REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10899230
DALPICOLO, André Christian [1]
RESUMO: O objetivo deste artigo é refletir em torno da relação entre a eternidade e o tempo segundo o livro XI das Confissões. Para tanto, será necessário desenvolver uma linha de raciocínio que se desdobrará em duas partes. A primeira delas descreverá a separação entre a eternidade e a temporalidade através da criação ex nihilo do universo. De certo modo, não é inexato acrescentar que essa criação revela a forma pela qual a verdade da origem representa a origem da verdade. Já a segunda parte especificará a maneira pela qual existe um princípio de unificação entre a eternidade e a temporalidade no âmago da sua radical separação. Com efeito, esse princípio é o par distentio animi-intentio. Convém observar que o resultado final desse processo é a compreensão do tempo como um vestígio de eternidade, ou melhor, como uma lembrança da relação de co-pertença entre a infinitude divina e a finitude humana.
PALAVRAS-CHAVES: Eternidade, Temporalidade, Verdade da Origem e Origem da Verdade.
ABSTRACT: The purpose of this article is to reflect on the relationship between eternity and time according to book XI of the Confessions. To do so, it will be necessary to develop a line of reasoning that will unfold into two parts. The first of these will describe the separation between eternity and temporality through the ex nihilo creation of the universe. In a way, it is not inaccurate to add that this creation reveals the way in which the truth of origin represents the origin of truth. The second part will specify the way in which there is a principle of unification between eternity and temporality at the heart of their radical separation. In effect, this principle is the pair distentio animi-intentio. It should be noted that the final result of this process is the understanding of time as a vestige of eternity, or rather, as a reminder of the co-belonging relationship between divine infinity and human finitude.
KEYWORDS: Eternity, Temporality, Truth of the Origin and Origin of Truth.
1. INTRODUÇÃO
O livro XI das Confissões pressupõe que o exame do tempo deve iniciar-se através da explicação referente ao princípio da Gênesis “…detendo-se especialmente nas palavras: ‘No princípio Deus criou o céu e a terra’” (SANTOS; DE PINA, 1980, p.233), uma vez que nos revela a diferença entre a infinitude divina e finitude humana.
Aparentemente, esse livro deixa subjacente que a diferença entre a infinitude divina e a finitude humana indica a desvalorização desta em detrimento da plenitude daquela; aliás, pode-se dizer que a possibilidade do homem conhecer a si mesmo torna-se inteligível apenas quando ele reconhece os limites que a finitude lhe impõe, sobretudo no que diz respeito a incapacidade da ciência humana em conhecer todos os mecanismos empregados pela infinitude divina na criação do universo.
No entanto, uma análise minuciosa do livro XI das Confissões aponta claramente “uma relação mais secreta e fundadora de co-pertença” (GAGNEBIN, 1994, p. 34) entre a infinitude divina e a finitude humana, através de dois momentos. O primeiro revela a diferença entre a temporalidade e a eternidade no pensamento agostiniano, já que essa diferença é fundamental para invalidar a chance tanto da temporalidade ser eterna quanto da eternidade ser compreendida através do tempo. Para tanto, é preciso compreender a mensagem deixada pelo Verbo no ato da criação do tempo – e do universo -, pois somente assim a diferença entre a eternidade e a temporalidade revelar-se-á. Deve-se indicar que essa mensagem esboça o entrelaçamento entre a Verdade e a Linguagem agostiniana da criação, uma vez que é a partir do eterno silêncio divino que as criaturas foram geradas. O segundo demonstra a ligação entre a temporalidade e a eternidade na filosofia do Bispo de Hipona, posto que ela é primordial para se entender a forma pela qual o ‘desejo temporal’ do homem de ser eterno não é de todo fracassado.
Convém observar que essa ligação depende da transposição do paradoxo ontológico do tempo para a sua análise fenomenológica, apesar de não existir “… em Agostinho uma fenomenologia pura do tempo” (RICOEUR, 1983, p. 23). Essa transposição delimita o entrelaçamento entre a verdade e a linguagem na filosofia de Agostinho, uma vez que a compreensão da ligação entre a eternidade e a temporalidade possibilita ao homem conhecer a si mesmo.
O presente artigo dividir-se-á em dois itens que mostrarão a relação de co-pertença entre a infinitude divina e a finitude humana. Enquanto que o primeiro indicará a diferença entre a eternidade e a temporalidade, o segundo revelará o elemento que os une. Logo, torna-se essencial que ambos os capítulos invalidem tanto a teoria que aponta a criação do universo a partir de uma substância qualquer, quanto aquela que indica o movimento dos corpos celestes como medida fundamental para o tempo.
Dito de maneira breve, a pergunta que norteia a pesquisa é a seguinte: qual é relação existente entre a eternidade e a tempo segundo o livro XI das Confissões de Santo Agostinho?
Convém observar que a resposta dessa questão evidenciará a co-pertença entre a finitude humana e a infinitude divina, já que detalhará os dois elementos que unem Criador e Criatura (Distentio animi e Intentio).
Este trabalho tem como objetivo geral detectar a razão filosófica que motivou a relação entre a eternidade e o tempo segundo o pensamento agostiniana, já que essa ação é essencial para entender a globalidade dessa relação.
Já no que diz respeito aos objetivos específicos, pretende-se:
- Destacar a forma pela qual a hipótese ex-nihilo explica a Criação do Universo segundo Santo Agostinho.
- Identificar a dialética dos “três presentes” para compreender a relação entre os períodos temporais (passado, presente e o futuro)
- Revelar o modo pelo qual o binômio distentio animi-intentio representa o princípio de unificação entre a eternidade e o tempo.
2.1 DESENVOLVIMENTO
2.1 A VERDADE DA ORIGEM É A ORIGEM DA VERDADE
De acordo com Gilson (1931), Agostinho se utilizou de duas hipóteses para explicar o princípio do Gênesis. A primeira delas é que Deus criou o Universo a partir de sua própria substância, transformando-se assim numa espécie de Artífice que idealizaria a existência do universo por meio de uma substância eterna; porém, isso significaria apontar a eternidade desse universo, porque nada distinguiria a criatura do Criador. Melhor: não haveria nenhuma hipótese de assinalar a diferença entre a eternidade e a temporalidade. Além disso, a hipótese que indica a criação do universo a partir de uma substância eterna impossibilita que Agostinho desenvolva o paradoxo ontológico do tempo, uma vez que torna ininteligível a afirmação que aponta o não-ser como característica fundamental da temporalidade.
A segunda hipótese é que Deus criou p universo a partir do nada, ou seja, é através da criação ex nihilo que o universo foi gerado pelo Criador. Essa hipótese oferece a possibilidade do Bispo de Hipona inviabilizar tanto a tese que indica o universo como eterno quanto aquela que assinala a eternidade como temporal.
Para tanto, é necessário que ele relacione a origem do universo com o início da temporalidade, pois somente assim a passagem do Ser para criatura temporal tornar-se-á compreensível.
Nota-se que a hipótese da criação ex nihilo foi acolhida por Agostinho para explicar a origem do universo; porém, essa escolha traz um grave problema para o filósofo patrístico, porque o obriga a imaginar um tempo anterior à criação do universo. Caso contrário, ele correria o risco de validar a teoria da criação aeterno.
Dessa maneira, é mister reconhecer que Deus criou o universo – e o tempo – por meio de um ato eterno de volição. Mas, de que forma Agostinho pôde compreender uma vontade a-temporal que se iniciou através da criação do tempo?
Agostinho defende que o Verbo foi o veículo utilizado por Deus para criar tanto o tempo quanto o universo, já que consegue ressaltar a diferença entre a eternidade e a temporalidade.
De certo modo, esse Verbo caracteriza-se como a narrativa de Deus na criação do universo, porque indica como a verdade da origem representa a origem da verdade. A compreensão dessa narrativa dá-se à medida que o homem percebe o quão inútil é questionar o que Deus fazia antes da criação do universo, porque Ele nada fazia.
Nota-se, então, o despropósito do homem em imaginar um tempo anterior ao Gênesis, uma vez que este último representa a revelação da oposição entre a eternidade e a temporalidade:
A resposta à primeira formulação da objeção é direta e nítida: “Antes de criar o céu e a terra, Deus nada fazia”. De fato, a resposta deixa intacta a suposição de um antes, mas o importante é que este seja apoderado pelo nada: ‘o nada’ do ‘nada fazer’ representa aquilo que é anterior a criação (RICOEUR, 1983, p.56).
Agostinho acredita que essa revelação encarna a origem da verdade porque desnuda a oposição entre aquilo que é e aquilo que está sujeito às vicissitudes ao longo da sua temporalidade.
No entanto, torna-se impróprio assinalar que a criatura temporal não possui consistência ontológica, uma vez que sabemos da sua existência.
Mas, de que forma poderemos compreender a existência daquilo que é contraditório ao “estável e ao regular”? Como atingiremos o entendimento da criatura que é transitória por excelência?
De certa maneira, Agostinho assinala que a resposta para tais questões situa-se no posicionamento crítico em relação à essência do tempo, dado que esta revela uma aporia insolúvel que é solucionada à medida que o homem a narra.
Percebe-se, então, o quão importante é dizer que “…o tempo é um vestígio da eternidade (AGOSTINHO, 1988, 2, 33-22 [34]), pois isto demonstra de que forma a narrativa da radical oposição entre a eternidade e a temporalidade conduz a uma teoria da participação entre aquilo que é e aquilo que está sujeito às mudanças.
Em face disso, é importante observar que a compreensão da essência do tempo equivale tanto ao entendimento daquilo que é permanente quanto daquilo que é transitório.
A oposição entre a eternidade e a temporalidade tornar-se-á inteligível à medida que a relacionemos com a possibilidade de retomar a discussão sobre a verdade da origem.
Para tanto, é fundamental descaracterizar a tese que assinala a incapacidade da linguagem humana em indicar os principais mecanismos que regem a temporalidade, uma vez que ela os indica.
Assim, o objetivo do próximo item é mostrar a forma pela qual essa linguagem revela tanto a existência da temporalidade quanto da eternidade.
2.2 A ORIGEM DA VERDADE É A VERDADE DA ORIGEM
A linguagem humana é o instrumento pelo qual Agostinho explica a existência do tempo, pois é através dela que ele consegue extrair da radical oposição entre a eternidade e a temporalidade a premissa de que esta é um vestígio daquela.
Desse ponto de vista, pode-se dizer que a linguagem humana é capaz de esboçar o projeto fundamental da criatura temporal que possui consciência; aliás, é essencial esclarecer que este projeto não é de todo fracassado, apesar de não oferecer àquele que o realiza a chance de atingir a eternidade de todo ser (no plano sensível).
Convém observar que a compreensão desse projeto equivale ao pleno conhecimento da temporalidade, já que permite entender a teoria da participação que circunda a relação entre o ser que é e o ser que está sujeito às vicissitudes.
Esse entendimento dar-se-á à medida que o homem encontrar o fator que permite a existência daquilo que é transitório por excelência, porque esse fator reflete a “estabilidade do instável”.
Agostinho defende que o posicionamento crítico em relação a existência do tempo serve para validá-la, ao invés de invalidá-la. A imprecisão da linguagem humana para tratar do problema do tempo esboça tanto a imperfeição do ser que a utiliza, quanto o projeto do mesmo em atingir a eternidade do seu ser.
Destarte, encontra-se subjacente na questão sobre a existência ou não do tempo o fator fundamental para a sua solução:
Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser? 18. Contudo, dizemos longo ou breve, e isto, só o podemos afirmar do futuro ou do passado (…) Mas como pode ser breve ou longo o que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o futuro ainda não existe. Não digamos “é longo”; mas digamos do passado: “foi longo”; e do futuro “será longo” (AGOSTINHO, 1980, XI, §14-15, p.322-23).
Esse fator é o deslocamento dos dois elementos que apontam a temporalidade da criatura mutável para aquele que indica a “estabilidade do instável”.
Porém, isso não significa desqualificar esses dois elementos, mas apenas compreendê-los a partir da teoria da participação entre o ser que é o ser que está sujeito às vicissitudes.
Portanto, Agostinho acredita que o deslocamento tanto do passado quanto do futuro para o instante infinitesimal – que reflete o projeto fundamental do homem para atingir a eternidade do seu ser – permite inviabilizar qualquer teoria que sustenta a inexistência do tempo.
Para tanto, é preciso deslocar os substantivos presente e futuro para os adjetivos futura et pretérita, pois somente assim a narrativa do tempo tornar-se-á inteligível: “Os termos futuro e passado figuram de agora em diante como adjetivos: futura et praeterita” (RICOEUR, 1983, p.30).
Convém observar que esses adjetivos sempre refletirão um acontecimento que está sendo narrado no presente. Nota-se, então, que o posicionamento crítico em relação ao tempo serve para legitimá-lo, porque reflete a “narrativa presente” dos termos que caracterizam a temporalidade da estrutura mutável:
É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das futuras. Existem, pois, esses três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras. Se me é licito empregar tais expressões, vejo então três tipos e confesso que são três (AGOSTINHO, 1980, XI, §20, p 327-28).
2.2.1 DISTENTIO ANIMI E INTENTIO
Uma objeção feita à dialética dos três presentes é apontar que o “presente do presente” não pode se caracterizar como a “estabilidade do instável”, uma vez que não reflete a teoria da participação entre o ser que é e o ser que está sujeito às vicissitudes.
Ou seja, o “presente do presente” não pode fundamentar a tese de que o tempo é um vestígio da eternidade, já que é transitório por excelência.
Para refutar essa objeção, Agostinho necessita revelar que a temporalidade do “presente do presente” reflete o projeto do homem em atingir a eternidade do ser, pois somente assim compreender-se-á a “estabilidade” da estrutura mutável dotada de consciência.
De certo modo, essa compreensão possibilita ao homem purificar-se dos pecados cometidos na sua temporalidade, capacitando-o a atingir o verdadeiro conhecimento de si mesmo.
Agostinho assinala que o “presente do presente” é sustentado por dois dispositivos temporais que incapacitam qualquer possibilidade do tempo ser compreendido através do movimento dos corpos celestes.
O primeiro desses dispositivos é a lembrança das coisas passadas, já que revela ao homem a sua historicidade. Melhor: a lembrança mostra ao ser humano que ele é dotado de memória e, portanto, de um passado.
O segundo desses elementos é a previsão das coisas futuras, uma vez que demonstra ao homem a impossibilidade da sua historicidade ser baseada na mera repetição de acontecimentos. Pode-se dizer que essa impossibilidade fundamenta a espera humana face ao seu porvir.
A tensão entre a memória e a espera representa a distentio animi de Agostinho, sendo que a mesma se revela como um elemento essencial na relação entre a eternidade e a temporalidade, porque aponta a alma humana como a mediadora dessa relação: “Pelo que, pareceu-me que o tempo não é outra coisa senão distensão; mas de que coisa o seja, ignoro-o. Seria para admirar que não fosse da própria alma”
Todavia, a distentio animi ainda não é capaz de revelar a teoria da participação entre o ser que é e o ser que está sujeito às vicissitudes, porque significa a tensão entre esses dois elementos temporais que sustentam o “presente do presente”. (AGOSTINHO, 1980, XI, §26, p.334).
De certo modo, essa tensão revela que o “presente do presente” é fundamentado por dois dispositivos “instáveis”.
Assim, Agostinho compreende a importância de se descobrir a unidade do tempo no interior da luta entre a memória e a espera. Caso contrário, corre-se o risco de inviabilizar a teoria agostiniana do tempo, porque não poderia considerá-la como um apelo a verdade da origem.
O verso Deus Creator omnium aponta a unidade do tempo no interior da distentio animi, já que explica como a tensão entre a memória e a espera é sustentada por um dispositivo que não é transitório.
Aliás, pode-se dizer que esse dispositivo torna possível a afirmação de que o tempo é um vestígio da eternidade, pois demonstra a forma pela qual o conhecimento do eu narrador não pode estar dissociado do conhecimento do Deus uno. A impossibilidade de medir tal dispositivo através do tempo valida a sua existência, ao invés de invalidá-la.
Dessa forma, Agostinho revela que é através da atenção que a tensão entre a memória e a espera se torna compreensível, porque representa a continuidade no interior do descontínuo, ou melhor, a permanência no âmago da transição:
38. Vou recitar um hino que aprendi de cor. Antes de principiar, a minha expectação estende-se a todo ele. Porém, logo que o começar, a minha memória dilata-se, colhendo tudo o que se passa de expectação para o pretérito. A vida deste ato divide-se em memória, por causa do que já recitei, e em expectação, por causa do que hei de recitar. A minha atenção está presente e por ela passa o que era futuro para se tornar pretérito. Quanto mais o hino se aproxima do fim, tanto mais a memória se alonga e a expectação se abrevia, até que esta fica totalmente consumida, quando a ação, já toda acabada, passar inteiramente para o domínio da memória (AGOSTINHO, 1999, XI, §28, p.337).
É através dessa atenção que a relação de co-pertença entre a infinitude divina e a finitude humana se torna compreensível porque aponta a forma pela qual a origem da verdade representa um apelo a verdade da origem.
Não é por acaso que Agostinho escolheu o verbo Deus Creator omnium para indicar o seu exame sobre a “estabilidade do instável”, já que indica como a compreensão da essência do tempo reflete a onipotência, a onisciência e a onipresença do Criador.
Pode-se dizer que elas revelam a impossibilidade do homem em compreender todos os mecanismos empregados pelo Criador na geração tanto do universo quanto do tempo.
Porém, isso não significa seja incapaz de entender que a sua temporalidade é um vestígio de eternidade. De certo modo, esse entendimento significa a intentio descrita por Agostinho no livro XI das Confissões.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se que fatores importantes da ontologia agostiniana estão expostos no Livro XI das Confissões, uma vez que sustentam a discussão referente a essência do tempo. Um deles diz respeito a participação do tempo entre o ser que é e o ser que está sujeito às vicissitudes.
Por um lado, a temporalidade da criatura mutável dotada de consciência representa um vestígio de eternidade. Por conseguinte, é importante acrescentar que o projeto do homem em atingir o Absoluto não é de todo fracassado, apesar de não lhe conferir a possibilidade de conquistar a eternidade do seu ser.
Por outro lado, o Deus uno revelar-se-á somente através da criação do universo, já que antes da mesma Ele nada fazia; aliás, pode-se dizer que salvo o Verbo nada é coeterno a Deus. Desse ponto de vista, é importante assinalar que a relação entre a eternidade e a temporalidade descrita por Agostinho no Livro XI das Confissões serve de instrumento para refletir sobre um ponto problemático do filósofo que o influenciou, ou seja, Platão: “É verdade que essa questão sobre em que consiste exatamente a relação da sensível com o inteligível, jamais foi plenamente resolvida por Platão, provavelmente por ser algo impossível de resolver” (IGLÉSIAS; RODRIGUES, 2003, p.12).
Apesar da ontologia agostiniana não representar stricto sensu uma onto-teo-logia, ela aponta que a revelação do eu narrador não pode estar dissociada daquela que indica a existência do Deus uno.
Assim, pode-se dizer que cada ato humano reflete tanto o seu sonho de suprimir a temporalidade do seu ser quanto a sua realidade baseada num vestígio de eternidade.
Logo, o homem representa o ser que possui uma luz de perfeição, porque é o único capaz de revelar a existência do Deus uno. De certa forma, essa é mensagem descrita por Agostinho quando este expôs o conceito de intentio.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Abril Cultural, 1994.
_________________. La genesi difesa contro i manichi. Introduzione e Traduzione de L. Carozzi. Roma: Città Nuova Editrice, 1988.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Dizer o tempo. São Paulo: Cadernos de Subjetividade da PUC-SP, volume 2, 1994.p.27-25.
GILSON, Étienne. Introduction a l´étude de Saint Augustin. Paris: J.Vrin, 1931.
IGLÉSIAS, M; RODRIGUES, F. Prefácio do Parmênides. São Paulo: Loyola, 2003.
MARTIN, Jules. Saint Augustin. Paris: Félix Alcan, 1907.
RICOEUR, Paul. Temps et récit – I: L´intrigue et le récit historique. Paris: Seuil, 1983.
SANTOS, J.O; PINA, A.A. Tradução e notas das Confissões. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
VIANA, Cristina Amaro. Tempo e Sujeito em Paul Ricoeur – Uma introdução a partir da leitura ricoeuriana do Livro XI das Confissões de Santo Agostinho. Disponível em: http://fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/view/22/22. Acesso em 15.09.2021.
[1] Doutorando em Filosofia pela PUC-PR. Mestre em Filosofia pela PUC-SP. Especialista em Filosofia pela PUC-RS. Licenciado em Filosofia pela UNINTER. Graduado em Recursos Humanos pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador e Professor dos cursos de Gestão de Recursos Humanos e Pedagogia do Centro Universitário Paulistana (Unipaulistana). E-mail: andre.dalpicolo@unipaulistana.edu.br