HOMEM, PROGRESSO E MEIO AMBIENTE: TENSÕES HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS RUMO À RESISTÊNCIA

MAN, PROGRESS AND ENVIRONMENT: HISTORICAL TENSIONS AND EDUCATIONAL IMPLICATIONS TOWARDS RESISTANCE

HOMBRE, PROGRESO Y MEDIO AMBIENTE: TENSIONES HISTORICAS E IMPLICACIONES PEDAGÓGICAS RUMO A LA RESISTÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10869804


Marco Antônio Oliveira Lima1


Resumo: O presente artigo desenvolve uma reflexão inicial sobre o capitalismo e os problemas ocasionados pelo referido modelo econômico à relação homem, progresso e meio ambiente. Para tal, fez-se necessário entender o contexto sócio-cultural que concebe e firma o capitalismo como modo de produção da vida material e espiritual no ocidente. Bem como, suas implicações contraditórias no processo de alienação do homem e destruição do meio ambiente, materializados em propostas políticas, educativas, de crescimento e progresso econômico, de característica racional, técnica, instrumental e neoliberal, influenciadas pela indústria cultural. Por fim, acreditamos na urgência que se faz, de resistência ao capital, e na busca de reconciliação entre homem e meio ambiente. Mas, pautada por uma ética pedagógico-ecológica onde a vida esteja no centro.

Palavras-chave: Homem, progresso, meio ambiente; capitalismo; resistência; educação, vida. 

Abstract: This paper develops an initial reflection on capitalism and the problems caused by it to the relationship between man, progress and environment. To this end, it was necessary to understand the socio-cultural context that conceives and firms capitalism as a model of production of material and spiritual life in the West. As well as their contradictory implications in the process of man’s alienation and destruction of the environment, materialized in political and educational proposals based on economical growth and progress, of rational, technical, instrumental and neo-liberal characteristics, influenced by the cultural industry. Finally, we believe in the urgency of resistance to the capital and in the search of reconciliation between man and environment. But, guided by an ecological-pedagogical ethics, where life is at the center.

Keywords: Man, progress, the environment; capitalism; resistance; education, life.

Resumen: El presente articulo desenvuelve una reflexión inical sobre el capitalismo y los problemas ocasionados por el referido modelo económico a la relación hombre, progreso y medio ambiente.  Por tanto, haz necesário entender el contexto sócio cultural que concebe y estabelece el capitalismo como modo de produccion de la vida material y espiritual en el occidente. Bien como, sus implicaciones contraditórias en el proceso de alienación del hombre y destruición del medio ambiente materializado en propostas políticas, educativas, de crescimiento y progreso económico, de característica racional, técnica, instrumental y neoliberal, influenciadas por la industria cultural. Por fin, acreditamos en la urgencia que se haz, de resistencia al capital, y en la busca de reconciliación entre hombre y medio ambiente. Mas, pautada por una ética pedagógica y ecologica dónde la vida sea en el cientro. 

Palabras llaves: Hombre, progreso, medio ambiente; capitalismo; resisténcia; educación, vida.

Introdução

Ao longo da história da humanidade o homem vem intervindo na superfície terrestre através de modos de produção que tem acarretado em proporções diferentes de impactos ambientais sobre o meio ambiente. Porém, é no capitalismo que esses problemas se intensificam.

Defende-se o argumento de que o capitalismo surge em um dado contexto histórico e cultural, apoiado por uma classe social emergente, a burguesia, que após a reforma protestante, contribuiu para a corporificação, desenvolvimento e expansão do capitalismo a partir de uma nova leitura ético-religiosa do mundo, o protestantismo (WEBER, 2004).

Contexto social, histórico e cultural

Na Europa da Idade Média, nos séculos V à XIII, a interpretação de mundo hegemônica apoiava-se na perspectiva cristã do teocentrismo, propagada pela escolástica. Contudo, não se pode descartar os possíveis tensionamentos entre o catolicismo e demais perspectivas filosóficas, pois aproximadamente no século XII, com a burguesia e o surgimento do Humanismo, verificou-se outras formas de reflexão, com o homem no centro das discussões, o antropocentrismo (LOPES, 2007, MARTIGNONI, 2008).

           

Posteriormente, no século XIV, o Renascimento influenciado pela cultura greco-romana, possibilitou a abertura de outras formas de tensionamento, no campo intelectual, artístico, cultural e científico. Isso pode ser constatado nas pinturas e esculturas presentes nas igrejas daquele momento, pois por mais que se propunham a retratar os personagens e santos da igreja, sua estética era de inspiração grega (FERREIRA, 2009).

O Renascimento também ficou marcado pelo rompimento da burguesia com a igreja, que se acredita ter ocorrido devido a inúmeras determinações de cunho ético, religioso, político e econômico. Tais acontecimentos foram centrais na constituição de um contexto em que o homem acreditava ser capaz de descobrir um novo mundo e compreendê-lo para além das portas da igreja.

No final do século XV e início do século XVI, na Alemanha, em pleno feudalismo, surgem demais tensões, agora no campo teológico, que provavelmente foram influenciadas pelas que já relatou-se anteriormente, que vão culminar na reforma protestante.

Aproximadamente em 1517, Lutero, monge agostiniano; em discordância com a igreja no que tange a questões ético-religiosas, que vão desde assuntos teológicos (doutrina da igreja, interpretação dos textos da Bíblia, vida religiosa dos ministros da igreja, salvação da alma, dentre outras) até questões econômicas (dízimo, venda de indulgências, construção da Basílica de São Pedro, comércio de artigos religiosos que prometiam cura e libertação no campo espiritual); inicia o movimento de reforma (LUTERO, 2004).

Influenciado pela burguesia (que ansiava por participação política, liberdade religiosa e econômica, pois a igreja católica condenava o lucro), Lutero, em um primeiro momento propõem a reforma da igreja. Ao perceber que não seria possível, rompe com a mesma e cria o protestantismo. Que posteriormente foi perseguido pela igreja católica, dando origem a uma série de conflitos religiosos que levaram a morte de milhares de pessoas. 

Mas, é preciso deixar claro que além da Alemanha e de Lutero, houveram demais países e personagens que participaram do processo de reforma protestante, seja em tensionamentos antes, durante ou depois do acontecido na Alemanha. E que se levando em conta a particularidade cultural de cada contexto, não foi possível criar uma unidade teológica entre as inúmeras vertentes protestantes que se criaram. Isso pode ser verificado na Suíça, com Calvino e a doutrina da predestinação; bem como na Inglaterra, com a igreja anglicana, as questões políticas que deram origem à mesma, e a igreja metodista, com Wesley e o movimento metódico de disseminação de suas ideias para a conversão e o avivamento religioso dos ingleses (LELIÈVRE, 1997, LUTERO 2004, LOPES, 2007).  

Assim, no trabalho quando falar-se a respeito do protestantismo, está-se fazendo alusão ao movimento de orientação luterana, que diferente de Calvino acreditava no livre arbítrio (perspectiva arminiana, doutrina da justificação) como forma de salvação dos fieis.

O protestantismo não se opunha a certas margens de lucro no comércio, o que atraiu pessoas de ambas as classes sociais, inclusive a burguesia, à nova religião; defendia a liberdade religiosa, de pensamento e científica; traduziu a Bíblia para o alemão, que outrora era escrita em latim, possibilitando a livre interpretação da mesma, e defendendo a expansão do ensino, para que seus fiéis pudessem ler a Bíblia, pois nessa época a educação era restrita a uma pequena parcela da população, ligada à nobreza.

E acredita-se na hipótese de que a proposta educacional do pastor protestante Comenius, expressa na obra Didática Magna, que orientou a formação da população da época. Formação esta que se pautava em saberes objetivos e instrumentais, alfabetização, leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático, mas também subjetivos, valores religiosos e liberais (NARODOWSKI, 2006). 

Tais questões são centrais para compreender-se que diferente do catolicismo, que defendia o afastamento dos fiéis do mundo, do lucro e do pecado, através da valorização do espírito em detrimento do corpo profano, que precisava ser mortificado através da missa, oração, jejum, canto, meditação e autoflagelação, para se aproximar do sagrado, o protestantismo acreditava que o homem deveria se aproximar do mundo, nele ser espiritual e em tudo representar o reino dos céus da melhor maneira possível.            

Por isso, ser proprietário de uma indústria, ganhar dinheiro, ter certa quantia de lucro nos negócios e ficar rico era entendido como bênçãos dos céus. Nessa perspectiva, os valores protestantes, aliados à ética burguesa, vão conformar uma racionalidade que dá sustentação ao desenvolvimento do capitalismo e um mundo regido pela liberdade comercial e econômica na vida social (WEBER, 2004).

O desencantamento do mundo, provocado pela reforma, constituiu um cenário que no final do século XVII e início do século XVIII, na Europa (França, Alemanha e Inglaterra) propiciou o amadurecimento de uma série de ideias renovadoras, que contribuíram para o surgimento do Iluminismo, movimento marcado pela crítica ao modelo de sociedade feudal. Talvez uma das características mais marcantes desse momento seja a queda do mito religioso e ascensão da razão, como forma de emancipação humana (NIELSEN NETO, 1986).

O homem imaginava ser capaz de descobrir a verdade a partir da ciência e aquilo que não pudesse ser explicado, calculado, medido, pesado e verificado pela Física, Química, Matemática e demais ramos das Ciências Naturais era desconsiderado. Diante disso, a ciência fez-se mito e tornou-se a nova religião em expansão na Europa (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, DUARTE, 2004).

Pensadores como Voltaire, Rousseau, Diderot e D’Alambert, no século XVIII, influenciaram na constituição de ideias, propagadas por obras bibliográficas como a enciclopédia que questionavam os privilégios absolutistas, contribuindo com a efervescência cultural que culminou com a revolução francesa, de caráter burguês, que defendia a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

A revolução francesa, que durou aproximadamente dez anos (de 1789 a 1799), contribuiu para a expansão do pensamento burguês pela Europa, que por sua vez desencadeou-se em outro movimento, de caráter econômico, na Inglaterra, da era Moderna, de finais do século XVIII e início do século XIX, a revolução industrial. Estava concretizado o cenário que conseguiu fortalecer a burguesia enquanto classe e firmar o capitalismo liberal, como modelo econômico de produção da vida material e espiritual no ocidente (NIELSEN NETO, 1986, CATANI, 1994).

Acredita-se na hipótese de que o protestantismo, bem como, a educação na perspectiva comeniana influenciaram de forma decisiva na criação desse contexto, pois o primeiro, a partir de sua ética religiosa, abriu o terreno para o capitalismo firmar suas bases e o segundo formou os indivíduos que administravam a indústria, o burguês e os demais que controlavam as máquinas, o trabalhador. Por isso o povo deveria ser educado.

Em linhas gerais, a revolução industrial criou uma série de contradições tais como a saída da população do campo para a cidade, campo x cidade; a substituição dos teares pela máquina a vapor; o desemprego em massa, do trabalhador e do pequeno burguês que não conseguiu adaptar-se ao novo modo de vida; as oficinas artesanais transformaram-se em grandes indústrias; divisão social em duas classes distintas, proletário/trabalhador/empregado x burguês; divisão racional do trabalho, burguesia x trabalhador; trabalho alienado, coisificação do trabalhador; mercadoria transformada em fetiche; mitificação da ciência, método positivista, racionalidade técnica e instrumental; e relações sociais e econômicas orientadas pelo capitalismo liberal (LUKÁCS, 1974, ADORNO; HORKHEIMER, 1985, MARX, 1999).

Em busca de progresso, passo a passo, a sociedade ocidental foi se tornando industrial, extremamente competitiva e administrada, onde até as Ciências Humanas deveriam seguir o paradigma das Ciências Naturais, caso tivessem a intenção de ter o direito a dialogar e serem ouvidas (CORDEIRO SILVA, 2001, SEVCENKO, 2001). Nesse contexto, a pobreza, a desigualdade, o desemprego e demais problemas sociais foram justificados a partir do esforço individual de cada sujeito e não como problema de estado.

Desde então, o capitalismo passou e vem atravessando uma série de transformações com o objetivo de se aproveitar das crises para contorná-las impedindo a queda de seu sistema.

Aprofundamento crítico da discussão

Hoje o capitalismo encontra-se em sua fase monopolista transnacional, que podemos denominar de capitalismo tardio, marcada pela produção mercadológica, com exploração ambiental e financeira, em larga escala, orientada por uma racionalidade perversa que se destina à descoberta do conhecimento para o domínio do homem e da natureza tendo como meta final a domesticação cultural, no âmbito subjetivo e objetivo, responsável por alimentá-lo e fortalecê-lo no decorrer histórico da modernidade (RODRIGUES, 1989, CORDEIRO SILVA, 2001, SEVCENKO, 2001, LOUREIRO, 2004).

Seu principal representante são os Estados Unidos da América, que exportam esse modelo econômico para todo o mundo, através de acordos e alianças internacionais. Esta nação foi edificada por colonos europeus protestantes, que vieram para o continente americano, especificamente ao norte, com o objetivo de povoar aquela região, fugindo dos conflitos religiosos, que estavam latentes na Europa dos séculos XVI e VXII aproximadamente (LUEDTKE, 1989).

Acredita-se na hipótese de que esses colonos, oriundos de países de hegemonia protestante como a Inglaterra, Holanda, Escócia, Irlanda, Alemanha, dentre outros, tiveram sua formação inicial orientada por uma educação que cultivava valores liberais e burgueses, talvez na perspectiva comeniana e que agora em outro continente, aliado a questões objetivas, manutenção da vida e sobrevivência; e subjetivas (freudianamente falando), sentimentos de fuga, abandono e perda da terra de origem, em conflitos sangrentos, para grupos que possuíam outras orientações religiosas, reprimidos em seus sentimentos, os levariam a criação de uma nova nação, influenciada pelos valores, ética e religião em que foram criados. Porém, de forma um pouco mais intensificada, como resposta ao inimigo que os oprimiu no passado. 

Talvez aqui se poderia encontrar uma das explicações para o grande crescimento econômico, militar e tecnológico dos Estados Unidos da América ao longo da história, bem como para sua política internacional e truculenta, de intervenção seja econômica, em países tidos como aliados ou militarmente, para a aniquilação de nações tidas como inimigas de seu império ao redor do mundo (MÉSZARÓS, 2003).

Ou mesmo, para tentar-se entender porque o país, sendo um dos maiores poluidores em âmbito internacional, se negou a fazer parte do Protocolo de Quioto, em 1997, época em que foi firmado. Protocolo esse, que pelo fato de defender uma diminuição da emissão de gases poluentes, poderia provocar uma queda na produção industrial e concomitante a isso uma significativa redução na acumulação de capital (PROTOCOLO DE QUIOTO, 1998, REVISTA VEJA, 2009).

Contudo, sabe-se que o modelo de economia que os Estados Unidos da América exportam para todo o mundo, pautado em uma filosofia de progresso e no consumo desenfreado, coloca o meio ambiente sob a influência da economia de mercado e leva à constituição de inúmeros problemas sócio-ambientais como: o desmatamento de florestas nativas para a criação de gado e o plantio de soja, o efeito estufa e o constante aumento da temperatura do planeta, o uso de produtos químicos para o aumento da produtividade na agricultura e o desperdício de alimentos, a exploração de minérios para produção de mercadoria e tecnologia poluente, a emissão de gases poluentes das grandes indústrias e dos veículos automotores (HELFRICH JÚNIOR, 1974, RODRIGUES, 1989, SEVCENKO, 2001, GONÇALVES, 2005).

Isso não está certo, pois defende-se o planeta como um bem que deverá ser conhecido, problematizado e transformado para uso-fruto coletivo da humanidade[3] sem que tais ações representam o domínio, o controle e a destruição da natureza.

Está-se diante da dupla face de uma moeda. Porque constata-se que um dos lados apresenta-se repleto de problemas sociais e ambientais. Todavia, há o outro lado onde pode-se identificar o empenho de intelectuais, ambientalistas, educadores e movimentos sociais, materializados na organização de encontros como a I Conferência Mundial Sobre Meio Ambiente, 1972, em Estocolmo, Suécia; a II Conferência Mundial Sobre Meio Ambiente, 1992, no Rio de Janeiro, Brasil (RIO ECO 92); e o Encontro Mundial de Cúpula da Terra, 2002, em Johannesburgo, África do Sul, com o objetivo de propagar um ideal ecológico sobre o caráter predatório com o qual o homem vem relacionando-se com o meio ambiente, caráter esse que ameaça e prejudica a sobrevivência da humanidade (BRASIL, 1998 b, SANTOS, 2004).

Entretanto, por que não vem mudando significativamente a relação homem e meio ambiente? O que emperra? Seria a cultura do consumo exacerbado e da reificação das consciências felizes?   

Metodologia pelo viés da crítica cultural/imanente

Concorda-se que o momento é para crítica cultural e social acurada, para um diagnóstico sério, e isso pode iniciar a partir de reflexões realizadas via educação, pois Brasil (1998 a e b), através dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução (PCN:I) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais (PCN:TT) respectivamente, defende o meio ambiente como um tema transversal, a ser tratado na escola, em todas as disciplinas do currículo.

A principal função do trabalho com o tema Meio Ambiente é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a decidir e a atuar na realidade socioambiental de modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global. Para isso, é necessário que, mais do que informações e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidades e procedimentos. Esse é um grande desafio para a educação.

Comportamentos “ambientalmente corretos” serão aprendidos na prática do dia-a-dia na escola: gestos de solidariedade, hábitos de higiene pessoal e dos diversos ambientes, participação em pequenas negociações podem ser exemplos disso (1998 a, p. 67-68; grifos no original).

[…] Educação Física, que tanto ajuda na compreensão da expressão e autoconhecimento corporal, da relação do corpo com o ambiente e o desenvolvimento das sensações […] (1998 b, p. 194).

[…] As áreas de História, Geografia, Educação Física e Arte, quando forem trabalhar as diferentes culturas, podem, para enriquecer a discussão, incluir as diferentes formas de interpretar os fenômenos naturais (1998 b, p. 212).

Como citado acima, o PCN entende ser de grande importância o trato pedagógico em aula, do tema transversal meio ambiente. Porém, existem questões que não se mostram de forma tão clara, em tal proposta pedagógica, sendo necessária uma investigação mais profunda.

A partir dos estudos realizados por Lima (2007) sobre o PCN e a fundamentação da prática pedagógica do professor de Educação Física ao ministrar o conteúdo basquetebol, constata-se que em meados de 1997, na primeira gestão do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), entrou em cena o PCN, caracterizado como um dos desdobramentos da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – 9394/96 (LDBEN).

Em linhas gerais, o PCN caracterizou-se como uma proposta pedagógica com vistas ao embasamento teórico-metodológico dos professores da Educação Básica (BRASIL, 1998 a e b). Entretanto, a partir da contribuição de Lima (2007) identificou-se que para além de uma simples proposta curricular e pedagógica, o PCN foi uma política educacional de orientação filosófica neoliberal, oriunda de um governo, FHC, marcado por ações neoliberais no campo político, no Brasil, durante a sua gestão.

Essa perspectiva política fundamenta-se, em linhas gerais, a partir da pequena ou nenhuma participação do Estado na esfera social e econômica, pois esta é entendida como contexto da vida privada dos cidadãos. Aqui o Estado, deverá apenas organizar o terreno (por meio de políticas públicas), tornando-o fértil às sementes do capital que posteriormente darão origem ao lucro, fruto colhido pelas grandes empresas transnacionais.

Nessa perspectiva, uma das características centrais para a compreensão do neoliberalismo, é que os impostos pagos pela população ao Estado não retornam em forma de benefícios e políticas públicas destinadas à melhoria de sua qualidade de vida, devido a não obrigatoriedade de investimentos por parte do governo em setores como saúde, habitação, educação, transportes, comunicação, combate ao desemprego, alimentação básica, segurança, lazer, cultura, previdência social, escassez de créditos para a agricultura familiar, dentre outros.

Tais investimentos, vistos como gastos no neoliberalismo, são deslocados para a responsabilidade da iniciativa privada, através de um processo de privatização da esfera pública (que cobram preços exorbitantes com vistas à obtenção do lucro para oferecer tais serviços à população), devido à inoperância do Estado em administrar esses setores, e ainda com o objetivo de contenção de gastos. Segundo reza a lenda do neoliberalismo!

Seguindo, o PCN defende uma série de temas transversais, como o meio ambiente, que deverão ser contemplados por todas as disciplinas curriculares da Educação Básica, através da prática pedagógica cotidiana dos professores. Mas, como o PCN propõe-se a refletir o tema meio ambiente, quando sua proposta educativa está pautada em um ideal neoliberal, que por sua vez orienta-se pelo capitalismo como modo de produção da vida material e espiritual?

É inevitável perceber-se quão controversa, ambígua e contraditória é tal política pública educacional, pois sabe-se que historicamente é o capital (subjetivado e objetivado na racionalidade instrumental), que vem escravizando e destruindo o meio ambiente (fato que geram incertezas diante do futuro da humanidade e a continuidade da vida sobre a face da Terra) e ainda, o mesmo é irreconciliável com propostas emancipatórias de homem, sociedade e mundo (incluindo o meio ambiente).    

A gestão FHC chegou ao fim no ano de 2002 e em seu lugar, no ano de 2003, assumiu o poder na esfera política federal o Governo Lula e após dois mandatos, a partir de 2011, assumiu o Governo Dilma. Tanto no Governo Lula quanto no Governo Dilma fora presenciado uma possível preocupação com a formação dos estudantes no que tange às questões ambientais. E isso ficou claro ao observar-se a política pública educacional denominada de Conferencia Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente – CNIJMA, que se iniciou em 2003 e envolveu as escolas públicas de todo o país[4].

Contudo, mesmo com a realização da referida conferência as contradições não passaram despercebidas, porque ambos os governos optaram pelo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC 1 na gestão Lula e PAC 2 na gestão Dilma enquanto política de desenvolvimento e progresso do país[5] (BRASIL, 2007, 2013).

O PAC fundamentou-se/fundamenta-se na economia de mercado que agride o meio ambiente. E isso pode ser constatado na opção energética feita pelo governo (à época), ou seja, a energia gerada em usinas hidrelétricas. Que em seu processo de construção pode-se detectar a retirada do camponês de sua terra, a migração do mesmo para a cidade e a perda/morte da biodiversidade na região alagada (MESQUITA, s.d.).

Em ambas as gestões do Partido dos Trabalhadores/PT, por mais que houve um discurso oficial que propagou-se ideias de cunho democrático-popular, os ecos do neoliberalismo ainda ressoaram e isto ficou evidenciado na criação e adesão ao PAC.

Considerações Finais

A crítica imanente nos permitiu compreender que a histórica relação homem, progresso e meio ambiente, necessita ser repensada com vistas à sinais de esperança para uma futura reconciliação, o que ainda não é possível ser contemplado no presente. Entretanto, para que isso ocorra, um dos passos fundamentais e necessários é que a economia de mercado não seja o paradigma norteador.

Acredita-se que a educação se apresenta como uma das vias de constituição de uma consciência ecológica, que desperte a presente e também as futuras gerações para a necessidade de preservação do meio ambiente, mas os educadores ao desenvolverem a temática meio ambiente em suas aulas, devem lançar um olhar crítico sobre as propostas pedagógicas que apresentam discursos encantadores, mas que em sua essência contraditória dialogam com a ideologia neoliberal, tal como o PCN, porque como a história demonstra o capitalismo não se permite humanizar e muito menos reconciliar-se com a natureza interna e externa ao homem.

No que tange ao Brasil, acredita-se que o PAC agride o meio ambiente. Contudo, também identifica-se que o país possui características climáticas, vegetais, naturais, geográficas, sociais e estruturais que permitem modelos de crescimento que preservem o meio ambiente. Ou seja, uma espécie de progresso sócio ambiental humanizado.

Assim, a coleta seletiva e a reciclagem do lixo, o uso de energia solar e eólica, bem como o consumo consciente da energia elétrica, o reflorestamento de áreas ameaçadas de extinção, a mudança de hábitos alimentares que preveem a diminuição no consumo da carne bovina (E porque não a futura substituição dessa forma de alimento por outras que não exijam o abate dos animais!) e o incentivo à agroecologia. Uma economia ecologicamente planificada, que prevê a eliminação da pobreza e da miséria, bem como a reforma agrária, devem estar na pauta.

Por fim, para não concluir, porém para continuar-se tensionando no campo da reflexão e do pensamento crítico, chega-se ao diagnóstico de que o momento é para mudar. Caso contrário haverá grande sofrimento não só humano, mas também da natureza como um todo, como já tem-se presenciado pelos noticiários na televisão e pela internet. Configurado em consequências catastróficas tais como o efeito estufa, o aumento da temperatura do planeta, o derretimento das geleiras polares, o aumento do volume de água nos rios, mares e oceanos e as enchentes desenfreadas, dentre outros, que ameaçam a continuidade das diversas formas de vida no planeta Terra.

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[3] A partir da revolução industrial a relação homem natureza ficou orientada pela racionalidade técnica e instrumental, fenômeno pesquisado pelos estudiosos frankfurtianos da primeira geração, tais como: Adorno, Horkheimer, Benjamin e Marcuse. Tal fenômeno é marcado pela inserção do homem em seu contexto histórico, e isso inclui a natureza externa e interna (corpo), com o objetivo de conhecê-lo para dominá-lo. Assim, ao conhecer a natureza o homem a domina e a subjuga sob a ótica da economia industrial e do mercado (FREITAG, 1986, NIELSEN NETO, 1986, MATOS, 2005). Na presente proposta defende-se a relação homem e meio ambiente orientada a partir de um viés dialético, pautado no pensamento crítico e auto reflexivo, que tensiona a realidade, e não está pautado nas falsas e fáceis reconciliações, mas aponta a esperança de uma futura, porém não previsível reconciliação. Contudo autêntica entre homem e meio ambiente, via resistência ao diagnóstico da barbárie humana e ambiental (CORDEIRO SILVA, 2001; FERREIRA, 2007).

[4] À época da escrita do presente texto, 2009, no Brasil, sob as gestões do Governo Lula e posteriormente no Governo Dilma, ambos pertencentes ao Partido dos Trabalhadores, que assinalou ao país uma espécie de mandato democrático, popular e social democrata havia a preocupação de discussões ambientais destinadas aos estudantes em idade escolar, na Educação Básica, e também junto às juventudes brasileiras. Entretanto, mediante a essas preocupações ambientais, houve também contradições de caráter político, social, econômico e ambiental como o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento.

[5] Na atual gestão do Governo Lula, o governo já sinalizou para o PAC3. Condição que demanda novamente uma série de problematizações e reflexões críticas no que se refere a repensar sobre as relações entre homem, progresso e meio ambiente em um país de capitalismo tardio e periférico como o Brasil. O presente texto se apresenta como uma das muitas expressões que podem se materializar no que se refere a identificar e tensionar as inúmeras contradições, dentre elas as de caráter ambiental que representa o PAC. Cabe destacar que as ações engajadas dos movimentos sócias, como o MST, bem como a prática pedagógica crítica de em sala de aula, na Educação Básica e Superior, são importantes ações rumo a constituição de reflexões que se direcionam a formação humana para a autonomia, a capacidade de autocrítica e a democracia.  


1 Graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão (2006), atual Universidade Federal de Catalão – UFCat. Mestre e Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCGO, na linha Educação, Sociedade e Cultura. Professor de Educação Física, no IFG Campus Águas Lindas de Goiás, em Águas Lindas de Goiás. E-mail: marcobasquetebol@gmailcom.

* O presente texto foi um dos requisitos parciais para a conclusão do Curso de Extensão relacionado aos estudos de Geografia e Movimentos Sociais, ministrado pelo Grupo de Estudos em Trabalho e Movimentos Sociais/GETEM, vinculado ao Departamento do curso de Geografia, da Universidade Federal de Catalão/UFCAT, no ano de 2009. Um recorte/adaptação do mesmo foi apresentado no IX Congresso Internacional de Teoria Crítica: Gênese, Desdobramentos, Apropriações no ano de 2014, na Universidade Metodista de Piracicaba, sob o título PCN e Educação Física: Tensões filosóficas e possibilidades de reflexões sobre homem, progresso e meio ambiente. Essa versão do texto se encontra publicada e disponível nos Anais do referido congresso, especificamente nas páginas 679-688. Optou-se por trazer o texto à tona novamente, haja vista que as discussões em torno da temática ambiental são de grande importância no que tange a repensar a intervenção humana sobre a natureza. Além do fato de que a atual gestão do governo federal, a gestão 2023-2026 do Governo Lula, ter sinalizado novamente a adoção do contraditório Programa de Aceleração do Crescimento, o agora chamado PAC3, no que tange às questões ambientais, como estratégia de crescimento econômico.