REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10482899
Lucas Fernandes De Moura1, Cindy Emily Pinheiro Bonfim2, Mayara Andria Carneiro Câmara3, Rodrigo Naumann Boufleur4, Douglas Araújo5, Thiago Chellappa6
Resumo
O presente ensaio apresenta a ideia como o processo de uberização do trabalho e a falsa ideia de dono de si, como seres que conseguiram comprar a ideia do empreendedorismo, que só serviu para enriquecer grandes empresas afeta a vida dos trabalhadores do século XXI, também realizou-se uma profunda abordagem da bibliografia de pensadores contemporâneos que já relataram em suas obras tal temática, então se faz necessário uma abordagem uma analise destas obras, com um olhar aprofundado do tema.
Palavras Chaves : Uberização, abordagem, obras
Histórico sobre a precarização
A história da precarização promovida pelo neoliberalismo é um tema complexo que remonta ao desenvolvimento do próprio liberalismo como uma corrente de pensamento político e econômico. Embora o liberalismo tenha desempenhado um papel significativo na promoção de valores como liberdade individual, direitos civis e livre mercado, ao longo do tempo, surgiram críticas e preocupações em relação à sua implementação e aos efeitos sociais e econômicos resultantes.
“Se o liberalismo clássico aparentava, ao menos, alguma preocupação com a questão da ‘liberdade’, tendo nascido dentro do projeto burguês de conter os poderes do Estado Absolutista e permitir alguma participação democrática a partir da afirmação da liberdade individual, a atual versão do neoliberalismo não tem pudor de restringir ou mesmo inviabilizar a liberdade sempre que existir risco para o mercado ou para os detentores do poder político.” (CASARA, 2017, p. 48)
As principais críticas ao neoliberalismo são à sua ênfase no livre mercado e na minimização da intervenção estatal, e o quanto isso leva à desigualdade econômica e social. É uma ideia geral que, sem regulamentações adequadas, o liberalismo pode permitir a concentração excessiva de riqueza e poder nas mãos de poucos, enquanto deixa a maioria da população em uma situação precária. Isso pode ocorrer de várias maneiras.
Sob esse viés, a desregulamentação do mercado de trabalho, uma ideia comumente associada ao liberalismo econômico, se traduz em precarização do trabalho. A flexibilização das leis trabalhistas, a diminuição dos direitos e a ausência de proteções permitem a auto exploração dos trabalhadores resultando em salários baixos, jornadas de trabalho longas, condições insalubres, crescentes desigualdades de renda e uma maior insegurança econômica para muitos trabalhadores. Segundo Casara (2017), a proposta neoliberal de instaurar o império do mercado, desmantelar o Estado do Bem-Estar Social e reduzir os direitos mostrou-se adequada ao projeto neo-conservador e autoritário necessário à manutenção do Estado capitalista.
Além disso, a liberalização dos mercados financeiros também pode contribuir para a precarização do liberalismo. O interesse privado se tornou o interesse comum. A busca incessante pelo lucro e a falta de regulamentação adequada podem levar a práticas especulativas arriscadas, bolhas financeiras e crises econômicas que prejudicam a população em geral, enquanto os setores financeiros podem se beneficiar. Isso foi evidente durante a crise financeira global de 2008, quando a falta de regulamentação e supervisão adequadas permitiu práticas irresponsáveis por parte das instituições financeiras, resultando em consequências severas para muitos indivíduos e comunidades.
Outro aspecto da precarização no liberalismo está relacionado à proteção social e aos serviços públicos. Embora o liberalismo valorize a liberdade individual, alguns críticos argumentam que o foco excessivo no indivíduo pode levar à negligência dos interesses coletivos e à redução dos serviços públicos essenciais. A redução do investimento em saúde, educação, segurança social e outros serviços públicos pode resultar em maior desigualdade de oportunidades e de direitos, acesso limitado a cuidados básicos e vulnerabilidade para grupos mais marginalizados da sociedade.
Em resumo, a precariedade no neoliberalismo é um processo complexo que envolve críticas à desigualdade econômica resultante do livre mercado desregulamentado, à exploração do trabalho, às crises financeiras e à redução dos serviços públicos. Essas preocupações destacam a necessidade de equilibrar os princípios de liberdade social com uma abordagem mais cuidadosa em relação aos direitos e à segurança da população em geral.
“Não há dúvida, portanto, que a razão neoliberal passou a integrar o imaginário em tempos pós-democráticos. (…) no momento em que os direitos e as garantias fundamentais são afastados para atender à racionalidade neoliberal, não há mais democracia, e, sim, um mero simulacro. (CASARA, 2017, p.79/80)
Relação da precarização do liberalismo com Judith Butler
Judith Butler é uma filósofa e teórica política conhecida por seu trabalho sobre teoria de gênero, performatividade e política queer. Embora sua obra não esteja diretamente relacionada à precarização decorrente do liberalismo, é possível fazer uma conexão entre seus escritos e o impacto do liberalismo em certas formas de precarização.
Butler argumenta que o gênero é uma construção social e performativa, e não uma característica inata ou biologicamente determinada. Ela questiona as noções tradicionais de identidade de gênero e critica as normas culturais que impõem expectativas rígidas sobre como as pessoas devem se comportar com base em sua identidade de gênero atribuída. Butler argumenta que essas normas de gênero são produzidas e mantidas por meio de práticas repetidas e ritualizadas, que são internalizadas pelos indivíduos.
Ao relacionar o entendimento de vida precária de Butler (2019) no contexto do neoliberalismo, podemos considerar a precarização da relação com o outro, a falta de enlutamento, que acaba com o coletivo e com o social. A ausência de alteridade onde o indivíduo não é mais um sujeito, é um projeto empresarial, naturaliza essa violência estrutural. O liberalismo, em sua busca pela liberdade individual e igualdade de oportunidades, assume uma abordagem individualista, onde a autonomia individual é enfatizada em detrimento do cuidado coletivo.
Essa ênfase na autonomia individual e nas escolhas pessoais podem levar à precarização de pessoas que não se encaixam nas normas de gênero hegemônicas. Indivíduos que desafiam as expectativas tradicionais de gênero podem enfrentar discriminação, marginalização e exclusão social. Isso pode resultar em uma maior vulnerabilidade econômica, social e emocional, tornando essas pessoas mais suscetíveis à precarização em uma sociedade que valoriza e recompensa a conformidade com as normas de gênero.
Além disso, a visão liberal de autonomia e igualdade de oportunidades muitas vezes pressupõe um nível de privilégio e acesso a recursos que nem todos possuem. Pessoas que estão em desvantagem devido a fatores estruturais, como raça, classe social ou orientação sexual, podem enfrentar barreiras adicionais na busca por oportunidades e na obtenção de recursos. Essas barreiras podem levar a uma maior precarização desses grupos, tornando mais difícil para eles alcançarem a estabilidade econômica e social.
Portanto, a conexão entre Judith Butler e a precarização decorrente do neoliberalismo, nos traz uma análise sobre gênero, performatividade e sociedade nos ajudando a entender como as normas influenciadas pelo liberalismo podem contribuir para a precarização de certos grupos sociais, principalmente os que não se encaixam nas expectativas tradicionais.
Relação da precarização do liberalismo com Wendy Brown
Wendy Brown, uma teórica política e professora de Ciência Política na Universidade da Califórnia, Berkeley, também aborda a relação entre o liberalismo e a precarização em seu trabalho. Em seus escritos, Brown analisa as tensões e contradições entre os ideais liberais e as realidades políticas e econômicas contemporâneas.
Brown argumenta que o liberalismo contemporâneo, especialmente na sua forma neoliberal, contribui para a precarização em várias dimensões. Ela critica a lógica do mercado livre desregulado e seu impacto nas instituições e nas relações sociais. Aqui estão algumas das conexões que podem ser estabelecidas entre Wendy Brown e a precarização decorrente do liberalismo:
Mercantilização de tudo: Brown argumenta que o liberalismo neoliberal promove uma lógica de mercantilização que busca estender o domínio do mercado a todas as esferas da vida. Isso inclui não apenas bens e serviços, mas também relações sociais, educação, saúde e até mesmo a própria identidade. Essa lógica de mercantilização pode levar à precarização ao colocar tudo sob a lógica do lucro e do valor de mercado, reduzindo o valor das relações e das esferas não monetárias.
Desmantelamento do Estado de bem-estar social: O liberalismo neoliberal defende a diminuição do papel do Estado na provisão de serviços públicos e na proteção social. Brown argumenta que a erosão do Estado de bem-estar social, como resultado das políticas neoliberais, pode levar a uma maior precariedade para aqueles que dependem desses serviços. A falta de acesso adequado a cuidados de saúde, educação, segurança social e outras proteções pode resultar em maior insegurança econômica e social.
Flexibilização do trabalho e precarização do emprego: O liberalismo neoliberal também promove a flexibilização das relações de trabalho, como meio de aumentar a eficiência e a competitividade. No entanto, essa flexibilização muitas vezes resulta na precarização do emprego, com trabalhadores enfrentando salários baixos, contratos temporários, insegurança no emprego e falta de proteções trabalhistas. Brown argumenta que essa precarização do trabalho é um resultado direto das políticas neoliberais que enfatizam a liberdade dos empregadores em detrimento dos direitos dos trabalhadores.
Desigualdade e concentração de poder: Brown também critica a desigualdade gerada pelo liberalismo contemporâneo. Ela argumenta que, ao enfatizar a liberdade individual e a busca do interesse próprio, o liberalismo neoliberal pode levar a uma concentração excessiva de poder e riqueza nas mãos de poucos. Essa desigualdade econômica pode resultar em maior precarização para aqueles que estão nas camadas inferiores da sociedade, enfrentando dificuldades em acessar recursos e oportunidades.
Em suma, Wendy Brown destaca como o liberalismo neoliberal pode contribuir para a precarização em diferentes aspectos, incluindo a mercantilização de tudo, o desmantelamento do Estado de bem-estar social, a flexibilização do trabalho e a desigualdade econômica. Sua análise crítica ajuda a compreender como as dinâmicas do liberalismo podem levar a condições de maior vulnerabilidade e insegurança para indivíduos e grupos na sociedade contemporânea.
– Relação do adoecimento a partir do liberalismo com Judith Butler
Butler argumenta que o neoliberalismo não é apenas uma teoria econômica, mas uma forma de governança que permeia todos os aspectos da vida social. Ela destaca como esse
sistema se baseia na promoção da liberdade individual e do livre mercado, mas ao mesmo tempo restringe e regula a liberdade de certos grupos e indivíduos. O neoliberalismo se beneficia da desregulamentação e da privatização, permitindo a concentração de riqueza nas mãos de poucos e aprofundando as desigualdades socioeconômicas.
Uma das principais contribuições de Butler é sua análise das políticas de identidade no contexto neoliberal. Ela observa como as identidades e as formas de subjetividade são moldadas e reguladas pelo neoliberalismo, através da imposição de normas e padrões específicos. As noções de sucesso, felicidade e realização pessoal são mediadas por normas e ideais estabelecidos pelo mercado, reforçando ideias de produtividade, individualismo e competitividade.
Para Butler, essa lógica neoliberal exige que os indivíduos se tornem empreendedores de si mesmos, assumindo a responsabilidade total por seu próprio sucesso ou fracasso. No entanto, ela argumenta que essa ênfase na individualidade e na autorregulação obscurece as estruturas sistêmicas que influenciam as oportunidades e a distribuição de recursos. Ao fazer isso, o neoliberalismo perpetua desigualdades sociais profundas e injustas, ao mesmo tempo em que responsabiliza os indivíduos por suas próprias desvantagens.
Butler também critica a forma como o neoliberalismo enfraquece os sistemas de proteção social e precariza o trabalho. A flexibilização das relações de trabalho, o enfraquecimento dos sindicatos e a erosão dos direitos trabalhistas são aspectos fundamentais dessa lógica. O neoliberalismo promove a ideia de que o mercado é o melhor mecanismo para regular a vida social, mas isso resulta em um aumento da exploração e da insegurança para muitos trabalhadores.
Diante dessas críticas, Butler propõe a necessidade de resistência e ação coletiva. Ela argumenta que devemos buscar formas alternativas de organização social que desafiem as normas neoliberais e promovam a justiça social e a igualdade. Isso implica uma crítica profunda ao individualismo neoliberal e uma busca por solidariedade, cooperação e políticas que garantam o bem-estar de todos os membros da sociedade.
Relação de adoecimento por JJ Bola
Em seu livro “Seja Homem”, JJ Bola aborda o tema do adoecimento masculino, especialmente no contexto da masculinidade tóxica. Ele destaca como as expectativas sociais e culturais impostas aos homens podem levar ao adoecimento físico e mental.
Bola discute como a pressão para ser sempre forte, independente e não demonstrar fraquezas pode levar os homens a ignorarem seus próprios cuidados de saúde, além de reprimir emoções e sentimentos, o que pode levar a um aumento do estresse, ansiedade e depressão.
O autor enfatiza a importância de romper com esses padrões prejudiciais e encoraja os homens a reconhecerem e buscarem ajuda para suas questões de saúde. Ele encoraja a busca por apoio emocional, a prática de autocuidado e a desconstrução dos estereótipos que perpetuam a ideia de que os homens devem ser invulneráveis e não precisam de assistência.
JJ Bola destaca que o adoecimento não deve ser encarado como um sinal de fraqueza, mas como uma oportunidade para crescimento pessoal e desenvolvimento de relações mais saudáveis consigo mesmo e com os outros. Ele ressalta a importância de se abrir para a vulnerabilidade, procurar profissionais de saúde quando necessário e criar um ambiente que permita aos homens expressar suas emoções sem medo de julgamento. Em resumo, Bola ressalta a necessidade de uma abordagem mais compassiva em relação ao adoecimento masculino, rompendo com os estereótipos prejudiciais e promovendo uma cultura de cuidado e aceitação que reconheça e valorize a saúde física e mental dos homens.
Trabalho Máximo, Salário Mínimo
A Percepção da Saúde em uma Sociedade Doente
A saúde e a doença são conceitos fundamentais para as nossas vidas, assim como para a sociedade como um todo, funcionando como balizadores sociais de amplo espectro, principalmente para uma sociedade eivada por desigualdades sociais poderosas e políticas sistematicamente opressivas, neste contexto, a percepção da saúde pode ser distorcida rompendo seus limites.
Sob a ótica de Judith Butler, em sua obra “Vida precária” fica evidente a denúncia a respeito das formas de violências presentes nas sociedades contemporâneas, segundo Butler, a vida precária se tornou uma condição comum ao nosso tempo, auxiliando a comprometer diretamente a percepção de saúde, neste sentido, não podendo ser compreendida isoladamente como a ausência de doenças, e também como elemento potencial de viver, abrangendo a capacidade do sujeito de se desenvolver plenamente em uma sociedade.
A percepção da saúde e seu acesso ganha assim contornos polarizados, onde aqueles que se encontram em posições de privilégio têm maior acesso aos cuidados de saúde, educação e recursos necessários para uma vida saudável. Por outro lado, aqueles que estão em posições de marginalização enfrentam barreiras sistemáticas para alcançar uma vida saudável, tornando suas percepções da saúde profundamente afetadas.
Adoecimento na sociedade contemporânea: qualidade mental e emocional
Ainda seguindo Butler, ela afirma: “As vidas estão sujeitas a forças de violência e desvalorização que excedem a capacidade das instituições de protegê-las” (BUTLER, 2019). Essa desvalorização e violência institucionalizada contribuem para um ambiente de precariedade, afetando profundamente a saúde mental e emocional das pessoas.
Em outra passagem a autora traz “a violência exercida sobre alguns corpos produz uma perda de inteligibilidade, uma diminuição do próprio reconhecimento da humanidade de um indivíduo” (BUTLER, 2019). A negação sistemática da humanidade e dignidade de certos grupos marginalizados impacta profundamente a saúde mental, levando a sentimentos de desvalorização, exclusão e traumas emocionais. Negar a humanidade é negar a própria essência da palavra vida, haja vista a sua expressão social, onde o homem como ser social que é, existe enquanto ser reconhecido pela sociedade.
Interseccionalidades e seus fatores para a saúde
Ainda considerando Butler em suas reflexões, ela enfatiza a importância de considerar a interseccionalidade ao discutir a qualidade mental e emocional de vida, haja vista que certos grupos enfrentam opressões múltiplas, como raça, gênero e classe, o que intensifica os desafios emocionais que enfrentam. Butler destaca: “A análise da precariedade das vidas precisa levar em conta as maneiras pelas quais as desigualdades sociais se entrecruzam” (BUTLER, 2019).
Essa interseccionalidade revela como a negação da qualidade de vida emocional afeta de forma desproporcional grupos historicamente marginalizados. A interseccionalidade desempenha um papel fundamental pois permite uma compreensão mais abrangente e precisa das experiências vividas pelos grupos marginalizados, levando à compreensão de como diferentes formas de opressão se entrelaçam e se sobrepõem, afetando a qualidade mental e emocional de vida das pessoas.
Neoliberalismo: o background de uma sociedade doente
O neoliberalismo é uma ideologia econômica e política que valoriza a liberdade individual, o Estado mínimo na economia e a promoção de políticas flexíveis de mercado. Essa abordagem influencia de forma direta e profunda as estruturas sociais, políticas e econômicas de uma sociedade, levando a implicações diretas na saúde e na percepção de bem-estar dos indivíduos.
Em uma sociedade neoliberal, as políticas econômicas tendem a favorecer os interesses do mercado em detrimento dos direitos sociais e da proteção social. Isso pode resultar em cortes de gastos públicos, privatização de serviços essenciais, flexibilização do trabalho e desregulamentação. Essas políticas, muitas vezes, afetam negativamente a percepção da saúde, principalmente para aqueles que estão em posição de vulnerabilidade social. A saúde fica comprometida, moldando a percepção da mesma a uma lógica de mercado desigual e distorcida.
O presente ensaio é o recorte de uma proposta ampla que tem como foco uma análise do neoliberalismo, trabalho precário e adoecimento frente ao referido modelo econômico proposto. O segmento aqui abordado retrata os aspectos da configuração do trabalho no cenário global, destacando as implicações do neoliberalismo e dos processos de precarização nesse contexto.
Diante de uma complexa articulação de tais categorias, inferimos três pontos cruciais para nortear nossa investigação: compreender a constituição do modelo neoliberal; analisar os fenômenos constitutivos desse processo na questão social contextualizando com a visão da necropolítica no que concerne às interseccionalidade das classes menos favorecidas, cada vez mais invisíveis à luz da racionalidade dos modos de trabalhar e a produção subjetiva dos trabalhadores nesse cenário, reverberando em consequências drásticas para o adoecimento dessa comunidade laboral.
Michel Foucault, Achille Mbembe e Judith Butler são três pensadores importantes que têm contribuído para a compreensão das dinâmicas da racionalidade neoliberal, da necropolítica e das questões de interseccionalidades e vulnerabilidades. Eles constituem um tripé de autores que vão discutir esse regime totalitário de maneira bem diferente, mais com intuito convergente no que tange aos algoritmos que levam a um resultado favorável aos invisíveis socialmente falando.
Foucault desenvolveu o conceito de biopolítica para explicar como o poder é exercido sobre a vida das populações. Ele argumentou que a racionalidade neoliberal é uma forma de governamentalidade que busca regular a vida das pessoas através do mercado. Nesse sentido, o neoliberalismo é um processo de constituição da subjetividade e, consequentemente, de novos sentidos para a vida e para morte.
Mbembe, por outro lado, introduziu o conceito de necropolítica para explicar como o Estado exerce seu poder sobre a morte. Ele argumenta que a necropolítica é uma forma de violência perpetrada pelo Estado, especialmente contra as populações mais pobres e as minorias raciais. A necropolítica pretende dar conta do modo como a governamentalidade e suas tecnologias se impõem diante das mudanças na forma de reprodução social do capitalismo, no caso, as mudanças provocadas pelo neoliberalismo. Portanto, a racionalidade neoliberal e a necropolítica estão interligadas na medida em que o neoliberalismo impõe sua negropolítica mediante a violência.
Butler, por sua vez, tem se concentrado nas questões de interseccionalidades e vulnerabilidades. Ela argumenta que a precarização é uma forma de violência que pode levar ao adoecimento. Butler enfatiza a importância de reconhecer as interseccionalidades das diferentes formas de opressão e como elas afetam as pessoas de maneiras diferentes. Principalmente quando se trata da questão de gênero e raça, ele afeta de forma desproporcional.
No Brasil, a maioria das ocupações precárias é exercida por negros e mulheres. Apesar do mercado de trabalho ter “favorecido” algumas ocupações a esse público, as demandas ainda ficam a desejar, diante da disparidade entre branco e negros, bem como entre homens e mulheres. E são as mulheres que são mais afetadas de forma negativa por desempenhar funções: produtivas e reprodutivas, insistentemente designada ao papel social que desempenham
Ademais, a literatura sobre o tema prioriza a discriminação racial e a alteridade de gênero que se manifestam frequentemente no âmbito do emprego formal, cuja remuneração laboral é bem inferior, bem como a possibilidade de ascender socialmente também. Seja em que cargo ou posto de comando.
Esses três pensadores convergem em sua crítica ao neoliberalismo e às formas como ele afeta a vida das pessoas. No entanto, eles divergem em suas abordagens teóricas e em suas ênfases em diferentes aspectos da questão. Enquanto Foucault se concentra na biopolítica e na governamentalidade, Mbembe se concentra na necropolítica e Butler nas interseccionalidades e vulnerabilidades.
Em resumo, Foucault, Mbembe e Butler oferecem perspectivas valiosas para entender as dinâmicas da racionalidade neoliberal, da necropolítica e das questões de interseccionalidades e vulnerabilidades. Eles mostram como o neoliberalismo afeta a vida das pessoas de maneiras complexas e como é importante lutar contra as desigualdades e promover políticas públicas que protejam os mais vulneráveis que sofrem todo tipo de descriminação: bullying, violência psicológica, assédios, impactando de forma negativa na saúde mental dos trabalhadores. Visto que a precarização do trabalho pode ter um impacto significativo na saúde mental dos trabalhadores, e o custo do tratamento pode ser uma preocupação para aqueles que já são desprovidos.
O trabalho precário pode ter várias consequências negativas para a saúde dos trabalhadores, levando ao adoecimento, e este inclui tantos problemas neurológicos, psicossomáticos incluindo estresse, ansiedade, irritabilidade, insônia e depressão entre outros. Inclusivamente; o uso de medicamentos que cada vez mais só vem a prejudicar a qualidade de vida de quem os consome.
Além disso, pode ampliar o quadro da precarização social e do trabalho ao restringir políticas protetivas. A racionalidade neoliberal e a necropolítica estão interligadas na medida em que o neoliberalismo impõe sua necropolítica mediante a violência, impactando significativamente na saúde mental dos trabalhadores, manifestando-se através do sofrimento social.
Em suma, a saída para essa situação de precarização do trabalho e adoecimento que afeta desproporcionalmente as minorias raciais e de gênero, é que elas se mobilizem coletivamente para combater as desigualdades e promovam políticas públicas que protejam os mais vulneráveis. Não é fácil opinar, mas esse é o viés que pode levar a romper com este mal. É importante também, promover o diálogo e a solidariedade entre as distintas e antagônicas classes sociais, fomentando uma sociedade pautada na justiça e na igualdade, oportunizando o acesso condigno a todos.
A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora deve contemplar todos os trabalhadores, priorizando aqueles em situação de maior vulnerabilidade, como aqueles inseridos em atividades ou em relações informais e precárias de trabalho. É importante que os trabalhadores tenham acesso a tratamentos adequados para lidar com os problemas de saúde mental relacionados ao trabalho precário.
REFERÊNCIAS
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CASARA, Rubens; Estado Pós-Democrático: Neo-Obscurantismo e Gestão dos indesejáveis – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
DEMETRI, Felipe Dutra. Judith Butler: Filósofa da Vulnerabilidade. Academia.edu, 2018. Disponível em: < https://www.academia.edu/en/37274800/Judith_Butler_Fil%C3%B3sofa_da_vulnerabilidad>. Acesso em: 12 jul. 2023.
1Graduando em Humanidades lucasfernandes1981@hotmail.com Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
2Graduanda em Humanidades Cindypinheiro07@gmail.com Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
3Graduanda em Humanidades mayara.andria.700@ufrn.br Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
4Doutor em Arquitetura e Urbanismo Rodrigo.boufleur@ufrn.br Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
5Doutor em História salgoud@uol.com.br Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
6Doutor em Ciência e Engenharia de Materiais chellappathiago@gmail.com Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados