O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA E OS DESAFIOS DA PESQUISA

THE POSTGRADUATE PROGRAM IN SOCIAL HISTORY OF THE AMAZON AND THE CHALLENGES OF RESEARCH

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10522798


Francivaldo Alves Nunes1


RESUMO

Neste texto, nos propomos a apresentar as ações desenvolvidas pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPHIST), da Universidade Federal do Pará (UFPA), considerando o contexto em que se deu o 28º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduando, em sua edição ocorrida em Belém, no dia 23 de junho de 2022. A partir de uma palestra proferida no evento, procuramos associar a ações do programa com aquilo que entendemos como desafios apresentados para pós-graduação, em um momento de sucateamento das universidades, provocado principalmente pela redução de recursos e investimentos do governo federal nas Instituições de Ensino Superior, assim como na redução de bolsas que atinge diretamente a pós-graduação. Esta situação é analisada considerando a realidade dos programas da região amazônica. Para isso, estamos preocupados em recuperar ações que estão associadas ao planejamento estratégico do programa, a importância da inclusão como política socialmente demandada e necessária, assim como a defesa de uma pós-graduação atuante.

Palavras-chave: Pós-Graduação. Pesquisa. Amazônia.

1 CONHECENDO O PPHIST/UFPA

O 28º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduando (ANPG), com o tema “Sucatear para Privatizar: Os desafios da pesquisa na Amazônia em tempos de desmonte da universidade pública” se tornou uma grande oportunidade para se pensar os programas de pós-graduação no Brasil e na Amazônia. Trata-se de um tema oportuno, pensar o sucateamento como estratégia para privatização, pois, de fato é um mecanismo dos governos neo-liberais para vender os equipamentos públicos com maior facilidade, pois, se tem a justificativa ideológica de que não funcionam, então se pode comercializar (HARVEY, 2008). Por outro, o tema lembra movimentos históricos, liderados por estudantes que estiveram a frente de uma luta contra a política de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), um dos últimos e mais fortes ataques feitos pelo governo federal, antes do governo Bolsonaro, claro, que colocou a universidade numa situação de total sucateamento. Como bem destacou Luiz Antonio Cunha (2003, p. 38), tratava-se de uma proposta que se afirmava na necessidade de se estabelecer uma “verdadeira parceria” entre setor privado e governo, entre universidade e indústria, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico. Neste momento atual, os agentes da destruição da escola pública e das universidades são outros, mas as estratégias são antigas, assim como as suas justificativas, pois também alegam a necessária parceria com o setor privado, que entendemos que pode resultar na privatização dos serviços públicos de ensino.

Feito essas primeiras considerações permitam-me falar muito do campo de onde estou atuando, atualmente como Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPHIST), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Com um ano e meio de gestão, trata-se da minha primeira experiência ao gerir um programa de pós. Isso significa que minha experiência é muito no campo do ensino, no entanto, já atuo desde 2012 com professor da pós-graduação, o que permite, como interlocutor e observador, acompanhar de perto esse processo de mudança e permanência vivenciado na pós-graduação, principalmente os desafios enfrentados diante de uma política, que entendemos de desmonte das universidades que, claro, atinge os mestrados e doutorados.

Desde sua fundação, em 2004, no nível de Mestrado, e, depois em 2011, com a criação do Doutorado, o PPHIST/UFPA se definiu, a partir de uma perspectiva e eixo norteador fundamental, em aprofundar as reflexões sobre a história da Amazônia, desde o período colonial até o tempo presente. Daí decorre que a área de concentração do programa tenha se mantido a mesma desde o início: “História Social da Amazônia”. Então, além de fazer pesquisa na Amazônia, a Amazônia é o objeto de observação. Se antes a ideia era compreender a atuação social, hoje é compreender como essa atuação se conectava com o mundo atlântico europeu, mas também africano, mundo asiático e com as américas.

Do ponto de vista do perfil do corpo docente, no quadriênio 2017-2020, o PPHIST/UFPA contou com 20 docentes permanentes (dos quais 4 titulares e o restante de professoras/es associadas/os) e 5 docentes colaboradores. Destes, são 8 professores produtividades, para uma média de 40 discentes de mestrado matriculados (razão de 1,6 discente/docente) e 94 discentes de doutorado matriculados (razão de 3,8 discente/docente) por ano no quadriênio. Dos docentes colaboradores, 2 são bolsistas Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) da CAPES. Uma das consequências desde desmonte é a perda de um bolsista pós-doutorado, uma vez que o programa foi encerrado e não possibilidade de renovação de bolsas, nem tão pouco de seleção de novos bolsistas.

2 UM PLANO ESTRATÉGICO

Do ponto de vista de um planejamento estratégico, o PPHIST/UFPA tem atuado de forma significativa, quanto ao aprofundamento e a produção de conhecimento sobre a Amazônia, cumprindo o objetivo de refletir historiograficamente sobre a diversidade social, étnica e cultural da região na sua relação com a biodiversidade local. Só no programa, mesmo diante da pandemia, são 10 teses produzidas anualmente e até 15 dissertações de mestrado defendidas, podendo ser baixadas no site da pós-graduação, no link: https://www.pphist.propesp.ufpa.br/index.php/br.

Formar quadros de docentes e pesquisadoras/es de instituições espalhadas pelo estado do Pará e demais estados da Amazônia Legal, cumprindo o objetivo de capacitar professoras/es e pesquisadoras/es para a compreensão da realidade regional é uma das principais metas atingidas pelo programa. Hoje professores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), como a Universidade Federal do Maranhão, a Universidade Federal do Oeste do Pará, a Universidade Federal do Pará e a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, assim como das universidades estaduais a exemplo da Universidade Estadual do Amazonas, Universidade Estadual do Maranhão e Universidade Estadual de Roraima, tem procurado o programa em busca de formação em mestrado e doutorado. Professores das universidade privadas, como a Universidade da Amazônia, docentes na rede pública estadual de educação básica no Pará, no Amazonas, e no Ceará, além dos docentes na rede pública federal de educação básica como do Instituto Federal do Maranhão e Instituto Federal do Pará foram também formados pelo programa. Ainda se observa a formação de docentes da rede pública municipal de educação básica no Pará, servidores da Secretaria de Cultura do Pará e do Amapá, servidores da Universidade Federal do Amazonas e servidor na rede pública federal de educação básica do Piauí. O que mostra a importância da pós-graduação e sua capacidade de inserção nacional e regional.

Atendimento social, em regime de assessorias, consultorias e produtos que são gerados, como os minicursos, publicações e materiais didáticos produzidos, também foram destaque na produção do programa. Ressalta-se ainda a implantação de um laboratório digital para atender os usos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no ensino e uso documental.

Adesão ao Programa de Apoio à Qualificação de Servidores Docentes e Técnico-Administrativos (PADT), que entendemos que seja um programa muito importante para formação do quadro técnico de profissionais da UFPA, em que a PROPESP/UFPA auxilia os programas foi muito importante. Em tempos de crise e sucateamento das instituições, esse tipo de investimento pode ficar comprometido.

Para o maior desenvolvimento, as pós-graduações na Amazônia precisam da manutenção do Programa de Apoio à Cooperação Internacional (PACI), que recebe docente de outros países; Programa de Acompanhamento para melhor adequação dos programas e melhor preparo para avaliação das pós; PROAFRI, PROLAC que recebem alunos africanos e da América Latina entre outros, que podem está comprometido com os cortes orçamentários a que vem sofrendo a universidade.

A professora Connie McManus, da UnB, em palestra proferida na Pontífice Universidade Católica de São Paulo, em 29 de abril de 2022, aponta números positivos de crescimento da pós-graduação na Amazônia, no caso em 112%. No entanto, esse crescimento só é sustentado com investimentos em bolsas de pesquisa. Como destaca pesquisadora, os novos programas precisam de apoio das agências de fomento, para que possam, em curto espaço de tempo, promover uma formação de qualidade e com pesquisas de reconhecimentos nacional e internacional (JORNAL DA PUC-SP, 29/04/22, p. 1).

3 UMA PÓS-GRADUAÇÃO ATUANTE

Pensar no fortalecimento dos fóruns de debate da pós-graduação, de forma a socializar as experiência e tomar diretrizes e promover ações coletivas deve ser o caminho. Em tempos difíceis, só a unidade nos fortalece. Além disso, precisamos avaliar as ações desenvolvidas na pandemia, os aprendizados e o que é possível de dar continuidade, principalmente quanto as aulas, reuniões e defesas remotas.

Em tempos de cortes orçamentários devemos estabelecer parcerias com o governo do Estado. Hoje temos uma Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECTET) e uma Fundação de Amparo a Pesquisa do Pará (Fapespa), que em muito pode colaborar, com bolsas de pesquisa para alunos da pós-graduação.

Aproximar em diálogos com as gestões do estado e dos municípios, para criação de programas que viabilizem a liberação de servidores para cursar a pós-graduação é uma outra estratégia importante. Para isso o PPHIST/UFPA tem buscado encaminhar documento aos gestores informando da importância da formação em ensino da pós-graduação e da importância do apoio das instituições em que esses discentes estão vinculados.

Entendemos que a gravidade dos cortes de recursos e bolsas de pesquisa que ocorreram neste período devem ganhar o máximo de visibilidade merecida, assim como o descaso com a ciência. Não acreditamos que apenas a questão de emissão das notas de repúdios tenha o efeito desejado. Talvez possamos pensar em outras estratégias que possa surtir maiores efeitos, mobilizando um conjunto maior de pessoas. A sociedade precisa conhecer os problemas que estamos passando. O congresso proposto pelos alunos de pós-graduação é uma saída, mas precisamos criar outras ações. Precisamos nos comunicar com a sociedade. As redes de comunicação são canais importantes.

Só para termos uma ideia, o corte sistemático, como estamos observando no Brasil em comparação com outros países do mundo, por exemplo, a porcentagem de investimento do PIB brasileiro em ciência – 1,26% – é inferior à média mundial – 1,79%), gera uma grande insegurança no sistema como um todo. Também é digno de nota o valor das bolsas de pós-graduação, que não têm reajuste desde 2013 e são de R$ 1.500,00 e R$ 2.200,00, respectivamente, para mestrado e doutorado.

4 O QUE BUSCAMOS

Pautas importantes, tais como a regulação do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), a retomada e conclusão do processo da Avaliação Quadrienal (2017-2020) e a reversão dos cortes no PLOA 2022, Projeto de Lei Orçamentária, em prol da educação, ciência, tecnologia e inovação e do cumprimento de dispositivo constitucional quanto ao descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), são os desafios postos para 2022 e 2023.

Estamos trabalhando para identificarmos os alunos do programa em maiores condições de vulnerabilidade social e econômica. Isso vai ser fundamental para dialogarmos como o colegiado do programa para construirmos diretrizes de atendimento destes estudantes.

Não dar para cobrarmos que um estudante que já está a 15 ou 20 anos em formação, ou peça que ele fique mais um tempo na pós-graduação e que de conta própria se mantenha na pós. Bolsa é uma necessidade e uma pauta não somente de alunos, mas também impacta na qualidade dos trabalhos de conclusão, sejam as dissertações como as teses.

Estamos passando por uma situação tão difícil, quando podíamos debater investimentos em pesquisa e bolsas, pois algumas pesquisas dos alunos precisam de investimento para seus projetos e para preparo de seu produto, estamos lutamos para assegurar o que temos, inclusive evitar a redução dos valores das bolsas.

Outros desafios ainda se apresentam. Observamos a necessidade de buscarmos um equilíbrio entre a preparação de professores para o ensino superior, a de pesquisadores e a de profissionais diversos que buscam seu aprofundamento teórico, cultural, científico ou tecnológico. Com flexibilização de tempos e de possibilidades nas trajetórias dentro dos cursos, este equilíbrio talvez possa ser atingido. Daí devemos pensar em funcionamentos de disciplinas em formatos e horários diversos que melhor aproveite a demanda social. A convivência de modalidades diferentes numa mesma instituição e em um mesmo programa, que se qualifica também pela pesquisa e produção cultural de outras naturezas, pode dar sustentação a um ambiente adequado de convivência com formas diversificadas de produzir e utilizar conhecimentos.

Se os programas podem e devem se constituir em lugar de construção de aprendizagens, de exercício da investigação científica, de maturação quanto a teorias e tecnologias e de preparação para o exercício da docência em nível superior, novas relações educacionais internas a eles devem ser construídas. Isto requer alterações em papéis consagrados, criação de ambiências de aprendizagem para além das aulas e atividades estruturadas, criação de opções para estudo, atividade laboratoriais diversas, que implique uma relação também com a graduação e a extensão. Temos de enfrentar o conformismo ao modelo único, de finalidade única, e buscar formas organizacionais que tornem o espaço da pós-graduação espaço no qual de fato se exercite a exploração intelectual de problemas e temas, que crie uma ação de serviço para a sociedade, no interior de suas experiências formativas.

Estamos defendendo um olhar social mais sensível, tendo questões de equidade como referência. Nesse caso, é necessário considerar as condições reais de quem hoje procura esse nível formativo, dos que potencialmente virão a procurá-los, e dos objetivos que em relação a ele começam a ter pessoas de diferentes segmentos sociais e setores do trabalho. Considerando que os objetivos são socialmente construídos e não pré-determinados abstratamente, entedemos que há a necessidade de maior interlocução suficientemente ampliada dos acadêmicos com diversificados setores que começam a exigir interfaces com esse tipo de formação.

O que se observa é que cada vez mais os estudantes de pós-graduação têm que arcar com os custos deste ensino e dividir seu tempo entre trabalho e estudo. Este é o horizonte que se descortina no Brasil para os demandantes à pós-graduação. Assim, a questão de prazos rígidos para a conclusão dos cursos – e que afetam sua avaliação e os fomentos que podem receber – toma outra feição, pelo menos dentro de um pensar mais democrático de possibilidades de acesso ao saber. Os mestrandos e doutorandos não-bolsistas, que aos poucos se tornam a maioria dos alunos desses cursos, obviamente têm outras condições quanto à dedicação de tempo aos estudos, mas nem por isto são menos qualificados para aí estarem. Nesse caso, fechar possibilidades a este tipo de pós-graduando é criar mais um espaço de exclusão. É preciso considerar também que, trabalhando em geral em áreas afins aos seus estudos, os pós-graduandos emprestam a estes uma nova qualidade que advém da experiência no trabalho e do seu trato cotidiano com variados e concretos tipos de problemas.

A questão do aluno-trabalhador e dos prazos de formação trazem um desafio e tanto para o modelo credencialista vigente e, diante das necessidades e condições reais dos estudantes nesse nível, esse modelo, com sua rigidez, parece colocar-se na contramão da história social. Estamos aqui compartilhando com as reflexões Jacques Velloso e Lea Velho (1997), que analisando a pós-graduação, discutem a questão do tempo imposto rigidamente para a realização destes cursos, ponderando que a fixação de prazos inadequados, constitui não apenas fonte de frustração mas também de desperdício de tempo e dinheiro por parte dos estudantes e das instituições.

Os contrastes entre conhecimento científico, conhecimento ético e equidade social deverão ser merecedores de uma ampla e pública discussão, se os que atuam neste nível de ensino desejarem ser partícipes das transformações que despontam no horizonte desses cursos. Esta participação será essencial à medida que se reconhecer que mestrados e doutorados devem estar envolvidos com uma ética da vida que implique a superação de processos que alimentam a excessiva desigualdade entre pessoas e grupos. Isto conduz à necessidade de rearticulação dos domínios do conhecimento com a responsabilidade social. Um novo tipo de consciência humano-social-científica será requerido para encaminhar estas transformações. Estamos, portando defendendo, uma pós que precisa está comprometida com valores sociais, defesa do meio ambiente, da sustentabilidade, do envolve com grupos marginalizados, um sistema de pós forte comprometida com a mudanças sociais, combate a pobreza, ao trabalho digno, a cidadania, a vida.

Imagem 1: Atividades acadêmicas no PPHIST/UFPA, 2023.

REFERÊNCIAS

CUNHA, L. A. O ensino superior no octênio FHC.Educação Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 82, 2003, p. 37-61.

JC NOTÍCIAS. Ações afirmativas enfrentam desafios para se consolidar na pós-graduação. 2022. Disponível EM: https://gepa-avaliacaoeducacional.com.br/acoes-afirmativas-enfrentam-desafios-para-se-consolidar-na-pos-graduacao/ Acessado em 16 de junho de 2023.

HARVEY, D. O Neoliberalismo – história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

JORNAL da PUC. Pós-graduação no Brasil: área tem grandes desafios para os próximos dez anos. 2022. Disponpível em: https://j.pucsp.br/noticia/pos-graduacao-no-brasil-area-tem-grandes-desafios-para-os-proximos-dez-anos. Acessado em 19 de junho de 2023.

VELLOSO J, VELHO L. Política de bolsas, progressão e titulação nos mestrados e doutorados. Cadernos de Pesquisa, 101, Fundação Carlos Chagas & Autores Associados, 1997, p. 50-81.


1Discente do Curso Superior de História da Universidade Federal do Pará, atuando no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, e-mail: fan@ufpa.br