DIREITO FUNDAMENTAL À ASSISTÊNCIA SOCIAL: REDE SOCIOASSISTENCIAL E CONSTRUÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10668900


Marcel Gustavo Corrêa1,
Renata Hellwig Ferreira2


RESUMO

Trata-se de artigo que possui como proposta metodológica a abordagem dedutiva para explicar qual é o escopo jurídico da rede socioassistencial pública no Estado brasileiro. A hipótese trabalhada é que referido papel é da promoção da construção da dignidade humana por meio de serviços públicos adequados, pois parte-se do dogma de que os direitos fundamentais são a sustentação do Estado e, por sua vez, base da prestação de serviços públicos, dentre eles os socioassistenciais. O foco se voltará para o serviço público de assistência social, mais especificamente nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), de maneira a reforçar a própria fundamentalidade do direito a partir do serviço público, da atuação do Estado perante o usuário ou potenciais usuários do Serviço Único de Assistência Social (SUAS). O resultado é a coleta de justificativas técnico-jurídicas do escopo de proteção da dignidade humana por parte destes serviços.

INTRODUÇÃO

As manchetes dos principais veículos de imprensa nacionais, subsidiadas por dados estatísticos, coletados por pesquisas que resumem, de alguma maneira, a sociedade brasileira neste início de década de 2020, são terrivelmente cruéis: aumento das pessoas na linha da pobreza e abaixo dela3, insegurança alimentar4, número obsceno de pessoas residindo nas ruas5, de pessoas em situação de vulnerabilidade social6, sem moradia adequad7, sem educação adequada8.

A realidade é escabrosa para quem sofre na pele os efeitos da erosão dos direitos sociais, para quem vive a emergência social do país e está à margem de qualquer política pública de Estado. Chamar a atenção para este contexto social é inevitável para a análise que se pretende fazer, não há direito sem seu substrato, sem a descrição de impacto no cotidiano das pessoas.

Se for esta a realidade que nos resta, cabe transpô-la para um local de reflexão e de transformação, alardear que ainda estamos sob o regime democrático e social de direito e que se pretende um Estado material, construído, ou melhor, estruturado sob o princípio da dignidade humana (NOVAIS, 2018).

Pensar no Estado a partir de sua estrutura, a partir da dignidade, é também aceitar a justificação da fundamentalidade de direitos sociais (SARLET,2015). Com este dogma prévio, como ponto de partida da presente análise, pretende-se responder qual é o escopo jurídico da rede socioassistencial pública no Estado brasileiro? A hipótese trabalhada é que referido papel é da promoção da construção da dignidade humana por meio de serviços públicos adequados.

Para responder a pergunta, adotar-se-á como método de abordagem dedutivo, revisão de bibliografia e análise das normas constitucionais e legais que amparam o direito fundamental à assistência social, sem descuidar de, por ser necessário, como linha metodológica, contrapor as normas postas à situação da população brasileira atual, em meio a uma grave crise sanitária, social e política.

O caminho a ser percorrido no presente texto, portanto, utiliza a seguinte racionalidade: de início, pretende-se pontuar brevemente alguns conteúdos mínimos da dignidade da pessoa humana sob o ponto de vista da ciência jurídica contemporânea e identificar o que isto tem a ver com o direito da assistência social.

Em seguida, parte-se para uma justificativa da fundamentalidade do direito a assistência social. Referida justificativa faz-se necessária como fio condutor de toda a análise posterior, uma vez que a categorização do direito à assistência social como fundamental,  acopla a este direito uma série de características e prerrogativas, além de ser um indício da ligação normogenética com o princípio estruturante da dignidade humana (NOVAIS, 2019).

Deixar claro do que se trata é importante para entender qual deve ser a finalidade das ações estatais do ponto de vista do serviço público, visando à transformação social e a promoção de direitos humanos – construção da dignidade humana (JUSTEN FILHO, 2013).

Feita esta justificativa, analisar-se-á o conceito de rede socioassistencial sob o aspecto do direito, ou seja, de que maneira é moldada pela legislação e em que medida pode ser caracterizada como serviço público.

Atrelar referidos conceitos a uma política de Estado, que se pretende estruturado na dignidade pessoa humana, é necessário para dois argumentos: o primeiro relacionado a existência do dever estatal em estruturar sua rede socioassistencial, o qual pode ser sindicalizado em caso de omissão; e o segundo de existir uma necessária progressividade nos investimentos orçamentários para aperfeiçoamento do serviço público. (ABRAMOVICH, 2005)

A seguir, o foco se voltará para o serviço público de assistência social, mais especificamente nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), de maneira a reforçar a própria fundamentalidade do direito a partir do serviço público, da atuação do Estado perante o usuário ou potenciais usuários do Serviço Único de Assistência Social (SUAS). Pretende-se entrelaçar as diretrizes de atendimento socioassistencial com a construção da dignidade humana, a fim de atestar a hipótese levantada em relação ao problema proposto.

1. A DIGNIDADE HUMANA E SUA ESTRUTURA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO: O QUE ISSO TEM A VER COM O DIREITO À ASSISTÊNCIA SOCIAL?

Não é necessário recorrer às origens do princípio da dignidade da pessoa humana para explicar sua importância dogmática para a ciência jurídica. Basta para isso lembrar seu caráter estruturante do Estado de Direito, para obter o que é importante para a estrutura contemporânea deste princípio: seu caráter justificador do Estado, da Democracia e do próprio direito, uma vez que pretende chegar a um lugar em que não haja indignidade (NOVAIS, 2018).

Este lugar, todavia está muito longe de ser alcançado ou visualizado e, certamente não está no Estado de Direito Brasileiro, ainda que do ponto de vista formal a dignidade seja um dos fundamentos da ordem constitucional, conforme art.1º, inciso II, da CF de 88. (BRASIL, 1988)

Dois pontos, portanto, chamam a atenção no direito contemporâneo quando se trata de dignidade da pessoa humana: a sua imprecisão conceitual e sua falta de eficácia social (SARMENTO, 2016).

Na tarefa de definir o conteúdo da dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet a define como:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2005, p. 15-43)

Para Luís Roberto Barroso, a dignidade humana pode ser decantada em três elementos que compõem seu conteúdo mínimo: valor intrínseco, autonomia e valor comunitário. (BARROSO, 2013)

Referidas compreensões, todavia, parecem incompletas para o presente escopo da pesquisa em face do conceito formulado por Daniel Sarmento, que trabalha a definição de dignidade à luz de uma compreensão da ordem constitucional permeada pela moralidade crítica, com o foco no respeito à pessoa independente da hierarquia social. (SARMENTO, 2016)

Se todos os interesses podem ser chamados de dignidade humana, corre-se o risco de nenhum interesse ter tal escopo; se os interesses se multiplicam e até se transformam em princípios aplicáveis ao caso concreto, com o nome dignidade, logo serão relativizados e, aí surge um problema lógico: como relativizar um princípio estruturante do Estado? Parece que a saída é investigar o que de fato tem a ver com o princípio da dignidade humana com base em alguns conteúdos que já foram mapeados: valor intrínseco da pessoa, autonomia, mínimo existencial e reconhecimento (SARMENTO, 2016).

Recorrendo a SARMENTO, 2016, compreende-se por valor intrínseco a vedação da pessoa como instrumento de outros ou de interesses de outros, seja de terceiros ou do próprio Estado. Em relação ao conteúdo autonomia, fala-se tanto do ponto de vista privado, quando do ponto de vista público, quando o sujeito de direitos do processo democrático.

Já por mínimo existencial tem-se que são as condições essenciais para uma vida digna em sociedade; aqui estaria o foco claro da atuação das políticas de assistência social, não estando os demais elementos afastados, porém, da conexão com o referido direito.

Reconhecimento é justamente o respeito ao indivíduo e à sua identidade particular ou coletiva, por meio de práticas de tolerância das instituições públicas ou privadas.

Estes conteúdos se vinculam ao direito fundamental à assistência social à medida que  valor intrínseco, autonomia, mínimo existencial e reconhecimento só são possíveis em um contexto em que são respeitados direitos básicos, como alimentação e direito a não ser vulnerado em qualquer de seus direitos por questões econômicas e sociais. O potencial transformador deve ser explorado no texto constitucional, como norte para a hermenêutica:

Deve-se entender, portanto, que a Constituição Federal de 1988 possui um grande potencial transformador da sociedade brasileira. A Constituição erigiu valores-guia eleitos para a arquitetura do sistema jurídico, entre os quais se encontra o princípio da dignidade da pessoa humana, inscrito no art. 1o., inciso III. É neste sentido que se deve projetar como um texto de formação fundamental da cultura dos direitos humanos dentro de uma sociedade pluralista. Sua defesa é, a um só tempo, a defesa das próprias condições de construção de uma sociedade que é capaz de pactuar valores comuns e construí-los dentro de um sistema razoável de medidas e parâmetros para a arquitetura do convívio social. (BITTAR, 2006, p.18)

A dignidade da pessoa humana, vinculada ao direito fundamental da assistência social cria por sua vez diretrizes para a efetivação destes direitos: proibição proteção deficiente, dever de financiamento das políticas públicas e constituição de serviços públicos adequados (BERCOVICI, 2022).

Ademais, pode-se considerar o direito à assistência social como a positivação de mínimos sociais, ao lado de outros direitos sociais que cumprem a mesma função, independente de qualquer previsão expressa, no sentido de taxativa do que é ou não um mínimo existencial (SARLET, 2015):

Dito isso, o que importa, nesta quadra, é a percepção de que o direito a um mínimo existencial independe de expressa previsão no texto constitucional para poder ser reconhecido, visto que decorrente já da proteção da vida e da dignidade da pessoa humana. No caso do Brasil, onde também não houve uma previsão constitucional expressa consagrando um direito geral à garantia do mínimo existencial, os próprios direitos sociais específicos (como a assistência social, a saúde, a moradia, a previdência social, o salário mínimo dos trabalhadores, entre outros) acabaram por abarcar algumas das dimensões do mínimo existencial, muito embora não possam e não devam ser com ele confundidas. (SARLET, 2015)

Há sinais claros de que os direitos sociais e particularmente o direito à assistência social são conexos com o princípio da dignidade humana e seus conteúdos já evidenciados na doutrina. Todavia, esta conexão carece de aprofundamento a partir da justificação da fundamentalidade do direito à assistência social.

2. DIREITO Á ASSISTÊNCIA SOCIAL E SUA FUNDAMENTALIDADE: JUSTIFICAÇÃO À LUZ DO DIREITO E DA REALIDADE BRASILEIRA

O direito à assistência social pode ter sua fundamentalidade justificada por diversos pontos de vista, por meio da filosofia, da política, da religião, entre outros ramos do saber. Aqui se opta pela justificação pelo critério jurídico, mas sob dois pontos de vista: o dogmático, a partir da norma posta, da Constituição Federal; e o do direito achado na rua (SOUSA JUNIOR, 2019), lastreado na realidade, na necessidade da população em face de um quadro que roga por mudanças transformadoras.

As duas justificativas ligam-se à dignidade humana: a partir da interpretação do direito e a partir da interpretação da realidade, sejam com base em um escopo filosófico-jurídico (BITTAR, 2006) ou em um sentido dogmático-jurídico (SARMENTO, 2016).

Do ponto de vista dogmático, a primeira amarra do sistema do direito à assistência social é a Constituição Federal, do ponto de vista formal e dogmático, portanto. Em seu artigo 203, a CF de 1988 prevê que referido direito será prestado a quem dele necessitar, independente de contribuição à seguridade social.

Esta amarra é importante, considerando que a positivação, ganha os contornos do princípio da segurança jurídica, gerando uma legítima expectativa por parte das pessoas no sentido de ser o direito efetivado por meio de políticas públicas.

O texto constitucional sobre a assistência social não é um mero adorno no sistema jurídico, mas faz parte de um compromisso do constituinte com a mudança, com a cidadania e o dever de eficácia de direitos sociais por parte do Estado e da sociedade organizada:

Desta forma, as normas jurídicas são predispostas a produzirem efeitos práticos sobre o comportamento e a conduta das pessoas, das sociedades, das organizações, das corporações, das cooperativas, das instituições, dos sindicatos, dos órgãos governamentais…, no sentido de efetivamente causarem repercussões sobre a ética da população, a moral social e a consciência de uma sociedade. (BITTAR, 2006, p.02)

A assistência social é um direito fundamental que independe de qualquer ação por parte do beneficiário, do usuário do sistema de seguridade social na modalidade assistência. Esta característica é essencial para compreender como opera referido direito, mesmo sendo de caráter prestacional e carecendo por óbvio de financiamento, não é exigido que este seja feito diretamente pelo usuário, notadamente por existir uma presunção de vulnerabilidade social.

Quem está socialmente vulnerável não pode ser contribuinte de qualquer prestação imediata, justamente por não poder dela dispor, esta é a lógica deste direito fundamental e por isso que ele é tão importante em momentos de crise, de aumento da miserabilidade, como o momento atual, criando um dever de solidariedade em relação aos demais, que é operacionalizado por meio do custeio da seguridade social.

O mesmo artigo da Constituição prevê alguns objetivos da assistência social, quais sejam: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. VI – a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza. (BRASIL, 1988)

Além de prever de forma objetiva o amparo a grupos presumidamente vulneráveis em razão de sua idade, desemprego, deficiência, o dispositivo conecta o direito fundamental com a vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza. Pode-se argumentar que esse último tópico é o principal escopo da previsão constitucional, à medida que os demais grupos presumidamente vulneráveis não o são se estiverem em condições de se manter com dignidade.

A pobreza e a vulnerabilidade socioeconômica, do lado do direito que se vive nas ruas, são nortes que indicam a necessidade de amparo pelo Estado, por meio de políticas socioassistenciais, mas também são indicadores de situações com potencial de gerar violações outras, como violência, desconstrução de vínculos familiares, insegurança alimentar e sanitária.

A realidade grita pelo direito à assistência social; para além de seus dogmas postos nas Legislações e na própria Constituição, há um clamor pela redução de desigualdades, um clamor silencioso, paradoxal, que emana dos números que constantemente são lançados nos noticiários e assistidos sem qualquer alarde pelos detentores do poder e do capital: pessoas que morrem de frio, pessoas que morrem de fome, crianças e adolescentes violentados dentro de suas casas, entre outros contextos que reclamam, sem dizer uma palavra, seja efetivado o direito à dignidade humana consubstanciado por meio da assistência social.

Paralelamente, há um clamor ativo, uma vez que diversos movimentos sociais de luta pela dignidade também justificam a fundamentalidade do direito à assistência social, uma vez que rogam condições de melhoria e demonstram a existência de pessoas invisíveis ao Estado e não devem ser excluídos do debate, pelo contrário, a inclusão de lutas populares é uma das marcas dos direitos humanos e de sua conquista, de maneira que essa fonte de direito não pode ser ignorada. (MAIA, 2018).

A existência de pessoas em vulnerabilidade é a justificativa real do direito fundamental em comento, além do próprio conceito de desigualdade, reforçado pelo processo de universalização9 do direito à dignidade (SARMENTO, 2016, p.57.)

Neste sentido, quando se fala em fundamentação do direito a partir das ruas, está se fazendo a mesma pergunta feita por Eduardo Bittar sobre a situação da ética no país: como está o ser humano?10(BITTAR, 2006) Esta é a ética que se pretende divulgar a partir dos compromissos constitucionais e se materializar no serviço público, em combate à cultura da desigualdade social e reforço de posições preestabelecidas (SARMENTO, 2016).

3. SERVIÇO PÚBLICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM CONSTRUÇÃO

Uma vez demonstrado de que maneira se estabelece a dignidade da pessoa humana contemporaneamente e, também como a dignidade humana opera como um princípio estruturante do Estado de Direito e de que maneira é possível justificar o direito fundamental à assistência social do ponto de vista dogmático e social, é imprescindível testar a conexão entre a dignidade humana e as formas de concretização do direito em comento.

O recorte utilizado para análise será o serviço público de assistência social prestado no SUAS, por entender-se como premissa que, embora o serviço privado de assistência seja de relevância pública, com regulação estatal por meio das normas do sistema único de assistência social, há no serviço público o dever de promover a dignidade da pessoa humana, de promover direitos fundamentais, notadamente porque exerce materialmente objetivo do Estado fincado em sua estrutura: o homem como um fim em si mesmo e não como meio para qualquer pretensão de poder, sem as distorções do setor privado11.

A própria constituição do SUAS permite interpretar que se trata de uma política de Estado, de enfrentamento das desigualdades:

A construção do arranjo político e institucional do Suas foi um marco importante no sentido de instituir capacidades necessárias ao provimento de suas ofertas, permitindo a emergência de um conjunto de aportes: equipamentos públicos, recursos humanos, financiamento estável e regular, rede de serviços, instâncias de pactuação e deliberação intergovernamentais e sistemas de informação e monitoramento. O Suas representou uma forma nacional, descentralizada e coordenada de organização da política, de modo a garantir sua implantação em cada município a partir de regras e objetivos comuns, e de um arranjo minimamente partilhado de gestão entre os níveis de governo. (JACCOUD;BICHIR;MESQUITA, 2017, versão online)12

E para que isto se realize é necessário que políticas públicas sejam implementadas por meio de serviços públicos adequados e que não se preocupem apenas com a transferência de renda, mas sim com a proteção social dos indivíduos, conceito amplo que preenche o conteúdo do direito à assistencial social, que objetiva enfrentar o desrespeito aos direitos humanos na sociedade capitalista13.

Neste passo, como caminho metodológico, será feita a análise dos objetivos da assistência sociais previstos na Constituição, sua conexão com o serviço público prestado no âmbito dos CRAS e CREAS, órgão públicos do SUAS e seu papel para a construção perene da dignidade humana.

3.1. PONTO DE ARTICULAÇÃO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL: O CENTRO DE REFERÊNCIA EM ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS)  

De acordo com a Lei Orgânica do SUAS (Lei nª8742/93), o CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias.(BRASIL, 1993)

Isto quer dizer que, cabe a cada Município criar um serviço, com corpo técnico compatível e estrutura compatível e adequada para atender todas as pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. De acordo com o Censo Suas de 2021, existem 8545 unidades do CRAS cadastrados no sistema do Ministério do Desenvolvimento Social14.

Por pessoas em vulnerabilidade entendem-se todos aqueles que estejam com algum grau de risco social ou desproteção, notadamente os grupos presumidamente vulneráveis, pessoas idosas, gestantes, pessoas com deficiência e crianças e adolescentes, além de outros em razão de condição econômica de pobreza ou desemprego. (BRASIL, 1988)

Com base nos grupos presumidamente vulneráveis, a Constituição Federal traça objetivos de proteção, todos tendo o CRAS como um órgão de prestação de serviços diretamente e de articulação de outros serviços da rede socioassistencial. A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice está entre eles; este foco de atuação está diretamente ligado com a norma constitucional do art. 227, da CF de 88. (BRASIL, 1988)

A lógica da norma constitucional indica que referidos grupos carecem de proteção prioritária do Estado, ou seja, a formulação de políticas públicas de promoção a referidas categorias são imperiosas, devem ocorrer. Esta característica do texto constitucional revela intima ligação com a dignidade humana em seus quatro elementos.

Pessoas vulnerabilizadas têm dificuldade de ter seu valor intrínseco reconhecido, o mesmo acontece com a sua autonomia, com o direito ao reconhecimento e com a observação dos mínimos existenciais.

Por outro norte, se a dignidade humana é princípio estruturante do Estado e, do ponto de vista material, não há prestação estatal que não seja vinculada a seu financiamento, parece estar claro que há um dever estatal de financiar políticas de promoção de família, da maternidade, da criança, do adolescente e da pessoa idosa.

E referidas políticas assumem caráter de importância na assistência social, notadamente quando ocorra a fragilização dos grupos enumerados no inciso I, do art.203 por questões socioassistencial, que ocorra a necessidade de proteção. Esta pode ser de dois tipos no serviço público: proteção básica e proteção especial.

Por proteção básica, entendem-se as políticas públicas que representam o conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, conforme art.6º-A, I, da Lei do SUAS, promovidas no serviço público esta política é executada por meio dos CRAS, centros de referência que se responsabilizam por cadastrar famílias em situação de vulnerabilidade econômica no seu território. (BRASIL, 1993)

O serviço é desenhado como municipal, vinculado ao território de maior vulnerabilidade. Sua operacionalização como construtor da dignidade humana vincula-se a sua estrutura básica: porta de entrada de diversos programas de assistência social, além de ser necessário que promova articulação com os demais equipamentos de interesse social de sua região: escolas, unidades básicas de saúde, grupos sociais comunitários, lideranças comunitárias, sistema de justiça entre outros. A interlocução é fundamental para o atendimento pleno das famílias, pessoas idosas, gestantes, crianças e adolescentes.

Assim, em caso de vulnerabilidade dos grupos atendidos, poderá encaminhar benefícios regulares ou eventuais, ligados a cada fator de vulneração.

Também é papel do CRAS trabalhar, por meio de suas equipes técnicas que devem ser estruturadas a partir de um número adequado de famílias para o fortalecimento dos vínculos familiares.

Referenciar as famílias significa servir de porta, de acolhimento, a estes grupos que já estão em uma posição desfavorável na sociedade, de maneira a articular via Estado, novas realidades, de interpretar in locu a dignidade da pessoa humana, restringindo outras violações comuns a um sistema aberto, desvinculado do Estado: abandono de crianças, adolescentes e pessoas idosas, tráfico de pessoas, prostituição, sub-empregos ou escravidão moderna (condição análoga a escravidão).

Tais sistemas abertos, sem vinculação do Estado, se proliferam justamente na ausência de ações estatais e ocorrem mesmo com a expansão dos serviços socioassistenciais; por isso que um dos motes do direito à assistência social é divulgação constante de direitos.(BRASIL, 1993)

 A promoção e a reintegração ao mercado de trabalho também pode ser desenvolvida por meio dos serviços prestados no CRAS, além de ser objeto de ações pontuais como feiras de empregos, cursos para montagem de currículos ou cursos profissionalizantes.

Estas ações também indicam o caráter de construção da dignidade humana a partir da formação para o trabalho que não seja ilegal, informal ou com potencial escravizante, relevando sua ligação com o valor intrínseco da pessoa no sistema capitalista.

Na mesma toada, a oferta de tais serviços deve estar conectada com as linhas de atendimento do serviço social básico e especializado, prestado nos CRAS e CREAS, respectivamente. Apenas a atuação em rede potencializa não apenas o acesso ao trabalho, mas toda uma gama de serviços que passam ao largo de muitas famílias que deles necessitam.

Caminhando pelo art. 203, da CF de 1988, tem-se que o trabalho para a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e sua integração à vida comunitária é contempla pelo menos um dos elementos da dignidade humana. Aqui está-se diante da dignidade enquanto reconhecimento, possibilidades de vida e de realizações para além de uma condição incapacitante, seja de que ordem for.

O serviço público atua por meio das agências de emprego e por meio do CRAS quando referencia a pessoa com deficiência; aqui também é fundamental que o serviço público seja integrado a associações privadas, escolas e serviços de apoio a inclusão da pessoa com deficiência.

A lógica da integração ao trabalho também vale para esse grupo; enquanto integradas no trabalho, as pessoas podem vislumbrar sua dignidade a partir do afastamento do estigma de dependência, que por muitos anos fundamentou a incapacidade civil de todas as pessoas com deficiência.

A garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e à pessoa idosa, prevista na CF de 1988 também é articulada nos CRAS. Este direito atrela-se com a dignidade da pessoa humana porque visa reduzir fatores econômicos de condição subumana (valor intrínseco e autonomia). A falta de renda, ou de uma renda básica é um desafio real para as pessoas, notadamente por pessoas idosas e com deficiência, que são marginalizadas no mercado de trabalho.

A redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza, por sua vez objetivo é um verdadeiro guarda-chuva para os demais objetivos do SUAS, o enfrentamento à pobreza, além de ser um norte estruturante do Estado brasileiro é essencial para a construção da dignidade humana.

O papel do serviço público nesse contexto é articular benefícios perenes e eventuais, além de promover o atendimento dos grupos vulneráveis de uma maneira holística, em rede, para promoção de direitos fundamentais.(JUSTEN FILHO, 2013)

3.2. REFERÊNCIA ESPECIALIZADA E ENFRETAMENTO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS: CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO EM ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

Creas é a unidade pública de abrangência e gestão municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial.(BRASIL, 1993)

De acordo com o Censo Suas 2021, atualmente existem 2780 CREAS cadastrados e 34 CREAS regionais cadastrados15. Portanto, é possível que o serviço seja prestado nos municípios ou de forma regionalizada.

Este desenho demonstra que o serviço prestado pelo CREAS é mais complexo que o CRAS, há uma nota característica inicial: a ocorrência de situação de violação de direitos em curso, que pode abranger situação de omissão, de violência doméstica em geral, abandono, abusos econômicos, físicos ou sexuais entre outras situações que vulnerabilizam as pessoas para além da situação econômica, que muitas vezes é inerente aos direitos violados.

O serviço do CREAS é responsável por operacionalizar o PAEFI, que é um programa específico de apoio às pessoas em situação de direitos violados, o qual visa atendimentos especializados para reconstrução de vínculos sociais e reestabelecimento pessoal e familiar.

Outra função do serviço especializado é atuar de maneira articulada com o CRAS, com a finalidade de potencializar os atendimentos de cada órgão e evitar o resserviço ou a duplicidade de atendimento para uma mesma situação.

O papel do CREAS é, portanto, de reconstrução de dignidades, de fortalecimento dos grupos que tiveram seus direitos básicos violados. Também contribui para que os programas de redução de desigualdade social desenvolvidos pelos CRAS sejam importantes para o afastamento de situações de risco; um dos órgãos visa minimizar os efeitos de uma violação ocorrida ou em curso e o outro subsidiar por meio de programas de auxílio social, o reforço da autonomia principalmente financeira de pessoas com direitos violados.

3.3. CARACTERÍSTICAS COMUNS DOS SERVIÇOS: AINDA SOBRE A DIGNIDADE HUMANA

Os serviços descritos acima possuem determinadas características comuns, requisitos para que se desenvolvam enquanto serviço; a primeira delas é que são unidades públicas estatais instituídas no âmbito do SUAS.

Isto quer dizer que há um dever dos entes federativos de instalar e operacionalizar as estruturas do CRAS e do CREAS. Este dever não admite recusas com justificativa política ou orçamentária.

Não é possível justificar politicamente a não instalação dos serviços socioassistenciais justamente porque se atrelam aos mínimos existenciais, aos direitos sociais mais básicos, como alimentação e moradia: os serviços operados no âmbito dos centros de referência vinculam-se com esta lógica de garantir um mínimo de assistência a pessoas em vulnerabilidade.

Nenhuma justificativa de cunho político, por mais que sejam adequados planos de governo com inúmeros espectros pode, à luz da constituição jurídica do Estado, fundado na dignidade da pessoa humana, compactuar com a completa inércia na implantação da rede de atendimento socioassistencial.

E isto também se verifica em nível orçamentário: a necessidade de operacionalizar o serviço público de referência em assistência social implica na obrigação de investimentos perenes, constantes em assistência social. Esta obrigação é de todos os entes federativos, de atuação integrada e cofinanciamento da política de assistência social, conforme previsão legal (BRASIL, 1993)

A ausência completa dos serviços públicos ou seu sucateamento por meio da falta de investimentos enseja inclusive a possibilidade de judicialização da política, com vistas a obrigar os poderes a estruturar o serviço de maneira adequada (ABRAMOVICH, 2005).

Referidos órgãos também devem ter interface com as demais políticas públicas e articular a oferta de serviços, programas, projetos e benefícios, conforme § 3º, do art.6-C. Isto quer dizer que os serviços prestados devem ser abrangentes e que a constituição de redes de atendimento faz parte das finalidades institucionais de ambos os centros de referência.

Cada um dos órgãos públicos deve mapear a rede de atendimento de sua região, o público atendido e suas necessidades para que o serviço público seja adequado ao seu propósito de atendimento e isto também se conecta com o princípio da dignidade, uma vez que deve haver o respeito ao usuário, ainda que esteja em uma posição desfavorável, é necessário oferecer a ele todos os serviços possíveis e necessários para a transformação de sua realidade ou evitar o agravamento de sua situação pessoal e social.

Os serviços também devem oferecer instalações compatíveis com os serviços neles ofertados, ou seja, espaços receptíveis, reservados e compatíveis com o público atendido. Esta é a redação do art.6º-D, da Lei do SUAS, que pode ser interpretada também como a necessidade de adequar o atendimento do ponto de vista tecnológico, para evitar que barreiras de tecnologia e sistemas impeçam a obtenção do atendimento público. A obrigação de ser um serviço receptível e adequado implica o dever de adaptar-se ao usuário e não o contrário. A inadequação do serviço, mais uma vez, pode ser objeto de judicialização, característica da complexidade do serviço:

En síntesis, si bien puede concederse que existen limitaciones a la justiciabilidad de los derechos económicos, sociales y culturales, cabe concluir em el sentido exactamente inverso: dada su compleja estructura, no existe derecho económico, social o cultural que no presente al menos alguna característica o faceta que permita su exigibilidad judicial en caso de violación. (ABRAMOVICH; COURTIS, 2009, p.17)

Todas estas características legais comuns indicam um fundamento material, a prestação de um serviço adequado à dignidade humana, com respeito ao usuário, sem menosprezo ou qualquer barreira em razão de sua condição de vulnerável, principalmente porque estar em vulnerabilidade por si só já é uma barreira social ao acesso de qualquer serviço.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender o social é fundamental para compreender o princípio da dignidade humana. Esta afirmação singela e, ao mesmo tempo redutora e potencializadora de complexidades, deve ser levada a sério em qualquer pesquisa sobre dignidade humana e sobre direitos humanos em si.

A compreensão do social, sem dúvidas, não pode ser obtida por meio do direito posto, mas certamente pode ser inteligida com base na interpretação e no caráter transformador do direito quando em ação.

Como dito alhures, um dos problemas da dignidade é a eficácia social, a sua observação na camada popular, no cotidiano das pessoas, de quem mais precisa. Os números e pesquisas da realidade demonstram que se pode compreender que o estado atual é de indignidade para a grande parte da população brasileira.

No presente estudo, conviver com esse estado de indignidade é admitir que o Estado Democrático de Direito pensado a partir da Constituição de 1988 falha em seu fundamento estruturante. Este problema deve ser entendido desta maneira: há uma falha na estrutura do Estado que permite que seus concidadãos morram de fome, por falta de saneamento básico ou morram em sua alma por meio de uma exclusão diária dos postos de emprego, de condições de moradia digna ou mesmo pela indiferença.

Uma das chaves para compreender este social a partir do direito é diagnosticar quais políticas estão relacionadas com tamanha violação de direitos cotidiana e parece que o direito à assistência social e as políticas públicas que advêm deste direito são fundamentais para garantir um mínimo de dignidade às pessoas.

Compreender o papel dos serviços públicos na política de assistência social neste contexto de violação de direitos, é entender como se concretizam as prestações devidas à população e quais são as balizas jurídicas para este mister.

A presente investigação procurou responder, por meio de uma construção a partir do princípio da dignidade humana, do texto constitucional e dos requisitos do serviço público prestado nos CRAS e CREAS, qual é o papel da rede socioassistencial, enquanto serviço público para concretizar os direitos fundamentais previstos no art.203, da Constituição Federal e quais são os deveres inerentes ao Estado para realização destes fins.

A hipótese de trabalho aponta que referido papel é de construção da dignidade humana. Inicialmente, com base na doutrina atual, coleta-se alguns conteúdos afetos à dignidade humana, como mínimo existencial, autonomia, valor intrínseco e reconhecimento; depois, justifica-se a fundamentalidade do direito à assistência social a partir de seu caráter formal e atrela-se este direito ao DNA da dignidade humana.

Feita esta correlação, por meio de recorte do serviço público e, especificamente dos requisitos para constituição do serviço de assistência social prestado no CRAS e nos CREAS, busca-se conectar os objetivos legais com o princípio da dignidade.

A hipótese se comprova, considerando que a interpretação possível dos dispositivos legais em face do contexto social brasileiro não pode ser desvinculada da dignidade humana, uma vez que vincula-se aos seus quatro conteúdos.

Isto, considerando que a dignidade é um princípio estruturante do Estado e, aponta que referidos serviços devem existir, independente de qualquer programa político, por ser programa de estado e de decisões sobre recursos orçamentários: há pouco espaço de discricionariedade em relação aos serviços socioassistenciais em face do horror da exclusão que assola o país.

Demonstrada essa obrigação estatal, por meio das justificativas de cunho dogmático, incorporando uma vertente crítica, com base na realidade, tem-se que é possível sobretudo a sindicalização das políticas de assistência social à luz do escopo de construção da dignidade, previsto na hipótese, sob pena de omissão inconstitucional por parte dos entes.


3https://www.band.uol.com.br/bandnews-fm/noticias/mais-de-60-milhoes-de-brasileiros-vivem-abaixo-da-linha-da-pobreza-16520456, acesso em 24.07.2022 às 15h30

4https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/07/06/mais-de-60-milhoes-de-brasileiros-sofrem-com-inseguranca-alimentar-diz-fao.ghtml, acesso em 24.07.2022 às 15h31

5https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2022/06/09/aumenta-o-numero-de-pessoas-em-situacao-de-rua-no-brasil-diz-pesquisa.ghtml, acesso em 24.07.2022 às 15h32

6https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/06/16/25percent-da-populacao-das-metropoles-vive-em-situacao-vulneravel-com-renda-de-no-maximo-14-do-salario-minimo.ghtml, acesso em 24.07.2022, às 15h42

7https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/04/deficit-habitacional-do-brasil-cresceu-e-chegou-a-5876-milhoes-de-moradias-em-2019-diz-estudo.ghtml, acesso em 24.07.2022 às 15h44

8https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28285-pnad-educacao-2019-mais-da-metade-das-pessoas-de-25-anos-ou-mais-nao-completaram-o-ensino-medio, acesso em 24.07.2022 às 15h45

9Daniel Sarmento faz interessante construção neste sentido: “Ademais, essa desigualdade encontra-se fortemente naturalizada. Os brasileiros, em geral, são socializados desde a primeira infância para perceberem as relações sociais como naturalmente desiguais. Compreendese como natural que os patrões se utilizem do elevador social, e os empregados tenham de usar o de serviço. Natural que os mais humildes tenham de chamar as pessoas de classe superior de “doutor” ou ”doutora”, “senhor” ou “senhora”, enquanto estas se dirigem aos mais humildes por meio do informal “você”.(SARMENTO,2016, p.59)

10De acordo com o autor citado, ao responder a pergunta como está o ser humano?: “Dados oficiais registram que, do contingente populacional mundial, ½ população vive com menos de 2 dólares/dia, e que 1 bilhão de pessoas vive com 1 dólar/dia. No Brasil, estima-se que 6 milhões de trabalhadores não têm remuneração. Em 27/04/2004, a Folha de São Paulo denunciava que o desemprego atinge 12,8% da população economicamente ativa das seis maiores regiões metropolitanas do Brasil, conforme dados do IBGE, o que significa 2,7 milhões de pessoas sem emprego.” (BITTAR, 2006, p.03)

11Sim, ousamos discordar da ideologia pregada pelo modelo socioassistencial noventista, que tinha como norte  uma suposta eficiência da iniciativa privada em face da burocracia e atraso do serviço público.

12Versão sem paginação, acessada online: https://www.scielo.br/j/nec/a/Vkv7r47xGw7Hd6XmZdh7HfL/?lang=pt, acesso em 25.07.2022, às 19h27. Versão original está fora do sistema, mas foi referenciada de forma completa ao final do texto.

13Cuja marca atual é a uberização do trabalho, a desconstrução de direitos sociais e o descarte de seres humanos, chamados “refugos humanos” pelo sociólogo Zygmunt Bauman

14Dados coletados do sítio eletrônico do governo: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/censosuas/status_censo/relatorio.php, acesso em 24.07.2022, às 22h00

15Dados coletados do sítio eletrônico do governo: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/censosuas/status_censo/relatorio.php, acesso em 24.07.2022, às 22h00


5. REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Víctor. Linhas de trabalho em direitos econômicos, sociais e culturais: instrumentos e aliados. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos [online]. 2005, v. 2, n. 2 [Acessado 23 Julho 2022], pp. 188-223. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1806-64452005000100009>. Epub 25 Set 2008. ISSN 1983-3342. https://doi.org/10.1590/S1806-64452005000100009

ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: COURTIS, Christian; SANTAMARÍA, Ramiro Ávila (ed.). La protección judicial de los derechos sociales. Quito, Equador: V&M Gráficas, 2009. p. 3-29.

BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

BERCOVICI, Gilberto.Constituição Econômica e Desenvolvimento. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2022.

BITTAR, Eduardo. Ética, cidadania e constituição: o direito à dignidade e à condição humana. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n.08, p. 125-155, jul./dez., 2006. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-08/RBDC-08-125-Eduardo_Bittar.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL. Lei Orgânica de Assistência Social. Lei 8.742, de 07 de dezembro 1993.

BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Resolução 145, de 15 de outubro de 2004. Brasília- DF

JACCOUD, Luciana e BICHIR, Renata Mirandola e MESQUITA, Ana Cleusa. O SUAS na proteção social brasileira: transformações recentes e perspectivas. Novos Estudos CEBRAP, n. 108, p. 37-53, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.25091/S0101-3300201700020003. Acesso em: 23 jul. 2022.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

MAIA, Maria Cláudia. Apontamentos sobre o Direito Achado na Rua e sua contribuição para a concretização dos Direitos Humanos. Revista Jurisfib, Bauru-SP, v. 9, n. 1, p. 115-124, 02 dez. 2018.

NOVAIS, Jorge Reis.Contributo para uma Teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2018.

NOVAIS, Jorge Reis. Princípios Estruturantes de Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2019.

PEREIRA JUNIOR, A. J.; COLARES, T. P. . Direito fundamental à assistência social: conselhos gestores e serviço de república para egressos de unidades de acolhimento. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], [S. l.], v. 20, n. 2, p. 337–354, 2019. DOI: 10.18593/ejjl.19955. Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/espacojuridico/article/view/19955. Acesso em: 23 jul. 2022.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: ______ (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível.Revista Brasileira de Direito Constitucional, n.09, p.361-388, jan./jun., 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. O direito ao mínimo existencial não é uma mera garantia de sobrevivência. 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mai-08/direitos-fundamentais-assim-chamado-direito-minimo-existencial. Acesso em: 24 jul. 2022.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais; na Constituição Federal de 1988. 10 ed. Rev. Atual. e Ampl. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2015.

SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. O Direito Achado na Rua: condições sociais e fundamentos teóricos. Revista Direito e Práxis, [S.L.], v. 10, n. 4, p. 2776-2817, dez. 2019. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/2179-8966/2019/45688.


1Assessor do Ministério Público do Estado do Paraná. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas.Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Estadual de Maringá e Especialista em Direito Civil pela Universidade Estadual de Londrina, e-mail: marcelgcorrea@gmail.com.

2Procuradora Municipal. Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas. Especialista em Direito do Estado e em Gestão Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Advocacia Pública pela Universidade de Coimbra, em Direito Processual Público pela Universidade de Santa Cruz do Sul, e-mail: renata.hellwig@gmail.com.