A POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL DA VIDA CONDOMINIAL À LUZ DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10668617


Camila Freitas Monnerat¹


Resumo

A propriedade encontra limitação em sua função social. No âmbito condominial, o convívio pode ser prejudicado por condutas reiteradamente gravosas praticadas por um condômino, que denominamos como antissocial. No caso de uso nocivo da propriedade e configurado o abuso de direito, há possibilidade de os outros coproprietários, guardado o quórum previsto, deliberarem para proposição de uma ação judicial para sua expulsão.

Palavras-chave: Direito de propriedade; função social; condomínio; limitação ao direito de propriedade; condômino antissocial

Abstract

Property finds limitation in its social function. At condominium sphere, the social interaction could be damaged by repeated and serious conducts caused by a coowner, that we nominate antisocial condominium member. In case of harmful use of property and set up abuse of rights, it’s possible to other co-owners, respecting the established quorum to deliberate and present a judicial action in order to his/her expulsion.

Keywords: Property rights; social function; condominium; property right limitation; antisocial condominium member

Introdução

À medida em que a população cresce, em especial nos grandes centros urbanos, a tendência é por morar o mais perto possível das áreas centrais. Com a alta demanda e o preço do metro quadrado cada vez maior, a vida em casas se tornou raridade, razão pela qual a escolha natural é optar por condomínios edilícios.

A convivência nos condomínios é complexa, uma vez que os direitos dos coproprietários e de seus pares são diuturnamente confrontados e limitados entre si. Nesse impasse relativo a direitos e deveres, conflitos são inevitáveis. Para solucioná-los o condomínio recorre ao ordenamento jurídico e também à sua normativa própria, como a Convenção, o Regimento Interno e as decisões assembleares.

Para cada infração cometida, em descompasso ao ali determinado, caberá uma sanção: advertências, multas, reparações de dano. Geralmente é suficiente para dirimir os conflitos. Mas a dificuldade surge quando nos depararmos com o caso de um condômino que reiteradamente descumpre seus deveres, tornando absolutamente insuportável a convivência com os demais. Denominado sob a alcunha de “condômino antissocial”, não raro nos deparamos com ele, protagonista de situações diversas onde a sanção pecuniária já não mais surte efeito.

Nesse sentido, a problemática reside no fato de não haver disposição legal expressa que nos traga uma solução simples e clara, para afastamento do infrator, em benefício dos outros coproprietários, o que reforça a relevância do tema.

Sob essa perspectiva, é necessário o aprofundamento do conceito complexo de propriedade e buscar a possibilidade de sua limitação no caso em que interesses do coletivo de outros coproprietários estejam ameaçados pelo abusos de direito de outro condômino.

Através do método bibliográfico descritivo, objetiva-se discutir se, após aplicação de todas as formas de sanções previstas devido a reiteração de descumprimento de seus deveres, manifestando condutas intoleráveis e incompatíveis ao bom convívio coletivo, o condômino antissocial poderia ser juridicamente afastado do convívio com os demais.

O direito de propriedade e sua função social

O Código Civil Brasileiro não conceitua propriedade, mas define o proprietário, como aquele que lhe é atribuído a faculdade de usar, gozar, fruir, dispor e reivindicar a coisa, no poder de quem quer que a injustamente detenha (Art. 1.228)².

Hoje a propriedade, no conceito do Art. 5º, inc. XXIII³, da Constituição Federal, submete-se ao princípio de sua função social.

No entendimento de Scavoni, a função social hoje faz parte da construção jurídica do direito de propriedade. O que ela “exige, respeitada a ordem econômica, é que o direito de propriedade seja exercido nos limites do interesse econômico e social” (SCAVONI, 2020, p. 310)

Uma das vertentes da função social da propriedade é a proibição do abuso de direito de forma geral (Art. 187)4 e de forma específica (Art. 1228, paragrafo 2º, do Código Civil)5.

É sabido que em todo o nosso ordenamento jurídico é defeso a uma parte que exerça um direito prejudicando outrem, ainda mais quando esse exercício não trouxer qualquer comodidade ou utilidade.

Dessa maneira, a função social da propriedade não é uma “limitação propriamente dita, mas de característica intrínseca da propriedade.

No entender de Maria Regina Pagetti Moran (1996, p.314):

A função social modifica, portanto, o esquema tradicional de livre atribuição do titular do direito de propriedade. Isto sucede a partir do momento em que o ordenamento prevê que o exercício dos poderes atribuídos ao proprietário não seja voltado unicamente à satisfação de interesses individuais, mas às exigências da coletividade.

Temos hoje que o direito de propriedade tem uma função social e, “portanto, nada tem de absoluto, no sentido de irrestrito, podendo assim ser modificado onde quer que surja a necessidade de se atender aos interesses gerais da coletividade” (MACHADO, 2013, p.73). Esses interesses coletivos, como a dignidade da pessoa humana, saúde, meio ambiente, segurança, dentre outros, são fundamentais e tutelados pela Constituição Federal.

A propriedade cumpre sua função social sempre calcada na normalidade de seu exercício, na medida em que o proprietário ou possuidor use licitamente o imóvel sem abuso ou excesso na fruição de seus direitos. “Toda utilização que excede a normalidade, erige-se um mau uso, e, como tal, pode ser impedida pelo vizinho, por anormal” (MACHADO, 2013, p.7).

No entendimento de Daniele Moreira: “A utilização da propriedade deve se dar conforme um padrão ético de comportamento, segundo a boa-fé objetiva, sob pena de se incorrer em abuso de direito”(MOREIRA, 2015,p.385).

O direito de propriedade exercido de forma anormal, nociva à vizinhança, deixa de cumprir sua função social e passa a ser encarado como abuso de direito.

Condomínio Edilício

É importante esclarecer alguns conceitos referentes a condomínio edilício que são fundamentais para o entendimento da questão.

Para Orlando Gomes (2012, p. 235) condomínio edilício pode ser conceituado da seguinte maneira:

A situação caracteriza-se pela justaposição de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado do condomínio de partes do edifício, forçadamente comuns. Cada apartamento, sala, conjunto ou andar pertence exclusivamente a um proprietário, que, todavia, tem o exercício do seu direito limitado pelas obrigações especiais que decorrem de possuí-lo num edifício com outras unidades autônomas. Ao mesmo passo que é dono do seu apartamento, faz-se necessariamente condômino de certas partes do imóvel que permanecem, para sempre, em estado de indivisão forçosa.

O condomínio Edilício é regulamentado a partir do Art. 1.331 do Código Civil e também pela lei 4.591/64.

Superada a conceituação, pode-se inferir que, havendo necessariamente proprietários de partes autônomas e de uso comum, pelo bem da convivência harmoniosa, para resguardo de direitos patrimoniais e morais, e evitar o uso nocivo da propriedade, uma regulamentação é necessária,

Essa regulamentação vem da lei civil, e, pactualmente, da Convenção Condominial, Regimento Interno e das decisões assembleares.

No tocante à convenção condominial, esta é a norma basilar, dentre todos os direitos e obrigações, do convívio entre os proprietários e suas partes, regulamentado de forma suplementar pelo Regimento Interno e disposições votadas em assembleias.

Validada mediante subscrição de 2/3 dos condôminos, segundo contornos do art. 1.333 do Código Civil6, as suas disposições fazem leis entre as partes e, mediante registro na matrícula do imóvel, também perante terceiros.

Condômino antissocial

O Art. 1.336 do Código Civil estabeleceu, no exercício de seu direito de propriedade, os deveres dos condôminos e dentre eles, que se abstenham de utiliza-la de forma prejudicial ao sossego, salubridade, segurança dos possuidores ou bons costumes, sob pena de multa prevista em convenção ou estabelecida em assembleia.

Do estabelecido na norma tem-se garantido, a contrario sensu, aos outros coproprietários o direito a esse dever ser respeitado pelos seus pares. Seu descumprimento não é apenas uma afronta à convenção, mas caracteriza-se uso nocivo da propriedade, aplicando-se as regras de direito de vizinhança, que no campo condominial acaba se amplificando tendo em vista a proximidade com vários vizinhos.

O Art. 1.337 do Código Civil, concernente ao condômino antissocial estabelece que:

O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

O legislador, como podemos afirmar, buscou conferir proteção à comunidade condominial, inibindo condutas que violassem os direitos dos demais condôminos.

Ocorre que o conceito de comportamento antissocial ficou por demais aberto, ficando sua interpretação submissa a um conceito subjetivo.

Recomenda Elias Filho que:

A fim de agilizar a aplicação da penalidade ao condômino antissocial, os condomínios podem conceituar o comportamento antissocial em suas convenções ou regimentos, o que, certamente trará vantagens na hipótese de propositura de ação judicial, tendo em vista o caráter extremamente subjetivo da questão (ELIAS FILHO, 2015, p.156).

Uma vez conceituado, tem-se que a definição das condutas para aplicação das penalidades do Art. 1337 do Código Civil, deve se ater a um comportamento extremamente grave, verdadeiramente atentatório a vida condominial e reiterado.

Em toda normativa referente a condomínios edilícios, bem como o observado em todo ordenamento brasileiro, fica claro que a aplicação de sanções é realizada de forma gradativa e proporcional ao direito violado. No Direito Condominial, percebe-se que diante de uma conduta menos grave há a aplicação inicialmente de uma pena de advertência, multa e dali vemos que, se ainda não cessada a violação, há uma multiplicação de valores. Esse mesmo entendimento podemos verificar em outros ramos do Direito, como Família, Penal, Administrativo etc.

Dessa forma, é imperioso que, ao narrar em suas convenções que tipos de condutas se enquadrariam neste conceito, os condomínios se atentem para uma situação extremamente grave, em que haja urgência de repressão para assegurar a vida, integridade física e convivência comum, a que cause profundo desgosto, mal estar, ou constrangimento coletivo e que esta prática seja reiterada. Além desses requisitos, é imperioso, segundo entendimento de vasta jurisprudência, e sob pena de nulidade, que seja dado o amplo direito ao contraditório no processo.

A respeito da conduta nos ensina Caio Mário:

Deve ser considerada aquela que é reiterada, e não um ato isolado, decorrente de um descontrole episódico, quando alguém rompe a barreira ética e o verniz de civilização com que nos cobrimos, deixando emergir o homem primitivo que hiberna dentro de cada um de nós (PEREIRA, 2018, p.136).

Fora dessas situações extremas, entendemos que as penas de multa sustentam este condão inibidor, seja por elas mesmas, ou com instauração de processo judicial, inclusive com fixação de astreintes para obrigações de não fazer não acatadas, nos moldes do Art. 497 do Código de Processo Civil7.

No caso de não haver descrição das condutas antissociais, caberá ao judiciário, após aprovação pelo mesmo quórum previsto de ¾ dos condôminos restantes, analisar o caso concreto e decidir pelo provimento ou não do pedido.

Da possibilidade de restrição ao direito de propriedade pelo condômino antissocial

Superada a problemática da conceituação e possibilidade de levar ao judiciário a questão, mediante quórum específico, é de se questionar a respeito da possibilidade de aplicação de sanção além da multa já prevista no Artigo 1.337 do Código Civil, notadamente sua expulsão, quando esta já se torna ineficaz.

O tema não é pacificado pela doutrina. Alguns doutrinadores, como Flávio Tartuce (2016, p.347), entendem que, mesmo nos casos de grave e reiterada conduta, a expulsão seria pedido juridicamente impossível, devendo o condomínio aplicar a repetição da multa até que talvez o condômino seja obrigado a sair do local, ao contrário haveria violação de importantes preceitos constitucionais:

Não se filia a tal corrente, por violar o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988) e a solidariedade social (art. 3.º, I, da CF/1988); bem como a concreção da tutela da moradia (art. 6.º da CF/1988). Em suma, a tese da expulsão do condômino antissocial viola preceitos máximos de ordem pública, sendo alternativas viáveis as duras sanções pecuniárias previstas no art. 1.337 do CC.

O maior argumento para impossibilidade de expulsão seria a omissão legislativa quanto ao tema, e também pela não inclusão de conduta antissocial como hipótese de perda da propriedade, dentre as elencadas no Art. 1.275 do Código Civil8.

Sob esse enfoque, conforme muito bem frisado por Marco Fábio Morsello, a sanção pecuniária prevista no Art. 1.337 do Código Civil de forma alguma é um limite intransponível para o argumento de omissão legal (MORSELLO, 2014, p.176).

Ademais, no entender de Martinho Neves Miranda (MIRANDA, 2010, p. 218), se fosse considerado a multa como o limite deliberativo desse artigo, estaríamos contrariando a lógica da escala progressiva fixada em todo nosso ordenamento jurídico. Deveríamos nos perguntar: o pagamento da multa tornaria suportável o que era insuportável antes de sua fixação? A incompatibilidade seria mera questão de preço?

A Constituição Federal prevê sanções ao mau uso da propriedade, especialmente no Art. 182, parágrafo 4º9 e Art. 184, caput10. Podemos verificar que o regramento infraconstitucional também prevê o mesmo, mas especialmente as do Art. 1.228, parágrafos 4º e 5º do Código Civil¹¹, levam em conta a inadequação de sua função social, cuja pena é a perda da propriedade.

Se o sistema abarca a perda da propriedade por este motivo, tanto mais no caso de um condômino que faz dela uso inadequado e de modo desrespeitoso, subvertendo seu propósito. Não se pode chegar a uma conclusão diferente, ao utilizarmos interpretação de forma sistêmica e teleológica. A função social da propriedade funciona como elemento modificativo desse direito, impondo-se a necessidade de atendimento ao bem comum, no caso, aos demais moradores do condomínio.

A expulsão do condômino antissocial não deixa de ser uma atroz sanção, entretanto extremamente necessária como último recurso não só para manutenção do equilíbrio psíquico, econômico e social na copropriedade, mas para assegurar a função social que à unidade autônoma condominial obrigatoriamente se impõe (MACHADO, 2013, p.139).

Urge esclarecer que a autorização assemblear disposta no Art. 1.336 do Código Civil é apenas para proposição de procedimento judicial. Ela não tem o poder de expulsar ou não o referido condômino, ficando a cargo do judiciário sua apreciação, como bem nos lembra o posicionamento de Marcelo Sampaio Siqueira (SIQUEIRA, 2020, p.820).

Nesse ínterim, caberá ao magistrado fazer cessar a conduta antissocial, até mesmo utilizando-se de parâmetros previstos no próprio ordenamento, como a disposição do Art. 1.277 do Código Civil¹² em que é autorizado a cessação de interferências prejudiciais da propriedade vizinha, devido a seu uso anormal, ou mesmo na medida prevista do Art. 497 do Código de Processo Civil¹³, que autoriza o juiz da causa a se valer de todas as medidas necessárias para tal fim. Nos esclarece Elias Filho:

O direito dos demais condôminos é prioritário e resulta da necessidade de ser combatido o abuso de direito (Art. 187 do Código Civil) e o desvio da função social da propriedade (Art. 5º, XXIII, da Constituição Federal) que o lesante reiteradamente pratica, bem como pra permitir qualidade de vida digna aos vizinhos (Art. 1º, III, da Constituição Federal (ELIAS FILHO, 2015, p.161)).

Também é entendimento de J. Nascimento Franco, citado por Elias Filho (2015, p.161):

Ao nosso ver, essa é a melhor solução. Se nas sociedades em geral pode ser excluído o sócio que prejudica a harmonia na vida social, com mais razão deve ser afastado da comunidade que, a rigor, pode ser considerada uma sociedade de fato, o coproprietário cuja conduta perturbe a tranquilidade, a moralidade e a segurança do edifício.

E não caberá ao poder judiciário alegar omissão legislativa, uma vez que não pode alegar lacuna ou obscuridade da lei, cabendo a ele aplicar normas legais já existentes, interpretando-as sistemática e teleologicamente (Art. 140 do Código de Processo Civil)14.

Tendo em vista a clara progressão de sanções existentes em todo ordenamento, não haveria argumento para impedir a aplicação do afastamento do condômino antissocial do condomínio edilício, tendo em vista o abuso de seu direito de propriedade e desvirtuação de sua função social.

Pode o juiz, então, ante a evidência dos fatos, da prova inequívoca e do convencimento da verossimilhança decidir pela exclusão do coproprietário da unidade condominial, continuando este com seu patrimônio, podendo locá-lo, emprestá-lo ou vende-lo, perdendo, porém, o direito à convivência naquele condomínio” (ELIAS FILHO, 2015, p.160).

E no entender de Caio Mário:

Não se defende, aqui, a perda compulsória da propriedade, e sim a sua limitação, com o afastamento do condômino infrator, que poderá alugar sua unidade ou dá-la em comodato (PEREIRA, 2018, p.136).

A V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ aprovou o Enunciado 508, que tem a seguinte redação:

Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.

Quanto à jurisprudência, o STJ ainda não atacou diretamente o tema, todavia já mencionou em alguns acórdãos o Enunciado 508 e sobre a possibilidade doutrinária de exclusão.

Vendo pelo prisma do enunciado, ainda que o legislador não tenha expressamente indicado a sanção para os casos extremos de ineficácia das sanções pecuniárias, a interpretação de todo sistema legal que protege a propriedade e os proprietários de abusos de direito e mau uso da propriedade, chega tranquilamente a uma solução jurídica, que passa pela decisão judicial de afastar o condômino infrator do convívio com os coproprietários, sem com isso privalo de todo direito sobre o bem.

Conclusão

O direito de propriedade tem como característica intrínseca a sua função social. O exercício desse direito não deve ser voltado apenas à satisfação individual, mas deve se ater ao interesse de toda coletividade.

A propriedade cumpre sua função social desde que haja normalidade em seu exercício, com utilização lícita e sem excesso na fruição de direitos. Caso a utilização não obedeça tais requisitos, estamos diante de um mau uso da propriedade, e consequentemente um abuso de direito.

Na situação do condomínio edilício, com a proximidade de convívio e copropriedade, a situação de abuso pode se tornar latente.

O condomínio, com objetivo de regulamentar a convivência se utiliza do ordenamento jurídico e de suas próprias normativas, como Convenção Condominial, Regimento Interno e decisões assembleares, onde são estabelecidas sanções para quaisquer abusos do direito de propriedade.

Nessa perspectiva surge a figura do condômino antissocial, aquele que pratica reiteradamente conduta grave capaz de trazer incompatibilidade na vida condominial.

A esses o Art. 1.337 do Código Civil dispõe que podem ser constrangidos a pagar multa no valor de até um décuplo do valor da quota condominial, até que futura assembleia disponha o que fazer.

Como o condômino antissocial não foi restritamente conceituado, para efeito de proposição de ação judicial, é interessante que a Convenção Condominial assim descreva as condutas que se enquadram nesse conceito. Seja como for, tem-se que a conduta deve ser grave, atentatória à vida condominial e reiterada.

Caso não haja resolução do problema através da multa, surge a alternativa de expulsão do condômino antissocial.

Apesar de não há previsão legal expressa que autorize essa penalidade, todavia entendemos ser possível essa sanção.

O Art. 1.336 do Código Civil dispõe que no exercício do direito de propriedade os condôminos se abstenham de utilizar o bem de forma prejudicial ao sossego, salubridade, segurança e bons costumes. Como há uma copropriedade, cada proprietário ou possuidor também tem o direito de exigir o mesmo. O descumprimento desses deveres se configura uso nocivo da propriedade.

Vemos no ordenamento jurídico em geral uma observância à proporcionalidade entre a conduta infracional e a sanção a ser estabelecida. Na normativa condominial não é diferente. Para casos graves, onde há urgência de repressão de condutas reiteradas para assegurar a vida, integridade física e convivência comum, a expulsão é uma alternativa justa e viável.

No Art. 1.337 do Código Civil há disposição de convocar assembleia e deliberar acerca da situação do condômino antissocial. Nesta assembleia pode-se, através do quórum de ¾ dos condôminos restantes, votar pela instauração de procedimento judicial a fim de expulsá-lo da vida condominial.

Analisando as disposições legais, podemos chegar à conclusão de que a expulsão do condômino antissocial é possível.

Tanto a Constituição Federal, em seus artigos 182 §4º, 184 caput e o Código Civil no art. 1.228 estabelecem a perda da propriedade tendo em vista a inadequação de sua função social. Se há autorização para perda da propriedade em nosso ordenamento, muito mais factível seria sua limitação.

Apesar da doutrina não ser unânime, temos que há necessidade de conter o desvio da função social da propriedade pois o abuso de direito deve ser combatido.

Tendo sido deliberado a decisão de submeter essa decisão ao judiciário, ao juiz caberá a medida. O magistrado não poderá alegar omissão legislativa, cabendo a ele aplicar as medidas já existentes, utilizando para tanto interpretações teleológica e sistêmica, e estando diante de uma omissão, utilizar a analogia, costumes e princípios gerais de direito na aplicação ao caso concreto.

No sistema civil temos autorização no artigo 1.227 do Código Civil para o juízo fazer cessar interferência prejudicial à propriedade tendo em vista seu uso anormal ou também as previstas no artigo 497 do Código de Processo Civil, dando aval a utilizar todas as medidas necessárias para tal fim.

Dessa maneira, ao judiciário caberá o afastamento do condômino antissocial, limitando sua propriedade, de forma que possa locá-lo, emprestá-lo, vende-lo, mas fazendo cessar a convivência, a bem da coletividade.

A jurisprudência do STJ não atacou diretamente o tema, mas editou o Enunciado 508, dispondo que assembleia poderá autorizar o ingresso de ação judicial para expulsão do condômino antissocial.

Concluímos defendendo que através de uma interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico, a cessação da convivência condominial poderá ser operada, como último recurso para manutenção do equilíbrio psíquico, econômico e social da copropriedade, restaurando a paz condominial.


²Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
³Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
4Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
5Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
6Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo,
dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades,
ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no
Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 1.336. São deveres do condômino:
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao
sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
7Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
8Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:
I – por alienação;
II – pela renúncia;
III – por abandono;
IV – por perecimento da coisa;
V – por desapropriação.
9Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 4o É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir,
nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.
10Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
¹¹Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
¹²Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
¹³Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
14Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.

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¹Advogada e Pós graduada em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes