BREVES NOÇÕES ACERCA DA NOVA REGULAMENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO NO  NCPC/15 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10800853


Daniela Mizrahi Suster


RESUMO 

A elaboração do presente artigo tem como propósito a realização de uma breve  análise acerca da inserção de uma nova hipótese de cabimento da Reclamação, nos termos  do art.988, inciso IV do NCPC/15, bastante evidenciada, e que contribui indubitavelmente  para o endosso da tese segunda a qual o julgamento em incidentes de assunção de  competência (IAC) ou de resolução de demandas repetitivas (IRDR) resultam na formação  de precedentes de observância obrigatória. 

Palavras Chaves: Reclamação. Precedente judicial. Padrões decisórios.  

1. INTRODUÇÃO 

No presente artigo trataremos acerca da chamada reclamação, tema de maior  relevância no ordenamento processual pátrio. Como nos ensina em sua obra Guilherme  Freire de Melo Barros, não se trata de instituto exclusivo do direito processual público,  e muito menos recebe tratamento diferenciado do ordenamento nos casos em que  envolve pessoa jurídica da administração (direta ou indireta)1.  

A reclamação foi originalmente disciplinada pela constituição federal (daí a ser classicamente denominada “reclamação constitucional”), e serve como importantíssimo  mecanismo voltado a assegurar a competência e a autoridade das decisões dos tribunais,  inicialmente apenas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de  Justiça (STJ), bem como à garantia de observância das suas decisões.  

Cuida-se de processo de competência originária dos tribunais, que teve o seu  alcance consideravelmente dilatado por meio do novo código de processo civil,  passando a prever o instrumento com aplicação ampla a qualquer tribunal2, que, diga-se  de passagem, tratou-se de alteração adequada por parte da lei. Como reforça Leonardo  Carneiro da Cunha, um eventual descabimento do instituto perante tribunais de justiça e  regionais federais poderia provocar o que o autor apelida de uma “lacuna jurídica  ameaçadora”3

2. NATUREZA JURÍDICA DA RECLAMAÇÃO 

No que toca a natureza jurídica do instituto, verifica-se grande divergência  doutrinária e jurisprudencial. Inicialmente, quando questionado acerca da controvérsia,  o supremo tribunal federal adotou a tese segundo a qual a reclamação seria considerada  como expressão do direito constitucional de petição, previsto no art.5º, inciso XXXIV,  alínea “a”4 da carta maior, garantia individual fundamental do cidadão. 

Posto de outra forma, a reclamação, segundo essa acepção adotada por parte do  supremo, serviria de veículo por meio do qual o indivíduo poderia acessar à  Administração Pública, visando à defesa de um direito fundamental desrespeitado, ou  então o combate a ilegalidade ou abuso do poder5

Contudo, tal posicionamento não é acatado por parte da doutrina, que se divide em algumas correntes. Dessarte, uma parcela defende, nesses casos, a existência de uma  pretensão à tutela jurídica por parte do ente estatal. Argumenta-se que a reclamação  ocasiona a cassação do provimento decisório reclamado, com eventual avocação dos  autos por parte do tribunal, a depender de sua hipótese de cabimento.  

Dessa forma, não haveria que se falar em uma atividade de cunho  administrativo, já que se mostra impensável a possibilidade de uma decisão judicial ter  a sua eficácia suprimida em razão de uma medida meramente administrativa. Uma  segunda corrente, por outro lado, defende se tratar a reclamação de uma espécie de  recurso, tese, que, no entanto, sofre duras críticas por parte dos demais: 

Nesse sentido, vejamos: 

A reclamação tem, enfim, natureza jurídica de ação. É exemplo de ação autônoma de impugnação de ato judicial, de natureza constitucional. Em primeiro lugar, porque depende de provocação de uma das partes ou do Ministério Público. Essa,  como se sabe, é uma das distinções entre a atividade  administrativa e a jurisdicional: enquanto a primeira pode ser realizada de ofício, a segunda depende de provocação (CPC, art. 2º). Demais disso, o acolhimento da reclamação não ocorre no  mesmo processo em que praticado o ato reclamado. A  reclamação constitucional provoca não a anulação ou reforma da  decisão exorbitante, mas sua cassação (sem necessidade de o  órgão inferior proferir outra) ou a avocação dos autos, para a  observância da competência do tribunal. Na reclamação, não há  reforma da decisão, pois não se profere outra no lugar da  decisão reclamada, não havendo, portanto, o efeito substitutivo a  que alude o art. 1.008 do CPC. (CUNHA, Leonardo Carneiro, 2018, pg. 650).  

Frise-se que, em decisão contemporânea, o supremo tribunal federal, no  julgamento da reclamação nº 29914/SP- AgR, entendeu que, tendo-se em conta o princípio processual da causalidade, seria possível a condenação da parte vencida na  reclamação ao pagamento dos honorários e custas (das chamadas verbas de  sucumbência). Assim, verificada esta possibilidade, parece forçoso concluir sua filiação  ao posicionamento que defende a natureza jurídica de ação do instituto.  

(…) “AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. DIREITO  ADMINISTRATIVO E DO TRABALHO. REMUNERAÇÃO.  SÚMULAS VINCULANTES 37 E 42. HONORÁRIOS  ADVOCATÍCIOS EM RECLAMAÇÃO. NOVO REGIME  PROCESSUAL. CABIMENTO. 1. Não viola as Súmulas  Vinculantes 37 e 42 decisão que, com base no Decreto nº 41.554/97  e Lei nº 8.898/94, ambos do Estado de São Paulo, garante a  empregada pública cedida da Fundação Municipal de Ensino Superior de Marília para a Faculdade de Medicina de Marília – FAMENA o percebimento de remuneração conforme índices  estabelecidos pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo – CRUESP. Precedentes. 2. O CPC/2015  promoveu modificação essencial no procedimento da reclamação, ao instituir o contraditório prévio à decisão final (art. 989, III). Neste  novo cenário, a observância do princípio da causalidade viabiliza a  condenação da sucumbente na reclamação ao pagamento dos  respectivos honorários, devendo o respectivo cumprimento da  condenação ser realizado nos autos do processo de origem, quando  se tratar de impugnação de decisão judicial. 3. Agravo interno a que  se nega provimento” (Rcl 24.417-AgR/SP, Rel. Min. Roberto  Barroso). Isso posto, nego seguimento a esta reclamação, nos termos do art. 21, § 1º, do RISTF, ficando prejudicada, por conseguinte, a  apreciação da liminar. A reclamante, em caso de eventual  interposição de recurso, deverá indicar as informações necessárias à  citação do beneficiário da decisão impugnada (art. 319, II,  combinado com o art. 989, III, do CPC). Publique-se. Brasília, 13 de  março de 2018. Ministro Ricardo Lewandowski Relator.  (STF – Rcl: 29914 SP – SÃO PAULO 0066933-36.2018.1.00.0000,  Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento:  13/03/2018, Data de Publicação: DJe-051 16/03/2018) (grifos nossos). 

3. HIPÓTESES DE CABIMENTO 

Conforme nos ensina Daniel Amorim, o NCPC/15 também amplia o cabimento  da reclamação constitucional aos tribunais de segundo grau, uma vez que o art. 988, I e  Il, do Novo CPC se limitam a indicar apenas tribunal, não exigindo tribunais de  superposição como ocorreu no texto constitucional6.  

As hipóteses de cabimento da Reclamação vêm previstas no dispositivo 9887da  codificação. O Novo Código de Processo Civil, não apenas reproduz as três hipóteses  que já eram prevista sob a égide da constituição federal (no que tange a i) preservação  de competência do tribunal; a ii) garantia da autoridade de suas decisões, bem como das  iii) súmulas vinculantes e das decisões em controle concentrado de constitucionalidade),  como também inclui nesse rol uma nova hipótese, que garante o seu cabimento para  garantia de observância de acórdão ou precedente proferido em julgamento de casos  repetitivos ou em incidente de assunção de competência.  

3.2 DA GARANTIA DE OBSERVÂNCIA DE ACÓRDÃO PROFERIDO EM  JULGAMENTO DE IRDR e IAC; 

Como já ventilado em momento anterior, intenta-se, com essa inserção  legislativa, a ênfase na tese segundo a qual os precedentes formados em sede de  julgamento IAC e em julgamento de IRDR teriam eficácia vinculante. Tanto é assim,  que a sua observância pode ser assegurada por meio da interposição de Reclamação.  

Nesses casos, segundo se infere do §4º do referido dispositivo, a modificação de  tese adotada em julgamento de casos repetitivos deve observar a necessidade de  fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica,  da proteção da confiança e da isonomia. Nessa perspectiva: 

o art. 489, § 1°, V, do Novo CPC exige na fundamentação da decisão  que o órgão julgador identifique os fundamentos determinantes do  precedente vinculante, justamente para demonstrar seu cabimento ou  não ao caso concreto, será a partir dessa fundamentação que a parte  terá condição de analisar o cabimento da reclamação constitucional  contra a decisão.( NEVES, Daniel Amorim Assumpção, 2017,  pg.1531).  

Daniel Neves aponta também questionamento pertinente que se verifica na conjectura segundo a qual o órgão julgador deixar de aplicar o precedente vinculante  com fundamento na distinção ou superação. Para o autor, nessas hipóteses poderia ser  questionado o cabimento da reclamação8

A resposta a tal questionamento pode ser, em um primeiro momento, inferida à partir da compreensão do art. 988, IV NCPC/15, pela qual, em sendo o caso de não  aplicação do precedente em razão da distinção ou superação, não haveria que se falar  em um direito do indivíduo à garantia da observância de tal precedente, de modo que  não se poderia cogitar da oposição de reclamação constitucional.   

Contudo, como bem nos lembra o autor, não se pode privar à parte do direito de  discutir, em sede de reclamação, a pertinência e adequação da distinção ou superação  aplicada ao caso concreto, de modo a se verificar a real possibilidade do afastamento do  precedente. Posto de outra forma, o tribunal deverá confirmar o acerto, ou não, da  distinção ou superação aplicada, de modo que eventual equívoco quanto ao afastamento  do precedente não pode levar à inadmissão da reclamação, mas sim ao julgamento de  improcedência.  

Ressalta-se, por fim, que alguns autores sustentam a impossibilidade de oposição  de reclamação nessa hipótese, quando apenas se verifica a omissão do órgão  jurisdicional na aplicação do precedente. Segundo essa corrente, o cabimento de  reclamação só seria possível nos casos em que o órgão julgador deixar de aplicar,  expressamente, a orientação firmada, já que nos casos de simples omissão, a solução  adequada seria a interposição dos chamados embargos de declaração9.  

4. CONCLUSÃO 

Como se sabe, o Código impõe aos tribunais o dever de uniformização da sua  jurisprudência, de forma a mantê-la estável, íntegra e coerente. Sendo assim, os juízes e  tribunais devem observar “os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de  resolução de demandas repetitivas” (NCPC/15, art. 927, III). 

Ora, nos ditames de Leonardo Carneiro da Cunha, o incidente de resolução de  demandas repetitivas, e o incidente de assunção de competência têm um objetivo  comum de formar precedentes de observância obrigatória. Sendo assim, e verificada a  sua formação, os juízos e tribunais vem-se ou veem-se vinculados a tese adotada pelo  precedente, devendo aplica-la aos casos sucessivos10.  

Em havendo sua inobservância, estaremos diante de hipótese de cabimento de  reclamação. Nesse contexto, a reclamação caracteriza-se como um mecanismo de  extrema relevância que, em razão das inovações legislativas que se fazem presentes no  novo código de processo civil, passa a desempenhar importante papel no que tange a assegurar a observância de decisões proferidas com a finalidade de formação de padrões  decisórios. 


1BARROS, Guilherme freire de Melo – Poder Público em juízo para concursos, 2017, 7ª Ed,  JUSPODIVM, pg .238 
2 BARROS, Guilherme freire de Melo, op. Cit. Pg.238. 
3 CUNHA, Leonardo Carneiro – A Fazenda Pública em Juízo, 15ª Ed., 2018, Editora Gen Forense,  pg.647. 
4 a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de  poder; Sítio do planalto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em  04/04/18.  
5TORRES, Paulo – Manual do Advogado Público, 2018, 1ª Ed. JUSPODIVM, pg.180
6 NEVES, Daniel Amorim Assumpção – Manuela de Direito Processual Civil, Volume único, 9ª Ed.,  2017, Editora JUSPODIVM, pg.1524.  
7Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I – preservar a competência do tribunal;
II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal
em controle concentrado de constitucionalidade; (Redação dada pela Lei no 13.256, de
2016) (Vigência)
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (Redação dada pela Lei no
13.256, de 2016) (Vigência); – Sítio do planalto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 04/04/18.
8 NEVES, Daniel Amorim Assumpção, op. Cit. Pg, 1532. 
9TORRES, Paulo, op. Cit. Pg, 186. 
10 CUNHA, Leonardo Carneiro, op. Cit. 667


5. BIBLIOGRAFIA 

– CUNHA, Leonardo Carneiro – A Fazenda Pública em Juízo, 15ª Ed., 2018,  Editora Gen Forense.  

– NEVES, Daniel Amorim Assumpção – Manuela de Direito Processual Civil,  Volume único, 9ª Ed., 2017, Editora JUSPODIVM

-TORRES, Paulo – Manual do Advogado Público, 2018, 1ª Ed. JUSPODIVM.  

BARROS, Guilherme freire de Melo – Poder Público em juízo para concursos,  2017, 7ª Ed, JUSPODIVM.  

– CÂMARA, Alexandre Freitas – O Novo Código de Processo Civil Brasileiro, 3ª Ed., 2017, Editora Gen Forense. 

– Sítio do planalto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 04/04/18.  

– Sítio do planalto:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em  04/04/18. 

– Sítio do STF: http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/, acesso em 08/05/18.