PERCEPÇÃO DE TRABALHADORES DE SAÚDE DE UM DISTRITO SANITÁRIO DE JOÃO PESSOA – PB SOBRE O ACESSO AOS SERVIÇOS: UMA ANÁLISE NO ÂMBITO DO PMAQ-AB

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10855200


Erlaine Souza da Silva1
André Luis Bonifácio de Carvalho2
Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos3
Romildo Félix Dos Santos Junior4
Márcio Paulo Magalhães5
Tainara Barbosa Nunes6
Ana Karina de Almeida Soares7
Osiane de Souza8
Cristina Maria Oliveira Martins Formiga9
Edjavane da Rocha Rodrigues de Andrade10


RESUMO

Analisou-se a percepção dos trabalhadores de saúde quanto ao acesso aos serviços ofertados na Atenção Primária à Saúde (APS) impulsionado pelo Programa de Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ) em João Pessoa PB. Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas síncronas com trabalhadores de saúde de nível superior, via plataforma digital Google Meet. Os dados foram analisados mediante a análise de conteúdo na modalidade temática. Os resultados indicam estratégias ligadas ao processo de trabalho influenciado pelo PMAQ-AB, como o planejamento em equipe, organização da agenda, acolhimento, entre outros. Tais recursos repercutiram favoravelmente na dimensão do acesso dos usuários aos serviços. No entanto, ainda persistem importantes barreiras culturais e organizacionais para a efetivação do acesso e a diminuição das iniquidades no serviço de saúde.

Descritores: Acesso aos serviços de saúde. Atenção Primária à Saúde. Avaliação em saúde.

Abstract: The perception of health workers regarding access to services offered in Primary Health Care (PHC) driven by the National Program for Access and Quality Improvement (PMAQ) in João Pessoa, PB, was analyzed. This is an exploratory and descriptive study with a qualitative approach. Synchronous semi-structured interviews were conducted with higher-level health workers via the Google Meet digital platform. Data were analyzed through content analysis in the thematic modality. The results indicate strategies linked to the work process influenced by the PMAQ-AB, such as team planning, agenda organization, reception, among others. Such resources had a favorable impact on the dimension of user access to services. However, there are still important cultural and organizational barriers to effective access and the reduction of inequalities in the health service.

Keywords: Access to health services. Primary Health Care. Health assessment.

INTRODUÇÃO

O entendimento sobre acesso aos serviços de saúde tem sido objeto de análise na literatura internacional e nacional, principalmente no contexto de crise econômica instaurado nesta última década, evidenciando barreiras como as dificuldades ligadas ao agendamento de consultas e a continuidade do cuidado na rede básica, enfrentadas recorrentemente pelos usuários da Atenção Primária à Saúde (APS)1.

Contudo, discorrer sobre a dimensão do acesso é complexo, visto que por se tratar de um tema multifacetado, o termo pode ser empregado de maneira imprecisa, inclusive no âmbito dos serviços de saúde. Por essa razão comungamos do conceito de acesso de Starfield, a qual estabelece que esse significa ter a consecução de cuidado, a partir das necessidades do indivíduo, no tempo oportuno, com resolubilidade, consistindo de algo que extrapola os limites geográficos, e integra aspectos do contexto social, econômico, cultural, e da organização dos serviços2, 3.

Ressalta-se o papel da APS na Rede de Atenção à Saúde (RAS) na qual ocorre o primeiro acesso do usuário ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse contexto, destaca-se a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que vem contribuindo para a redução de desigualdades sociais em todo território nacional. O incremento dos serviços ofertados, a ampliação do acesso, a demanda por atendimento, confirmam os achados positivos na condição de saúde da população, a exemplo da redução nas taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e na mortalidade infantil. Ambas são condições sensíveis aos cuidados prestados na APS4.

Portanto, é oportuno refletir sobre os possíveis fatores que possam beneficiar ou entravar o acesso da população à APS, como: localização da unidade de saúde no território, organização da rotina do serviço, número de usuários por equipe, infraestrutura para o atendimento, acessibilidade, acolhimento, interação profissional-usuário, modelo de atenção, organização da demanda espontânea, cronograma de funcionamento da unidade, agenda protegida para a capacitação dos trabalhadores, gestão democrática para a organização do processo de trabalho, dentre outros3.

Nesse cenário o Programa Nacional de Melhoria e Acesso da Qualidade (PMAQ-AB) foi lançado mediante a Portaria 1.654 em julho de 2011 do Ministério da Saúde (MS), e se apresenta como um recurso propulsor à indução e ampliação do acesso e melhoria da qualidade dos serviços ofertados, favorecendo o estabelecimento de um padrão comparável no âmbito nacional, regional e local. Desse modo, tende a ampliar a transparência e a efetividade das ações na APS5.

Este artigo visa analisar a percepção dos trabalhadores de saúde do Distrito Sanitário IV de João Pessoa, Paraíba, sobre o acesso aos serviços de saúde ofertados na APS, após os três ciclos do PMAQ-AB.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza exploratória e descritiva6, cujo cenário foi a ESF da cidade de João Pessoa – PB, localizada no Nordeste brasileiro, que conta com população estimada em 825.796 pessoas, além de IDH de 0,7637.

Optou-se pelo território vinculado ao Distrito Sanitário (DS) IV, que apresenta uma cobertura da ESF de 84.360 pessoas, distribuídas entre 29 equipes de saúde da família (eSF), que corresponde a 2% da população total da cidade8. Outrossim, este cenário foi selecionado de forma intencional pelo fato de estar situado na zona urbana da capital com bairros tradicionais, e coberto pela rede de transporte urbano, e assim facilitar o acesso da pesquisadora.

Foram realizadas 15 entrevistas semiestruturadas com enfermeiros e odontólogos, no período de novembro a dezembro de 2020, de forma síncrona, por meio do aplicativo Google Meet. Esse recurso foi adotado em função da pandemia da COVID-19, que impossibilitou a realização de entrevistas presenciais. Para tanto recorreu-se a um roteiro contendo dimensões sociodemográficas além de aspectos ligados ao acesso dos usuários à ESF e ao PMAQ-AB. Na ocasião da entrevista também foram registrados apontamentos em um diário de campo com o intuito de agregar observações julgadas pertinentes pela pesquisadora.

Foram excluídos os profissionais que estavam afastados das suas atividades no momento da coleta de dados por motivos de férias e/ou tratamento de saúde, entre outros. Foi adotado o critério de saturação para definir o tamanho da amostra do estudo9.

Para a análise dos dados utilizou-se a análise de conteúdo na modalidade temática10. Desse modo, percorreram-se as etapas de pré-análise com organização do material das entrevistas, transcrição dos depoimentos, leitura flutuante de todo o material, seguida da sistematização, embasando-se no referencial bibliográfico, explicitação dos núcleos de sentido e organização das dimensões temáticas que emergiram do corpus.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências Médicas (CCM) da Universidade Federal da Paraíba sob nº 4.097.852, tendo seguido todas as recomendações da resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.  No sentido de preservar o anonimato dos entrevistados, foram atribuídos aos mesmos nomes de flores ligados à flora brasileira.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O papel da APS na RAS: abrindo as portas para o usuário

O Brasil conta com um arcabouço legal que garante o direito universal à saúde com acesso igualitário. As conquistas logradas a partir da Reforma Sanitária buscaram consolidar a dimensão do acesso dos usuários aos serviços do SUS. Contudo, ainda persistem diversos desafios nesse âmbito, no qual embora tenham ocorrido muitos avanços, ainda se evidencia uma realidade desigual e excludente1.

Para compreender melhor a situação do acesso na APS brasileira, recorremos aos estudos de Starfield2, a qual elenca quatro atributos essenciais para uma APS resolutiva. Entre esses atributos consta o acesso de primeiro contato. Assim, assegurar o acesso em tempo oportuno não deve ser apenas um anseio da comunidade, tão pouco da equipe, mas, sobretudo trata-se de uma característica para a oferta qualificada dos serviços nesse contexto.

Nesse cenário, o PMAQ-AB foi idealizado para alcançar o aprimoramento dos serviços de saúde prestados à população através da incorporação de processos avaliativos, com o preenchimento da Autoavaliação para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (AMAQ), entendida como ponto de partida para o desenvolvimento de todo o processo, levando-se em consideração os objetivos do serviço, e a necessidade de saúde da população, sem um se sobrepor ao outro.

A subdimensão do PMAQ-AB, intitulada “porta aberta” é constituída pelos seguintes componentes: atendimento de urgência e emergência, horários de funcionamento da UBS, acolhimento, atendimento de demanda espontânea, organização da agenda para consultas. O depoimento, “A UBS é dentro do território e não fecha para o almoço, sempre tem alguém para receber, agendar, isso foi uma forma que pensamos para facilitar o acesso, e também uma solicitação da comunidade (Calêndula)”,  ilustra uma decisão da equipe em modificar os horários de funcionamento da UBS, buscando contemplar as necessidades da comunidade. Assim, evidencia-se uma preocupação com a ampliação do acesso, e consequentemente o alcance de mais um indicador do PMAQ-AB.

Um estudo com a base de dados do PMAQ-AB apontou que 83% das equipes pesquisadas associaram a acessibilidade das unidades ao fato de estarem abertas 8 horas nos cinco dias da semana. As unidades de saúde costumavam funcionar aos sábados regularmente, e alcançaram o percentual de 25% da população de todo o território de todo o território nacional12.

Assim, ressalta-se a importância de se validar a autonomia de cada equipe, no sentido de organizar o seu processo de trabalho, ancorada na realidade local, ao tempo que contribui para o acesso sob a ótica dos usuários.

Nessa perspectiva do alinhamento do serviço com as necessidades dos usuários, cabe evidenciar que para além da construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS), o trabalho da equipe multiprofissional da APS requer o compromisso coletivo com as possibilidades de mudança, mediante a inserção dos serviços no território e na comunidade. “A equipe indo na escola com certeza há ampliação da assistência, porque conseguimos vê os problemas das crianças, e com isso aumenta o acesso (Jasmim).” Nesse cenário, a escola constitui um espaço estratégico para o fortalecimento do contato das equipes de saúde com os problemas das famílias e usuários da ESF, bem como para as ações de promoção da saúde13.

O Programa Saúde na Escola (PSE), lançado em 200713 pelo MS, vem se consolidando, com o intuito de articular a APS e a escola, consequentemente ampliando a oferta das ações de saúde junto a familiares e estudantes, e favorecendo a intersetorialidade dessas ações. As práticas de saúde, também são concebidas como práticas pedagógicas. Essa articulação entre os setores reafirma a perspectiva do coletivo e a necessidade de escutar a comunidade para a construção de possibilidades voltadas à qualidade de vida13.

Ainda nesta análise da subdimensão de porta de entrada preferencial à RAS, o componente “demanda espontânea”, inicialmente se apresentou bastante desafiador para as equipes da APS, em virtude da precariedade da infraestrutura para acolher o usuário.

            O Manual Requalifica UBS do MS14 dispõe de orientação para os gestores e assessores técnicos quanto aos documentos e projeto para captação de recursos e aos procedimentos para a implantação de unidade de saúde, incluindo desde a aquisição do terreno, até a construção, ampliação, ou reforma de UBS no território nacional. Contudo, nem sempre os parâmetros preconizados pelo MS são adotados, como se evidencia nesse relato: “As unidades não são adequadas para atender, são casas adaptadas para um atendimento realmente falho, não tem acessibilidade de cadeirante, daí você imagina (CRAVO)”.

Percebe-se nesse depoimento a inquietação do trabalhador para conseguir prestar um atendimento com qualidade na ausência de condições efetivas de trabalho. O cenário deste estudo se deu nos bairros mais antigos da cidade de João Pessoa, onde predominam os prédios tombados pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Assim, muitas UBS funcionam em prédios alugados e adaptados, não dispondo de uma estrutura física adequada.

O espaço de um local de trabalho incide diretamente nos serviços e atividades que são desenvolvidos naquele ambiente. No setor saúde esse aspecto é bastante relevante. Não é à toa que o MS nas últimas duas décadas vem desenvolvendo programas voltados à indução, avaliação, monitoramento e resultados capazes de serem mensuráveis, buscando garantir o acesso de qualidade a todos os usuários do SUS3.

O processo de implementação de condições que favoreçam o acesso da população aos serviços da APS no país ainda está em curso, apresentando entraves, de diferentes naturezas, incluindo aspectos sócio-econômicos, culturais e, políticos. Nesse contexto, ressalta-se diversos eventos desfavoráveis que culminaram com a desestabilização das bases financeiras do SUS, como a aprovação da PEC nº 95 – Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, também conhecida como a PEC da Morte, a qual estabeleceu a redução progressiva dos recursos federais para o SUS e a educação por um período de 20 anos, prejudicando consequentemente a seguridade social3,15,16.

Nesse âmbito, onera aos municípios a sobrecarga de gastos com a saúde, que atualmente já alcança o percentual de 31%. A atualização da tabela de serviços do SUS, junto ao Governo Federal consiste em uma reivindicação antiga oriunda das Conferencias Municipais e Estaduais de Saúde. Contudo, com a aprovação da referida PEC a defasagem dos valores foi exacerbada 3,15,16.

Vieira e Benevides15 estimam que ao final do período de 20 anos de vigência dessa PEC, haverá uma perda de R$ 400 bilhões no SUS. Tais números atestam a pouca prioridade conferida pelo atual governo federal para a saúde da população assistida pelo SUS.

É perceptível, nos relatos dos entrevistados, que a gestão municipal procurou induzir os trabalhadores a aderirem ao PMAQ-AB, com a promessa de que os aportes financeiros decorrentes do programa iriam facilitar melhorias de infraestrutura nas UBS. No entanto, isso não se concretizou, o que gerou um sentimento de frustação e descontentamento entre as equipes.

Olhe, como diz, é um programa de melhoria da assistência, infelizmente eu não enxergo dessa forma, eu não vejo que os recursos que vieram foram para melhorar a estrutura, compra de material, equipamento. Quase que fomos desclassificados por erros da gestão, por questões de infraestrutura física, só tinha um consultório odontológico (Cravo).

Quando eles vêem avaliar a gente e quando eles vieram na minha unidade a única coisa que nós tínhamos de ruim na nossa unidade era a estrutura física, a unidade é ótima, ela é própria do município, mas a estrutura não é boa, nunca fizeram uma reforma de vergonha com esse dinheiro do PMAQ-AB (Calêndula).

            Observa-se nessas falas uma fragilidade na relação entre trabalhadores da saúde e a gestão, e não expressando um vínculo de confiança em sua plenitude. Após três ciclos do PMAQ-AB ainda se percebe a ausência da participação dos trabalhadores nos processos de tomada de decisão quanto a gestão coletiva dos recursos, conforme sugerido pelo PMAQ-AB. Nessa direção poderiam ser empreendidos esforços pelos municípios para a criação de uma comissão com representantes dos trabalhadores da APS, voltada à elaboração da Lei Municipal para uso desses recursos.

Acolhimento e organização da agenda

Segundo a Política Nacional de Humanização (PNH) lançada em 2003 pelo MS, o acolhimento é ato de aproximação, de estar com algo ou com alguém, refere-se ao compromisso, na atitude de acolhê-lo em suas diferenças, suas dores, suas opções sexuais, suas alegrias, seus modos de viver, sentir e estar e viver a vida, isso requer das equipes de saúde a fluidez dos inéditos viáveis para construção da própria estratégia de acolher de cada equipe, ou seja, uma atitude de inclusão18,19.

Ademais, recomenda-se que o acolhimento, seja realizado com uso de protocolos já estabelecidos ou com estratégias construídas pela equipe, refletindo na qualidade do acesso dos usuários aos serviços. Tais recursos buscam atrair os usuários ao serviço18.

Assim, o acolhimento é considerado como um dispositivo para a ampliação e facilitação do acesso, principalmente para o monitoramento e acompanhamento de grupos populacionais portadores de doenças crônicas, e agravos mais prevalentes, sensíveis de serem acompanhados e tratados na APS.

Grande parte da demanda à UBS é voltada para a consulta médica. Todavia, no ato do acolhimento é possível reconduzir essa necessidade para atendimentos por outros trabalhadores da equipe, ou demais medidas terapêuticas oferecidas no serviço. Esse processo tende a paulatinamente descontruir a centralidade do médico no cuidado em saúde e consequentemente a prescrição medicamentosa, elementos ainda tão marcantes no modelo de atenção contemporâneo19, 20.

Fausto et al.12, destacam que a APS, para de fato constituir-se como porta de entrada à comunidade no âmbito da RAS deve construir meios e, oportunidades de acesso aos usuários, seja com acolhimento diferenciado ou com outras ações e recursos. Grande parte dos relatos deste estudo apontou o acolhimento como uma dimensão do processo de trabalho que pode ser realizado por qualquer integrante da equipe multiprofissional, a qual contribui para a ampliação do acesso. Nessa perspectiva emerge a importância do agendamento das consultas.

Em relação a ampliar o acesso o que a gente tenta fazer, é se organizar melhor com o agendamento. Eu vejo como a melhor maneira. Diante de nossas limitações de tempo e estrutura, n° de profissionais. A forma mais eficiente de organizar é o agendamento (Crisântero).

Eu tenho odontograma de trabalho, dái eu distribuo, na segunda criança, na terça idosos, na quinta gestante e por aí vai, então não aumenta o número de usuários, mas organiza o fluxo. Inclusive com os grupos da UBS, e também consigo ter vagas todos os dias para as urgências (Cravina).

Esses depoimentos evidenciam um avanço em relação à organização do agendamento de consultas para o mesmo dia em que o usuário procura o serviço, buscando diminuir o tempo de espera para o seu atendimento. Ressalta-se que o PMAQ-AB favoreceu a implantação desse sistema no âmbito das equipes, interferindo para um processo de trabalho que amplia o acesso aos serviços. Embora não haja um incremento expressivo do quantitativo de usuários atendidos, consegue contemplar a demanda em um tempo oportuno.

Entre os indicadores que pontuavam no PMAQ durante os seus três ciclos e que a própria equipe detinha autonomia para organizar, constava a organização da agenda, dispor em local visível na UBS o cardápio de serviços ofertados, e os nomes dos trabalhadores com seus respectivos horários: o equilíbrio entre a demanda espontânea e agendada: planejamento de ações estratégicas no território e as urgências12.

Embora o acolhimento nos serviços de saúde seja recomendado desde a PNH18 e também seja enfatizado pelos entrevistados quanto ao seu papel para a ampliação do acesso aos serviços de saúde da RAS, os achados desta pesquisa apontam para a necessidade de sua consolidação. Nessa direção, diversos desafios ligados ao preparo dos trabalhadores e a articulação da rede também foram relatados.

            Um aspecto recorrente nos depoimentos, consiste no entendimento de que a inserção do PMAQ-AB por meio de suas visitas técnicas in loco, colaborou para a implementação de novas rotinas de trabalho e o planejamento de ações, inclusive fomentando articulações com outros equipamentos da rede. Inicialmente tais mudanças foram provocadas pela demanda do PMAQ-AB, mas posteriormente essas práticas foram incorporadas no cotidiano do processo de trabalho, conforme expressa o discurso abaixo:

Mas depois do PMAQ que comecei a me organizar melhor nessa questão dos grupos, as prioridades, as demandas, agendamentos, separando o espaço da demanda espontânea. O PMAQ deixou isso mais evidente: organizar melhor esse processo de trabalho” (Crisântero).

Reorientação do trabalho pela equipe: um esforço cotidiano

            O trabalho da equipe deve ser centrado nos principais agravos de causas sensíveis a serem acompanhados na APS, e no desenvolvimento de ações que assegurem o cuidado em saúde de maneira integral, e em tempo oportuno respeitando as necessidades e condições de vida da comunidade3.

            Entre as principais ações referidas pelos sujeitos deste estudo a partir da implantação do PMAQ-AB constam: a organização da agenda, registros de maneira geral, rodas de conversas na UBS, fortalecimento de práticas de prevenção e promoção da saúde e nos mais diversos espaços e equipamentos sociais do território, estabelecimento de metas em equipe, e monitoramento dos indicadores de saúde de causas sensíveis à APS. “[…] esse plano, o PMAQ ele norteia realmente a equipe, de como a gente deve fazer os registros dos encaminhamentos, das notificações, ele orienta de como devemos trabalhar, é uma orientação (Azaleia)”.

            Aliado a isso, percebe-se o entendimento de alguns trabalhadores frente à suas práticas e ao processo de incorporação de novas atividades e ações, impulsionadas pelo PMAQ-AB. Por outro lado, também houve trabalhadores que relataram não observar mudanças expressivas, mas reconhecem o fortalecimento e a organização de práticas de saúde, que já existiam, como atividades educativas nas escolas, rodas de conversa com temas sobre saúde, o Programa Nacional de Hipertensos e Diabéticos, mas que ainda precisavam se consolidar no cotidiano da equipe.

            Segundo o MS, realizar acolhimento com classificação de risco, escuta qualificada, e de certo modo uma análise da vulnerabilidade social, primando pela responsabilidade da assistência de forma resolutiva à demanda agendada e espontânea, sendo o centro ordenador da RAS, são elementos para o processo de trabalho na APS. Dentre as diversas estratégias desenvolvidas na APS destaca-se a ida para comunidade sem destino certo, mas com o propósito de conhecer o território e, se integrar a ele22.

Sair pras ruas, nas casas do povo, falar com alguém para colocar umas mesas na calçada, vai toda a equipe médico, enfermeiro, ACS é assim se o paciente não vai a UBS… Você vai até o paciente. Mostra para o paciente que tem um serviço de saúde e que ele pode contar (Papoula).

            A partir do momento que a equipe decide extrapolar os muros da UBS, implica uma nova possibilidade de atuação, para além da zona de conforto de cada trabalhador, no caso a proteção conferida pelo espaço da unidade. Tal processo favorece a sua aproximação com as particularidades dos domicílios, as singularidades, angústias e subjetividade de cada família. Essa dinâmica regular de idas e vindas ao território tende a possibilitar maior compreensão do processo saúde doença a partir dos determinantes sociais, culturais, religiosos e econômicos da comunidade20,21, conforme ilustra o relato a seguir:

Eu gosto de comunidade, eu gosto de gente, eu acho gente a coisa mais séria do mundo, não existe coisa melhor do que gente, quando você vai na casa deles você é bem tratada, conversa diz o que você é na UBS e o que faz, às vezes eles nem sabe (Papoula).

            Nessa perspectiva, a territorialização consiste em uma dimensão estruturante do processo de trabalho na ESF, a qual delimita-se a área adscrita às equipes, e atribui-se de 2.000 a 3.500 pessoas cadastradas para vinculação à cada equipe. No entanto, os gestores municipais possuem a autonomia para definição desse território e quantitativo de famílias, respeitando as peculiaridades de sua região, como as zonas rurais e parque industrial que estão cada dia mais próximo das cidades22.

Evidencia-se a preocupação dos trabalhadores deste estudo quanto à difusão para a comunidade das ações ofertadas, ao mesmo tempo a descoberta do território, do papel da unidade como um espaço de cuidado em saúde. Isso aponta para a necessidade de expandir os canais de comunicação com os usuários buscando identificar os entraves encontrados para a não procura do serviço.

A construção de vínculos é uma premissa importante do trabalho na ESF, contribuindo para o compartilhamento de saberes e vivências, entre trabalhadores e usuários, além de favorecer um diagnóstico precoce que tende a viabilizar a construção de planos terapêuticos individualizados, e menores taxas de internações. É inegável a influência dos determinantes sociais do processo saúde-doença, assim o vínculo e a longitudinalidade do cuidado se entrelaçam na subjetividade oriunda do território, e nas relações horizontais entre esses atores da APS23.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Este estudo analisou as contribuições do PMAQ-AB para o acesso da população aos serviços de saúde da APS no município de João Pessoa – PB, a partir das percepções dos trabalhadores de saúde de um DS.

Nessa perspectiva, seus achados permitem evidenciar repercussões importantes desse programa quanto à ampliação do acesso, seja com o fortalecimento de ações que já existiam, e precisavam ser consolidadas, como também mediante a criação de novas possibilidades e mecanismos ligados ao processo de trabalho das equipes. Os desafios ainda são diversos. Entretanto, ampliar o acesso segue sendo fundamental no fortalecimento da APS.

            Importa assinalar que embora tenha havido esforços quanto ao agendamento de entrevistas com os profissionais médicos, não aderiram à esta pesquisa. Essa ausência pode representar um limite, visto que esses profissionais agregariam outras dimensões importantes para o estudo. Talvez o contexto desafiador que as equipes de saúde vêm enfrentando no cenário atual da pandemia, possa explicar em parte tal lacuna.

            Em que pese a extinção do PMAQ-AB, os dados produzidos evidenciam desdobramentos favoráveis em práticas cotidianas que efetivamente qualificam os serviços prestados na APS em articulação com a RAS.

Por outro lado, o fato do PMAQ-AB ter viabilizado a estruturação de um grande banco de dados com abrangência nacional, o credencia como uma fonte valiosa para outras pesquisas voltadas à compreensão do processo de avaliação em serviços públicos de saúde. Aliado a isso, vale empreender esforços para o acompanhamento e monitoramento do programa Previne Brasil, recém implantado no país para substituir o PMAQ-AB.

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22. CAMARGO, D.S. CASTANHEIRA, E.R.L. Ampliando o acesso: o Acolhimento por Equipe como estratégia de gestão da demanda na Atenção Primária à Saúde (APS). Interface – Comunicação, Saúde, Educação [online], v. 24, sup 1,2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/Interface.190600. Acesso em: 14 fev. 2021.

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1Enfermeira/Sanitarista. Mestre em Saúde Coletiva pela UFPB. Especialista em Saúde da Família pela Escola Santa Emília de Rodat. erlaine_souza@hotmail.com.

2Graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Residência em Medicina Preventiva e Social pela UFPB.  Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasilia. Professor do Departamento de Promoção da Saúde, Centro de Ciências Médicas da UFPB. andrelbc4@gmail.com 

3Departamento de Nutrição/ Centro de Ciências da Saúde/ Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e doutorado em Ciências pela ENSP/FIOCRUZ. anacpeixoto@uol.com.br

4Graduação em Enfermagem pela Universidade Estadual do MA- UEMA. Enfermeiro na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Especialista em: “Enfermagem e as patologias”; “Enfermagem e Doenças transmissíveis”; “Enfermagem e saúde”. romildo.santos@ebserh.gov.br

5Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (PPGAT) UFU. Médico na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). marcio.paulo@ebserh.gov.br.

6Enfermeira. Especialista em Saúde da Família pela Universidade Federal da Paraíba UFPB. Mestre em gestão da qualidade em saúde. tainara_barbosa@hotmail.com.  

7Psicóloga Especialista em saúde mental e em gestão do cuidado com o foco no apoio matricial pela UFPB. kalecal4@gmail.com.

8Graduação em Enfermagem (Universidade federal de Uberlândia- UFU). Mestrado em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador – PPGAT- UFU. osisou@yahoo.com.br

9Graduação em Enfermagem. Especialização em enfermagem do trabalho. Enfermeira assistencial na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH. tininhaformiga@hotmail.com

10Assistente Social/Sanitarista. Especialização em Gestão de Políticas Públicas-IFPB e Mestra em Saúde Coletiva-UFPB. edjavane@gmail.com