RESPONSABILIDADE CIVIL: A ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR UMA FAMÍLIA HOMOAFETIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10905843


Camila Maria Pacífico Leal¹;
Lorena Gomes Carvalho²;
Edjôfre Coelho de Oliveira³.


RESUMO

O presente trabalho aborda a evolução legal da adoção no Brasil, destacando a ênfase dada aos direitos da criança e do adolescente pela Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil. Especificamente, concentra-se na adoção por casais homoafetivos, legalizada pelo Supremo Tribunal Federal. Utiliza uma abordagem fenomenológica e hipotético-dedutiva para analisar os aspectos sociais e regulatórios dessa forma de adoção. Os métodos incluem revisão bibliográfica e pesquisa documental, com foco nas implicações psicológicas e sociais para as crianças adotadas por casais homoafetivos, utilizando dados do Cadastro Nacional de Adoção. Enfatiza a necessidade de priorizar o bem-estar das crianças, adaptando os padrões familiares para incluir casais homoafetivos na adoção. Ressalta-se que o trabalho tenta demonstrar a importância de considerar o tema além do aspecto jurídico, com ênfase na proteção legal das crianças adotadas e na busca por alternativas que garantam seu bem-estar.

Palavras-chave: Adoção. Casal Homoafetivo. Família. Responsabilidade Civil.

ABSTRACT

This work addresses the legal evolution of adoption in Brazil, highlighting the emphasis given to the rights of children and adolescents by the Federal Constitution of 1988, the Child and Adolescent Statute and the Civil Code. Specifically, it focuses on adoption by same-sex couples, legalized by the Federal Supreme Court. It uses a phenomenological and hypothetical-deductive approach to analyze the social and regulatory aspects of this form of adoption. The methods include bibliographic review and documentary research, focusing on the psychological and social implications for children adopted by same-sex couples, using data from the National Adoption Registry. It emphasizes the need to prioritize the well-being of children, adapting family patterns to include same-sex couples in adoption. It is noteworthy that the work attempts to demonstrate the importance of considering the topic beyond the legal aspect, with an emphasis on the legal protection of adopted children and the search for alternatives that guarantee their well-being.

Key-words: Adoption. Homoaffective Couple. Family. Civil Responsability.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e posteriormente o Código Civil em vigor, tornaram a adoção um instituto enaltecedor dos interesses da criança e do adolescente, ao trazer inovações no sentido de assegurar os direitos e garantias sociais, bem como a fiscalização pelo Poder Público das condições para a efetivação da inserção da criança e do adolescente em família a partir do processo de adoção.

Neste sentido, o presente artigo está embasado na adoção por casais homoafetivos, desde que essa adoção passou a ser feita por esses casais após o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal baseando-se pelos princípios constitucionais.

A fim de analisar a adoção homoafetiva em situações sociais com intuito de atingir os objetivos propostos, neste estudo, utilizou-se de uma abordagem fenomenológica, sobre o conceito de família e sua relação com adoção homoafetiva, e uma abordagem hipotéticodedutivo para avaliar as consequências e a regulamentação que possa recair sobre esse tipo de família.

Quanto aos aspectos metodológicos, adotou neste estudo uma revisão bibliográfica que privilegiou no levantamento bibliográfico produzido no referencial teórico acerca do objeto de estudo, mantendo diálogo entre estudos culturais, identitários e históricos.

Utilizou-se também a pesquisa documental, no intuito de compreender e relatar sobre o objetivo central deste trabalho em investigar as implicações psicológicas e sociais na adoção de crianças por uma família homoafetiva no processo de adoção no Brasil, fazendo uso de análises de dados em relação às crianças e adotantes inseridos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

Diante disso, a problemática enfrentada diz respeito às consequências psicológicas e sociais na adoção de crianças por uma família homoafetiva. Portanto, entende-se que, deve-se priorizar, que os padrões familiares alteraram e se expandiram, por isso possibilitar a adoção de crianças por casais homoafetivos.

Mesmo sem uma abordagem específica do legislador em relação à adoção por casais homoafetivos, é importante considerar a importância e atualidade do assunto. Além de ser um tema que vai além do âmbito jurídico, é uma realidade presente, onde casais do mesmo sexo desejam formar famílias e ter filhos.

O referencial teórico discorre sobre a contextualização de família, em seguida, traça breves conceitos acerca dos tipos de família e a adoção na perspectiva social e jurídica, para após, discorrer sobre a adoção no Brasil, compreendendo o processo e analisando casos de adoção homoafetiva.

Por fim, ao analisar os casos, os resultados destacam que o foco central deste estudo, para além de desconstruir preconceitos estabelecidos, será examinar a questão da adoção considerando sempre o bem-estar das crianças, buscando identificar as alternativas mais favoráveis para elas.

Sendo que, a criança representa o foco central da adoção, garantindo a proteção legal para os atores sociais, colocando os seus interesses acima de qualquer outro aspecto relacionado às partes constituintes.

1. A FAMÍLIA NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE ADOÇÃO

A humanidade, no decorrer de anos, foi sempre marcada por diversas formas de preconceito, sendo por classe social, raça, cor, religião, orientação sexual, nos quais vem sendo superados ao longo dos anos. Einstein dizia ser mais fácil desintegrar átomos que preconceitos, o fato é que a sociedade vem cada vez mais se transformando, buscando aos poucos o objetivo de desintegrar esses preconceitos, como o conceito de família.

Desde os primórdios da existência humana, o conceito de família sempre foi um papel preponderante na vida de cada indivíduo, pois estava ligado ao meio em que ele se relacionava.

Antigamente, a ideia de família era postulada apenas pelo modelo tradicional Homem Mulher, trazendo convicções de crenças e ideologias de acordo com a organização da época. Conceito esse que com o passar do tempo, começou a sofrer uma evolução sociológica e jurídica, trazendo novos conceitos de família, que foram se adequando a nova realidade, definindo assim novos tipos de doutrinas modernas ampliando novos horizontes ao judiciário, hoje a família está ligada a laços sanguíneos, de convivência e não menos importante a afetividade dos membros que a compõe.

Essas questões foram se apresentando cada vez mais fortes, onde ao mesmo tempo em que institutos que anteriormente foram relegados pelo Direito ganham proteção jurídica para atender às novas demandas da sociedade.

No Brasil, a adoção é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, alterado pela Lei 12.010/09, e pelo Código Civil, sendo aquele preponderante no que tange à adoção de crianças e adolescentes até dezoito anos de idade. Estes diplomas legais regulamentam o processo de adoção, apresentando seus requisitos e efeitos.

O que dificulta a adoção é a ideia de que a criança, pela ausência de referências de ambos os sexos, sofreria prejuízos psicológicos em seu desenvolvimento em relação aos processos de identificação e constituição de sua identidade, de que a criança ou adolescente seja influenciada pela orientação sexual dos mesmos, identificando-se com a homossexualidade dos genitores, atingindo-as até em situações sociais.

Porém, por mais que a família homoafetiva esteja rodeada de preconceitos, essa discussão, por vezes, frisa em concepções cristalizadas acerca da identificação de gênero e apresenta a orientação sexual como preocupação normatizada, associando-a algo que deva ser combatido e prevenido, o que ressoa no preconceito, na discriminação, na exclusão dos comportamentos e expressões sexuais, notadamente daqueles que fogem à heteronormatividade.

1.1 – O contexto social de Família

A importância da família para a sociedade não pode ser negada. É aqui que se acumula o amor e a compreensão que cada participante necessita. Encontramos a cura para o luto e um berço para realização de sonhos.

No início da história mundial, o conceito de família era admitido como um grupo de servos, ou seja, plebeus e escravos, sobre os quais não tinham direitos e eram considerados instrumento de serviço.

Durante o Império Romano, a família passou a ser a união entre duas pessoas e seus filhos vivos, com ensinamentos transferidos de pai para filho. Na Idade Média, a união matrimonial começou com o sacramento, que marca a relação entre a igreja e o Estado, onde se desenvolveu como instituição sagrada indissolúvel e procriadora. Além disso, a reunião da família original.

Surgindo a ideia do casamento como instituição sagrada indissolúvel e com finalidade reprodutiva. O conceito de família tradicional composta por pai, mãe e filhos se fortalece nesse período. Já na revolução Industrial do século XVIII desenvolveu diferentes tipos de relações entre as famílias. Onde ocorreu a mudança no autoconceito.

Em nome da boa moral e das tradições, muitas exceções e injustiças foram cometidas. Numa breve apresentação pode-se mencionar, entre outras coisas, a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a rejeição de filhos fora do casamento e a ausência de divórcio.

A sociedade está se desenvolvendo e, a lei está, portanto, evoluindo (embora vagarosamente). Hoje é possível falar de muitas estruturas familiares além do tão mencionado “casamento”. A partir da constituição de 1988, outras formas de família traspassaram a ser reconhecidas, mesmo que sempre tenham existido na realidade em relação ao mundo jurídico foi simplesmente ignorado.

1.2 – Tipos de Família

De acordo com o artigo 226 da Constituição da República de 1988, a família é considerada a base da sociedade e goza de especial proteção do Estado.

Com o passar dos anos, o significado de família mudou. A família tradicional, ou família nuclear, constituída pelo pai, responsável pelo sustento da família e mães, cuidadores familiares e seus filhos foram substituídos por novas formas familiares.

A compreensão jurídica atual da família inclui vários tipos de agregados familiares e visa ter em conta a complexidade dos fatores que unem as pessoas.

Família Matrimonial

O casamento é o sacramento religioso que oficializa a união indissolúvel entre um homem e uma mulher, cujos laços eram tradicionalmente reconhecidos pelo Estado como a única forma jurídica de constituir uma família, deixando de lado outros tipos de relacionamentos informais.

É aquela advinda do casamento, sendo considerada um sacramento pela igreja, tendo como característica a indissolubilidade da união entre um homem e uma mulher. Por muito tempo somente se reconheceu como legítima esta entidade familiar, sendo as demais marginalizadas (PUCCINELLI JÚNIOR, 2015, p. 352).

Importante para o triunfo do casamento foi o princípio da monogamia, que não tem texto explícito no ordenamento jurídico brasileiro, mas surgiu no período de transição entre as fases média e alta da barbárie baseado no domínio dos homens e na certeza da paternidade dos filhos dando assim maior força aos laços conjugais, embora sempre fosse permitido aos homens o direito à infidelidade, para que, quando morressem, os homens tivessem a certeza de transmitir a sua riqueza e herança aos seus filhos e não aos filhos de qualquer outra pessoa.

Família Monoparental

Uma família monoparental é geralmente uma família em que um dos pais reside sendo o único responsável pelos seus filhos biológicos ou adotivos. Na prática refere-se às famílias monoparentais constituídas por pai ou mãe e filhos, mesmo que o outro progenitor esteja vivo, morto ou desconhecido, porque a descendência provém de mãe solteira, o que é bastante comum nos filhos manter relacionamento com o genitor com quem não convive diariamente.

Este tipo de família pode ser definida como a comunidade formada por um dos pais e seus descendentes. Acrescente-se que decorre da viuvez, do divórcio, da adoção realizada por pessoa solteira, da inseminação post mortem etc. Na verdade, esse tipo de família há muito tempo já deveria ter sido positivada, mas só foi reconhecida no § 4º do art. 226 da Constituição Federal (PUCCINELLI JÚNIOR, 2015, p. 353).

A Constituição Federal incluiu a família monoparental no artigo 226 § 4º, mas nada restou na legislação inconstitucional para regular os direitos e obrigações decorrentes da relação monoparental, apesar dos principais efeitos jurídicos já existentes.

Família Anaparental

São diferentes laços sociais cujos vínculos foram retomados pela Constituição de 1988, adotando um modelo aberto de entidade familiar digna de proteção estatal. Ao lado da família nuclear, edificada a partir dos laços consanguíneos dos pais e dos filhos existe a família extensa, como realidade social que une os pais consanguíneos ou não, com o elemento afetivo presente, pois a finalidade desta família chamada anaparental não tem conotação sexual como ocorre nas uniões estáveis e nas famílias do mesmo sexo, mas sim se reúne com o objetivo de estabelecer um liame familiar estável.

Esta família pode ser definida como aquela em que, embora os pais estejam ausentes, os demais entes familiares permanecem residindo juntos, formando uma comunhão de vida, sendo o afeto a mola propulsora deste tipo de entidade familiar. Independe da consanguinidade. Podem-se citar como exemplo duas irmãs que vivam sob o mesmo teto (PUCCINELLI JÚNIOR, 2015, p. 353).

É claro que os efeitos sociais de fato podem ser alcançados se a aquisição de ativos for demonstrada por meio de um esforço coletivo eficaz. Mas, por enquanto, não existe qualquer oportunidade legal para empreender este esforço conjunto apenas por meio de uma coexistência óbvia e duradoura, e não foi concedido qualquer direito a acolhimento familiar. Embora a codificação Civil reconheça esta obrigação entre parentes e irmãos que são credores e responsáveis pelas contribuições por serem irmãos. E não é porque formam uma relação familiar sem os pais.

Família Reconstituída ou Pluriparental

A família reconstituída surge de casamentos ou uniões estáveis onde pelo menos um dos parceiros tem filhos de relacionamentos anteriores. Muitas vezes, essas famílias evitam a coabitação contínua para evitar conflitos entre o novo parceiro e os filhos do relacionamento anterior, ainda que haja troca de apoio econômico e financeiro, sem a necessidade de convivência diária.

São famílias caracterizadas por uma estrutura mais complexa e que surgiram em decorrência do divórcio, do reconhecimento das famílias informais e das novas uniões oriundas do desfazimento de relacionamentos anteriores, ou seja, de um segundo matrimônio ou de uma outra união estável, onde um dos casais ou ambos já tinham filhos provenientes de uma relação anterior, podendo ou não ter filhos comuns (PUCCINELLI JÚNIOR, 2015, p. 353).

Os padrastos e madrastas têm a responsabilidade de zelar pelo desenvolvimento moral e psicológico de seus enteados, uma realidade que o Estado não pode ignorar. Embora a Lei n. 11.924/2009 tenha dado passos tímidos ao permitir que o enteado adote o nome da família do padrasto ou madrasta, a legislação brasileira ainda não aborda adequadamente as relações jurídicas e socioemocionais estabelecidas na coabitação estável das famílias reconstituídas.

União Estável ou Família Informal

A família informal é uma resposta concreta a esta evolução e já foi sinônimo de família marginal, embora tenha aparecido como panaceia para todas as rupturas conjugais enquanto o divórcio estava ausente na legislação brasileira, serviu como válvula de escape para aqueles que, tendo se separado, não podendo se casar novamente porque o casamento era um vínculo permanente e indissolúvel.

Na verdade, em um passado não tão remoto o que se via era a união estável como alternativa para casais que estavam separados de fato e que não poderiam se casar, eis que não se admitia no Brasil o divórcio como forma de dissolução definitiva do vínculo matrimonial. Hoje, tal situação vem sendo substituída paulatinamente pela escolha dessa entidade familiar por muitos casais na contemporaneidade (TARTUCE, 2022, p. 402).

A convivência familiar está gradualmente sendo reconhecida e legitimada, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres que contribuíram financeiramente para os bens adquiridos durante o relacionamento. Esse reconhecimento judicial equipara o vínculo afetivo a uma parceria de fato, permitindo que a coabitante reivindique uma indenização pelos serviços prestados e uma participação nos bens adquiridos de acordo com suas contribuições econômicas.

As estatísticas indicam um crescimento notável e até uma superação numérica das relações estáveis em detrimento do casamento civil. Estudos sociais e jurídicos destacam diversas razões consideradas responsáveis pelo crescimento contínuo das famílias informais. Apesar da importância desse crescimento para as entidades familiares informais, são cada vez mais formalizados por meio de contratos escritos para uniões estáveis, e do ponto de vista jurídico até o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário.

Família Homoafetiva

Muitos países reconhecem parcerias civis, incluindo casamentos entre casais do mesmo sexo, equiparando essas uniões a entidades familiares e oferecendo proteção estatal. No entanto, persiste uma falta de reconhecimento jurídico para esses casamentos, evidenciado especialmente quando casais do mesmo sexo adotam crianças. Desde a introdução da Constituição, a sociedade brasileira reconheceu uma nova forma de casamento presente em outros países, adicionando o reconhecimento de famílias plurais à legislação nacional.

Na verdade, as pessoas viviam sob a ideia dominante do casamento heterossexual, com uma missão exclusiva e eterna, em primeiro lugar, a jurisprudência e o direito deram efeito jurídico às ações dos parceiros afetivos, abandonando os privilégios de avanço jurídico até então reservados exclusivamente aos casamentos civis e começaram a aceitar que pessoas de sexos distintos podiam associar-se numa vida comum, projeto que não envolve casamento civil.

Recentemente, alguns tribunais brasileiros encontravam o caminho para as uniões estáveis por meio de analogias jurisprudenciais em favor do reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo, que expressam uma convivência aberta, contínua e duradoura, adquirindo o mesmo efeito jurídico do núcleo familiar heterossexuais.

Consolidou o STF a jurisprudência que já vinha sendo assentada por diversos tribunais brasileiros, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, que, em significativo voto proferido após o julgamento pelo STF da ADPF n. 132 e da ADI n. 4.277, no REsp.n. 1.085.646/RS, reconheceu como entidade familiar uma parceria homoafetiva, à qual atribuiu os devidos efeitos jurídicos, como por igual tem se manifestado a doutrina brasileira, (…)” ADI4277– 05/05/2011(MADALENO, 2023, p. 35).

Já pelo viés do o Estatuto da Criança e do Adolescente a família tem sua classificação como: a natural, a extensa e a substituta.

a) Família Natural: assim entendida a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (art. 25, caput, ECA).

A nova filosofia do Estatuto está justamente na essencialidade e importância da família natural para o sadio crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente, razão pela qual todos os iniciais esforços despendidos são no sentido de propiciar a recolocação ou a manutenção da criança e do adolescente em sua família natural, composta pelos pais e irmãos ou por um dos pais e filhos (MADALENO, 2023, p. 738).

b) Família Extensa: aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (art. 25, parágrafo único, ECA).

Afeto e afinidade são os pilares da verdadeira relação de filiação, porque, entre manter a criança ou adolescente em uma família substituta ou adotiva, no lugar de sua família extensa, formada por parentes próximos que integram o conceito de grande família ou família estendida, sempre será a atitude indicada para preservar os naturais vínculos parentais que interagem com reais sentimentos de amor e dedicação (MADALENO, 2023, p. 738).

c) Família Substituta: para a qual o menor deve ser encaminhado de maneira excepcional, por meio de qualquer das três modalidades possíveis, que são: guarda, tutela e adoção. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

É medida a ser aplicada para a proteção do petiz, independentemente de sua situação jurídica, podendo ser acautelados os interesses do menor com as medidas provisórias de guarda ou de tutela, porquanto a adoção depende da inexistência ou destituição do poder familiar, sendo imprescindível cumular, quando for o caso, o pedido de adoção com o de destituição do poder familiar. (MADALENO, 2023, p. 740).

Certamente muitas pessoas se identificam com algum tipo de família acima. É importante destacar que essa lista não é taxativa, isto é, não existem apenas estas modalidades de família podendo com o tempo surgirem outras.

1.3 – Adoção na perspectiva social e jurídica

Para compreender o contexto em que se insere a adoção, é imprescindível o contato com definições e modalidades nas quais esta se apresenta. Para tanto, serão abordadas adiante com mais detalhes.

Caio Pereira, define adoção como ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra pessoa como filho, independentemente de existir entre eles qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim (PEREIRA, 2022, p. 490).

A adoção é um instituto que cria, por meio de um vínculo jurídico, uma filiação artificial, visando imitar a filiação natural. A adoção produz uma relação de parentesco civil de 1.º grau.

Neste contexto, Carlos Roberto Gonçalves conceitua adoção como um ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha (GONÇALVES, 2023, p.149)

Há casos em que a relação de parentesco entre pais e filhos não se dá por laços de consanguinidade, laços biológicos. Nessas hipóteses institui-se o denominado parentesco civil, quando o vínculo é estabelecido não já por laços de sangue, mas por ato jurídico voluntário, denominado adoção, que tem sua caracterização arrimada na autonomia privada e que, subjetivamente, baseia-se nas relações de afeto que fazem com que o filho adotivo venha a integrar a família do adotante (TEPEDINO, 2022, p. 223).

É de se registrar também que a adoção vem a ser o ato judicial pelo qual, observados os requisitos legais, se estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para uma família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Surgindo assim, uma relação de parentesco legal entre o adotante e o adotado, se tornando com parentes de 1º grau na linha reta (DINIZ, 2022, p. 187).

No mesmo sentido a adoção, portanto, mostra-se como uma das formas mais especiais de se tornar pai/mãe, já que, por meio dela, será exercida a paternidade em sua forma mais ampla, a paternidade do afeto, do amor (BORDALHO, 2010, p. 197).

Em síntese, diante dos conceitos aduzidos e na visão da nova dinâmica legal, pode-se afirmar que a adoção consiste em um ato jurídico bilateral, irretratável, que cria laços de filiação, com todos os direitos e obrigações daí decorrentes.

2. A ADOÇÃO NO BRASIL

No sistema jurídico brasileiro existem atualmente duas formas de adoção: a prevista pelo Código Civil, para maiores de 18 anos, que tem natureza de contrato e é pouco utilizada; e a adoção regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, chamada adoção plena, para menores de 18 anos, que depende da participação jurisdicional, só podendo se originar em sentença. Há também as que são reconhecidas por doutrinadores, as quais são:

Adoção internacional: prevista pelo artigo 51 do ECA, é o ato jurídico solene pelo qual um nacional é introduzido como filho na família de estrangeiros residentes e domiciliados fora do território nacional adotado.

Adoção unilateral: prevista no artigo 41, §1 º, do ECA, ocorre quando um dos cônjuges ou concubinos adota o filho natural do outro, havendo a substituição da filiação apenas na linha paterna ou materna. Estabelece-se uma situação singular em que o adotado apresenta relação de natureza biológica com um e civil com o outro.

Embora a adoção, como regra, faça desaparecer o vínculo jurídico entre o adotado e seus pais biológicos, nesse caso, por exceção, é preservada uma parte dos laços de filiação com a família natural.

Adoção conjunta: é a modalidade realizada indispensavelmente por adotantes com comprovada estabilidade familiar, dentre os quais:

a) Pelo marido e mulher, na constância da sociedade conjugal;
b) Pelos conviventes, durante a união estável e;
c) Pelos separados judicialmente e divorciados, desde que consensualmente seja determinada a guarda e o direito de visitas, tendo o estágio de convivência iniciado antes do término da sociedade conjugal.

Adoção consentida ou intuitu personae: é aquela em que os pais dão consentimento para adoção em relação a determinada(s) pessoa(s) específica(s).

Adoção pos mortem, ou póstuma: é aquela requerida pelo adotante em vida, porém deferida após o seu falecimento. É admitida desde que o adotante tenha manifestado sua vontade de forma explícita (de maneira verbal ou escrita). Uma vez concedida judicialmente a adoção póstuma, os efeitos da sentença retroagirão à data do óbito do adotante.

Adoção por casais homoafetivos: A justiça brasileira tem reconhecido a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo nos casos em que a medida representa um benefício real para o adotado. Para conceder aprovação para adoção deverá ser verificada a aptidão para adotar, independentemente da orientação sexual. Não se compreende como a orientação sexual dos adotantes pode autorizar o Estado a interferir na livre decisão do casal em ter filhos.

Adoção à brasileira: consiste em registrar filho alheio como próprio sem o devido processo legal. Apesar da boa intenção e do perdão judicial, esse ato continua sendo considerado crime e, portanto, não deve ser estimulado.

Dentre os fatores que influenciam à prática deste tipo de “adoção” é a esquiva de um processo judicial para tal, que costuma ser demorado e dispendioso, além do temor de não ser lhe ser concedida a guarda, visto que há formalidades e critérios que precisam ser atendidos para tal concessão, restando assim a incerteza perante a decisão judicial.

No entanto, ao proceder desta maneira, há riscos que às vezes não são considerados, como a anulação do registro de nascimento, com a consequente desconstituição daquela família “consolidada”, revelando a fragilidade da relação familiar instituída desta forma, expondo o adotado a uma situação instável e arriscada. Além da consequência no âmbito penal, sendo considerado um crime, a partir da previsão legal do ilícito de “registrar como seu o filho de outrem”, constante no Código Penal Brasileiro (art. 242).

2.1 – Aspectos e protocolos jurídicos da adoção no contexto nacional

Adotar uma criança é dar a chance para que ela possa ter uma nova família e viver em um ambiente repleto de afeto, onde possa se desenvolver de forma saudável. Adotar uma criança ou adolescente requer muita responsabilidade, sendo impossível não passar por várias etapas para realizar a adoção de forma justa e legal, evitando todas as formas de adoções ilegais.

O processo de adoção no Brasil pode levar em média cerca de um ano, porém, se o perfil procurado pelo adotando não for de acordo com as crianças cadastradas, o tempo de espera pode ser bem mais longo.

A história da adoção no Brasil tem uma triste realidade que perdurou por muito tempo, a adoção brasileira seguia as mesmas normas da Coroa Portuguesa, onde era um processo informal de transferência de guarda para instituições de caridade ou para famílias dispostas a abrigar as crianças, não havendo nenhum tipo de vínculo e muito menos a garantia do pátrio poder para os adotantes em relação ao adotado, pois para estes, a maioria queria conseguir uma mão de obra barata, onde as crianças faziam o serviço doméstico ou até mesmo para trabalharem em oficinas.

O Código Civil de 1916, trouxe por meio de contrato entre as partes interessadas, uma regulamentação em relação a adoção, garantindo a transferência de pátrio poder dos pais biológicos para os adotantes, contudo os filhos que eram adotados não tinham os mesmos direitos que os filhos biológicos, eles eram considerados como “filhos de segunda categoria”. Ao longo do tempo, várias mudanças foram acontecendo, a Lei 3.133, de 1957, dispôs que os adotantes deveriam ter mais de 30 anos e uma diferença mínima de idade de 16 anos em relação ao adotado. Em 1965, a Lei 4.655 permitiu, porém não garantiu, que o filho que fosse adotado poderia gozar dos mesmos direitos dos filhos legítimos, além de ter sua certidão de nascimento original trocada, com o nome do casal adotante.

A adoção passou assim ser irrevogável em 1977, onde reconheceu que o adotado era um sujeito de direitos como qualquer outro filho biológico. Em 1979, a Lei 6.697 instituiu um novo Código de menores, no qual o processo de adoção foi dividido em duas modalidades: A adoção simples – era feita para as crianças em situação de abandono e vulnerabilidade social, com autorização dos pais biológicos e um juiz. A adoção plena – que era possível apenas para as crianças de até 7 anos de idades, ademais o casal deveria ter no mínimo 5 anos de casamento, uma das partes deveria ter 30 anos e uma diferença mínima de 16 anos em relação ao adotado.

No Brasil a adoção somente se tornou um processo mais amplo e justo com a constituição de 1988, pois foi onde garantiu aos filhos adotados os mesmos direitos de filhos legítimos. Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, as regras em relação a adoção tiveram grande avanço. A idade mínima para se adotar diminuiu de 30 anos para 21 anos de idade, e a idade máxima do adotado com plenos direitos subiu de 7 anos para 18 anos, sendo ainda necessária uma diferença mínima de 18 anos entre o adotante e o adotado. Pessoas solteiras poderiam também adotar, desde que se encaixasse nos critérios.

Os casais homoafetivos só se habilitaram a adoção em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal, onde reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar, equiparando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. E em 2009, a Lei 12.010 reforçou ainda o que já estava estabelecido no ECA, estabelecendo a formação de cadastros a nível estadual e nacional para a inscrição de crianças disponíveis para a adoção. Contudo o estado passou a ser o principal defensor do menor abandonado, órfão ou em situações de vulnerabilidade, intercedendo com medidas como adoção, oferecimento de abrigos e educação ao menor que este complete 18 anos de idade.

Atualmente o Brasil tem mais de 4,9 mil menores esperando por adoção e 42.546 pessoas ou casais que pretendem adotar uma criança. Apesar do número de pessoas que aguardam a oportunidade de adotar uma criança ou adolescente seja grande, a adoção ainda é uma situação muito complicada e demorada, deixando cada vez mais muitas crianças mais distantes de serem adotadas. A criança ou adolescente disponível para adoção, é incluída hoje no Cadastro Nacional para Adoção, onde os juizados e varas da infância são quem fazem o elo entre adotantes e os menores cadastrados, pois o juizado é a maior figura de proteção para as crianças prestes a serem adotadas.

Existem, ainda, muitas situações onde as crianças de preferência para a adoção são em maioria, crianças brancas, sem irmãos, sem deficiência física ou cognitiva e com baixa idade. As crianças negras, com alguma deficiência, com irmãos ou com idade avançada são preferidas para a adoção, mesmo a adoção sendo um processo demorado, são essas preferências e exigências que acabam dificultando-a, onde muitos candidatos concorrem pela adoção das mesmas crianças, enquanto muitas esperam e até atingem a maioridade perdendo o direito à adoção.

A legislação sobre adoção está em constante aperfeiçoamento, disposta na Lei 12.010/09, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na Lei 8.060 e a Lei 13.509/17 que regem sobre adoção. O processo de adoção é gratuito e pode ser realizado por qualquer pessoa maior de 18 anos, casada ou não, desde que haja diferença de 16 anos entre ela e o adotado. A adoção é uma pauta de extrema importância, e é fundamental refletir sobre o processo de querer adotar, na existência de um relacionamento, deve haver uma concordância mútua dos dois em relação ao assunto, e sempre entrar em comum acordo sobre essa decisão. Para a realização da adoção, primeiramente devem os responsáveis ou responsável, procurar a Vara da Infância e da Juventude, levando os seguintes documentos: cópia da certidão de nascimento ou casamento, ou declaração ao período de união estável, cópia da cédula de identidade, comprovante de renda e de residência, atestados de sanidade física e mental, certidões cível e criminal.

Estes são os documentos mais comuns que são pedidos, podendo haver ainda documentos complementares a serem solicitados. Será solicitado ainda que o responsável também entregue uma petição de inscrição para adoção, documento este que pode ser preparado por um defensor público ou advogado particular. Os adotantes à adoção da criança ou do adolescente devem ainda realizar um curso de preparação psicossocial e jurídica, esse curso tem o objetivo de preparar os adotantes, emocionalmente e todas as mudanças que podem ocorrer com a chegada de um novo integrante.

Ademais, o adotante é submetido a uma avaliação, com entrevistas e visitas domiciliares, feitas por uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos e assistentes sociais, o resultado que for apurado da avaliação é encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara da Infância. Tendo sucesso na avaliação, o candidato terá o nome inserido no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), onde ficará oficialmente na fila para a adoção do seu estado, nesta etapa é importante ressaltar que o candidato já manifestou suas preferências e exigências sobre o perfil da criança ou adolescente que queira adotar, onde aguardará por uma criança ou adolescente compatível.

Caso a criança compatível venha ser encontrada, passará para etapa onde acontecerá um encontro entre a criança ou adolescente e a pessoa que pretende adotá-la, depois do encontro se ambas as partes concordarem, terá início ao período de adaptação, onde é permitido ao candidato visitas ao abrigo onde a criança ou adolescente se encontra, é atribuído também pequenos passeios para que se conheçam melhor e possa assim criar um vínculo, sendo todo esse processo monitorado pela justiça. Caso tudo ocorra bem, entraremos para etapa onde o interessado entrará com a ação de adoção e receberá a guarda provisória da criança, é neste momento que a criança ou adolescente passará a morar com a família.

A equipe técnica continuará fazendo as visitas periódicas e apresentará uma avaliação conclusiva. Este período de convivência pode durar até 180 dias, e com uma decisão favorável, há a realização do novo registro de nascimento, com o sobrenome da nova família, é neste momento onde a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico. Vemos que na maioria dos casos, às dúvidas existentes sobre o processo de adoção geralmente surgem das pessoas que desejam adotar, e que essa temática da adoção vem recebendo maior destaque e atenção do legislador brasileiro, tendo alcançado muitas conquistas importantes à proteção das crianças e dos adolescentes envolvidos nas mais diversas etapas do processo de adoção.

2.2. – A adoção homoafetiva no Brasil

Não resta dúvida de que a luta por uma sociedade mais livre e justa, onde se busca, acima de tudo, a igualdade para todos, sem qualquer forma de discriminação, é o que se perfaz sobre a questão da adoção homoafetiva no Brasil. A adoção no Brasil é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, onde em seu artigo 42 dispõe sobre os requisitos para o deferimento da adoção e, por sua vez, não faz qualquer ressalva sobre a orientação sexual dos adotantes. É fato que, uma vez que foi reconhecida a união de casais homoafetivos como modalidade de união estável, o passo seguinte é a permissão da adoção.

Para qualquer parte envolvida, o processo de adoção envolve não só funcionários judiciais, mas também psicólogos e assistentes sociais que trabalham antes e depois da adoção, com um objetivo em mente: o bem-estar da criança. No Código Civil e na Lei da Criança e do Adolescente afirma-se que a adoção só será aprovada se trouxer vantagens e benefícios morais, pessoais e emocionais à criança. Neste caso, alguns juristas acreditam que uma família com pais adotivos que possuem as mesmas ideias não configura uma família saudável, que conduza ao desenvolvimento infantil, entretanto, ressalta-se que o poder familiar não será perdido por causa dessa circunstância.

Com isso, muitos casais acabam recorrendo às chamadas “adoções brasileiras”, violando assim as prerrogativas do ECA em relação à adoção. À luz disto, os casais homoafetivos têm enfrentado, de longe, maior preconceito do que as famílias adotivas heteroafetiva, devido aos papéis sociais estabelecidos para os seus filhos. No entanto, pesquisas mostram que não há problemas no desenvolvimento de crianças criadas por casais do mesmo sexo e tudo depende de um bom ambiente e do vínculo que se forma, restando apenas a questão do preconceito da sociedade contra esta criança. Além disso, atualmente não há pesquisas que demonstrem que inserir crianças ou adolescentes em famílias do mesmo sexo prejudique o seu desenvolvimento.

Assim como a Lei não faz distinção quanto ao direcionamento afetivo, o magistrado não deve fazê-lo, pois estaria distinguindo onde a norma não restringe. Nesse sentido, é perceptível que não falta fundamentos para que haja sentenças favoráveis ao deferimento das adoções por casais homoafetivos. Negar-se a um pedido de adoção de menor a conviventes do mesmo sexo, onde este processo preza pelo interesse da criança, demonstra a realidade do preconceito, da discriminação, do interesse individual e uma forma de punição. Onde centenas de crianças aguardam ansiosamente alguém para chamar de mãe e pai, pois para elas não importa se serão duas mães ou dois pais, e sim o amor que irão receber, o conforto, a segurança, a possibilidade de viver bem e feliz.

3. PAIS E FILHOS: ALGUNS CASOS DE ADOÇÃO HOMOAFETIVA PELO OLHAR DA MÍDIA

A adoção por casais homoafetivos é um tema que tem recebido bastante atenção nos últimos anos, tanto do ponto de vista jurídico quanto social. No âmbito do direito familiar, a análise de casos envolvendo adoção por casais homoafetivos geralmente é feita com base nos princípios constitucionais de igualdade, dignidade da pessoa humana e proteção à família.

Nos sistemas jurídicos que reconhecem a união homoafetiva e garantem direitos iguais para casais do mesmo sexo, a adoção por casais homoafetivos é considerada legal e constitucional. Isso significa que casais formados por pessoas do mesmo sexo têm o direito de adotar crianças ou adolescentes da mesma forma que casais heterossexuais.

Ao analisar casos de adoção por casais homoafetivos, os tribunais costumam considerar o bem-estar da criança como o principal critério. Isso inclui avaliar a capacidade do casal de oferecer um ambiente familiar estável, amoroso e seguro para a criança, independentemente da orientação sexual dos pais adotivos.

Tomemos para as identificações de alguns casos inspiradores de adoção por casais homoafetivos, onde poderemos compreender a dinâmica enfrentada pelo casal durante toda a questão que envolveu a adoção.

Caso 14: Carlos Henrique Ruiz, de 36 anos, e Lucas Rabello Monteiro, de 31 anos, moradores de Araruama, conseguiram, graças ao processo de adoção, realizar o sonho da família grande. O casal agora é pai do Kawã, Edgar e Ketlin (…). Após dez anos juntos, em 2019, Carlos e Lucas perceberam que era o momento adequado para iniciar o processo de adoção. Em janeiro, eles começaram a buscar informações na Vara da Infância e Juventude de Araruama. “A gente viu que facilitaria muito o processo se fizéssemos a união estável. Pensando no bem dos nossos filhos e no processo, fizemos a união estável. Depois a gente passa para a habilitação, que é o curso para adoção”, contou Carlos. “A nossa habilitação saiu em novembro de 2019, demorando praticamente o ano inteiro para se concluir, e nesse período nós tivemos que escolher o perfil das crianças. O perfil inicial não era esse dos nossos filhos. Na época, nossa escolha era para duas crianças, de 0 a 8 anos”, explicam. “Não houve, em momento algum, durante as entrevistas com assistentes sociais, psicólogas, nenhum tipo de preconceito. Todos foram muito simpáticos, solícitos, muito carinhosos com a gente em todas as etapas, tínhamos até um certo receio relação a isso”, enfatizou o casal. (…). Em maio de 2020, na pandemia, surgiu a notícia que Carlos e Lucas mais esperavam. No grupo do WhatsApp foi notificado que haviam três irmãos disponíveis no Rio de Janeiro, apenas com as iniciais “K, E e K” e as idades 12, 9 e 5 anos, sendo dois meninos e uma menina. “Na hora que a gente viu a mensagem no grupo, já sabíamos que eram os nossos filhos, tivemos esse sentimento, então resolvemos perguntar para as crianças se aceitavam um casal homoafetivo, porque poderia ser uma questão. Mas, elas aceitavam. A gente ficou super feliz e pedimos para fazer o contato. A Vara foi muito cautelosa com a gente, porque as crianças tinham acabado de passar por uma desistência de outros pretendentes. Já estavam sendo encaminhadas para uma adoção Internacional e seriam separados”. Porém, a separação dos irmãos não aconteceu, quando foram adotados por Carlos e Lucas, os filhos ficaram juntos. A primeira visita à casa do casal foi em 18 de julho de 2020. A ideia deles era mantê-los lá por 15 dias, mas o juiz entendeu que estava tudo bem e que Kawã, Edgar e Ketlin ficariam melhor na casa deles. Portanto, eles nunca mais voltaram para o abrigo.

Caso 25: Após um ano e dois meses de trâmites, a bancária Clarissa Martins, 36 anos, e a professora Tânia Magali, 42, levaram para casa o filho esperado. “Na verdade, era um sonho antigo meu. (…)”. Segundo a professora, o perfil no cadastro era bem ‘aberto’ em relação a cor, sexo e doenças. “O que nos preocupamos mais foi em sermos sinceras quanto ao que dávamos conta, em relação a atipicidades. Ainda assim, a questão síndrome de Down não havia no perfil a ser preenchido no fórum. Contudo, entendemos que daríamos conta da demanda dele.” A adoção ampliou a visão das mamães sobre o mundo, já que tiveram oportunidade de conhecerem pessoas adotantes, famílias homoafetivas e atípicas. “Infelizmente as pessoas romantizam a adoção. Muitas querem apenas bebês, sem complicações de saúde, restringem cor, gênero e por aí vai. São crianças que, por motivos adversos, acabam sendo abrigadas. Não são produtos prontos. Acredito que conscientizar os pretendentes sobre a realidade da adoção flexibilizaria o perfil e essa espera não seria tão grande. As crianças e adolescentes já existem aos montes esperando por famílias que os acolham e amem, com suas demandas e históricos. O amor vence obstáculos”, conta Tânia. O processo da chegada de Gael foi tranquilo. O desafio ficou por conta dos cuidados, já que quando foi para seu novo lar usava bolsa de colostomia, reflexo da prematuridade. “O Gael é nosso maior presente. Aprendemos sobre a vida com ele, que uniu ainda mais nossas famílias, a minha e a da Clarissa. Foi um reencontro de um filho que já era nosso. Perfeito da forma que ele é”, enfatiza Tânia, que deixa recado para os futuros papais e mamães: “gostaria de dizer que seu filho está esperando para te encontrar e, na hora certa, vai acontecer. É necessário se informar sobre o tema adoção, buscar grupos de apoio, como o Laços de Ternura, aqui de Santo André, que nos acompanhou desde o início e nos trouxe nosso amor incondicional, o Gael.”

Caso 36: Juntos há 18 anos, Anderson e César decidiram, em 2013, que venceriam não só a barreira do preconceito em relação à orientação sexual, mas também travariam juntos a luta incansável de constituir uma família por meio da adoção. (…). Em 2018, os dois procuraram o Fórum e se inscreveram para o curso de habilitação para a adoção. “Antes do curso, amadurecemos sobre o perfil dos nossos filhos. Na gestação pela adoção, os pretendentes têm a prerrogativa de escolherem o perfil dos seus futuros filhos e filhas. Tenho ressalvas quanto a isso, mas respeito”, explicou Anderson. “Somos da opinião de que, quem ama, não escolhe. Simplesmente ama”, enfatizou. No período de diálogos, Anderson e César resolveram que queriam ter três filhos e não necessariamente crianças recém-nascidas, que é o perfil mais procurado. “Nosso perfil é o que chamamos da adoção tardia, ou seja, crianças mais velhas. Discordo do termo, também comumente usados, uma vez que nunca é tarde para se amar”, pontuou. Na fila da adoção, o primeiro filho do casal Luiz Fernando, nasceu para os dois aos 11 anos de idade em 2018. O adolescente está com 15 anos. Um ano depois, nasceram as filhas: as irmãs Maria Júlia, na época com 7 anos e atualmente com 10 anos e Isabela, na época com 3 anos e agora tem 5. “A adoção não é algo simples e fácil, portanto, deve ser algo bem pensado e amadurecido. Os obstáculos existem no sentido do exercício da parentalidade, que deve ser diário, a construção dos vínculos afetivos, da confiança. Além, é claro, da educação, formação do caráter e de valores”, descreveu César. (…). “Eles sabem que a família deles é diferente das outras famílias e eles têm muito orgulho disso, pois os empoderamos. Eles são muito bem resolvidos nesta questão. Nunca negligenciamos a história deles, pelo contrário, respeitamos e os ensinamos a não terem vergonha uma vez que eles não são culpados de nada”, disse Anderson. “Estamos longe de sermos uma família perfeita e não temos a pretensão de ser modelo nem exemplo para ninguém. Mas temos a consciência e lutamos do nosso jeito para o reconhecimento de que nossa família existe, está aí e deve ser respeitada”, completou.

Caso 47: Jorge Luiz Brasil Ninho, 50 anos, jornalista, e Walter do Patrocínio, 54 anos, farmacêutico, de Niterói (RJ), são pais de Arthur, de 11 anos. “(…). Pensamos, no primeiro momento, em uma criança entre dois e quatro anos. Mas o tempo amadureceu nossas ideias e decidimos pela adoção tardia – quando a criança tem mais de seis anos. Contamos com a ajuda de uma ONG que emite comunicados com listas de crianças nesse perfil disponíveis em todo país. E foi aí que conhecemos o Suênio, que hoje é o nosso Arthur. Na época, com seis anos. Desde o primeiro contato, falamos abertamente sobre o fato de ter dois pais. E só levamos a adoção à frente quando tivemos certeza que ele poderia lidar bem com isso. Foi um processo longo e burocrático em que passamos por momentos bem angustiantes. Um deles foi a expectativa pelo parecer do juiz porque ainda não havia tido um caso como nosso, de um casal homoafetivo adotando uma criança, na comarca de Niterói. E quando o Arthur chegou, tivemos que lidar com a sua adaptação. Na primeira semana ele estava muito agitado e até tentou fugir da escola que o matriculamos. Respiramos fundo e tentamos fazer com que se sentisse mais seguro e confiante. Uma semana depois, ele estava mais calmo e feliz e começou a nos chamar naturalmente de pai. Nunca passamos por nenhuma situação de preconceito. E nem damos espaço para que isso aconteça. Se tem festa do Dia das Mães na escola, eu o deixo participar. Se tiver alguma atividade, como uma dança com as mães num palco, eu danço com ele. Não percebo nenhum desdém ou deboche. E se um dia acontecer, ele será enfrentado com muito amor. E se for ofensivo, levaremos à Justiça. Essa criança mudou tudo em nossa vida. Absolutamente tudo. Emocionalmente, psicologicamente, financeiramente, socialmente, fisicamente. Vida pessoal? Esquece. Não existe mais. Hoje só existe a vida com ele. Mas não é ruim. Pelo contrário: é maravilhoso. Nem consigo me lembrar como era nossa vida sem ele. Arthur é o que faz nossos corações continuarem batendo e o que nos move a levantar da cama todos os dias para amá-lo.”

Caso 58: A gestora Aline Ferreira e a assistente financeira Bruna Ramos, atualmente com 39 e 36 anos, respectivamente, começaram o processo de adoção em 2016. “A gente tinha receio, pensando se iriam nos enrolar, mas sempre fomos muito bem recebidas”, lembra Bruna. O processo terminou em 2018, porque os dois meninos que adotaram, Natan e Derick, agora com 10 e 13 anos, ainda não haviam sido destituídos da família anterior. Assim que concluíram a primeira adoção, Aline e Bruna iniciaram o processo para a segunda adoção. Elas sabiam que a segunda adoção poderia durar cerca de 4 anos porque o perfil era mais específico: queriam uma menina de 0 a 12 meses. A adoção de Alice, com então 9 meses, aconteceu em 2022. “É um perfil mais demorado e mesmo assim não foi tanto, porque adotamos uma menina negra. Se fosse uma menina branca ia demorar muito mais tempo”, explica Aline. Aline e Bruna também tiveram uma experiência positiva. “A comarca de Betim é excelente. O primeiro processo de adoção foi muito rápido. Em 2016 a gente já tinha feito a entrevista, o pessoal do Fórum já tinha vindo na nossa casa e ficamos aptas à adoção”, conta Aline. O casal conheceu os primeiros filhos por acaso, em uma festa no abrigo em que as crianças estavam em novembro de 2016. “Conversei com a assistente e ela disse que a gente não estava no cadastro, mas como estávamos aptas. Pedi para eles passarem o Natal com a gente e eles passaram. Quando fomos levar eles no abrigo, aí me ligaram perguntando se queríamos seguir a adoção e eu fui buscar eles”, lembra a gestora. A principal diferença no primeiro e no segundo processo de adoção, explica Aline, é o fato de que antes as crianças iam para a fila da adoção sem a destituição total da família antiga. “Vejo progresso em relação a isso. É uma segurança. Já tiveram casos que pegavam a criança e a família biológica entrava com processo”. (…).

Conforme relatado, a adoção em alguns casos é um processo demorado, burocrático e acontece por meio de uma série de etapas que vão desde a inscrição, entrevistas, visitas, habilitação até a finalização do processo de adoção cada uma com suas exigências e seu tempo de duração. A variabilidade de tempo do processo depende em muito das expectativas ou exigências dos adotantes quanto ao perfil da criança a ser adotada.

Portanto, analisando os casos expostos, verificou que os casais participaram de etapas com intuito de se habilitar no processo de adoção, tendo lugar de destaque a realização do curso preparatório, sendo de suma importância para que os futuros comportamentos das crianças não surpreendessem o casal durante os primeiros momentos de convivência, como birras, frustrações, situações difícil de ser enfrentada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo concentrou-se na análise do tema, abordando-o de maneira clara e considerando pontos fortes e significativos de forma humanizada, especialmente por se tratar do vínculo familiar, onde uma multiplicidade de sentimentos que se entrelaçam e se confundem. Esta complexidade torna a análise mais desafiadora, especialmente diante da frieza e insensibilidade da própria sociedade como também da aplicação da lei.

Portanto, esses aspectos indicam que os casais homoafetivos, ao reivindicarem seus direitos e lutarem contra a discriminação, demonstram uma maior flexibilidade em relação à escolha de uma criança e/ou adolescente, diferente da maioria dos casais heteronormativos.

Dessa forma, os referidos casais não praticam tal discriminação ao escolher uma criança para adotar, possuindo como consequência a concretização do sonho que essas crianças/adolescentes buscam ao serem adotadas. Sendo assim, o foco desses casais é formar uma família, contribuindo dessa forma para a diminuição da extensa lista de jovens que esperam diariamente por uma oportunidade de adoção.

Faz-se necessário, pois, que toda a sociedade seja tolerante e respeitosa com as famílias constituídas por casais homoafetivos e os estimulem a continuar olhando para a adoção priorizando a garantia dos direitos de todas as crianças, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero de seus pais adotivos.


4Casal homoafetivo araruamense adota três irmãos e viraliza nas redes sociais mostrando o dia a dia Processo de adoção começou em 2019 e terminou ano passado. Carlos Henrique Ruiz e Lucas Rabello Monteiro são pais de Kawã, Edgar e Ketlin. Disponível em :  <https://rc24h.com.br/casal-homoafetivoararuamense-adota-tres-irmaos-e-viraliza-nas-redes-sociais-mostrando-o-dia-a-dia/#google_vignette> Acesso em 07 de março de 2024.
5Região tem 32 crianças na fila à espera da adoção – Do outro lado estão 696 pessoas que desejam ter um filho; exigência contribui para demora do processo. Disponível em: <https://www.dgabc.com.br/Noticia/3681639/regiao-tem-32-criancas-na-fila-a-espera-da-adocao> Acesso em 09 de março de 2024.
6Casal homoafetivo e adoção tardia: a história de uma família que driblou o preconceito em nome do amor. Disponível em:  <https://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2022/12/08/casal-homoafetivo-e-adocaotardia-a-historia-de-uma-familia-que-driblou-o-preconceito-em-nome-do-amor.ghtml> Acesso em 07 de março de 2024.
7Casais homoafetivos contam histórias de adoção. Spoiler: com final feliz! Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/04/21/como-e-a-adocao-para-casais-do-mesmo-sexoveja-historias.htm> Acesso em 04 de março de 2024.
8Adoção e formação de novas famílias: como é a realidade para casais LGBTQIA+ – Famílias precisam driblar preconceitos ao recorrer a serviços básicos, como educação e saúde. Disponível em: <https://www.terra.com.br/nos/paradasp/adocao-e-formacao-de-novas-familias-como-e-a-realida de-para-casaislgbtqia,7c862be071b729378231cd927449af53u9y3vy94.html#> Acesso em 09 de março de 2024.

REFERÊNCIAS

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¹Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: cmleal.p@gmail.com
²Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: loreesgomes14@gmail.com
³Professor do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Doutor em Educação. E-mail: edjofrecoelho@unifsa.com.br