REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10633105
Ana Cristina Marques Marcondes Oliveira1
Elcio Massoni Gonçalves2
Kauan de Souza Leite3
Orientadora: Rosimeire Ravazi Ayer4
Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de fornecer uma visão geral e prática da aplicação da legislação civil em relação aos diversos casos jurídicos do direito digital, bem como abordar a evolução das tecnologias, da informação e comunicação (TICs) e da Inteligência Artificial no contexto jurídico civilista. A inteligência artificial (IA) está começando a mudar o mundo como o conhecemos e é uma das tecnologias mais promissoras na área do direito. O uso de inteligência artificial diante das leis brasileiras atuais que tratam desse assunto tem gerado um grande impacto na liberdade de uso e atuação da inteligência artificial, gerando um debate sobre a liberdade na internet e das consequências jurídicas desta manifestação por meio da atuação dos profissionais da área e das decisões dos tribunais nacionais. Os resultados indicam que as pesquisas recentes têm avançado na compreensão dos desafios éticos, legais e sociais que envolvem a aplicação de sistemas de inteligência artificial em processos jurídicos e de segurança humana. No entanto, ainda há limitações e questões a serem exploradas, como a percepção e a aceitação da população em relação ao uso desses sistemas e a transparência e explicabilidade dos processos decisórios. O foco de pesquisa perpassa pelo estudo abstrato do exercício do direito delimitando a relevância deste trabalho; examinar-se-á o avanço jurídico na atualidade. A metodologia deste trabalho foi embasada em conceitos que atendem a pesquisa com seu tema principal, desse modo, o atual estudo teve abordagem qualitativa exploratória. Portanto, este trabalho se desenvolveu por meio de pesquisas bibliográficas.
Palavras-chave: Era digital Jurídica; Inteligência Artificial; Tecnologia Legislativa.
Summary: The present work aims to provide a general and practical overview of the application of civil legislation in relation to the various legal cases of digital law, as well as to address the evolution of technologies, information and communication (ICTs) and Artificial Intelligence in the legal context. Artificial intelligence (AI) is starting to change the world as we know it and is one of the most promising technologies in the field of law. The use of artificial intelligence in light of current Brazilian laws that deal with this subject has generated a great impact on the freedom of use and action of artificial intelligence, generating a debate about freedom on the internet and the legal consequences of this manifestation through the actions of professionals in the area and decisions of national courts. The results indicate that recent research has advanced the understanding of the ethical, legal and social challenges involving the application of artificial intelligence systems in legal and human security processes. However, there are still limitations and issues to be explored, such as the population’s perception and acceptance regarding the use of these systems and the transparency and explainability of decision-making processes. The research focus will encompass the abstract study of the exercise of law, delimiting the relevance of this work; current legal advances will be examined. The methodology of this work was based on concepts that meet the research’s main theme, therefore, the current study had an exploratory qualitative approach. Therefore, this work was developed through bibliographical research.
Keywords: Legal digital age; Artificial intelligence; Legislative Technology.
1. Introdução
A inteligência artificial (IA) pode ser caracterizada pela habilidade de sistemas computacionais, robôs ou dispositivos virtuais de analisar e processar dados de maneira análoga à cognição humana, utilizando para isso algoritmos específicos. O avanço nessa área acontece de forma gradual e contínua. Apesar de alguns progressos serem notáveis, ainda existe um extenso percurso até que uma máquina atinja a capacidade de raciocinar de forma autônoma. Atualmente, essas máquinas têm a habilidade de aprimorar-se através de experiências, graças ao conceito de aprendizado de máquina.
No contexto jurídico civilista, a IA já é uma realidade atuante em diversos sistemas legais ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde iniciativas têm sido implementadas há alguns anos. Isso se deve à busca constante do ser humano por desenvolver instrumentos que facilitem suas atividades, especialmente aquelas operacionais e processuais, permitindo que se concentrem mais nas atividades fundamentais de suas respectivas áreas. Nesse sentido, a tecnologia tem sido fundamental na criação de formas de inteligência que atendam a essas necessidades, incluindo a oferta de serviços a terceiros.
Nesta temática jurídica, a crescente integração da Inteligência Artificial (IA) representa um duplo impacto. Por um lado, atrai significativamente a atenção dos juristas que estão empenhados em desenvolver um quadro legal robusto. Este esforço visa gerenciar os riscos associados ao uso da IA, especialmente em questões que envolvem responsabilidade legal, privacidade de dados, e direitos autorais. A necessidade de um marco legal claro surge da complexidade inerente à IA, que opera de maneira frequentemente opaca e com potenciais implicações éticas profundas. Assim, os juristas estão à frente na elaboração de diretrizes e normativas que possam abranger a amplitude e a profundidade dos desafios apresentados pela IA, esforçando-se para garantir que a tecnologia seja utilizada de forma responsável e segura.
Além disso, a prática jurídica em si está sendo profundamente transformada pela incorporação da IA, particularmente no âmbito civilista. A IA está revolucionando a forma como os advogados conduzem pesquisas legais, analisam casos, preparam documentos e até mesmo interagem com clientes. Ferramentas de IA estão sendo utilizadas para prever resultados de casos, o que auxilia na estratégia de litígio. Elas também estão automatizando tarefas rotineiras, permitindo que os profissionais do direito se concentrem em aspectos mais complexos e criativos de seus casos. No entanto, esta transformação traz consigo desafios relacionados à formação e adaptação dos profissionais do direito, que precisam estar cada vez mais familiarizados com as capacidades e limitações da tecnologia de IA. Assim, a prática jurídica civilista não está apenas utilizando a IA como uma ferramenta, mas também evoluindo com ela, integrando-a no cerne de suas operações e estratégias.
O uso combinado de grandes volumes de dados, aprendizado de máquina e técnicas de processamento de linguagem natural está facilitando a criação de ferramentas que automatizam tarefas jurídicas anteriormente realizadas exclusivamente por especialistas. O desenvolvimento dessa “IA jurídica” enfrenta desafios, sobretudo devido às características únicas do pensamento jurídico.
O objetivo geral deste trabalho é explorar e analisar as interações entre a inteligência artificial e as interfaces jurídicas e de segurança humana, com o intuito de compreender como essas tecnologias podem ser desenvolvidas e utilizadas de forma ética e responsável, garantindo a proteção dos direitos humanos e a segurança da sociedade. De modo específico, este trabalho busca identificar como a inteligência artificial afeta o direito; investigar o uso da inteligência artificial no poder judiciário brasileiro; e, analisar as interações entre a inteligência artificial e as interfaces jurídicas e de segurança humana.
Todos os dias encontramos notícias sobre os formidáveis desenvolvimentos da inteligência artificial, suas aplicações atuais e potenciais, e o profundo impacto trabalhista, econômico e social que sua implementação progressiva em vários setores profissionais está causando e pode causar no futuro imediato. Sem dúvida, a crescente assunção por parte de sistemas algorítmicos de determinadas tarefas até então realizadas exclusivamente por humanos (da automatização de diagnósticos clínicos à realização de operações de stock, passando pela condução autónoma), tem suscitado delicadas questões éticas e jurídicas que o jurista, atento à realidade, preparou-se para enfrentar.
Por se tratar de um tema atual onde ainda há muito a ser pesquisado e explicado, este estudo ganha uma importância ainda maior. Esse trabalho também será relevante para a comunidade científica porque disponibilizará mais referenciais bibliográficos para trabalhos futuros acerca de sua temática principal.
2. Inteligência Artificial e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico
Para abordar a questão da Inteligência Artificial (IA), é crucial primeiro entender o conceito de inteligência. Geralmente, a inteligência é associada ao aprimoramento do raciocínio lógico e matemático, mais do que a um entendimento amplo de inteligência. Essa percepção é comum em uma cultura que valoriza a habilidade de solucionar problemas complexos, de habilidades em leitura, escrita e cálculo em determinados níveis, e de resolver rapidamente problemas de álgebra e postulados, considerando a educação formal e o conhecimento acadêmico ou cultural como verdadeiros indicadores de sucesso pessoal (AMARAL, 2020, p. 1-26).
Mesmo entre os especialistas em psicologia, frequentemente se observa uma definição bastante restrita de inteligência, como um termo abrangente que engloba a capacidade de uma pessoa em realizar uma variedade de tarefas, incluindo vocabulário, cálculo, solução de problemas e conceitos. Quando avaliada por testes de inteligência padronizados, essa definição tende a enfatizar habilidades específicas, sobretudo as verbais (PERES, F., 2021. p. 35).
Contudo, é importante notar que há divergências de opinião sobre o que constitui a verdadeira inteligência. Há argumentos que sugerem que a essência da inteligência reside em viver uma vida feliz e eficaz, sendo vivida de forma plena a cada dia. Portanto, pode-se argumentar que a inteligência é um conceito abrangente, relacionado a uma vasta gama de habilidades e potenciais mentais. Embora frequentemente ligada a aspectos formais, isso não implica que seja a única forma de interpretar o termo, e em muitos casos, outras manifestações dessa qualidade podem ser mais significativas.
A Inteligência Artificial (IA), como campo emergente da ciência da computação, tem se tornado cada vez mais relevante no direito civil brasileiro. A IA oferece um potencial transformador para o sistema jurídico, principalmente no tocante à eficiência, precisão e acessibilidade. No contexto do direito civil, a IA pode ser aplicada de várias maneiras, desde a análise de grandes volumes de dados jurídicos até a assistência em decisões judiciais e na automação de procedimentos legais (KAGAN, 2020).
A aplicação da IA no direito civil pátrio traz consigo várias implicações práticas. Por exemplo, pode-se usar a IA para prever resultados judiciais, o que pode ser particularmente útil para advogados e seus clientes na tomada de decisões estratégicas. Além disso, a IA pode ajudar a identificar padrões em decisões judiciais anteriores, contribuindo para uma compreensão mais profunda de como certos argumentos ou fatos podem influenciar os resultados dos casos (KAGAN, 2020).
Outra aplicação significativa da IA no direito civil está na automatização de tarefas rotineiras, como a revisão de documentos e a redação de contratos. Isso não só economiza tempo para os profissionais do direito, mas também aumenta a precisão, reduzindo o risco de erros humanos. Além disso, a IA pode auxiliar na análise de contratos e documentos legais, fornecendo insights que podem passar despercebidos aos olhos humanos.
No entanto, é importante ressaltar que a aplicação da IA no direito civil também levanta questões éticas e legais. Por exemplo, como garantir a imparcialidade dos sistemas de IA e evitar viéses incorporados nos algoritmos? Além disso, a utilização da IA na tomada de decisões legais coloca em questão a necessidade de transparência e explicabilidade das decisões automatizadas.
Portanto, embora a IA represente um avanço significativo para o direito civil, é crucial que seu desenvolvimento e aplicação sejam acompanhados de uma reflexão crítica sobre os desafios éticos, legais e sociais envolvidos. Isso garantirá que a IA seja utilizada de maneira responsável e benéfica no contexto jurídico, contribuindo para a evolução do direito civil brasileiro de forma equitativa e inovadora.
Originalmente, a Inteligência Artificial foi construída com base em conhecimentos e teorias existentes em outras áreas do conhecimento (SIMONS, 1986). Algumas das principais fontes de inspiração e conhecimento que nutriram essa área foram: ciência da computação, filosofia, linguística, matemática e psicologia. Cada uma dessas ciências contribuiu não apenas com o conhecimento nelas desenvolvido, mas também com suas ferramentas e experiências; contribuindo assim para a gestação e desenvolvimento desta nova área do conhecimento (COSTA, 1986).
Os sistemas inteligentes têm a capacidade de automatizar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana. Prever o comportamento individual é uma aplicação primordial desses sistemas, com uma ampla gama de objetivos. Algumas das tarefas que podem envolver identificar as preferências de consumo e determinar o momento e desejo comum de um indivíduo podem incluir tanto a probabilidade de não reembolso de um empréstimo quanto a aplicação de análise automatizada de dados para tomar decisões sem envolvimento humano.
Os modelos empregados podem ser inescrutáveis para a compreensão humana. Essa falta de compreensão pode ter origem em três fontes primárias: a complexidade dos modelos matemáticos, as dificuldades em compreender extensas operações de processamento de dados e a opacidade institucional em torno desses sistemas (RUSSELL, 2011).
Dado o potencial de impacto significativo para pessoas físicas e jurídicas, o ordenamento jurídico impõe certas limitações ao uso da inteligência artificial como ferramenta de apoio ou automação, especialmente nas esferas judicial e administrativa, bem como outros métodos de solução de conflitos. O cumprimento dessas restrições é crucial para a utilização legal da IA em atividades legais.
A regulamentação legal de privacidade e proteção de dados pessoais é a principal razão por trás dessas restrições. Os princípios éticos mencionados anteriormente, juntamente com as leis derivadas deles, também regem as aplicações legais da inteligência artificial. A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), também conhecida como Lei 13.709/2018, em agosto de 2021, traz implicações significativas para aplicações jurídicas que envolvam geração automatizada de contratos ou buscas jurisprudenciais.
Além das preocupações abrangentes mencionadas anteriormente e extraídas da seção anterior, também há questões jurídicas específicas a serem consideradas. Uma ilustração seria o mandato de que decisões legais devem resultar do escrutínio de inquéritos factuais e legais levados ao processo.
Para automatizar uma decisão judicial ou fornecer orientação a um juiz humano, um sistema inteligente deve atender aos padrões legais de fundamentação de suas recomendações. No entanto, a construção e o uso de sistemas inteligentes podem ser tão obscuros que gerar tal base pode ser impraticável ou impossível (RENARD, 2020 apud PERES, F. 2021).
Semelhante ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, a LGPD incorpora uma versão do “direito à explicação”. O artigo 20, § 1º da LGPD determina que, caso os dados pessoais sejam processados exclusivamente por sistemas automatizados para tomada de decisão, o controlador deve divulgar as técnicas e padrões empregados na tomada dessas decisões automatizadas. Essa abordagem da lei se alinha com sistemas baseados em conhecimento que dependem de representações pré-existentes de informações disponíveis para resolver problemas. (RUSSELL; NORVIG, 2010).
Apesar da prevalência da inteligência artificial na mídia convencional, muitos aplicativos modernos de IA dependem de sistemas orientados a dados. Vários exemplos recentes incluem sistemas projetados para detectar diferenças em decisões do Supremo Tribunal Federal (ALVES, 2018), prever decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e aplicar testes de propósito principal em tributação internacional (HARTZELL, M., 2020). Essas são apenas algumas das muitas aplicações práticas de abordagens de IA orientadas por dados.
Ao contrário das abordagens convencionais, os sistemas de dados dependem de técnicas de aprendizado de máquina para resolver problemas, em oposição a representações predefinidas. Esses sistemas são primeiramente expostos a dados relacionados ao problema que pretendem resolver e, por meio de processos de treinamento estatístico, identificam correlações e dados padrão, que podem ser usados posteriormente para resolver problemas semelhantes. (ZULIANI, 2021)
Métodos empíricos governam a previsão de resultados legais extraindo dados relevantes de decisões judiciais passadas. Fatores como a natureza das reivindicações, o valor em questão e o tribunal em que o caso é julgado são considerados. Os sistemas de aprendizado de máquina utilizam essas propriedades detectáveis para formar sua estrutura, sem nenhuma justificativa normativa sobre como a decisão deve ser baseada nas características e argumentos do caso.
A complexidade dos modelos matemáticos usados para extrair as propriedades dos dados costuma ser incompreensível até mesmo para observadores técnicos. Isso torna difícil entender as operações do sistema. Quando esses modelos são aplicados a cenários de big data, a escala de trabalho envolvida complica ainda mais as coisas. Torna árduo apresentar as decisões do sistema de uma forma que seja compreensível para os humanos. Critérios, premissas, argumentos e conclusões acessíveis são elementos essenciais que permanecem indefinidos em tais cenários.
Embora os sistemas baseados em conhecimento se destaquem por representar um amplo espectro de aplicações legais e gerar respostas compreensíveis, eles exigem investimentos consideráveis em seu desenvolvimento e utilização que podem impedir aplicações no mundo real.
Em contraste com os sistemas baseados em conhecimento jurídico, os sistemas de aprendizado de máquina podem extrair correlações estatísticas com menos requisitos estruturais. No entanto, suas soluções carecem de uma explicação completa que atenda aos requisitos legais e não se beneficiem do conhecimento jurídico.
O autor defende a integração de conhecimentos jurídicos e técnicas de aprendizado de máquina. Ao combinar os pontos fortes únicos de ambas as abordagens, é possível criar sistemas que se adaptam melhor às nuances das previsões legais, que têm uma natureza normativa.
Segundo SOUSA, J. (2021), a utilização da IA pode levar a uma maior eficiência do sistema judicial, com a redução de erros e tempo de análise de processos. Além disso, a IA pode ser utilizada para a identificação de possíveis violações trabalhistas e fiscais, como ressalta a Estatística do Cadastro Central de Empresas do IBGE (2022).
Entretanto, é importante destacar que o uso da IA no sistema judicial pode trazer alguns desafios, como a dependência excessiva da tecnologia e a preocupação com a privacidade e segurança dos dados. De acordo com Bardinelli e Gonçalves (2020), a implementação da IA no sistema judicial pode exigir uma capacitação adicional para os juízes e funcionários, além de mudanças significativas na infraestrutura tecnológica e na cultura organizacional do Poder Judiciário.
Apesar dos desafios, a utilização da IA no Poder Judiciário pode trazer benefícios significativos, como a previsão de resultados de casos com base em dados históricos, o que pode levar a uma maior previsibilidade e segurança jurídica. Segundo o STF (2022), a utilização da IA pode ser uma ferramenta útil para a tomada de decisão pelos juízes.
Em resumo, a tabela apresentada traz um panorama geral do potencial uso da IA no Poder Judiciário brasileiro em diferentes tipos de processos, destacando suas vantagens e desafios. É importante ressaltar que o uso da IA deve ser feito com cuidado e responsabilidade, considerando-se os impactos em termos de eficiência, privacidade e segurança jurídica.
3. Uso do Judiciário e os instrumentos digitais
Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é notável o aumento na implantação de projetos de inteligência artificial (IA) no Judiciário para 2022. Nesta terça-feira (14/6), o ministro Luiz Fux, do CNJ Presidente, anunciou que o levantamento identificou 111 projetos em desenvolvimento ou já concluídos nos tribunais. Isso representa um aumento de 171% em relação à pesquisa do ano anterior, na qual apenas 41 projetos foram relatados (AGÊNCIA CJN, 2022).
O número de agências que utilizam IA em suas operações fez um progresso significativo. Atualmente, 53 tribunais estão desenvolvendo ativamente soluções de IA, um aumento significativo em relação à pesquisa anterior, onde apenas 32 órgãos relataram ter iniciativas sobre o assunto. O estudo também revelou que tribunais sem projetos em andamento, principalmente eleitorais e trabalhistas, ainda se beneficiam da implementação de soluções em estudo por seus Tribunais Superiores ou respectivos conselhos. Isso mostra que os projetos nacionais estão beneficiando todo o sistema judiciário.
Um total de 85 projetos foram descobertos, embora 12 empreendimentos registrados anteriormente tenham sido interrompidos ou encerrados no ano passado. Cerca de 63 das soluções propostas já estão operacionais, com outras 18 em fase de conclusão. Outros 20 ainda estão nas fases iniciais de desenvolvimento, enquanto 10 ainda não iniciaram nenhum progresso. A maioria dessas iniciativas de impacto visa lidar com grandes volumes de litígios, já que cerca de 90% desses empreendimentos beneficiam mais de mil processos judiciais.
Os tribunais adotam ferramentas de IA principalmente para aumentar a produtividade, incentivar a inovação, melhorar a qualidade dos serviços e reduzir despesas. Rafael Leite, desembargador adjunto do CNJ, destaca a capacidade do Judiciário de alavancar a IA para agilizar os processos de trabalho e melhorar os resultados das pessoas que buscam justiça.
Ao aproveitar o poder da IA, agora é possível automatizar tarefas burocráticas antes trabalhosas, simplificando os procedimentos formais do sistema jurídico. Essa mudança, de acordo com o magistrado, possibilita uma abordagem mais empática e humanizada para com os atingidos pela jurisdição. Com isso, nosso sistema jurídico está se tornando mais ágil e de fácil acesso, oferecendo serviços sob medida que melhor se alinham com as expectativas da sociedade (KAGAN, 2020).
Acessíveis no Painel de Projetos de IA do Judiciário, encontram-se os dados da pesquisa resultante da movimentação de mapeamento do Programa Justiça 4.0. Esse programa busca acelerar a transformação digital do Judiciário. Uma das iniciativas do programa é o desenvolvimento de uma plataforma baseada em nuvem que integra perfeitamente os sistemas judiciais (KAGAN, 2020). Essa unificação agiliza o processo processual garantindo uma comunhão de soluções tecnológicas entre os tribunais brasileiros, alavancando modelos de IA e abrigando um banco de dados consolidado de casos em andamento em todo o país.
O CNJ, PNUD e CJF uniram forças para criar a Justiça 4.0 em colaboração com o TSE, STJ e CSJT. Em nossa busca pela governança cidadã, é vital priorizar o aprimoramento das habilidades do Judiciário, incorporando técnicas inovadoras para agilizar os serviços judiciais. A coordenadora da unidade de Governança e Justiça do PNUD, Moema Freire, enfatiza a importância de alavancar tecnologias disruptivas e colaborar com a sociedade para alcançar os melhores resultados por meio da Justiça 4.0 (PERES, F.; KANAN, L.; GÓMEZ, L., 2021).
A Inteligência Artificial (IA) é agora parte integrante de nossas vidas diárias. De resultados de pesquisa personalizados a recomendações de produtos personalizadas com base no comportamento do usuário, chatbots com tecnologia de IA para atendimento ao cliente online, reconhecimento facial e tecnologia de processamento de voz humana, ela já deixou sua marca. A IA é um campo da ciência da computação que visa desenvolver mecanismos ou dispositivos que possam simular o aprendizado humano, a resolução de problemas e as habilidades de pensamento por meio de algoritmos e processos estatísticos. Embora a IA tenha ganhado atenção significativa recentemente devido às suas aplicações comerciais, não é uma área nova de pesquisa.
Em 1950, as raízes dessa tecnologia foram plantadas quando um cientista chamado Alan Turing realizou uma avaliação da capacidade de raciocínio de uma máquina. Este teste marcou o início de uma nova era. Machine Learning é um processo no qual um sistema de IA aprimora seu desempenho na execução de uma determinada tarefa por meio da experiência. Existem duas categorias de Machine Learning: supervisionado e não supervisionado, cada um com sua abordagem única (ZULIANI, A.; GOMES, H.; LEITE, J., 2021).
O aprendizado supervisionado envolve a alimentação de um conjunto de dados de treinamento pré-classificado para o algoritmo. Em seguida, ele é encarregado de assimilar os padrões dessas classes para que possa avaliar com precisão novos conjuntos de dados. Pelo contrário, o aprendizado não supervisionado não começa com o conhecimento das classes (ou rótulos) existentes em um conjunto de dados. Em vez disso, o algoritmo agrupa registros com características semelhantes para permitir que o aplicativo determine as classes.
O aprendizado supervisionado é baseado em dados rotulados, onde a saída desejada já é conhecida e vinculada a certas características dos dados. Aqui, um “professor” supervisiona a resposta da máquina aos dados de entrada e os avalia de acordo. O objetivo do aprendizado supervisionado é determinar a regra geral que liga a entrada e a saída. Este tipo de aprendizagem é categorizado principalmente em dois grupos: Classificação e Regressão.
O aprendizado não supervisionado é uma técnica que lida com dados que não possuem rótulos para a saída desejada. Requer que a máquina desenvolva relações entre entrada e saída, identifique padrões, regularidades e categorias/perfis. As técnicas de agrupamento são frequentemente utilizadas em problemas de aprendizado não supervisionado.
A realidade da IA já está presente nos sistemas judiciários, pois vários projetos em vários tribunais, como STF, TJPE, TST, TJRO e TJDFT, já mostraram benefícios significativos. Embora a classificação supervisionada continue sendo um foco principal, exigindo gerenciamento especializado de atributos de processamento para garantir a máxima eficácia, outras áreas de estudo e implementação estão sendo exploradas (ZULIANI, A.; GOMES, H.; LEITE, 2021). Isso inclui preparação de documentos legais assistida por IA, reconhecimento facial para identificar detidos, identificação de tipo de caso e assunto de petições iniciais, identificação de semelhanças entre casos com implicações mais amplas, execução de ações processuais e decisões de juízes com a devida autorização e previsão de cronogramas para apoiar a criação de políticas públicas.
A linguagem Python emergiu como uma escolha popular para entusiastas de aprendizado de máquina devido ao seu alto desempenho, natureza gratuita e documentação fácil de entender. Também vem com bibliotecas como Pandas e NLTK que ajudam a construir códigos AI. Para alavancar o potencial do Python, o CNJ, em parceria com o TJRO, projetou o SINAPSE. Permite que algoritmos de classificação e previsão sejam compartilhados em um repositório central, reduzindo a redundância de trabalho entre diferentes tribunais.
Durante o XIII Encontro Nacional do Judiciário, em Maceió, nos dias 25 e 26 de novembro de 2019, o Ministro Dias Toffoli, Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou o papel crucial da criatividade e da inovação na evolução do sistema judiciário. Ele pediu técnicas modernas de gerenciamento, incluindo inteligência artificial, para lidar com o acúmulo de quase 80 milhões de processos pendentes no tribunal. Ele também enfatizou a importância da resolução de conflitos e incentivo à conciliação para lidar com esses casos de maneira mais eficaz.
Em consonância com essa constatação, o TJDFT vem desenvolvendo ativamente projetos de inteligência artificial que visam beneficiar o cotidiano de servidores públicos e magistrados. Ao minimizar tarefas repetitivas e aumentar a eficiência e precisão, essas iniciativas garantem que a sociedade receba resultados rápidos e precisos.
A iniciativa Hórus permitiu a classificação de 274.000 procedimentos de VEF por meio da categorização automatizada de documentos. Entretanto, o Amon encontra-se em fase de testes e tem capacidade para realizar reconhecimento facial em imagens e vídeos, cumprindo assim as necessidades de segurança interna do TJ. Além disso, tem o potencial de auxiliar a VPERA na facilitação da transferência de presos para o regime aberto. Já a Toth está em fase de pesquisa e deverá analisar as petições iniciais dos advogados para recomendar a classe jurídica correta e as questões processuais para registro no PJE durante as avaliações (ZULIANI, A.; GOMES, H.; LEITE, 2021).
A integração perfeita entre homem e máquina é uma conclusão inevitável, como evidenciado por essas inovações modernas. Sua implementação adequada levará a avanços significativos em todas as facetas do empreendimento humano.
4. Uso de robôs na Administração Pública e Direito Civil
A utilização de robôs na inteligência artificial vem ganhando espaço em diversos setores da sociedade, e o poder judiciário não é exceção. Essa tecnologia tem sido empregada em diversas etapas do processo judicial, desde a análise de documentos até a tomada de decisões por juízes e magistrados.
Segundo Bertolini et al. (2020), a utilização de robôs na análise de documentos e processos judiciais tem como objetivo agilizar e tornar mais eficiente a tramitação desses documentos, reduzindo a carga de trabalho dos profissionais envolvidos. Já Costa e Vieira (2020) afirmam que os robôs podem auxiliar na identificação de padrões em casos judiciais, o que pode ajudar juízes e magistrados a tomar decisões mais fundamentadas.
Entretanto, é importante ressaltar que a utilização de robôs na tomada de decisões em processos judiciais ainda é um tema controverso. Alguns autores, como Alves (2021), argumentam que a decisão final em um caso judicial deve ser tomada por um ser humano, já que a interpretação das leis e a análise do contexto envolvido podem ser complexas demais para um robô.
A utilização de robôs na inteligência artificial no poder judiciário pode trazer benefícios em diversas etapas do processo judicial, como a análise de documentos e a identificação de padrões em casos. Porém, a utilização dessas tecnologias na tomada de decisões ainda é controversa e deve ser discutida com cautela.
Os robôs empregados na inteligência artificial no âmbito do poder judiciário estão cada vez mais em foco em pesquisas recentes, devido ao seu potencial em otimizar a gestão de processos judiciais civis. Hartzell et al. (2020) destacam que a aplicação de robôs na análise de dados e documentos pode melhorar significativamente a precisão e a rapidez na identificação de informações cruciais para o julgamento de casos judiciais. Esta automação não apenas acelera o processo, mas também aumenta a confiabilidade dos resultados obtidos.
Além disso, a análise de sentenças judiciais é outra área em que os robôs têm demonstrado grande utilidade. Conforme descrito por Zuliani et al. (2021), os robôs podem ser programados para identificar padrões em decisões judiciais passadas. Essa capacidade pode auxiliar juízes e magistrados a emitir veredictos mais coesos e equitativos. O uso de robôs também contribui para minimizar erros humanos na revisão e interpretação de documentos.
Contudo, a implementação de robôs no judiciário não está livre de desafios. Briceño-Garmendia e Morales (2020) enfatizam que a compreensão das leis e dos contextos específicos dos casos judiciais é complexa e pode incluir nuances dificilmente captadas por máquinas. Assim, é crucial considerar cuidadosamente as limitações e os possíveis riscos associados ao emprego de robôs em decisões judiciais.
Apesar desses desafios, o potencial dos robôs na inteligência artificial no judiciário é inegável, especialmente em termos de eficiência na análise de dados e documentos. É imperativo, no entanto, que a adoção dessas tecnologias seja acompanhada de avaliações minuciosas que considerem tanto as vantagens quanto os obstáculos envolvidos.
Sousa e Amaral (2021) complementam essa perspectiva, indicando que os robôs podem otimizar a gestão de processos judiciais ao automatizar tarefas repetitivas e burocráticas, o que potencialmente reduziria o tempo de tramitação dos casos. Essa automação poderia liberar recursos humanos para se concentrar em aspectos mais complexos e delicados dos processos judiciais.
Adicionalmente, a análise preditiva de decisões judiciais representa outra área promissora para a aplicação de robôs na inteligência artificial no judiciário. Kagan et al. (2020) sugerem que os robôs podem ser treinados para identificar tendências em decisões anteriores e, com base nesses dados, prever o desfecho mais provável de casos em julgamento. Tal tecnologia poderia ser uma ferramenta valiosa para juízes e magistrados, ajudando-os a fundamentar suas decisões de maneira mais robusta e coerente.
Em resumo, o emprego de robôs na inteligência artificial no poder judiciário promete transformar a maneira como os processos são gerenciados e julgados, oferecendo eficiência e consistência. No entanto, é crucial que essa integração seja feita com uma análise criteriosa, garantindo que a tecnologia seja utilizada de maneira a complementar e não substituir o julgamento humano, especialmente em casos que envolvem interpretações complexas e sensíveis do direito.
Entretanto, é importante destacar que a utilização de robôs na tomada de decisões em processos judiciais ainda é um tema controverso. Como afirmam Peres et al. (2021), a decisão final em um caso judicial deve ser tomada por um ser humano, já que a interpretação das leis e dos contextos envolvidos é uma tarefa complexa e pode envolver nuances que são difíceis de serem compreendidas por robôs.
Em síntese, a utilização de robôs na inteligência artificial no poder judiciário pode trazer benefícios em diversas etapas do processo judicial, como a automatização de tarefas repetitivas e a análise preditiva de decisões judiciais. Contudo, é importante avaliar cuidadosamente as limitações e potenciais riscos envolvidos na utilização dessas tecnologias na tomada de decisões em processos judiciais.
5. A Responsabilidade Civil no Uso Da Inteligência Artificial
A sincronização entre a noção regulatória de obrigação e o surgimento de dispositivos de inteligência artificial impõe um dilema: ou a sociedade escolhe abandonar o uso de tais tecnologias avançadas, ou reconhece e enfrenta um vácuo em termos de responsabilidade civil. Considerando a improbabilidade da primeira alternativa, nosso objetivo se concentra em abordar e resolver a segunda questão.
Neste contexto, uma vez que a inteligência artificial é desenvolvida e dada a incerteza quanto às suas ações futuras, torna-se essencial que o Direito, em uma interação mutuamente benéfica com o progresso tecnológico, encontre soluções para os danos potenciais resultantes de suas atividades.
É importante ressaltar, como já foi observado anteriormente, que um aspecto central da inteligência artificial é sua habilidade de se auto otimizar. Este avanço é fundamentado em sistemas de aprendizado pré-existentes, que habilitam a máquina a gerir circunstâncias não previstas em sua programação original. Durante este processo de auto otimização, a máquina pode, inadvertidamente, causar prejuízos a terceiros. Isso ocorre mesmo levando em consideração a primeira lei de Asimov, segundo a qual uma máquina deve sempre ser programada para preservar a vida humana.
Surge então uma indagação relevante: quem deve assumir a responsabilidade por danos potenciais relacionados às ações de máquinas dotadas de inteligência artificial? A resposta pode variar entre três possibilidades: o indivíduo ou entidade que se beneficia do uso da máquina, a própria máquina, ou seu desenvolvedor ou fabricante.
A base da responsabilidade civil está no princípio de que a pessoa prejudicada deve arcar com as perdas sofridas, seja em sua pessoa ou propriedades, como consequência do risco inerente à vida cotidiana. Contudo, a responsabilidade civil reverter essa lógica, atribuindo a autoria do dano ao seu causador e exigindo a responsabilização por ele. Não é qualquer dano que incita responsabilidade; ele deve exceder os riscos normais da vida e haver fundamentação legal para que a compensação ao prejudicado seja exigida (RUSSELL, S. NORVIG, P, 2004).
O aspecto compensatório da responsabilidade civil tem como objetivo restaurar o estado anterior, transferindo o ônus do dano da vítima para o causador, ou para aquele que deveria tê-lo prevenido.
A presença da responsabilidade civil incentiva a reflexão e consideração cuidadosa antes de agir, levando em conta as consequências possíveis dos atos com base na experiência, conhecimento, informações disponíveis e previsibilidade humana. A consciência de ser responsável por ações praticadas limita a liberdade do indivíduo, evitando comportamentos irresponsáveis.
É importante notar que a inteligência artificial, como o nome sugere, não é natural e carece de autonomia. Ela requer um programador para definir suas ações. Assim, mesmo com uma autonomia limitada e capacidades de aprendizado, a IA não possui vontade própria, discernimento ético ou sensibilidade social, apesar das previsões de que ela possa ultrapassar as capacidades humanas. Quando comparamos essas características com as qualidades inatas do ser humano, livre e responsável por seus atos, alguns autores consideram incoerente responsabilizar a IA.
Na Resolução do Parlamento Europeu de 20 de outubro de 2020, ressaltou-se a necessidade de regular os diversos âmbitos de atuação da IA. Foi enfatizado que o conceito de “responsabilidade” desempenha um papel crucial na sociedade, garantindo que uma pessoa prejudicada possa exigir e receber compensação do responsável pelos danos e incentivando pessoas e entidades a evitar causar danos ou considerar o risco de ter que pagar por eles.
O Parlamento Europeu, em suas últimas deliberações, indicou que a IA deve ser centrada e produzida pelo ser humano, ressaltando sua natureza antropocêntrica e antropogênica.
A concepção de personalidade jurídica, conforme definida no artigo 66 do Código Civil, é adquirida no momento do nascimento com vida, implicando a possibilidade de ser portador de direitos e obrigações, mas não necessariamente a capacidade de exercê-los. A personalidade indica a potencialidade para ser detentor de direitos e obrigações, mas não confere automaticamente a habilidade para agir sobre eles (BRICEÑO-GARMENDIA, C.; MORALES, L, 2020).
Neste contexto, a responsabilidade civil é ativada após a ocorrência de um dano, originando o direito da vítima de exigir reparação do causador do dano, através de seu patrimônio, para cumprir com a obrigação de indenizar.
Diante desta estrutura legal, surge a questão: deveria ser atribuída personalidade jurídica a entidades com inteligência artificial, permitindo que seu patrimônio responda por atos danosos cometidos? Ana Elisabete Ferreira argumenta que o debate deveria focar na utilidade de conceder personalidade jurídica a entidades eletrônicas, não para lhes outorgar direitos, mas para responsabilizá-las. Embora entidades não humanas possam ter capacidade jurídica, como é o caso das pessoas jurídicas, este argumento pode ser questionável. Primeiro, a personalidade das pessoas jurídicas não se limita apenas à responsabilização; segundo elas operam através de órgãos humanos, conscientes da necessidade de respeitar a lei, ao contrário dos robôs. Apesar de ser uma ficção jurídica, essa ficção é viável, pois a atribuição de direitos e obrigações se baseia no conjunto de pessoas que formam seus órgãos, tanto decisórios quanto executivos.
O Parlamento Europeu inicialmente sugeriu que a Comissão Europeia atribuísse personalidade jurídica a robôs autônomos e decisórios, proposta que não foi aceita. Em 2020, o Parlamento revisou sua recomendação, argumentando que, apesar dos danos causados por sistemas de IA podem ser diretos ou indiretos, geralmente são resultado de ações humanas na construção, uso ou interferência nesses sistemas, concluindo que não é necessário conferir personalidade jurídica aos sistemas de IA.
Poder-se-ia considerar que o robô formasse seu próprio patrimônio, permitindo à vítima executá-lo como compensação. No entanto, isso parece impraticável, pois o robô pode não ter valor suficiente para a indenização ou não ser de interesse da vítima. Isso nos levaria novamente a um impasse pela falta de solução.
Superada a fase histórica de atribuir direitos a divindades, santos, animais, almas e defuntos, hoje não há uma resposta clara e pacífica sobre quem são os sujeitos de relações jurídicas, não se restringindo apenas a pessoas físicas e jurídicas. Pode-se argumentar que atribuir um regime jurídico que personifique o robô com IA seria uma solução rápida, até para lhe atribuir um patrimônio, mas isso levanta questões sobre o transumaníssimo e a desvalorização do ser humano.
6. Conclusão
A emergência da Inteligência Artificial (IA) no direito civil, em uma era de avanços tecnológicos e conectividade global, representa um marco na evolução do setor jurídico. Com o advento da IA, o direito civil testemunha uma revolução na forma como os casos são analisados, as decisões são tomadas e as leis são aplicadas. Essa transformação não se limita apenas à automação de processos, mas se estende à interpretação e aplicação mais precisa das leis, facilitando um acesso mais ágil e justo à justiça.
A IA no direito civil promove uma mudança significativa na maneira como os profissionais do direito abordam casos, analisam precedentes e preparam suas estratégias. Com ferramentas de IA, advogados podem processar grandes quantidades de dados, identificar tendências em decisões judiciais e obter insights valiosos que antes seriam inacessíveis ou exigiriam um esforço humano considerável. Isso não só melhora a eficiência, mas também aumenta a precisão na previsão de resultados de casos e na personalização de estratégias legais.
Além disso, a IA tem um papel crucial na gestão de dados sensíveis no direito civil, particularmente no que diz respeito à conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A capacidade da IA de processar e analisar grandes volumes de dados respeitando os princípios de privacidade e proteção de dados é fundamental. Isso garante que as informações dos indivíduos sejam tratadas com a devida diligência, minimizando o risco de violações de dados e suas consequências legais.
No entanto, a integração da IA no direito civil também exige uma consideração cuidadosa das implicações éticas. A transparência nas decisões algorítmicas, a prevenção de viéses e a garantia de que as máquinas não substituem o julgamento humano crítico são aspectos essenciais para manter a justiça e a equidade no sistema jurídico.
Dessa forma, a aplicação da IA no direito civil brasileiro é não apenas uma tendência, mas uma necessidade na era digital. A sua capacidade de transformar positivamente a prática jurídica, aumentando a eficiência e a precisão, ao mesmo tempo em que adere aos princípios éticos e legais, como estabelecido pela LGPD, é inestimável. Assim, a IA se torna uma ferramenta essencial para os profissionais do direito, facilitando um acesso mais justo e equitativo à justiça, e contribuindo para um sistema jurídico mais ágil, transparente e responsável.
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