é um passo de suma importância para o início de uma solidificação dos direitos dos animais (NASCIMENTO; RIBEIRO, 2017, p. 194).

Finalmente falando do Brasil, a primeira norma que tratou da proteção dos animais foi o Decreto nº 16.590 de 10 de setembro de 1924. Esse decreto estabelecia a proibição das corridas de touro, das rinhas de galo e de canários, e outras atividades que viessem a causar sofrimento aos animais. O Decreto nº 26.645 de 10 de julho de 1934, regulamentou diversos tipos de maus-tratos aos animais, que foram estipulados pelo Decreto-lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941, sendo a Lei das Contravenções Penais, que definiu em seu artigo 64 as seguintes condutas:

Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis. 

§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público (BRASIL, 1941).

No ano 1967 foi publicada a Lei nº 5.197 que tratou da proteção à fauna. Essa lei levantou diversas restrições relacionadas à caça e ao comércio de animais, proporcionando assim, mais proteção aos animais. No ano de 1978 foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos dos Animais com a finalidade de proteger a ideia de que os animais têm direitos também merecem respeito, não há necessidade de serem maltratados, se precisarem ser mortos que essa morte não envolva dor ou angústia, entre outras previsões.

Logo nos anos posteriores foram criadas leis, com o objetivo de proporcionar essa proteção dos animais, um exemplo claro foi a Lei nº 7.889 (Lei da inspeção de produtos de origem animal) em 1989, Lei nº 9.605 (Lei de crimes ambientais) em 1998, Lei nº 11.794 (Lei da vivissecção) em 2008. 

No ano de 1988, começou uma nova visão sobre o assunto com a nova Constituição que vigora até os dias atuais e que reconheceu em seu artigo 225, § 1º, inciso VII a regra da proteção aos animais, os tornando dessa forma titulares de direitos fundamentais. 

No ano de 2012 foi proclamada a Declaração de Cambridge que tratou da consciência em Animais Humanos e Não Humanos, foi nela em que pela primeira vez os animais foram reconhecidos como seres sencientes (COSTA, 2020).

No ano de 2018, o deputado Ricardo Izar da Câmara dos Deputados levantou a proposta do Projeto de Lei nº 27/2018, que cria o regime jurídico especial para os animais. O texto trata sobre os animais não serem mais considerados objetos e passem a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos despersonificados de direitos. Isso abre a discussão sobre seu reconhecimento como seres sencientes, que também estão suscetíveis ao sofrimento e dotados de natureza biológica e emocional.

No ano de 2019, foi elaborado o Projeto-lei nº 1.095 que sugeriu alterar a Lei nº 9.605 (Lei de Crimes Ambientais) com a finalidade de aumentar a pena de maus-tratos praticada contra cães e gatos que era de detenção, de três meses a um ano e multa para reclusão, de dois a cinco anos, além de multa e proibição de guarda. 

Nesse espaço, no dia 29 de setembro de 2020 o projeto acima mencionado fora promulgado e tornou-se a Lei nº 14.064, que já está em vigor. Assim no artigo 32 da lei de crimes ambientais foi acrescentado o parágrafo 1º-A, in verbis:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda (BRASIL, 2020).

No ano de 2021 foi proposto o Projeto de Lei nº 145/2021 na câmara dos deputados em Brasília, tendo como autor o Deputado Eduardo Costa, que tem como finalidade dar a disciplina necessária a capacidade de ser parte dos animais não humanos em processos judiciais e fazer uma inclusão no Código de Processo Civil que determina quem pode representar os animais em juízo.

Além disso, nesse mesmo ano de 2021 foi proferida uma decisão em sede recursal pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná onde foi reconhecida a capacidade de figurar como parte em um processo judicial a dois cães, Rambo e Spike, decisão essa que foi a primeira no Brasil a reconhecer essa capacidade aos animais (Autos nº 0059204-56.2020.8.16.0000).

Direitos dos animais na Constituição Federal de 1988 e leis brasileiras 

O Direito Animal no Brasil nasceu com a Constituição Federal de 1988, sendo exatamente nesse importante texto normativo que foi positivado, constitucionalmente, a regra da proibição da crueldade, com o consequente reconhecimento do direito fundamental animal à existência digna. Antes de sua existência, nenhuma outra Constituição brasileira tratou da questão animal de forma tão direta.

Segundo o art. 225, §1º, VII da Constituição brasileira, incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).”

A parte final desse inciso constitucional deve ser destacado, pois ele consagra a regra da proibição da crueldade. Importante perceber que a proibição das práticas que submetam os animais à crueldade é comando constitucional diverso do dever público de proteção da fauna e da flora contra as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e prejudiquem seu percurso natural. 

Sendo assim, deriva a separação, ainda que não absoluta, entre Direito Animal e Direito Ambiental. No Direito Animal Constitucional, o animal não-humano é entendido como o indivíduo; no Direito Ambiental Constitucional, o animal não-humano é componente da fauna e da biodiversidade, elemento da Natureza, com relevância para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Falando do Brasil, a primeira norma que tratou da proteção dos animais foi o Decreto Nº 16.590 de 10 de setembro de 1924. Esse decreto estabelecia a proibição das corridas de touro, das rinhas de galo e de canários, e outras atividades que viessem a causar sofrimento aos animais. O Decreto Nº 26.645 de 10 de julho de 1934, regulamentou diversos tipos de maus-tratos aos animais, que foram estipulados pelo Decreto-lei Nº 3.688 de 3 de outubro de 1941, sendo a Lei das Contravenções Penais, que definiu em seu artigo 64 as seguintes condutas:

Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.

§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público (BRASIL, 1941).

Logo nos anos posteriores foram criadas leis, com o objetivo de proporcionar essa proteção dos animais, um exemplo claro foi a Lei Nº 7.889 (Lei da inspeção de produtos de origem animal) em 1989, Lei Nº 9.605 (Lei de crimes ambientais) em 1998, Lei Nº 11.794 (Lei da vivissecção) em 2008 (ATAÍDE JÚNIOR, 2018). 

No ano de 1988, começou uma nova visão sobre o assunto com a nova Constituição que vigora até os dias atuais e que reconheceu em seu artigo 225, § 1º, inciso VII a regra da proteção aos animais, os tornando dessa forma titulares de direitos fundamentais. Ainda muitos anos depois, em 1998, um projeto lei foi aprovado dando texto ao artigo 32 da Lei de crimes ambientais:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal (BRASIL, 1998).

No ano de 2015 foi levado ao Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), discussão que tratava sobre a constitucionalidade da Lei Nº 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural no estado. No ano posterior o Supremo julgou procedente o ADI considerando inconstitucional a referida lei e segundo o relator Marco Aurélio (2015, p. 6):

A par de questões morais relacionadas ao entretenimento às custas do sofrimento dos animais, bem mais sérias se comparadas às que envolvem experiências científicas e médicas, a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988 (MARCO AURÉLIO, 2015, p. 6).

O Direito Animal, portanto, encontra-se fazendo parte da Constituição. A sua autonomia em relação ao Direito Ambiental está presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, disponibilizando de todas as suas características fundantes. Reconhece-se que o sofrimento animal importa por si só, devendo ser levado em consideração, por isso, revela a dignidade animal e o seu direito fundamental à existência digna.

A omissão legislativa quanto à proteção e punição nos crimes contra animais 

É preciso reiterar que os animais também têm direito à vida, bem como todo ser humano, porém, em se tratando dos primeiros, estes são negligenciados e em vista disso, há inúmeras consequências fáticas, como o aumento no número de animais abandonados (o Instituto Pet Brasil (IPI, 2019) calcula que cerca de 3,9 milhões de pets se encontram e condições de vulnerabilidade no país, comercialização ilegal de animais em condições degradantes, entre outras práticas cruéis.

Em se tratando de números, no ano de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que existiam mais de 30 milhões de cães e gatos abandonados em situação de rua. Além disso, no mesmo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE inteligência e Carrefour Brasil realizaram pesquisa com 2 mil brasileiros, mostrando que 92% dos internautas já presenciaram animais sendo maltratados, mas que apenas 17% denunciaram, 67% já viram animais abandonados, mas que somente 30% adotaram (SENA; SANTANA, 2021).

Por fim, a pandemia provocou uma mudança no cenário mundial no ano de 2020 de forma radical, afetando desde coisas básicas até situações mais complexas, e o principal exemplo foi a economia. Frente a essa situação, também pode-se perceber o aumento de doenças psicológicas, desemprego, estresse, queda na economia, instabilidade nas relações afetivas e familiares, dentre outros. Diante de tantas questões, destaca-se o abandono e maus tratos a animais domésticos. Organizações não governamentais e o Conselho de Medicina Veterinário destacaram que o aumento no abandono de seus companheiros de patas por medo de serem contaminados por eles, pela crise financeira e pelo desemprego.

Tem ocorrido uma grande mudança na legislação para que abrangesse o cenário que estamos vivendo no Brasil em relação a proteção dos animais e consequentemente os maus tratos e punições. Essas alterações são possíveis porque partem de pessoas inconformadas com episódios recorrentes de crueldade contra os animais e que nenhuma medida vinha sendo feita para que a proteção dos mais indefesos fosse assegurada (HORA, 2022).

O conceito de maus tratos aos animais não é conceituado na lei e sim a prática. Diomar Ackel Filho (2011) ensina o que é considerado crueldade:

Crueldade contra animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locas públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra de boi, ou similares), abates, atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meio e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus-tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal (FILHO, 2011, p. 26).

Não se pode deixar de pontuar a mudança no art. 32 da lei de crimes ambientais. A pena, que antes seria de três meses a um ano, passa a ser de prisão de um a quatro anos e multa. Se houver ainda ocorrência de lesão grave permanente ou mutilação do animal, a pena passa a ser acrescida de um sexto a um terço. Se os maus-tratos confirmarem a morte do animal, a pena é aumentada da metade podendo ir de três a seis anos (SANTOS, 2020).

Como reiteradamente mencionado, a Constituição Federal de 1988 preocupou-se em prever o dever de proteção aos animais e criou mecanismos para garantir que esse dever fosse cumprido, por meio da tutela penal. Porém, a Lei Crimes Ambientais parece não ser a mais adequada à tutela penal dos animais, considerando que a fixação de penas excessivamente brandas pode não atingir o resultado preventivo esperado pelo direito penal, o qual, diga se de passagem, não é a função principal assumida pelo direito penal ambiental, como já destacado.

Nas palavras de Alex Fernandes Santiago (2015, p. 25):

Cabe ao Direito a difícil decisão de tornar mais rigorosa a legislação penal, como forma de tentar aplicar com efetividade o Direito Penal Ambiental, o qual hoje é tido como simbólico. Caso contrário, deve ser retirada a matéria ambiental do campo da proteção penal, pois inútil (SANTIAGO, 2015, p. 25).

Como efeito, pode-se dizer que a Lei de Crimes Ambientais protege os animais de forma simbólica, principalmente os domésticos, tendo em vista que não se vislumbra real repressão contra a prática do crime de maus-tratos, uma vez que a pena é extremamente baixa e, como já tratado, possibilita diversas substituições que visam a reparação do dano ambiental.

Contudo, essa proteção simbólica não está unicamente relacionada à finalidade da Lei, considerando que há, também, uma série de causas interligadas que fragilizam a aplicação da pena prevista no dispositivo, conforme será abordado a partir de agora.

Em relação às leis que preveem punições, no que diz respeito aos maus tratos aos animais pontua-se primeiramente:

A Lei nº 9.605 de 1998 e suas contribuições: Outro disposto de importante análise para com as legislações protetivas foi a Lei nº 9605/98. Dado que foi a primeira disposição que instruiu a criminalização dos atos de maus-tratos, que antes era tratado como mera contravenção penal foi convertido em criminalidade, permitindo inclusive a penalização de pessoas jurídicas.

Apesar da Lei em sua essência ser de caráter de proteção geral à flora como um todo, incluindo sua vegetação e materiais poluentes, há grande abrangência quanto aos atos que causam malefícios à própria adaptação animal tal como relativos à infringência de seu bem-estar (SEGUE, 2022).

Lei nº 14.064 de 2020 e suas contribuições: Como forma complementar e ainda descritiva a lei anteriormente mencionada, a Lei nº 14.064/2020 foi eficaz ao promover o aumento das penalidades contra crimes específicos praticados contra cães e gatos.

Apesar da referida Lei não ter trazido grandes mudanças para com os demais artigos da Lei anterior, foi efetiva na criminalização dos maus-tratos ao adicionar um parágrafo ao artigo 32 da Lei anterior, o qual prevê uma qualificadora para os atos indicados. In verbis:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: (Vide ADPF 640)

[…]

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020) (BRASIL, 2020)

Ao adicionar tal qualificadora, tornou-se evidente a necessidade de reiterar a proteção dos animais domésticos, visto sua maior convivência em âmbitos familiares para com os humanos. 

Entretanto, no que diz respeito às punições no caso de maus-tratos aos animais de forma geral, a pena cominada não é suficiente para coagir o infrator a não mais praticar o crime de maus-tratos aos animais, já que ela não reflete em grandes perdas para o infrator. Com isso, nota-se uma banalização dos crimes de maus-tratos aos animais por influência dessa pequena pena cominada nesse tipo penal.

Fernsterseifer e Sarlet (2020, p. 206) trazem à tona a ideia do princípio da proporcionalidade e proibição de proteção insuficiente ou deficiente em matéria ambiental, que vem ao encontro com a ideia de que o Estado pode e deve através das suas penas desestimular determinados comportamentos que colocam em risco bens jurídicos tutelados pelo Direito Constitucional e Penal.

Há no art. 225 da Constituição a previsão de proteção aos animais e da punição dos infratores das normas/leis que os protegem. Nas palavras de Giustina (2019, p. 38): “Saliente-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe a maior inovação, estatuindo a proteção do meio ambiente, fauna e flora, proibindo práticas crueis contra os animais. Assim, a tutela jurídica dos animais passou a ter status constitucional”. Destarte, uma prática de maus-tratos a um animal não é “só” algo desprezível, mas também inconstitucional.

O Direito penal acaba transparecendo ser fraca em relação a sua qualidade normativa no que diz respeito aos objetivos de garantir o bem-estar animal e alteração do comportamento social a partir da coibição da conduta humana indesejada. Pontua-se nesse momento a eficácia jurídica por uma análise de maus tratos aos animais sob a visão da jurisprudência (HACHEM, GUSSOLI, 2017). 

Diante disso, pode-se perceber que tanto a pena como o enquadramento como menor potencial ofensivo não demonstram em momento algum oferecer qualidade normativa que possa alterar e eliminar o comportamento humano de crueldade aos animais. Isso pode ser observado em praticamente todos os tribunais no país: a punição a esse tipo de crime acabou ficando limitada a acordos realizados em juizados especiais, ou seja, com o pagamento de multa e conversão da pena em restritiva de direitos. E apenas em casos raros o infrator chegou a receber uma condenação como pena de reclusão.

A punição aplicada aos crimes contra os animais, conforme a previsão da Lei de Crimes Ambientais – Lei Nº 9.605/1998 prevê pena de reclusão de três meses a um ano de reclusão e multa. Ademais, sendo excluídos apenas os crimes descritos nos arts. 30 e 35, todos os demais crimes descritos na Lei Nº 9.605/1998 foram considerados de menor potencial ofensivo, pois ainda se encontram sob a competência da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei Nº 9.099/1995.

Desse modo, a eficácia jurídica da norma na obtenção do resultado consiste unicamente na prevenção aos maus-tratos e as práticas de crueldades contra os animais, que pode ser limitada em razão da punição prevista considerada branda e possivelmente não tenha força para repelir o crime.

Além da repressão penal das condutas proibidas de maus-tratos e crueldade contidas na referida lei pode-se ainda usar as normas jurídicas contidas no tipo penal para a defesa individual ou coletiva dos animais, através de ações individuais ou coletivas, com caráter inibitório, preventivo ou repressivo (COELHO; ROCHA, 2022). 

Em outras palavras, toda ação humana que caracterize prática cruel segundo o art. 32 da Lei Nº 9.605/1998 acaba violando o direito fundamental animal ao bem-estar e à proibição constitucional à crueldade e deve ser objeto de ações cíveis inibitórias, preventivas ou repressivas conduzidas imediatamente pelo Ministério Público, pelos substitutos legais do animal vitimado ou pelas associações de defesa animal.

O entendimento majoritário encontrado nos tribunais tal como será apresentado é o de que a condenação por maus-tratos e crueldades contra os animais foram considerados crimes de menor potencial ofensivo e convertidos em pena restritiva de direito com ou sem aplicação de multa. Sendo assim, foi importante examinar, mesmo que de maneira breve, os casos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (ATAIDE JUNIOR, 2018).

No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) existem números bem irrisórios de casos envolvendo condenação de maus-tratos contra os animais. Isso ocorre porque em boa parte dos casos é feito acordo, não sendo possível de localização, pela pesquisa processual do tribunal. Esses crimes acabam sendo caracterizados como sendo de menor potencial ofensivo e diversas condenações são resumidas em somente reclusão, convertidas em penas restritivas de direito e pagamento de multas de menos de um salário-mínimo. A título de amostragem pode-se pontua alguns casos de maus-tratos aos animais, no âmbito do TJDFT (Processo Nº 2011.01.1.223234-9. Relatora: Desembargadora Wilde Maria Silva Justiniano Ribeiro. 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. DJ: 21 ago. 2012).

Nessa seara foi localizado um caso de maus-tratos a animal pertencente à mãe do acusado. A pena fixada nesse caso ficou firmada em sete meses de detenção em regime semiaberto, mas que ficou convertida em pena restritiva de direitos e dez dias de multa no valor de 1/30 do salário-mínimo. Outro caso que pode ser observado e também localizado no TJDFT fixou a pena em cinco meses de detenção, em regime aberto vinte dias multa, ao valor de 1/30 do salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, substituída por pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviço à comunidade (Processo nº 2011.12.1.004149-3. Relatora: Edi Maria Coutinho Bizzi. 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. DJe: 1 ago. 2013).

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a situação não ocorreu de forma muito diferente dos demais. A interpretação no judiciário parece deixar enfraquecida a eficácia jurídica garantidora do bem-estar dos animais se a pena não for conduzida de modo suficiente a alterar a conduta humana. Os casos como maus-tratos à animais têm a pena privativa de liberdade substituída pela pena por restritiva de direitos. No caso analisado, o acusado além de ter a pena substituída por restritiva de direitos, ainda incorreu na modalidade de limitação de fim de semana por igual período (TJSP. Apelação Criminal nº 1500132-18.2019.8.26.0648. Relator: Desembargador Alceu Corrêa Junior. Turma Recursal. DJ: 2 jun. 2020). Mesmo no caso em comento com a existência de laudo veterinário e relato de maus-tratos anteriores:

Com efeito, a perícia veterinária realizada com o animal (fl. 05) atestou a existência de ferimento (‘lesões na região do osso nasal relativamente profunda’) e a testemunha policial encontrou o animal em condições inadequadas e afirmou que havia relatos anteriores de maus-tratos ao animal pelo acusado (SANTOS, 2021, p. 160).

A aplicação da punição da lei passa a depender de uma comprovação dos maus-tratos e crueldade, sendo caracterizado como um crime difícil de ser provado, aceito em grande parte, somente com laudos veterinários. E ainda não restando dúvidas dos maus-tratos e da autoria do crime os tribunais têm decidido na grande maioria dos casos por converter em crimes em penas restritivas de direito com uma punição considerada branda, tornando a eficácia jurídica da lei de combate aos maus-tratos e crueldade contra os animais de resultado bem inferior do que se imagina.

Dois casos foram encontrados também no judiciário e podem ser observados aqui, mas como exceção ao entendimento majoritário que foi mencionado anteriormente. Esses casos acabam ganhando destaque porque levam em consideração a crueldade contra os animais que não pode ser desconsiderada na avaliação da punição de conduta, e condenam os infratores com fixação da pena-base acima de dois anos em razão das circunstâncias agravantes dos casos. Esses entendimentos acabam eliminando as possibilidades de o infrator ser beneficiado pela Lei Nº 9.099/1995, enquadrando-se como crime de menor potencial ofensivo e, portanto, não podendo ser convertido em pena restritiva de direitos (FODOR, 2016).

O primeiro caso e que ganhou maior destaque ocorreu em um julgamento proferido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no caso conhecido como “serial killer de cães e gatos”, ocorrido em São Paulo em 09 de novembro de 2017. 

A acusada recebia os animais abandonados para destiná-los à adoção, mas acabava por exterminá-los com perfurações, especialmente na região do coração. Foram encontrados 33 gatos e 4 cães mortos em sacos de lixo próximos à residência da acusada, realizadas por um detetive particular, custeadas por protetores de animais independentes que duvidaram da rapidez com que a acusada conseguia ‘lares’ para os animais aos seus cuidados. A pena final pelos crimes cometidos, em função do reconhecimento do concurso material restou fixada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em dezesseis anos e seis meses de reclusão e expedição de mandado de prisão (TJSP, 10ª Câmara de Direito Criminal, Apelação 0017247-24.2012.8.26.0050, unânime, Relator Des. RACHID VAZ DE ALMEIDA, julgado em 9/11/2017).

A sentença de primeiro grau reconheceu o concurso material no caso, implicando na pena privativa de liberdade da acusada, com o objetivo de se ajustar à conduta do agente e o comportamento da acusada com perfil traçado tipicamente como “serial killer”, sendo que as vítimas seriam os animais.

No segundo caso, em 25 de abril de 2017, o STJ negou pedido exposto no Habeas Corpus (HC) Nº 393.747113 para um homem condenado a 3 anos e 2 meses de detenção em regime inicial semiaberto, por maus-tratos a três cavalos, que utilizava eles para realizar diversos trabalhos. 

Os animais eram mal alimentados, submetidos a trabalho excessivo, chicoteados e apresentavam diversos ferimentos acometidos com extrema crueldade aplicada pelo agente. No HC a defesa requereu que a pena-base fosse reduzida, entretanto o Relator Ministro Jorge Mussi destacou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal 115 quando a culpabilidade é entendida como grau de reprovação de conduta, face às peculiaridades do caso (HC nº 393.747. Relator: Ministro Jorge Mussi. DJ: 25 abri. 2017).

Por fim, nos casos examinados acima os tribunais decidiram aplicar a lei para condenar os infratores em pena de reclusão, não tendo a possibilidade de conversão em pena restritiva de direitos, em razão do agravamento da pena pelas circunstâncias empregadas em cada caso, reforçando a proteção jurisdicional de combate aos maus-tratos e crueldades contra os animais. Dessa forma, o que fica bem claro é que quando a conduta do acusado é considerada de extrema crueldade a aplicação da penalidade pode ser maior inclusive, com a restrição à substituição da pena por restritivas de direito.

Conclusão

Como a proteção aos animais e a punição dos agressores são ideias previstas na Constituição, o legislador tinha a intenção de que fossem algo que todos os cidadãos tivessem em mente, respeitassem e repudiassem, caso viessem a se deparar com tal situação, de tanta importância que o assunto tem. No entanto, a sociedade brasileira só passou a dar o devido reconhecimento aos animais e à importância de bem tratá-los na última década, em que movimentos vegetarianos e veganos ganharam força, assim como ações policiais de combate aos maus-tratos.

Até pouco tempo, manter um cachorro acorrentado perto da entrada da casa ou no portão da casa, com uma coleira curta e sem cobertura para chuvas ou dias de frio era algo considerado normal nos centros urbanos. Em regiões interioranas ainda é considerado normal. Nos últimos anos vêm se discutindo as boas condições a que os animais, principalmente os domésticos, devem ser submetidos. E situações em que cães são acorrentados em correntes curtas, que lhes causam lesões e que não tem boas condições de existência como uma casinha, água limpa e caminha são situações interpretadas como maus-tratos pela polícia.

No entanto, os animais ainda são considerados como coisas dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo do art. 82 do Código Civil. Mesmo tendo consciência, demonstrando emoções, demonstrando amor, o legislador ainda optou por classificar os animais como coisas.

A prática jurídica deixa claro que essa visão dos animais como objetos precisa de uma mudança completa, prova disso são as dezenas de ações que vem sendo apresentadas à apreciação do judiciário para a defesa de direitos dos animais a uma vida digna. Ao Estado deveria ser mais consistente promover meios para que os animais tenham acesso não somente à saúde, alimentação, e imunizações, mas também acesso à justiça, não na condição de objetos, mas como sujeitos que podem buscar a tutela jurisdicional contra abusos e violações aos seus direitos.

Por fim, conclui-se por sua vez, que apesar dos animais serem tratados como não humanos, os mesmos tem a necessidade de ser titulares de direito para que possa exercer sua vida de uma maneira digna assim aplicando a lei sansão e os maus tratos dos animais domésticos.

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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma.
2Acadêmica do curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma. E-mail: raissa.maia41@icloud.com
3Especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.