REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10467459
Rodrigo Carvalho da Cunha1
Josuan de Carvalho da Cunha2
RESUMO
O presente estudo aborda a greve como um instrumento a serviço da cidadania, destacando sua natureza pacífica e ordenada como uma reação contra violações à dignidade do trabalhador. No contexto brasileiro, a greve é reconhecida como um direito fundamental, conforme o artigo 9º da Constituição Federal. No entanto, para os servidores públicos civis, o exercício desse direito depende de uma lei complementar, que nunca foi promulgada. Para a realização da pesquisa, foi adotada uma abordagem baseada na confrontação legislativa e jurisprudencial, utilizando métodos de pesquisa bibliográfica. Diante dessa lacuna legal, foram utilizados Mandados de Injunção para garantir o direito de greve aos servidores públicos, como evidenciado nos casos julgados em 2007 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Inegável a importância desses mandados para preencher a omissão legislativa, permitindo aos servidores públicos o exercício do direito de greve reconhecido constitucionalmente. Além disso, são discutidas as normas constitucionais de eficácia limitada, enfatizando a necessidade de regulamentação por meio de normas infraconstitucionais. Destaca-se a omissão do Congresso Nacional em legislar sobre a greve dos servidores, levando o STF a adotar uma postura mais ativa no combate à omissão legislativa. Após mais de três décadas sem uma lei específica, o STF decidiu aplicar a lei de greve do setor privado aos servidores públicos até que uma legislação específica seja criada. A falta de ação do legislativo levou o Poder Executivo a estabelecer parâmetros mínimos para o exercício do direito de greve, evidenciando uma solução governamental em vez de uma solução de Estado.
Palavras-chave: Servidores Públicos e Greve, Omissão legislativa, Mandado de Injunção, Regulamentação.
1. INTRODUÇÃO
A greve constitui um instrumento a serviço da cidadania, na medida em que seu objetivo maior consiste na reação pacífica e ordenada contra os atos que impliquem direta ou indiretamente desrespeito à dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador.
O ordenamento jurídico brasileiro considera a greve um direito fundamental dos trabalhadores, nos termos do art. 9º da Constituição Federal.
Aos servidores públicos civis, quer investidos em cargos, quer investidos em empregos, também foi reconhecido, no art. 37, inciso VII, da CF/88, o direito de greve. Todavia, o legislador constituinte estabeleceu que exercício desse direito dependeria da edição posterior de lei complementar que, infelizmente, jamais fora editada. Pelo contrário, ao invés de regulamentar o direito de greve mediante lei complementar, o legislador ordinário preferiu alterar a redação original da Carta através da Emenda Constitucional n. 19/98, estabelecendo, assim, no que concerne ao servidor público civil, que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
Para execução dos trabalhos propostos neste estudo, inicialmente, foi conduzida uma análise detalhada da legislação pertinente ao tema em questão. Foram consultadas fontes legislativas, como códigos, leis, decretos e regulamentos que possuam relevância para o problema de pesquisa. A análise comparativa dessas fontes permitirá identificar possíveis contradições, lacunas ou evoluções no arcabouço legal.
Evoluindo para uma confrontação jurisprudencial, além da análise legislativa, sendo realizada uma revisão extensiva da jurisprudência relacionada ao tema. Examinando-se decisões judiciais relevantes. A confrontação jurisprudencial permitiu identificar interpretações diversas, precedentes importantes e eventuais conflitos entre a legislação e sua aplicação prática pelos tribunais.
O direito de greve objetiva a melhoria das condições sociais do homem trabalhador, significando um direito fundamental do trabalhador, enquanto pessoa humana e cujo objetivo maior deve consistir na reação pacífica e ordenada dos trabalhadores contra os atos que impliquem, direta ou indiretamente, desrespeito à sua dignidade humana, sendo assim, os servidores públicos não podem ficar eternamente esperando que os legisladores editem lei específica para regulamentar o direito à greve.
Diante dessa omissão, o remédio constitucional usado para a efetivação contemporânea do direito de greve do servidor público foram os Mandados de Injunção 107, 670 e 712 que serão analisados no decorrer deste trabalho.
Se aborda a importância dos Mandados de Injunção propostos pelos Estados do Espírito Santo, Distrito Federal e Pará, julgados pelo STF em 2007, diante da ausência da norma regulamentadora do exercício do direito de greve para os servidores públicos brasileiros em face da omissão do Poder Legislativo.
Cumpre ter presente, bem por isso, a advertência de JORGE MIRANDA, 1998, que, ao versar o tema, observa:
“Por omissão entende-se a falta de medidas legislativas necessárias, falta esta que pode ser total ou parcial. A violação da Constituição, na verdade, provém umas vezes da completa inércia do legislador e outras vezes da sua deficiente actividade, competindo ao órgão de fiscalização pronunciar-se sobre a adequação da norma legal à norma constitucional.
(…)
A inconstitucionalidade por omissão não surge apenas por carência de medidas legislativas, surge também por deficiência delas.”
Esses julgados possuem extrema importância no cenário dos direitos trabalhistas dos servidores públicos por reconhecerem a estes o direito de greve e dar aplicabilidade, no que couber, à Lei de Greve prevista para servidores do setor privado.
2. O DIREITO DE GREVE
A greve é uma das mais importantes e complexas manifestações coletivas produzidas pela sociedade contemporânea. O vocábulo greve foi utilizado pela primeira vez no final do século XVIII, precisamente numa praça em Paris, chamada de Place de Grève, onde se reuniam tanto desempregados quanto trabalhadores que, insatisfeitos geralmente com os baixos salários e com as jornadas excessivas, paralisavam suas atividades laborativas e reivindicavam melhores condições de trabalho. Na referida praça, acumulavam-se gravetos trazidos pelas enchentes do rio Sena. Daí o termo grève, originário de graveto. Surge a partir do regime de trabalho assalariado, fruto da Revolução Industrial.
A greve é, pois, a grosso modo, uma paralisação coletiva do trabalho, com objetivo de obter algum benefício, que pode ser simplesmente aumento de salário, ou ainda, melhoria nas condições de trabalho como segurança, entre outras coisas.
Finalmente a Constituição Federal de 1988, definitivamente consagrou o direito de Greve. No que pertine ao direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada, a nova Constituição amplia este direito. Reconhece expressamente a greve como direito fundamental, tanto para os trabalhadores em geral:
“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”
Quanto aos servidores públicos civis (art. 37, VI e VII) :
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar;
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
No entanto, mesmo reconhecendo o direito de greve, o legislador constitucional limitou o direito de greve dos servidores públicos civis, excluindo os servidores militares, nos termos dos artigos 142, § 3º, IV, 42, § 2°, da Constituição, e, quanto aos primeiros, condicionou o exercício deste direito a limites estabelecidos em lei específica, algo extremamente prejudicial ao exercício do ora legítimo direito dos servidores garantido na Constituição.
3. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA
As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de uma regulamentação e integração por meio de normas infraconstitucionais.
Deve-se frisar que todas as normas constitucionais apresentam eficácia, porém, algumas detêm eficácia jurídica e social, enquanto outras têm apenas eficácia jurídica. Portanto as normas constitucionais limitadas não são despidas de eficácia.
No que se refere a normas constitucionais limitadas Pedro Lenza (2011), citando lição do mestre José Afonso da Silva:
“Nesse sentido, José Afonso da Silva, em sede conclusiva, observa que referidas normas têm, ao menos, eficácia jurídica imediata, direta e vinculante já que: a) estabelecem um dever para o legislador ordinário; b) condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e) condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; f) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem. Todas elas – em momento seguinte conclui o mestre – possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível (Geraldo Ataliba diria ‘paralisante da eficácia destas leis’, sem ab-rogá-las – nosso acréscimo) e criam situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo. Todas, enfim, geram situações subjetivas de vínculo”.
4. MANDADO DE INJUNÇÃO
A Constituição Federal de 1988 se preocupou em dar especial atenção ao problema da omissão do legislador assim o texto constitucional previu a criação de instrumentos de controle de constitucionalidade tanto na forma difusa, com o Mandado de Injunção (MI), quanto na forma concentrada, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade , permitindo desse modo a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade de uma determinada norma.
O mandado de injunção é um instrumento jurídico que pode ser utilizado por qualquer cidadão que venha a se sentir prejudicado por eventuais omissões na legislação. Está no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal que deverá ser concedido o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Isso nos permite concluir que o mandado de injunção permite que o Judiciário, de forma geral, e o STF, em particular, supra, preencha as omissões atribuíveis aos outros poderes da República, omissões inconstitucionais.
5. MANDADO DE INJUNÇÃO 107/1990
De acordo com Jose da Silva Pacheco Apud Machado (2004 p. 106) existem cinco interpretações possíveis do instituto do mandado de injunção: 1) a primeira entende que a ação injuncional, uma vez declarada favorável ao impetrante, visaria criar a norma legal omissa, substituindo a atividade do órgão competente para fazê-lo. Tese que também encontra resistência na doutrina (BASTOS,1996). 2) essa entende que tanto a ação como a decisão proveniente desta, tem como finalidade obter uma ordem (mandamento) para que o Poder omisso edite a norma regulamentadora faltante. O próprio autor aduz que essa não seria o melhor sentido, pois tornaria inócuo o writ injuncional. 3) Terceira interpretação é a de que o mandado de injunção visa a declaração da omissão, ou a condenação do Poder competente para que faça a norma, sendo passível de sofrer execução. É posição também criticada pelo mesmo autor, pelos mesmo argumentos de que não tornaria efetiva o remédio constitucional. As próxima posições, segundo o autor, são as mais satisfatórias dentre todas. São elas: 4) vê o mandado de injunção como um instrumento para obter do Judiciário um provimento que proteja o direito reclamado em Juízo. 5) e a quinta e ultima interpretação possível seria a de que o órgão competente teria um prazo para que regulamentasse o tema, e caso não o fizesse, o próprio judiciário julgaria o caso concreto.
O primeiro mandado de injunção a ser julgado pelo STF, que serviu de parâmetro para diversas outras decisões, foi o Mandado de Injunção n° 107-3/DF, no qual restou evidenciado a grande divergência de entendimentos acerca dos efeitos e da tutela jurisdicional da ação injuncional.
EMENTA : – Mandado de injunção. Estabilidade de servidor público militar. Artigo 42, parágrafo 9., da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir . – Esta Corte, recentemente, ao julgar o mandado de injunção 188, decidiu por unanimidade que só tem “legitimatio ad causam” ,em se tratando de mandado de injunção, quem pertença a categoria a que a Constituição Federal haja outorgado abstratamente um direito, cujo exercício esteja obstado por omissão com mora na regulamentação daquele . – Em se tratando, como se trata, de servidores públicos militares, não lhes concedeu a Constituição Federal direito a estabilidade, cujo exercício dependa de regulamentação desse direito, mas, ao contrario, determinou que a lei disponha sobre a estabilidade dos servidores públicos militares, estabelecendo quais os requisitos que estes devem preencher para que adquiram tal direito . – Precedente do STF: MI 235. Mandado de injunção não conhecido.(STF – MI:107 DF , Relator: MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 21/11/1990, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 02-08-1991 PP-09916 EMENT VOL-01627-01 PP-00001 RTJ VOL-00135-01 PP-00001)
A partir desse MI formou-se a corrente concretista e a corrente não concretista.
A corrente dos não concretistas, defendidas nesse julgado, pelos ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Celso de Melo, Ilmar Galvão, Octávio Galotti, Sydney Sanches, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, firmava seu entendimento na premissa de que a tutela jurisdicional adequada seria aquela de natureza mandamental, que significa dizer, o reconhecimento da mora do Congresso Nacional em elaborar o ato normativo faltante, sem, contudo, acarretar qualquer sanção à sua não expedição (do ato normativo). O fundamento desta corrente era de que a própria Constituição previa a harmonia e separação dos Poderes (Melo, 2005).
Já a corrente concretista defende que o mandado de injunção é ação que se propões contra a pessoa jurídica de direito público ou o particular a que incumbe a observância do dever jurídico correspondente cujo exercício está inviabilizado pela omissão regulamentadora, e que culmina com sentença constitutiva em favor do autor, viabilizando-lhe esse exercício, com a sua regulamentação.
Essa segunda corrente exposta pelo Ministro Moreira Alves parte da premissa de que Mandado de Injunção é uma ação de natureza constitutiva, ou seja, tem por objeto a criação da norma faltante para o caso concreto.
Há que se esclarecer que ao longo do tempo o STF assumiu distintas posturas no que se refere ao MI.
Primeiramente o STF optou por adotar uma postura mais conservadora, acabando por restringir o conteúdo do mandado de injunção, cerceando o seu alcance, pois suas decisões não propiciavam ao impetrante o exercício do direito constitucional até então inviabilizado, limitando-se a declarar a omissão normativa existente.
Depois a Suprema Corte passou a entender que seria possível proferir um julgamento concedendo efeitos concretos ao mandado de injunção, ou seja, estaria assegurado, desde logo, o exercício do direito almejado pelo impetrante, entretanto, aludidos efeitos beneficiariam somente o autor da ação (decisão inter partes).
Mas a partir de 2007, o STF começou a rever seu posicionamento sobre os efeitos das decisões proferidas em sede de mandado de injunção, tendo firmado novo posicionamento, defendendo que, reconhecida a mora na produção da norma, deve o Judiciário assegurar, desde logo, o exercício do direito impossibilitado pela omissão, tendo tal decisão abrangência para todos os casos constituídos pelos mesmos elementos objetivos.
É imprescindível observar que ao longo dessas três fases uma preocupação se mostrou constante: o receio de que o entendimento adotado pelo STF pudesse contrariar o princípio da separação dos Poderes, expressamente previsto no art. 2º da Constituição Federal.
6. MANDADO DE INJUNÇÃO 670/2007
No MI 670, o Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo (SINDIPOL) impetrou mandado de injunção coletivo contra o Congresso Nacional, com pedido de medida liminar, objetivando que fosse reconhecido o direito de greve da categoria, com base na Lei federal 7.783/89, dada a falta de norma regulamentadora da disposição contida no inciso VII do art.37 da Constituição de 1988. Esclareceram que, após exaustivas e infrutíferas negociações com o Governo do Estado, este se recusou a atender reivindicações mínimas da categoria, sendo que se viram na obrigação de deflagrar um movimento grevista na Polícia Civil capixaba.
O Juiz da Vara de Feitos da Fazenda Pública Estadual, contudo, deferiu tutela antecipada em ação ordinária (Processo 024.010.028918), impedindo o exercício do direito constitucional de greve por parte dos seus associados, que se encontravam sob ameaça de prisão, pagamento de multa diária e de corte do ponto.
Fundamentando-se em julgados do STF e do Tribunal de Justiça espírito-santense, afirmaram que não se pode admitir que a mora do legislador em regulamentar o direito de greve assegurado pelo constituinte originário sirva de pretexto para punições absurdas contra o trabalhador. Citaram o argumento de que o “STF tem entendido que, não obstante o ‘caráter mandamental’ do instituto, sendo possível a cominação de prazo para o órgão competente editar a norma demandada, suprindo, assim, a mora legislativa, sob pena de, vencido esse prazo, assegurar, concretamente, apenas em relação ao impetrante, o exercício do direito inviabilizado pela falta da norma”, conforme ensina Hely Lopes Meirelles.
Requereram a citação do Congresso Nacional para que regulamentasse o inciso VII do art. 37 da Carta Federal, no prazo de trinta dias, e a suspensão liminar dos efeitos da sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que “proibiu o movimento paredista” deflagrado pela categoria. No mérito, pediram que fosse julgado procedente o mandado de injunção, garantindo-se aos seus associados o direito de greve na forma da Lei 7.783/89, enquanto não editada norma específica, bem como para declarar a nulidade do Processo 024.010.018.918 instaurado pelo Estado do Espírito Santo.
Nesse sentido, importante observar a síntese dos votos, vejamos:
Síntese dos Votos
1 Ministro Maurício Corrêa (Relator):
“Ocorre que não pode o Poder Judiciário, nos limites da especificidade do mandado de injunção, garantir ao Impetrante o direito de greve. Caso assim procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito da competência prevista na Constituição.”
2. Ministro Gilmar Mendes:
“Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, entendo ser válida a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Diante do exposto, voto no sentido de que o presente mandado de injunção seja conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis 7.701/88 e 7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.”
3. Ministro Ricardo Lewandowski:
“Destaco, a propósito, o voto do Ministro Marco Aurélio, no MI 20, cujo julgamento ocorreu em 19-5-94, o qual propôs fosse a referida Lei aplicada aos servidores públicos desde que feitas as necessárias adaptações.
Para que isso ocorra, não há dúvida, é preciso superar uma visão estática, tradicional, do princípio da separação dos poderes, reconhecendo-se que as funções que a Constituição atribui a cada um deles, na complexa dinâmica governamental do Estado contemporâneo, podem ser desempenhadas de forma compartilhada, sem que isso implique a superação da tese original de Montesquieu.
Por isso, entendo, com o devido respeito, que não se mostra factível o emprego da Lei 7.783/89 para autorizar-se o exercício do direito de greve por parte dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Pará, inclusive fazendo tabula rasa de disposição legal nela contida que expressamente veda tal hipótese.
Ademais, ao emprestar-se eficácia erga omnes à tal decisão, como se pretende, penso que esta Suprema Corte estaria intrometendo-se, de forma indevida, na esfera de competência que a Carta Magna reserva com exclusividade aos representantes da soberania popular, eleitos pelo sufrágio universal, direto e secreto.
Em face do exposto, pelo meu voto, conheço do mandado de injunção, concedendo a ordem em parte para garantir o exercício do direito de greve aos Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, assegurada por estes a prestação dos serviços inadiáveis, devendo o Governo do Estado abster-se de adotar medidas que inviabilizem ou limitem esse direito, tais como o corte do ponto dos servidores ou a imposição de multa pecuniária diária.”
4. Ministro Celso de Mello
“A jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado pelo impetrante do “writ”.
Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.
Em suma, Senhores Ministros, as considerações que venho de fazer somente podem levar-me ao reconhecimento de que não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia da União Federal, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional –, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Daí a importância da solução preconizada pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (MI 670/ES), cuja abordagem do tema ora em exame não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis.
Por tais razões, peço vênia para acompanhar os doutos votos dos eminentes Ministros GILMAR MENDES (MI 670/ES) e EROS GRAU (MI 712/PA), em ordem a viabilizar, desde logo, nos termos e com as ressalvas e temperamentos preconizados por Suas Excelências, o exercício, pelos servidores públicos civis, do direito de greve, até que seja colmatada, pelo Congresso Nacional, a lacuna normativa decorrente da inconstitucional falta de edição da lei especial a que se refere o inciso VII do art. 37 da Constituição da República.”
5. Ministro Sepúlveda Pertence
“Mas, ou nos conformamos com essa inércia que, digo, é abusiva – o que seria demitirmo-nos da guarda da Constituição que nos foi confiada – ou, a meu ver, a solução propugnada por ambos os relatores – Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes – me convencem que ela, no momento, é a mais razoável. (…) também me somo ao voto dos eminentes Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.
6. Ministro Carlos Brito
“Ora, a uma norma constitucional de eficácia limitada há de se seguir uma decisão judicial de eficácia plena, senão a Constituição estaria lavrando na inocuidade absoluta em tema tão fundamental.”
7. Ministra Carmem Lúcia
“Concluo para conhecer do mandado de injunção e conceder a ordem, nos termos do voto do Ministro Eros Grau. Apenas chamo a atenção para a circunstância de que eu não caracterizaria – conforme ressaltou o Ministro Carlos Britto – no sentido de dar efeito erga omnes, nem de tangenciar essa matéria. Creio que o mandado de injunção tem natureza integrativa, ou seja, de integrar o ordenamento para o caso concreto diante dos Impetrantes.”
8. Ministro Cesar Peluzo
“De modo que, nesses termos e com essas precisões, acompanho integralmente o voto do eminente Relator.”
9. Ministro Joaquim Barbosa
“Acompanhando o voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, inclusive no que diz respeito às 16 (dezesseis) exigências que S. Exa. estipula como condições para o exercício do direito de greve no serviço público, eu conheço e defiro em parte, e em termos específicos, o presente mandado de injunção, para:
(i)declarar a mora do Poder Legislativo da União na regulamentação do direito de greve previsto no art. 37, VII, da Constituição Federal;
(ii)determinar que se observem as restrições constitucionais decorrentes da natureza especialíssima do vínculo que une o servidor à administração pública, tal como indiquei no meu voto;
(iii)restringir os efeitos desta decisão ao caso concreto.”
10. Ministro Marco Aurélio
“Então, mais confortado, presente a nova óptica do Supremo – e sempre é tempo de abandonar o misoneísmo, a aversão a tudo que é novo, e de evoluir acompanhando a sempre ilustrada maioria já formada”.
A Ministra fixa certa e determinadas condições para o exercício do direito de greve. Sendo que quanto à determinação de prazo para o Congresso legislar, “a interpretação sistemática da Constituição Federal não a autoriza. Nem mesmo no processo objetivo, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, isso é possível, o que se dirá em mandado de injunção, a revelar relação subjetiva.
Há de se aguardar a opção político-normativa da Casa competente”.
11. Ministra Ellen Gracie (Presidente):
“Senhores Ministros, o último voto é o meu.
A matéria foi, realmente, brilhantemente abordada. Apenas peço vênia aos colegas que estabeleceram condições específicas, para acompanhar, em toda a sua extensão, o voto inicialmente proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no MI 708.
Somo, portanto, o meu voto à corrente majoritária.”
Assim, o Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações.
7. MANDADO DE INJUNÇÃO 712/2007
No MI 712, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará impetrou mandado de injunção, com o objetivo de dar efetividade à norma inscrita no artigo 37, inciso VII, da Constituição do Brasil.
Conforme exposto na inicial, a entidade sindical impetrou mandado de segurança contra ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, para que se aprove a revisão anual de remuneração dos servidores. Alegou o Impetrante que a greve parcial foi desencadeada porque não houve apreciação da referida ação.
O Impetrante ressaltou ainda que, sem prévia comunicação e em desacordo com pedido da categoria que solicitava o reajuste de 105%, o Pleno do Tribunal de Justiça do Pará publicou a Resolução 009/2004, mediante a qual foi concedido aos servidores o aumento salarial de 9%.
Após a declaração de ilegalidade da greve, a direção do TJ/PA determinou a suspensão dos pontos e o desconto dos dias parados.
Requereram que fosse concedida autorização aos filiados do Sindicato Impetrante para que se utilizassem da Lei Federal 7.783/89, que rege o direito de greve na iniciativa privada, até o advento da norma regulamentadora.
Solicitaram ainda a procedência da ação e declaração da omissão do Poder Legislativo, determinando supressão da lacuna legislativa, mediante a regulamentação do direito de greve no serviço público. Pedindo, ao final, que fosse reconhecido o direito de greve.
Importante ressaltar os breves comentários do voto do relator Ministro Eros Grau, do qual fora a decisão seguida e fundamentada pela maioria dos Ministros que votaram na oportunidade.
Segundo ele, “já não se trata de saber se o texto normativo de que se cuida o art. 37, VIII — é dotado de eficácia. Importa verificarmos se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se é admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do Ministro Néri da Silveira, “a Suprema Corte do País decide sem que seu julgado tenha eficácia”. Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeito, no sentido de suprir aquela omissão, reiteradas vezes, como se dá no caso em pauta, reiteradas e inúmeras vezes repetidas.
Não há que se falar em agressão à “separação dos poderes”, mesmo porque é a Constituição que institui o mandado de injunção e não existe uma assim chamada “separação dos poderes” provinda do direito natural. Ela existe na Constituição do Brasil, tal como nela definida.
Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de “separação dos poderes”, o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original.
De resto, o Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora faltante. Note-se bem que não se trata de simples poder, mas de dever-poder.
No bojo do MI nº 712 (BRASIL, 2008), explanou-se o seguinte:
“Em face de tudo, conheço do presente mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito de greve no serviço público, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII da Constituição do Brasil, nos termos do conjunto normativo enunciado neste voto.”
Após o voto do Senhor Ministro Eros Grau (Relator), que conhecia do mandado de injunção e dava solução à omissão legislativa, nos termos de seu voto, no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Gilmar Mendes, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Sob a presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie, no Plenário de 07.06.2006.
Após os votos dos Senhores Ministros Eros Grau (Relator), Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso, que conheciam e julgavam procedente o mandado de injunção para determinar a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, e do voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, julgando-a procedente em parte, nos termos do voto proferido, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Em seguida, o Tribunal, por maioria, apreciando questão de ordem suscitada, indeferiu o pedido de tutela antecipada, vencidos os Senhores Ministros Relator, que a suscitara, Cezar Peluso, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Ausentes, ocasionalmente, neste ponto, o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, e, na segunda parte da sessão, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente). Sob presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente) no Plenário de 12.04.2007.
Assim, o Tribunal, por maioria, nos termos do voto do Relator, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, parcialmente, os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações.
8. A GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS NO CENÁRIO ATUAL
Ao analisar os Mandados de Injunção citados acima, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, declarou a omissão legislativa ao dever constitucional de editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, decidiu aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente ao setor privado, qual seja a Lei 7.783/1989.
Como consequência da decisão nestes julgamentos, foi revisto a posição anterior da Corte que até então entendia ser a norma constitucional de eficácia limitada e que de agora em diante, de eficácia contida.
Ensina Renato Saraiva (2010) que, naquele julgamento, o Ministro Celso de Mello salientou que:
“… não se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem vem se negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República”.
A partir daí este vem sendo o entendimento da Suprema Corte, garantindo o legítimo direito de greve do servidor público civil.
Atualmente há, pelo menos, quatorze projetos de lei que tratam da regulamentação do direito de greve aos servidores públicos. Dentre eles há o Projeto de Lei 4532/12, em análise na Câmara, que estabelece regras de negociação trabalhista entre servidores públicos e a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. A proposta é de autoria do deputado Policarpo (PT-DF).
Entre as medidas previstas no texto está a criação de um sistema de negociação permanente entre Poder Público e servidores, por meio da chamada “Mesa de Negociação”, a ser instituída nos três níveis da Federação, com representantes das duas partes.
A proposta reafirma o direito constitucional à livre organização e à greve, mas prevê a obrigatoriedade de se garantir “o atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade”.
No caso das forças policiais, o projeto estabelece a suspensão temporária do porte de armas para os policiais que aderirem a movimento grevista.
Ainda conforme o texto, as faltas ao trabalho decorrentes de paralisação ou greve terão de ser negociadas, e deve-se construir um plano de compensação. Sem acordo, os dias não trabalhados poderão ser descontados da remuneração. A proposta deixa claro, no entanto, que essas ausências ao trabalho não poderão ser critério para avaliação de desempenho ou computadas para fins do estágio probatório.
Policarpo afirma que o projeto resulta de três anos de negociação com entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef) e a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam), além de representantes do Ministério do Planejamento, durante o segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com isso, segundo o deputado, o projeto “tem o condão de afastar qualquer interpretação que possa limitar o direito de greve”.
O projeto tramita em conjunto com o PL 4497/01, da ex-deputada Rita Camata, e com outras dez propostas relacionadas ao direito de greve no serviço público.
Os textos serão analisados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário. Desde 2008, o PL 4497/01 aguarda parecer na CCJ, onde quatro relatores já foram designados, mas nenhum deles apresentou parecer.
Já o mais recente Projeto de Lei Complementar 45/22, de autoria do deputado Gilson Marques (Novo-SC), proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, assegura o direito de greve aos servidores, com a decisão individual e livre sobre sua oportunidade de exercício, estabelecendo limites. No entanto, não se aplica aos membros das Forças Armadas, polícias militares, civis, bombeiros militares e outros ligados à segurança pública. O texto inclui o desconto automático dos dias não trabalhados durante a greve nos vencimentos, além de não considerar esses dias para cálculos de tempo de serviço, estágio probatório, progressão, benefícios, férias ou previdência. Permite a terceirização temporária dos serviços afetados pela greve e prevê demissão por justa causa em casos de greve ilegal, equiparando o setor público ao privado. Além de dar tratamento especial ao setor de arrecadação de tributos. Critérios para caracterização da greve ilegal incluem atos que impeçam o acesso ao trabalho, ameacem propriedade ou pessoa, descumprimento de percentual mínimo de servidores para manutenção dos serviços e deflagração sem aviso prévio de 72 horas. O projeto será analisado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público, e de Constituição e Justiça e Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário da Câmara.
Não obstante, no âmbito do governo federal, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos publicou a Instrução Normativa nº 49/23 que estabelece novas regras do direito à greve para os servidores públicos, substituindo a antiga IN SGP/SEDGG/ME nº 54, de 2021. Assim, sendo, observa-se que, ao menos no âmbito federal, a “regulamentação” vem sendo exercida pelo poder executivo.
9. CONCLUSÃO
O Congresso Nacional, como é sabido, é omisso em várias questões de interesse político e social, quando depende dele legislar sobre certas e determinadas matérias deliberadas pela Constituição Federal.
Em diversos casos, fica a cabo do Poder Judiciário decidir e delimitar o direito a ser exercido pelo cidadão carente de norma regulamentadora.
Entretanto, no caso da greve dos servidores públicos, o Congresso Nacional extrapolou a razoabilidade, tornando a situação inaceitável perante a sociedade brasileira, e fazendo até mesmo, com que o Supremo Tribunal Federal, em épocas distintas, mudasse sua forma de decidir quando se tratava de Mandado de Injunção, passando a adotar, em face dos MI 640 e 712, posição efetiva no combate à omissão legislativa, diferente da posição adotada em face do MI 107.
A Constituição Federal de 1988 determinou, em seu art. 37, que a greve dos servidores públicos seria exercida nos termos da lei específica, porém, passados trinta e cinco anos, apesar dos mais de dez projetos de lei que tentam regulamentar a matéria, nenhuma lei ainda tornou-se vigente. Dessa forma, quando da análise do MI 107, o STF entendeu que decidir sobre a regulamentação da matéria seria afrontar a divisão dos poderes, limitando-se apenas a informar ao Congresso sobre a mora legislativa e determinar a criação da lei. Há que se ressaltar que nesta oportunidade havia transcorrido apenas dois anos da promulgação da Constituição Federal, ou seja, pode ser que aquele lapso temporal tenha sido entendido como aceitável pelos Ministros para a elaboração de uma lei tão importante para a sociedade.
Atualmente, cerca de 12,45% dos trabalhadores atuam no setor público, sendo aproximadamente 11,3 milhões de servidores atuando no serviço público em todo o país. Destes, pouco menos de 11 milhões compõem o executivo, quase 300 mil o legislativo e quase 400 mil o judiciário (IPEA, 2021). Dessa forma, pode-se observar a importância desse segmento de trabalhadores no contexto nacional.
Diante de todo esse contingente de trabalhadores que movem a Administração Pública, seja ela direta ou indireta, a omissão do Legislador trouxe novamente ao STF, a análise de mais dois mandados de injunção após a decisão do MI 107/94. Em 2007, e diante da falta de norma regulamentadora, os Ministros votaram e decidiram que o STF deveria dar uma resposta à sociedade. Desta vez, determinaram que a Lei de greve prevista para o setor privado seria aplicada, no que coubesse, aos servidores públicos. Assim, não invadiriam a competência legislativa do Congresso, já que ele mesmo havia elaborado tal lei. Sendo que, enquanto não criasse norma para que o direito constitucional de greve previsto para o serviço público pudesse ser plenamente exercido, a referida Lei seria aplicada a ambos os casos.
Como protetor da Constituição Federal e diante da desvantagem do Poder Judiciário, que diferente do Legislativo, não pode se escusar de decidir nos casos submetidos à sua apreciação, o STF finalmente valeu-se do mecanismo de preenchimento de lacuna que o próprio legislador Constituinte colocou em seu poder para oferecer à sociedade a resposta tão esperada durante mais de vinte anos pelo servidor público, que via seu direito sendo desrespeitado pelo Legislador com a anuência do Judiciário.
O panorama atual evidencia que, frente a omissão do legislativo, o estabelecimento de parâmetros mínimos para o exercício do direito de greve vem sendo exercido pelo Poder Executivo, a exemplo da IN SGP/SEDGG/ME nº 54, de 20 de maio de 2021, e recentemente IN SRT/MGI nº 49, de 20 de dezembro de 2023, que substituiu aquela, conferindo ao tema uma verdadeira solução de governo, e não uma solução de Estado como deveria ser.
REFERÊNCIAS
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SARAIVA. Renato, Direito do Trabalho, 10ª. edição, Editora Método, 2010 p. 398.
1Mestre em Educação Profissional pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Tocantins; Graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins; Graduado em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. E-mail ccrodr@gmail.com
2Mestrando em Educação Profissional pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Tocantins (Profept); Graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT); Graduado em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO). E-mail josuan_carvalho@hotmail.com