ELEMENTOS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, PRINCÍPIOS GERAIS E FONTES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10582344


Aline Isadora Costa Cantuária


RESUMO

O direito processual civil sofreu significativas alterações até ser identificado como ciência, isso se deu a partir do surgimento do Estado, onde o exercício do poder foi institucionalizado por meio de regras para ordenar a sociedade. Dividida em períodos pela doutrina, que perpassam desde a era greco-romana, onde inexistiam normas escritas até o avanço com a criação da imprensa tornou acessível a divulgação de livros em prol da evolução do direito. Em outras etapas o processo civil ganhou independência, servindo atualmente de verdadeiro instrumento para realizar o direito material. Assim, as modificações na estrutura da lei processual de 1973, adicionada a evolução científica no âmbito processual e a transformação da sociedade do país, resultaram na formulação em 2015 de um novo código de processo civil, orientado a um processo justo, organizado e sistematizado, pautado em princípios fundamentais. O exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado, através da demanda, inicia um relacionamento muito especial entre o autor e o órgão instituído para prestar jurisdição. A ele se dá o nome simples e direto de processo. Nesse contexto, estudiosos debruçaram a entender a natureza jurídica, vista atualmente como duas lentes: a do direito privado e a do direito público. O objeto do processo é o próprio pedido do autor, representado em juízo através de uma manifestação de vontade dirigida ao Estado, sobre a qual se deverá exercer a atividade jurisdicional. A finalidade também foi revelada para melhor sistematizar teoria geral do processo, aceita como meio essencial para a solução do conflito.

Palavras-chaves: direito processual, objeto, finalidade, fontes e princípios gerais.

INTRODUÇÃO 

O processo civil é um grande alicerce para a sociedade, pois serve como meio para atingir a paz social e atender as necessidades contemporâneas das relações jurídicas. Os litígios para serem resolvidos, devem ser submetidos ao poder jurisdicional do Estado. 

Nesse contexto, como fonte de conhecimento, o processo é relativo, pois pode variar conforme as mutações da sociedade. Dessa maneira, esse instrumento passou por diversas modificações ao longo do tempo até se adequar ao estilo moderno. Dessas transformações originaram-se conceitos, definiram-se as fontes das regras processuais e também formularam-se postulados gerais, denominados princípios. Assim, desenvolveu-se a teoria geral do processo civil. 

Dinamarco afirma, que as normativas que compõem o Direito Processual Civil buscam satisfazer o direito do jurisdicionado em tempo útil e de modo eficiente. Para o autor, o mais grave dos problemas é a excessiva duração dos processos, que torna difícil a solução dos litígios em tempo razoável. 

EVOLUÇÃO HISTÓRICA 

Em meados do século XX, o direito processual moderno começou a ser reconhecido como ciência. A partir do surgimento do Estado, a institucionalização do poder se fez por meio de regras para controlar e ordenar a sociedade (Alvim, 2016). Nesse cenário, a história do direito processual pode ser dividida em cinco períodos: 

Para o autor acima, inicialmente, o primitismo, marcado pela era greco-romana, seguida pelo processo germânico. Na época dos gregos inexistiam normas processuais, apenas concepções formadas em determinadas exposições acerca do funcionamento da justiça. Não havia normas escritas especificamente para o processo, no qual predominava o uso da retórica e da oralidade. 

O ônus de provar competia às partes, com pouca interferência do juiz. O julgador fazia a ponderação com ampla liberdade na análise das provas testemunhais e documentais. Após o império romano derruir frente aos bárbaros, o processo pouco se desenvolveu. Os bárbaros possuíam concepções jurídicas rudimentares, além de serem pouco organizados. Cada grupo ético regulava o funcionamento da justiça de maneira diversa, de acordo com seus costumes e dialetos. Ademais, a participação de entidades religiosas não permitiu significativa evolução, na medida em que os procedimentos não seguiam julgamentos lógicos. 

Em meados do século XI, cedeu-se lugar ao processo comum, período chamado judicialismo, com o advento das universidades dos estudos sobre os textos romanos originaram-se as glosas. Como principais características registra-se a necessidade de contestação da lide para instaurar o juízo, o impulso do processo atribuído às partes e a existência de um processo sumário.

Encerrada a fase do judicialismo, teve início o praxismo, momento em que a criação da imprensa tornou acessível a divulgação de livros em prol da evolução do direito. 

Segundo Didier (2016), Carnelutti, enfatiza que a partir de 1830 deu-se início ao procedimentalismo; pautado na prática do processo para o desenvolvimento de um procedimento. Os pensadores da época esgotaram o assunto sobre organização judicial, competência e o próprio procedimento, por meio de métodos expositivos, superiores aos práticos. O direito processual ganhou autonomia, o direito de ação passou a ser visto como um direito subjetivo processual independente do direito subjetivo material. O desenvolvimento desse conceito deu origem ao processualismo científico. 

Estabeleceu-se a independência do direito processual, o aprofundamento dos conceitos e a preocupação em fazer a teoria do direito processual. Apesar da importância dos procedimentalistas, os processualistas foram além e aprofundaram o estudo como verdadeira ciência jurídica. O direito processual passou a ser reconhecido sob o aspecto da instrumentalidade. O processo, considerado independente, serve de verdadeiro instrumento para realizar o direito material. 

O processo deve ser compreendido, estudado e estruturado tendo em vista a situação jurídica material para a qual serve de instrumento de tutela. A essa abordagem metodológica do processo pode dar-se o nome de instrumentalismo, cuja principal virtude é estabelecer a ponte entre o direito processual e o direito material (Didier Jr, 2018). 

O direito processual no Brasil teve início na época colonial, quando regulamentado pelas ordenações reais até 1850. A constitucionalização do processo fez com que se inserissem diversos princípios basilares que inspirou a busca por um processo democrático sob uma perspectiva diferente da relação processual, composta apenas pelas partes ou isoladamente pelo juiz. Desse modo, o juiz não atua de forma isolada, mas sim com a cooperação das partes por meio do exercício do contraditório. 

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

As modificações na estrutura da lei processual de 1973, adicionada a evolução científica no âmbito processual e a transformação da sociedade do país, resultaram na formulação em 2015 de um novo código de processo civil, orientado a um processo justo, organizado e sistematizado, pautado em princípios fundamentais. Tais princípios são premissas sobre as quais se apoiam as ciências que servem de diretrizes gerais.

Eles não se confundem com os princípios informativos que se subdividem em: lógico, que é a sequência de atos no processo, obedecendo a um regramento lógico, de forma que os supervenientes derivem dos precedentes em uma ordenação. O econômico, aponta no sentido de que o processo deve buscar obter o melhor resultado possível com o menor dispêndio de recursos e de esforços; o jurídico, por sua vez, indica que devem ser respeitadas as regras previamente estabelecidas no ordenamento jurídico e o político, observa que é onde o processo deve buscar o seu fim último, que é a pacificação social, com o menor sacrifício social possível. 

Mais do que princípios, essas formulações são regras técnicas, de conteúdo extrajurídico que servem de orientação a aplicação do direito. Como dito anteriormente diferenciam-se dos princípios fundamentais, estes de conteúdo jurídico-político, os quais são pautadas em duas categorias: os de estatura constitucional; e os infraconstitucionais. 

FONTES DO DIREITO 

Toda essa estrutura normativa e principiológica emana de fontes, que é de onde se origina, suas raízes, de onde se cria e como se aplica. Com base nisso, conceitualmente, fontes do direito são a expressão metafórica para os modos de formação das normas jurídicas, ou seja, sua entrada no sistema do ordenamento. 

Assim as fontes do direito são os atos, acontecimentos e tradições passadas que servem para a criação, modificação ou extinção das normas, classificadas em: fontes formais, que são obrigatórias e constituem-se pela constituição federal, pelas leis ordinárias, pelas constituições estaduais, pelos regimentos internos dos tribunais, pelas leis de organização judiciária e pelos trabalhos internacionais. Deve-se ainda considerar as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e as súmulas vinculantes. 

As fontes materiais servem para melhor orientar a aplicação das fontes formais e são elas: os princípios gerais do direito previstos na LINDB, o costume, a jurisprudência, a doutrina e a súmula. Nesse contexto, cumulam-se os acórdãos em IRDR e IAC, os julgamentos de recursos extraordinários e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional e, ainda, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados os respectivos juízes e tribunais. 

Trata-se, portanto, de compreender o texto pela via constitucional, concluindo pela existência de pronunciamentos vinculantes (fontes formais) e persuasivos (fontes materiais). 

A NATUREZA JURÍDICA, FINALIDADE E OBJETO DO PROCESSO

O exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado, através da demanda, inicia um relacionamento muito especial entre o autor e o órgão instituído para prestar jurisdição. A ele se dá o nome simples e direto de processo.  Neves (2016) indica que, de acordo com Dinamarco, processo é o instrumento, a técnica, o meio, a ferramenta pelo qual o autor exerce o seu direito de ação e o réu exerce o seu direito de defesa. 

Sem prejuízo de teorias anteriores, entende-se que o processo, enquanto relação jurídica, se afirma sob a influência de vetores hermenêutico-constitucionais, para viabilizar o exercício da jurisdição. O novo sistema processual possibilita o exercício da função jurisdicional sob a regência de garantias historicamente absorvidas pela tradição jurídica, em benefício dos direitos fundamentais. 

Em decorrência do que aqui se defendeu acerca da coerência e da integridade, pode-se observar que o contraditório, percebido durante toda dinâmica processual, hoje reclama influência e não surpresa, pois esse é o seu conceito atual. 

OBJETO DO PROCESSO 

O objeto do processo é apresentado pelo pensamento alemão e pode ser definido como a pretensão deduzida em juízo. No Brasil, essa tese encontra respaldo na obra de Gonçalves (2022), para quem o objeto do processo seria o próprio pedido do autor, representado em juízo através de uma manifestação de vontade dirigida ao Estado, sobre a qual se deverá exercer a atividade jurisdicional. 

FINALIDADE DO PROCESSO 

   Os estudos sob a finalidade do processo podem ser agrupados em dois pólos distintos, de um lado, formam os que defendem a finalidade objetiva do processo e os resultados que perseguem e, de outro lado, os que defendem como essencial o fenômeno da solução do conflito, que transcende as formas primitivas, consagrando a modalidade civilizada da ordem e da justiça (Neves, 2016). 

Marinoni e Arenhart (2016) anunciam que para Carnelutti, três teorias doutrinárias, classificadas como subjetivas discutem a respeito da finalidade, entendendo o processo como um meio de satisfazer pretensões ou, ainda, como meio para resolver conflitos, ou como meio de proteção ao direito subjetivo. Reunidas e compondo o grupo das teorias objetivas, Chiovenda aponta as posições que defendem o processo como meio de atuação da lei, como meio de atuação do direito objetivo e como meio de atuação do direito subjetivo. 

NATUREZA JURÍDICA 

O processo foi visto desde o direito romano até meados do século XIX sob uma ótica privada, de natureza contratual, onde as partes delegavam, por acordo, a terceiros, a decisão de seus conflitos de interesses. Para que fosse possível aceitar o caráter público do processo, muito se discutiu a respeito de sua natureza jurídica. As teorias que abordam o assunto são classificadas em privatista e publicistas:

Neves (2016) relaciona duas teorias privatistas para explicar a natureza jurídica do processo, a teoria do contrato e a teoria do quase-contrato. Segundo o autor, tamanha era a intimidade com os princípios do direito civil que o litígio foi comparado a um contrato, de natureza judicial, em que os elementos básicos eram o sujeito, o objeto e a causa.

Gonçalves (2022) denúncia que tal teoria é muito artificial, resultante de uma visão absolutamente individualista imperante na sociedade do final do século XVIII. Por isso, não encontra sustentação, dado ao caráter publicístico adquirido pelo processo. 

Diante das acirradas críticas dirigidas à teoria do contrato, surge no final do século XIX na França a teoria do quase-contrato. Para Gonçalves (2022), essa teoria afirmava que o processo poderia ter efetiva existência independentemente ou não do acordo entre as partes. 

Com a autonomia científica do direito processual e, depois, sua concepção publicista, algumas teorias surgiram no sentido de dar uma identidade diferente da visão privatista. Chamava-se a atenção para ideia de que embora o processo civil servisse para satisfazer um interesse das partes em conflito, havia, antes, um interesse coletivo, que pode ser sintetizado no restabelecimento da paz social. 

Ribeiro (2022), todavia, defenderá que o interesse da coletividade não precede ao interesse individual, mas se apresenta em igual plano. No Brasil, ganharam destaque as teorias da relação jurídica e da situação jurídica. 

Implica dizer que os estudos das teorias contribuem para que possamos concluir ser o processo, em sua essência, a jurisdição. Contudo, com ela não se confunde, pois representa apenas uma de suas categorias. Em verdade, ele a instrumentaliza, para torná-la eficaz. 

Para Theodoro Jr (2016), a teoria da relação jurídica processual deve a obra de Bullow sua sistematização, onde defendeu ser o processo uma relação de direitos e obrigações recíprocas, ou seja, uma relação jurídica e demonstrou que esta relação vinculativa do juiz e das parte é de direito público e distinta da relação jurídica material. 

Em contraposição à teoria da relação jurídica, surge a teoria da situação jurídica, defendendo que não há em relação ao juiz e as partes nenhuma relação processual, mas o dever público de administração da justiça. Compara o processo a uma guerra, e transmuda o direito em possibilidades ou chances. Essa teoria, segundo Ribeiro (2023), sofreu profundas críticas, especialmente por Liebman, por confundir o processo com o seu objeto. 

Assim, o processo nada mais é do que a garantia de segunda grandeza, porque instrumentaliza a jurisdição que é a primeira garantidora dos direitos tutelados pelo Estado. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O direito até ser reconhecido como ciência sofreu diversas alterações significativas em seus elementos essenciais. O processo civil é um grande alicerce para a sociedade, pois serve como meio para atingir a paz social e atender as necessidades contemporâneas das relações jurídicas. Os litígios para serem resolvidos, devem ser submetidos ao poder jurisdicional do Estado. 

Diversas teses e teorias foram formuladas do decorrer da evolução do direito processual civil para estruturar os seus conceitos, identificar suas fontes e forjar todo sistema jurídico normativo processual de acordo com princípios informativos de caráter extrajurídico e os de base constitucional, premissas que modernamente pautam toda sua atuação. 

A constitucionalização do processo fez com que se inserissem diversos princípios basilares que inspirou a busca por um processo democrático sob uma perspectiva diferente da relação processual, composta apenas pelas partes ou isoladamente pelo juiz. Desse modo, o juiz não atua de forma isolada, mas sim com a cooperação das partes por meio do exercício do contraditório. 

O exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado, através da demanda, inicia um relacionamento muito especial entre o autor e o órgão instituído para prestar jurisdição. A ele se dá o nome simples e direto de processo. Nesse contexto, estudiosos debruçaram a entender a natureza jurídica, vista atualmente como duas lentes: a do direito privado e a do direito público. 

O objeto do processo é o próprio pedido do autor, representado em juízo através de uma manifestação de vontade dirigida ao Estado, sobre a qual se deverá exercer a atividade jurisdicional. A finalidade também foi revelada para melhor sistematizar teoria geral do processo, aceita como meio essencial para a solução do conflito. 

REFERÊNCIAS 

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 19. Ed. Rio de Janeiro. Forense, 2016. 

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2013. 

DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil; coord. Pedro Lenza. – 13. ed. – São Paulo: Saraiva Jur, 2022. (Coleção Esquematizado).

MARINONI, Luiz Gulherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual de Direito Processual Civil. Volume I, II e III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – volume único. Salvador: JusPodivm, 2016.

RIBEIRO, Marcelo. Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023. 

THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 49 ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2015.