EDUCAÇÃO SEXUAL NO BRASIL: O PAPEL DOCENTE NA TRANSVERSALIDADE

SEXUAL EDUCATION IN BRAZIL: THE TEACHER’S ROLE IN TRANSVERSALITY

EDUCACIÓN SEXUAL EN BRASIL: EL PAPEL DEL DOCENTE EN LA TRANSVERSALIDAD

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10.5281/zenodo.10711503


Florinaldo Carreteiro Pantoja1
João Wilson Savino Carvalho2
Éryca Rodrigues Carreteiro3
Solane Soraia Coutinho Carvalho4
Felipe Matheus Coutinho Carvalho5


RESUMO:

A história da educação sexual no Brasil apresenta avanços e recuos sincronizados com os processos de repressão e abertura política, com o avanço das DSTs e com a liberdade sexual, o crescente espaço na mídia, e o acesso dos adolescentes às novas tecnologias de comunicação, pressionando a escola e a educação para assumir seu papel na temática. O Ministério da Educação incluiu a Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais, como temática transversal, não obrigatória, mas recomendada para ações dentro da escola.  São diretrizes para o trabalho dentro da escola que representam uma proposta de currículo. Em razão das demandas sociais, neles foram inseridos temas relevantes e necessários para construção de uma sociedade democrática e menos desigual, inclusive na Orientação Sexual. Para o desenvolvimento e sucesso do trabalho de Orientação Sexual o papel do professor é indispensável. A família, apesar do bombardeio de informações pela mídia, é uma instituição que ainda trata a sexualidade como tabu, para muitos pais, o assunto é abolido, relegado e marginalizado no diálogo familiar. Com isso, a integração entre a escola e a família é essencial, pois cabe à família transmitir valores, crenças e concepções, e a escola cabe discuti-los.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Sexual. Orientação Sexual. Papel docente. Transversalidade.

ABSTRACT:

The history of sexual education in Brazil presents advances and setbacks synchronized with the processes of repression and political opening, with the advance of STDs and sexual freedom, the growing space in the media, and adolescents’ access to new communication technologies, putting pressure on school and education to assume its role in the subject. The Ministry of Education included Sexual Orientation in the National Curricular Parameters, as a transversal theme, not mandatory, but recommended for actions within the school. These are guidelines for work within the school that represent a curriculum proposal. Due to social demands, relevant and necessary themes were included in them to build a democratic and less unequal society, including Sexual Orientation. For the development and success of Sexual Orientation work, the role of the teacher is essential. The family, despite the bombardment of information by the media, is an institution that still treats sexuality as a taboo; for many parents, the subject is abolished, relegated and marginalized in family dialogue. Therefore, integration between school and family is essential, as the family is responsible for transmitting values, beliefs and conceptions, and the school is responsible for discussing them.

KEYWORDS: Sex Education. Sexual Orientation. Teaching role. Transversality.

RESUMEN:

La historia de la educación sexual en Brasil presenta avances y retrocesos sincronizados con los procesos de represión y apertura política, con el avance de las ETS y de la libertad sexual, el creciente espacio en los medios de comunicación y el acceso de los adolescentes a las nuevas tecnologías de la comunicación, ejerciendo presión sobre la escuela. y la educación para asumir su papel en el tema. El Ministerio de Educación incluyó la Orientación Sexual en los Parámetros Curriculares Nacionales, como un tema transversal, no obligatorio, pero recomendado para acciones dentro de la escuela. Son pautas de trabajo dentro de la escuela que representan una propuesta curricular. Por demandas sociales, en ellos se incluyeron temas relevantes y necesarios para construir una sociedad democrática y menos desigual, incluida la Orientación Sexual. Para el desarrollo y éxito del trabajo de Orientación Sexual, el papel del docente es fundamental. La familia, a pesar del bombardeo informativo por parte de los medios de comunicación, es una institución que aún trata la sexualidad como un tabú; para muchos padres, el tema está abolido, relegado y marginado en el diálogo familiar. Por tanto, la integración entre escuela y familia es fundamental, ya que la familia es responsable de transmitir valores, creencias y concepciones, y la escuela es responsable de discutirlos.

PALABRAS CLAVE: Educación sexual. Orientación sexual. Rol docente. Transversalidad.

Introdução

Desde o início do século XX, nos períodos de 1920 e 1950, encontraram-se registros de escolas que já desenvolviam trabalhos na área da Educação sexual.  Os primeiros trabalhos eram voltados basicamente às questões biológicas, mas constituem, de toda sorte, as primeiras tentativas de se implantar a orientação sexual na escola (Silva, 2002). 

Oficialmente, a História da Educação Sexual no Brasil teve inicio na década de 1960, influenciada que foi pelas transformações surgidas no seio da sociedade, como o movimento feminista, o inicio da comercialização da pílula anticoncepcional, ofertando à mulher o direito de escolher o sexo para o prazer sexual ou procriação, e o surgimento dos primeiros programas de orientação sobre sexualidade nas escolas.  

Alguns autores afirmam que a educação sexual no Brasil teve sua ascensão entre 1960 e 1964, entretanto, esse período promissor foi abortado com o golpe militar de 1964. Nessa época, o país atravessava um período de intensa repressão em todos os níveis. A maioria dos trabalhos existentes em Educação sexual naquele momento foi interrompido, e houve um sensível retrocesso.

Nas décadas de 1980 e 1990, ressurge o interesse pelo tema, estimulado principalmente pelos grandes números da gravidez precoce e do número das pessoas contaminadas pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana adquirida) pela via da transmissão sexual. Outro fator importante foram a abertura do regime político e o amadurecimento da geração que viveu intensamente os loucos anos setenta, levando a que o período inicial dos anos 1980 tenha sido mais liberal na veiculação e divulgação de questões ligadas à sexualidade:

Surgiram serviços telefônicos, programas de rádio, o programa de Marta Suplicy na televisão (que gerou grandes polêmicas), e também enciclopédias e fascículos vendidos em bancas de jornal, todos destinados a responder questões sobre sexo. 

(…). 

Congressos e encontros de profissionais foram realizados com a participação de educadores, médicos e cientistas sociais. Tudo isso contribuiu para intensificar o debate sobre a inclusão de educação/orientação sexual nas escolas. (Silva, 2002, p.9 a 11).

Neste momento, o tema sexo já começava a ter presença nos meios de comunicação, que associavam a produtos em propagandas de consumo dos adolescentes e jovens, porém, por outro lado, os tabus e preconceitos faziam com que eles acreditassem que estavam cometendo pecado. 

A partir do século XXI, as escolas apresentam cada vez mais a necessidade de programa de educação sexual, para informar, orientar e esclarecer as dúvidas dos adolescentes sobre sexualidade.  Diante disso, a educação sexual tem sido alvo de discursos diversos, sobretudo nas últimas duas décadas, em função do surgimento da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). 

Em 1995, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) coordenou a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’n) para o Ensino Fundamental, a ser apreciado pelo Conselho Nacional de Educação. Essa proposta incluiu a Orientação Sexual como articulada com disciplinas como ética, saúde, meio ambiente e pluralidade cultural. Em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) não menciona expressamente a abordagem sistematizada da educação sexual/orientação sexual, porém o tema pode ser interpretado em seus princípios básicos, especialmente os que tratam do desenvolvimento pleno do educando, a tolerância e apreço à liberdade.

Porém, em 1998, o então Ministério da Educação e do Desporto inclui a Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN, não obrigatória, mas recomendada para ações dentro da escola. Em 2000 são lançados os PCN para o Ensino Médio, com o objetivo de divulgar a reforma e orientar os professores. Em 2010 são definidas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNs) com o objetivo de orientar o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. Em 2015 é instituída a Comissão de Especialistas para a Elaboração de Proposta da Base Nacional Comum Curricular. Ainda nesse ano ocorre a mobilização das escolas de todo o Brasil para a discussão do documento preliminar da BNC. Em 2016 surge a 2ª versão da BNCC, que é debatida em seminários estaduais em todo os estados do Brasil. Em 2017 a versão final da BNCC é homologada pelo MEC e instituída pelo CNE. Em 2018 escolas de todo o País se mobilizaram para discutir o documento e no final do ano o MEC homologou a etapa do ensino médio, concluindo esse demorado processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem, no volume 10, como transversal, o tema Orientação Sexual. Não houve, entretanto, o necessário processo de preparação dos docentes para atuar de forma eficaz com a educação/orientação sexual nas escolas, o que facilitou o aparecimento de práticas e ações desenvolvidas a mercê da interpretação individual de cada docente, de acordo com sua religiosidade, classe social ou ideologia política. E, ademais disso, ao longo desse demorado processo, avançou, na mídia e na linguagem cotidiana, do uso do termo “orientação sexual” com o sentido de direcionamento da sexualidade para determinado gênero (homo, hetero, pansexual ou assexual), explicado geralmente pela distinção do termo “identidade de gênero”, que é o gênero com o qual uma pessoa se identifica (cis, trans, pangênero, ou não binário), o que, na interpretação reducionista da ação docente resulta no foco limitado do conceito de orientação sexual referindo-se tão somente à descoberta e aceitação da orientação afetiva e sexual, em confronto com o conceito de “educação sexual”, visualizado como a ação uma ação educativa que ocorreria apenas na escola, o que estaria fadando o termo “educação sexual” ao desuso. 

O resultado foi o deslocamento da questão da abordagem da orientação/educação sexual nas escolas como tema transdisciplinar, do âmbito técnico para o político, com as indicações e balizamentos constantes da BNCC sendo interpretados conforme os interesses defendidos por cada grupo.

Na verdade, nos parâmetros curriculares a orientação sexual é explicada em um sentido mais amplo, de maneira como uma pessoa vivencia suas relações afetivas e sexuais, se referindo a todo o desenvolvimento sexual, que envolve a saúde reprodutiva, as relações interpessoais, a imagem corporal, a autoestima e as relações de gênero, e se distingue de Educação sexual, que é entendido como o processo informal pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da vida e em todas as suas instâncias sociais (PCN, 1998).

Com o objetivo de ampliar a discussão e superar as interpretações reducionistas e/ou viesadas sobre o tema, o presente estudo aborda a questão da educação sexual nos parâmetros curriculares brasileiros, sob a perspectiva do pensamento construtivista e da educação como prática de liberdade, visando contribuir para a reflexão do docente sobre a sua prática educativa cotidiana em sala de aula, como projeto de superação contínua dos bloqueios que entravam a compreensão do seu papel educador, que é, mesmo tempo, de ser imerso na cultura e na história, e de ser responsável pela orientação sexual adequada de seus alunos.   

1 A Educação Sexual e os Parâmetros Curriculares Nacionais 

Em meados dos anos 1990, o Ministério da Educação retoma a discussão acerca das propostas curriculares para o país. Para tanto, reuniu profissionais da Educação, especialistas das diferentes áreas e ciclos a quem foi atribuída a responsabilidade de formular as bases curriculares para a educação brasileira. 

O resultado desse trabalho se materializou nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que é um documento que tinha como meta oferecer a proposta ministerial para a construção de uma base comum nacional para o Ensino Fundamental brasileiro e ser uma orientação para que as escolas formulem seus currículos, levando em conta suas próprias realidades, tendo como objetivo do ensino de 1ª a 8ª série a formação para uma cidadania democrática.  Nesse documento se pode encontrar explicitamente o pensamento vigente acerca do que deve ser a Educação no País. 

A renovação e reelaboração da proposta curricular, reforçam a importância de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre todos os educadores (…). Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional (…) Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo. (Brasil, 1996, p.7). 

A partir disso, as escolas passaram a contar com uma proposta inovadora em termos educativos: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apresentam grande utilidade não só para implantação dos conteúdos de Sexualidade e Saúde Reprodutiva, mas também na discussão de princípios democráticos como a dignidade da pessoa, a igualdade de direitos, a participação e a co-responsabilidade social.  

Os Temas Transversais integram os Parâmetros Curriculares, não como áreas novas, mas como elementos a serem incorporados e articulados às áreas já existentes, daí a necessidade de uma articulação transversal, na medida em que a sua complexidade impede o tratamento dentro de uma disciplina específica, ao mesmo tempo em que têm relações com todas elas. Respondem à demanda por uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental: 

Os temas transversais destinam-se a superar alguns efeitos perversos, aqueles dos quais a sociedade atual se conscientizou, que, junto com outros de grande validade, herdamos da cultura tradicional. Estas questões devem ocupar um lugar secundário no ensino só porque não faziam parte das preocupações da ciência clássica? (…). (Moreno in Busquets et al., 1997, p. 35-36).  

Os temas transversais são temas cuja compreensão e discussão são urgentes para a sociedade brasileira contemporânea e que devem ter na escola um espaço que garanta a sua compreensão e a construção de ações que contribuam para promover a cidadania e a superação da desigualdade social. Esses temas foram escolhidos em função de sua urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, possibilidade de favorecer a compreensão da realidade e a participação social:

(…) por serem questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreas convencionais. Tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano. São questões urgentes que interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que está sendo construída e que demandam transformações macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a essas duas dimensões. (Brasil, 1998, p. 26). 

Dessa forma, a escola ganha um novo sentido, passando de um mero espaço de acesso às informações para um espaço de formação socialmente relevante. Em síntese, os temas transversais são apresentados como assuntos que devem permear as diferentes disciplinas, ao longo dos diversos ciclos e séries. 

Não existe obrigatoriedade em executar essa proposta, mas sem dúvida se trata de um importante apoio para se incluir temas como sexualidade e saúde reprodutiva no contexto educacional. Isso se justifica ainda mais na realidade atual, em que a situação de vulnerabilidade da população jovem é amplamente conhecida e, por essa razão, carente de ações preventivas mais eficazes. Nesta proposta, a sexualidade é tratada como algo que faz parte da vida e da saúde, e que se expressa do nascimento até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações entre homens e mulheres, o respeito a si mesmo e ao outro e às diferentes crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática: 

A Orientação Sexual na escola é um dos fatores que contribui para o conhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos. Eles dizem respeito à possibilidade de que homens e mulheres tomem decisões sobre sua fertilidade, saúde reprodutora e criação de filhos, tendo acesso às informações e aos recursos necessários para implementar suas decisões.  (Brasil, 1998, p. 293). 

Muitas experiências vinham mostrando a necessidade de que tais questões fossem trabalhadas de forma contínua, sistemática, abrangente e integrada e não como áreas ou disciplinas específicas. Trabalhando assim essa temática, se objetivava contribuir para a superação de tabus e preconceitos que ainda existem no contexto sociocultural brasileiro e que, de alguma maneira, dificultam o exercício da cidadania.  

Desde que foi formalizada, esta proposta de trabalho foi apontada como a mais adequada para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, onde homens e mulheres tenham direito a uma melhor qualidade de vida e que todos os seus direitos, inclusive os reprodutivos, sejam respeitados.  

2 Orientação Sexual e Educação Sexual: as diferenças conceituais. 

Essas duas terminologias são muito conhecidas, usadas e, por vezes, confundidas, até mesmo por alguns estudiosos da área, pois ao investigar a trajetória de abordagem da sexualidade na escola, detectou-se a falta de padronização de uma terminologia básica e de uma posição teórica clara e objetiva desses conceitos. 

A educação sexual, tomada num sentido mais amplo, compreende todas as ações, diretas ou indiretas, deliberadas ou não, conscientes ou não, exercitadas sobre um indivíduo ao longo de seu desenvolvimento, que lhe permite situar-se em relação à sexualidade em geral e à sua vida sexual (Wereb, 1977, p.11 apud Silva, 2002 p. 28).

Educação Sexual se expressa através de um processo global, não intencional, e envolve toda a ação exercida sobre o indivíduo no seu cotidiano. Essa forma de intervenção é denominada, segundo alguns autores, como informal. 

Surgindo no seio familiar, tende a reproduzir nos jovens os padrões de moralidade de uma dada sociedade: Educação Sexual começa no útero da mãe e só termina com a morte. É um processo ininterrupto, e é através dela que vamos formando a nossa opinião, desfazendo-nos de coisas que ficaram superadas dentro de nós e, ao mesmo tempo, transformando nosso pensamento. (Suplicy In Ribeiro, M. 1993, p. 22-23).

Enfim, a Educação Sexual diz respeito ao conjunto de valores transmitidos pela família e ambiente social, percorrendo toda a vida, com influências da cultura, da mídia (rádio, TV, revistas, etc.), dos amigos (as), da escola, e nos permite incorporar valores, símbolos, preconceitos e ideologias. Todos somos educadores sexuais, logo, todas as pessoas são educadas sexualmente, de alguma forma.  

Por outro lado, diferencia-se da Orientação sexual que é um processo de intervenção sistematizado, planejado e intencional, promovendo o espaço de acolhimento e reflexão das dúvidas, valores, atitudes, informações, posturas, contribuindo para a vivência da sexualidade de forma responsável e prazerosa. (Suplicy, et al., 1994, p.26) traz a seguinte definição: 

O termo Orientação Sexual quando utilizado na área de educação, deriva do conceito pedagógico de Orientação Educacional, definindo-se como o processo de intervenção sistemático na área da sexualidade, realizado principalmente em escolas. Pressupõe o fornecimento de informações sobre sexualidade e a organização de um espaço de reflexão e questionamentos sobre posturas, tabus, crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais.  

O trabalho de Orientação Sexual, portanto, se propõe a ampliar, diversificar e aprofundar a visão sobre a sexualidade, abordando os diferentes pontos de vista existentes na sociedade, incluindo as práticas sexuais ligadas ao afeto, ao prazer, ao respeito e à própria sexualidade: 

A Orientação Sexual é um processo formal e sistemático que se propõe a preencher lacunas de informações, erradicarem tabus, preconceitos e abrir discussões sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos na área da sexualidade. (Suplicy et al 1998, p. 8). 

Conhecimento que não se limita apenas a uma mera informação reprodutiva ou preventiva, pois a sexualidade tem uma dimensão histórica, cultural, ética e política que abrange todo o ser: corpo e espírito, razão e emoção, podendo se expressar de diversas formas: carícias, beijos, abraços, olhares. Assim, ela abrange o desenvolvimento sexual compreendido como: saúde reprodutiva, relações de gênero, relações interpessoais, afetivas, imagem corporal e auto-estima.  

3 Orientação Sexual na Escola 

A sexualidade humana é uma construção social e histórica que se dá segundo padrões e injunções sociais, culturais, políticas. Para a Organização Mundial da Saúde, 1975, apud Silva (2002, p. 35). 

A sexualidade humana forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito, e não se limita à presença ou orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isto. É energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações e, portanto, a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, à saúde sexual também deveria ser considerada como direito humano básico. 

A sexualidade humana tem sido tema de discussão ao longo dos séculos, principalmente devido às doenças advindas do contato sexual e a posicionamentos divergentes quanto à abordagem do assunto, gerando uma série de concepções, comportamentos, preconceitos e estereótipos. Discutir sexualidade implica em incitar debates na sociedade envolvendo a identidades das pessoas e suas práticas sexuais: 

A sexualidade, não há como negar, é mais do que uma questão pessoal e privada, ela se constitui num campo político, discutido e disputado. Na atribuição do que é certo ou errado, normal ou patológico, aceitável ou inadmissível está implícito um amplo exercício de poder que, socialmente, discrimina, separa e classifica. (Louro, 2000, p.86). 

 Nesse sentido, a noção de sexualidade entrelaça elementos da história dos indivíduos e dos grupos sociais, envolvendo valores construídos socialmente. Trata-se de um assunto presente no cotidiano devido a sua relação com valores, tabus, crenças, cultura e religião.  

Essa realidade social também se reflete na escola. De acordo com Louro (2000 p.27), não se deve afastar a escola da sexualidade. Para a autora, se a escola é uma instituição social, ela está, obviamente, envolvida com as formas culturais e sociais de vivermos e constituirmos nossas identidades de gênero e nossas identidades sexuais.  

É certo que a sexualidade humana figura como um dos temas mais inquietantes e, quase sempre, mais recusados no universo prático do educador. Entretanto, cada vez mais a escola tem sido convocada a enfrentar as transformações das práticas sexuais contemporâneas, principalmente na adolescência, uma vez que seus efeitos se fazem alardear no cotidiano escolar. 

A escola é um local reconhecido pelo grupo social como transmissora de informações, habilidades e valores culturais, socialmente compartilhados. (Ribeiro,1990 p.31) mostra que a escola está sendo a instituição mais indicada pelas autoridades educacionais, pelos especialistas e pela sociedade em geral como sendo o campo fértil e ideal para se dar Orientação Sexual.                                                          

Na verdade, a escola precisa quebrar laços absolutos que a enche de tabus e mostrar a sexualidade como algo normal na vida das pessoas e que deve ser exercitada de forma responsável, considerando-se os cuidados que se deve ter. É necessário que a escola assuma seu papel de formar indivíduos para a vida, enfatizando a sexualidade de tal forma que os alunos se vejam como personagens principais das aulas:

A sexualidade traduzida no cotidiano da escola desperta a motivação e o envolvimento, enquanto possibilidade de reflexão e vivência resgata o prazer de conhecer o corpo, os caminhos do desejo, a identidade, a autoria, a cultura, o gênero, a comunicação, os mecanismos da repressão, os vínculos, os projetos de vida, a vida. (Silva, 2002, pg. 33). 

Os adolescentes são carentes de conteúdos que enfatizam a prática sexual de forma clara e consciente, nota-se que a escola sendo uma das responsáveis pelo processo de preparação para o mundo adulto, não está se preocupando com essa questão, o professor necessita saber avaliar a relação dos objetivos e conteúdos propostos pelo sistema escolar, observando até que ponto atende os anseios de democratização política e social, necessita também, saber compatibilizar os conteúdos com as exigências, aspirações, expectativas da clientela escolar, assim como torná-las executáveis em relação às condições sócio-culturais e de aprendizagem dos alunos.

 Quando a sexualidade passa a ser reconhecida e incorporada nos trabalhos da escola, começam a ser modificar as condições de aprendizagem, os novos conceitos levam às mudanças de visão de mundo, de entender o ser humano e a própria vida. (Silva, 2002, p.33). 

À medida que o professor se perceber como figura importante de uma atitude profissional ligada com o contexto mais amplo da prática social, muito mais consciente ele fará a relação entre conteúdos que ensina e sua correspondência com social, diante das necessidades de mudanças que a sociedade atual exige, como também diante das tarefas que cabe ao aluno desempenhar no âmbito social, profissional, político e cultural:  

Antes de mais nada, é bom que as escolas percam um estereótipo muito difundido: o de que o professor de biologia é aquele que mais reúne condições de atender de mais perto demanda dos alunos com as questões da sexualidade, ultimamente o professor de educação física também tem recebido esse encargo. (…) É compreensível que quem trabalha o aparelho reprodutor e quem trabalha com o corpo seja o alvo das perguntas mais indiscretas por parte dos alunos, mas nem sempre esses professores têm disponibilidade pessoal para realizar essa tarefa, ou querem isso. Tal decisão deve ser respeitada. (Sayão apud Aquino 1997, p.101). 

A escola não pode imaginar que a sexualidade se resume apenas aos conteúdos de biologia e educação física, é necessário que a escola implante no currículo escolar, assuntos voltados para a educação sexual vinculadas em todas as matérias.  Na verdade, os professores precisam sentir-se obrigados e compromissados para assumirem posições frente à sexualidade humana em seu trabalho.

É preciso desenvolver no educador um olhar para a sala de aula, de modo a perceber nela o que ocorre de forma clara, e de forma não clara, porque a sexualidade está presente em nossas vidas, muitas vezes, de forma não explícita. (Silva, 2002, p. 34). 

Cabe ao educador responsável informar, promover, debater, refletir e investigar sobre variados temas, bem como possibilitar a ampliação do conhecimento do aluno a respeito das diferentes culturas e valores existentes nos diversos grupos sociais. 

A educação relacionada à vivência da sexualidade deve incorporar as dimensões de gênero, orientação, identidade sexual, emoção e reprodução, assim como a identificação das especificidades de cada ciclo do desenvolvimento humano, o reconhecimento da diversidade étnico-racial, a assunção de um conjunto de valores éticos e o exercício da cidadania. 

A escola é um dos lugares em que o adolescente tem a possibilidade de acesso às informações claras, honestas e democráticas, nas questões da sexualidade. (…) Reconhecer as questões de gêneros, neste momento da vida, pode lhes assegurar uma visão nova do mundo feminino e masculino, possibilitando mudanças. (Silva, 2002. p 32). 

Essa educação deve propiciar atendimento aos anseios sociais e tornar o aluno um agente transformador. Esse exercício pode ser resultado de um processo educativo libertador, construído sobre a base do diálogo, onde o sujeito possa falar de si. 

[…] por uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, […] uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que decorreria sua capacidade de opção. (Freire, 2003 p.67). 

Se a escola não assume a sexualidade como assunto escolar, ela está transmitindo que o sexo é um tabu, do qual não se pode falar. É algo tão individual, que cada um guarda para si e não deve comentar com ninguém, ou que é algo sem importância, não faz parte do conhecimento humano, do qual se deve envergonhar, passando a idéia de que a sexualidade não faz parte da educação. 

Faz-se necessário considerar que a educação não se reduz à escolarização ou à instrução, uma vez que é entendida como um processo educativo que se encontra conectado com todos os componentes explícitos ou implícitos, formais ou não formais intencionais que ocorrem nas relações sociais […]. Em face disso, considera-se a relevância que a educação sexual precisa ter em todos os aspectos sociais, uma vez que esta se situa num momento social e histórico. (Furlan, 2004, p. 8). 

A educação sexual exige que os educadores, em especial, estejam embasados teoricamente e sejam detentores e conhecedores de toda a concepção filosófica e histórica que norteia o processo dessa educação, bem como que a escola contemple através do Projeto Político Pedagógico a concretização da mesma. 

No trabalho com jovens, especialmente no que diz respeito à sexualidade com adolescentes, o imprescindível é que se parta com toda a atenção e respeito à realidade deles (as), e que não seja enfocado apenas aquilo que consideramos importante para eles (as) ou o que pensamos que eles (as) gostariam de ouvir.  

Considerações finais:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam as diretrizes para o trabalho dentro da escola. Nessa proposta de currículo, em razão das demandas sociais, foram inseridos temas relevantes e necessários para construção de uma sociedade democrática e menos desigual. Entre as temáticas abordadas está a Orientação Sexual. Esse tema deveria ser trabalhado transversalmente, em todas as disciplinas, entretanto, sua utilização não é compulsória. 

Para o desenvolvimento e sucesso do trabalho de Orientação Sexual o papel do professor é indispensável. Do profissional docente, é exigido uma postura, se não isenta de valores, preconceitos e tabus, mas, pelo menos, pautada em fundamentação teórica que permita sua superação contínua, como a da atuação baseada no construtivismo, com práticas pedagógicas reflexivas e transformadoras. De fato, mesmo revestido no papel de educador, o docente é acima de tudo, um sujeito social participante das relações culturais estabelecidas. E para desenvolver as habilidades necessárias para cumprir os objetivos da orientação sexual, é necessário reconhecer os limites do profissional e conhecer as problemáticas que se materializam no cotidiano escolar. 

A capacitação docente é um fator determinante para o sucesso do trabalho docente de Orientação Sexual. Essa capacitação deve abranger o conhecimento teórico, metodológico e a postura profissional, devendo ser de forma contínua. Os materiais didáticos são considerados como auxiliares no processo de ensino-aprendizagem, sendo necessários para abordagem do tema e úteis para tornar a aula mais dinâmica. 

A família, apesar do bombardeio de informações pela mídia, é uma instituição que ainda trata a sexualidade como tabu, para muitos pais, o assunto é abolido, relegado e marginalizado no diálogo familiar. Com isso, a integração entre a escola e a família é importante, pois cabe à família transmitir valores, crenças, concepções e a escola cabe discuti-los. 

Nessa perspectiva, considerando os professores como sujeitos a interferências, a tensão entre o papel de trabalhar a Orientação Sexual na sala de aula e o receio da não compreensão da família, são fatores que constituem barreiras ao desenvolvimento do trabalho na forma retratada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. 

Esse tipo de abordagem, fundamentada na perspectiva construtivista, centrada na realidade histórico-cultural do público alvo, faz com que os (as) jovens se sintam sujeitos participativos em todo o processo de aprendizagem, possibilitando esclarecimentos satisfatórios de tudo o que aflora em forma de dúvidas. 

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______. Guia de orientação sexual: diretrizes e metodologia. 10 ed. ver. e atual. São Paulo: Casa do psicólogo, 1994. 

______. Sexo se aprende na escola. São Paulo, Ed. Olho d’Água, 1998.


1 Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia – PPGED/Faced/UFU e professor da Universidade Federal do Amapá; E-mail: florinaldo.unifap@gmail.com.
2 Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia – PPGED/Faced/UFU e professor da Universidade Federal do Amapá; E-mail: wilsoncarvalho@unifap.br .
3 Graduada em Enfermagem, pela Faculdade Estácio de Sá e Lic. Em Letras pela UNIPAR. E-mail: eryca.enf@g-mail.com.
4 Jornalista e graduada em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá. E-mail: solsoraia@yahoo.com.br.
5 Advogado e graduado em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá. E-mail: felipematheus@unifap.br.