A OMISSÃO DE SOCORRO SOB A ANÁLISE DOS CASOS KAYKY BRITO E VICTOR MEYNIEL 

THE OMISSION OF HELP UNDER THE ANALYSIS OF THE CASES KAYKY BRITO AND VICTOR MEYNIEL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10304073


Wanderson Rodrigues1;
Catrine Cadja Indio do Brasil da Mata2.


Resumo: O presente artigo tem por objetivo elucidar as nuances do crime de omissão de socorro e seus aspectos jurídicos. Com isso, para aprofundar o debate foram analisados dois recentes casos dos atores Kayky Brito e Victor Meyniel. O código penal e a doutrina criminalista analisam e explicam que o ordenamento jurídico prevê o crime de omissão de socorro e sua pena no artigo 135 do Código Penal, todavia, se faz necessário um estudo mais minucioso de todo o contexto que envolve os indivíduos, a conduta, o dano e o nexo de causalidade. Diante disso, foi desenvolvido o posicionamento jurídico do crime de omissão de socorro, bem como foi debatido o efeito espectador e o estudo dos dois casos supramencionados, os quais foram divididos em capítulos. Assim, através de uma pesquisa exploratória com levantamento de informações bibliográficas e coletas de dados, foi possível alcançar a finalidade do presente artigo.

Palavras-chave: Omissão de socorro; Efeito espectador, Kayky Brito, Victor Meyniel.

Abstract: This article aims to elucidate the nuances of the crime of failure to provide assistance and its legal aspects. Therefore, to deepen the debate, two recent cases of actors Kayky Brito and Victor Meyniel were analyzed. The penal code and the criminalist doctrine analyze and explain that the legal system provides for the crime of omission of assistance and its penalty in article 135 of the Penal Code, however, a more detailed study of the entire context involving individuals, the conduct, damage and causal link. In view of this, the legal positioning of the crime of omission of assistance was developed, as well as the spectator effect and the study of the two cases mentioned above, which were divided into chapters. Thus, through exploratory research with bibliographic information and data collection, it was possible to achieve the purpose of this article.

Keywords: Failure to provide assistance; Bystander effect, Kayky Brito, Victor Meyniel.

1 INTRODUÇÃO

Existem divergências interpretativas em torno do crime de omissão de socorro que se encontra tipificado no código penal no seu artigo 135 que diz que se deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte (Brasil, 1940). Assim, entende-se que omissão ocorre na situação em que o agente deixa de fazer o que poderia e deveria ter feito. Essas divergências se perpetuam com nitidez em seu tópico mais controvertido: a estrutura jurídica e suas formas qualificadas.

Oportuno destacar que, alguns doutrinadores entendem que partir do momento em que outra pessoa tenha corrido e buscado esse socorro ou prestado a assistência necessária nos primeiros momentos, essa omissão não pode se perpetuar no tempo e todo aquele que estivesse testemunhando o ocorrido, obviamente, não responderia por esse crime.

Diante disso, é preciso analisar casos concretos, pois o fato de se estar presente no momento não significa automaticamente a omissão do socorro. Neste artigo serão analisados o caso do ator Victor Meyniel e do ator Bruno de Luca, que ganharam destaque na mídia brasileira no ano de 2023. 

Para isso, foi realizado um estudo de abordagem qualitativa, bibliográfica e documental sobre o tema e com o auxílio das doutrinas, jurisprudências e legislação existentes foi possível o estudo dos dois casos supracitados.

Assim, acredita-se que a relevância e importância do tema escolhido para a comunidade científica, está em examinar como o ordenamento jurídico brasileiro prevê o crime de omissão de socorro e quais são as suas consequências além da aplicação da lei (punição).

Por fim, o impacto do objeto da pesquisa está em demonstrar e apresentar à sociedade o debate sobre o tema que ainda tem muito a ser desenvolvido no âmbito doutrinário.

2 O POSICIONAMENTO JURÍDICO DO CRIME DE OMISSÃO DE SOCORRO

O crime de omissão de socorro é uma infração legal que ocorre quando alguém, que está em posição de ajudar uma pessoa em perigo ou necessidade, negligencia em prestar assistência adequada, causando ou agravando o dano à vítima. Em muitos sistemas legais, a omissão de socorro é considerada um crime, uma vez que a lei impõe um dever de cuidado e assistência em certas circunstâncias (Bitencourt, 2009).

O conceito do crime de omissão de socorro, segundo doutrinadores brasileiros, é geralmente alinhado com a definição legal do Código Penal Brasileiro. Não obstante, a interpretação pode variar entre diferentes autores jurídicos.

Nelson Hungria, importante jurista brasileiro cujas obras abordam extensamente o Código Penal, incluindo a omissão de socorro, enfatizando o dever de solidariedade humana (Hungria, 2010). Já Damásio de Jesus, autor conhecido por seus livros de Direito Penal, cujas obras tratam da omissão de socorro como um dever de agir e prestar auxílio em situações de perigo (Jesus, 2020).

Esses doutrinadores contribuem para a compreensão do crime de omissão de socorro dentro do contexto do sistema jurídico brasileiro e fornecem análises legais e interpretações com base nas leis e na jurisprudência brasileira.

Assim, diante dos estudos, entende-se que os elementos-chave do crime de omissão de socorro incluem a existência de uma situação de perigo ou necessidade em que a vítima precisa de assistência, a capacidade do autor do crime de prestar essa assistência ou chamar por ajuda e a omissão intencional ou negligência em fornecer a assistência necessária (Bitencourt, 2015).

Assim, para que haja o crime de omissão de socorro, é necessário que exista uma situação de perigo iminente ou uma necessidade de assistência por parte da vítima. Isso pode incluir acidentes de trânsito, ferimentos, doenças súbitas ou outras circunstâncias em que a intervenção de terceiros seja vital. Ademais, a pessoa acusada de omissão de socorro deve ter a capacidade de prestar assistência ou de chamar por ajuda. Isso significa que ela deve ser fisicamente capaz de ajudar ou de tomar medidas para obter assistência de terceiros (Jesus, 2020).

Outrossim, para que a omissão de socorro seja considerada um crime, a pessoa deve ter agido com omissão intencional ou negligência. Em outras palavras, ela deve ter tido a oportunidade de ajudar, mas optou por não o fazer sem justificação plausível. Em muitos sistemas legais, o dever de prestar socorro não exige que a pessoa coloque sua própria vida em risco. No entanto, a omissão de socorro pode ser justificada se a assistência significar um risco desproporcional para o prestador da ajuda (Soares, 2021).

Cabe ressaltar que o dever de prestar socorro varia dependendo do sistema legal e das circunstâncias. Em muitos lugares, pessoas comuns têm a obrigação de prestar socorro a alguém em perigo iminente se puderem fazer isso sem risco substancial para si mesmas. A omissão de socorro pode resultar em penalidades legais, que variam de acordo com a jurisdição e a gravidade do dano causado à vítima. É importante observar que a omissão de socorro não se aplica a todas as situações, e a interpretação e aplicação da lei podem variar de acordo com o país e o sistema legal específico (Galvão, 2013).

Ratifica-se que o crime de omissão de socorro é regulamentado no Código Penal Brasileiro, mais precisamente no Artigo 135. Antes de entrarmos na discussão sobre o Código Penal atual, é interessante observar como esse crime era tratado em códigos antigos. 

O primeiro Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, já previa punição para a omissão de socorro. O artigo 9 deste código estabelecia que quem deixasse de socorrer uma pessoa em perigo, quando podia fazê-lo sem risco pessoal, estaria sujeito a punições. O Código Penal de 1940, que ainda é a base do Código Penal atual no Brasil, manteve a previsão do crime de omissão de socorro. O Artigo 135 deste código estabelece que é crime 

“deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública” (Brasil, 1940).

O Código Penal Brasileiro em vigor, mantém a previsão do crime de omissão de socorro no mesmo Artigo 135. Ele estabelece a obrigação de prestar assistência a pessoas em perigo ou necessidade, quando possível, sem risco pessoal. A pena para esse crime pode variar dependendo das circunstâncias específicas, mas, geralmente, inclui detenção de um mês a um ano, além de multa (Brasil, 1940).

Portanto, o crime de omissão de socorro é uma infração que tem raízes antigas na legislação brasileira e permaneceu inalterado em seus princípios fundamentais desde o Código Criminal do Império de 1830. O Código Penal atual continua a estabelecer o dever legal de prestar assistência a quem está em perigo, e a omissão de socorro continua a ser punida quando aplicável (Greco, 2005).

2.1.1 AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS, MORAIS E SOCIAIS PARA OS OMISSOS

As consequências jurídicas e morais para pessoas omissas podem variar dependendo do contexto e da situação específica. Geralmente, a omissão não é considerada crime por si só, mas pode ser relevante em casos de negligência, como omissão de socorro em acidentes.

No que se refere às consequências jurídicas, elas podem incluir a responsabilidade civil por danos, multas ou até mesmo acusações criminais em certos casos. Por outro lado, as consequências morais podem envolver o julgamento social e a culpa pessoal, dependendo das circunstâncias e dos valores da sociedade (Galvão, 2013).

Em situações de dever legal, como testemunha em um tribunal, a omissão pode levar a penalidades legais. Em contextos éticos, a omissão de ações que poderiam prevenir danos a outros pode resultar em julgamentos morais negativos. No entanto, as implicações precisas variam de acordo com as leis e as normas culturais de cada sociedade (Aronson, 2012).

Já as consequências sociais incluem o julgamento social, pois, as pessoas omissas podem enfrentar julgamento ou críticas de outros membros da sociedade, especialmente se a omissão for percebida como prejudicial ou negligente. Ademais, existe a perda de confiança, visto que a omissão repetida de responsabilidades ou a falta de apoio em momentos importantes pode levar à perda de confiança por parte de amigos, familiares e colegas. Existe também o isolamento social, que aqueles que são consistentemente omissos em suas responsabilidades podem encontrar-se isolados socialmente, uma vez que outros podem evitar ou distanciar-se deles (Soares, 2021).

Além disso, o impacto nas relações interpessoais, pois a omissão de apoio ou assistência em relações pessoais, como amizades ou relacionamentos familiares, pode levar a tensões e conflitos, bem como a reputação de uma pessoa pode ser prejudicada pela omissão em situações importantes, o que pode afetar suas oportunidades pessoais e profissionais (Aronson, 2012).

No entanto, é importante ressaltar que as consequências sociais podem variar amplamente dependendo das circunstâncias e das normas culturais. Nem toda omissão resulta em consequências sociais negativas, e algumas omissões podem ser compreendidas e perdoadas, especialmente se houver razões legítimas para a omissão (Jesus, 2020).

3. CASOS KAYKY BRITO E VICTOR MEYNIEL

Em 2023 vários portais de notícias e redes sociais foram divulgadas as nuances dos casos Kayky Brito e Victor Meyniel. O primeiro ator foi atropelado e o último espancado. Ambos são casos distintos, todavia, foi aberto um campo de discussão em comum: a omissão de socorro.

Na madrugada do dia 02 de setembro de 2023, o ator global Kayky Brito foi atropelado na orla da Barra ao atravessar fora da faixa e correndo.  Segundo o site de notícias G1 (2023), o motorista que atropelou o ator após ele surgir na avenida, fora da faixa, correndo, prestou socorro instantaneamente. Todavia, o amigo que o acompanhava, o ator Bruno de Luca, não prestou socorro e afirmou em depoimento que só ficou sabendo no dia seguinte que era Kayky que tinha sido atropelado.

Algumas imagens de câmeras mostram De Luca colocando as mãos na cabeça após o acidente. Todos os indícios já apontavam para a total falta de culpa do motorista, Diones da Silva, que estava sóbrio, prestou socorro e, segundo testemunhas, não passou do limite de velocidade. Agora, a polícia concluiu a investigação que confirma a inocência do motorista, e vai pedir ao Ministério Público para arquivar o caso.

No caso do ator e influencer Victor Meyniel, ele foi espancado com cerca de 42 socos em um prédio em Copacabana e o porteiro do edifício do agressor assistiu à cena do espancamento sentado, onde não se manifestou ou prestou socorro. O autor do crime é estudante de medicina, cujo nome é Yuri de Moura Alexandre. Segundo o G1 (2023), a polícia foi chamada e o autor das agressões foi preso.

A agressão ocorreu em um edifício em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Após um encontro amoroso entre Victor Meyniel e Yuri no apartamento do estudante, uma discussão se desencadeou, culminando em agressões. Conforme a acusação do Ministério Público, além de agredir fisicamente Victor Meyniel, Yuri proferiu ofensas utilizando termos homofóbicos.

Diante desses dois casos, cabe enfatizar que a omissão de socorro é um assunto importante no campo do Direito e da ética. A análise legal de casos de omissão de socorro envolve a avaliação de vários fatores, incluindo a presença de um dever legal de agir, a capacidade de prestar assistência e se a omissão foi intencional ou negligente.

Em muitos casos, é fundamental promover a responsabilidade individual e a solidariedade humana. O dever de prestar assistência a alguém em perigo, quando possível, sem risco pessoal significativo, é uma parte importante da legislação que visa proteger a vida e o bem-estar das pessoas. No entanto, cada caso é único, e a aplicação da lei deve considerar as circunstâncias específicas. Portanto, a análise jurídica de casos de omissão de socorro deve ser feita com base nos fatos e nas leis locais aplicáveis (Soares, 2021).

3.1 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DOS CASOS   

Ao que se refere ao caso do ator Victor Meyniel, Gilmar José, o porteiro envolvido na agressão, optou por uma transação penal com o Ministério Público, concordando em pagar uma multa como medida para encerrar o seu caso judicial.

A transação penal, conforme o Código de Processo Penal brasileiro, está prevista nos artigos 76 a 88 (Brasil, 1941). Essa é uma alternativa legal para resolver determinados tipos de infrações penais de menor potencial ofensivo sem a necessidade de um processo judicial mais longo.

Assim permite que o Ministério Público ofereça ao autor da infração uma proposta de aplicação imediata de uma pena não privativa de liberdade, como uma multa ou prestação de serviços à comunidade. Essa proposta é condicionada ao cumprimento de certas condições estabelecidas pelo Ministério Público (Galvão, 2013).

Se o autor aceitar e cumprir as condições propostas, o processo não prossegue para julgamento, sendo arquivado após o cumprimento das obrigações. Vale ressaltar que a transação penal é aplicável apenas a casos específicos, geralmente de menor gravidade, e não implica em condenação criminal, preservando a presunção de inocência do autor (Bitencourt, 2009).

Desta forma, o Ministério público propôs que Gilmar Agostini pagasse o equivalente a um salário mínimo, em quatro parcelas, para o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o que foi aceito pelo porteiro e sua defesa, todavia, se descumprir o acordo, voltará ao processo. Segundo entrevista dada ao site de noticia G1 (2023), o advogado que representou o porteiro, João Paulo Dias Oliveira, afirmou que “O acordo foi feito, sem julgar culpa ou inocência, e, com isso, encerra-se o caso. O senhor Gilmar agora só figura nele na condição de testemunha”. 

Com isso, ficará o estudante de medicina Yuri de Moura Alexandre no processo, visto que este é acusado de lesão corporal e injúria por homofobia cometido contra a vítima. 

Já no que se refere ao caso do ator Kayky Brito, a Justiça acatou uma solicitação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e determinou que Bruno de Luca seja responsabilizado por omissão de socorro no caso do atropelamento de Kayky Brito na madrugada de 2 de setembro. Com essa decisão, Bruno passa a ser considerado autor do crime de omissão de socorro.

Essa decisão implica que Bruno agora é considerado responsável pelo crime de omissão de socorro, conforme os preceitos jurídicos que regem esse tipo de situação. A inclusão desse novo status implica que Bruno de Luca passa a figurar como autor legalmente responsável por não prestar assistência no momento do incidente envolvendo Kayky Brito.

Como dito acima, a omissão de socorro é caracterizada pelo ato de não prestar assistência em situações de perigo. Essa conduta resultou em responsabilidade criminal, sujeita a penalidades legais. O processo judicial pode ser movido pelo Ministério Público ou pela parte prejudicada, buscando punição legal. Não apenas no âmbito criminal, mas a omissão de socorro pode levar a ações de reparação civil, visando compensação pelos danos causados. As circunstâncias específicas do caso, como a gravidade da situação e a relação entre as partes, influenciam a avaliação legal (Da Silva, 2019).

A viabilidade de fazer um acordo no caso do ator Bruno de Luca pode ser influenciada por diversos fatores. Geralmente, a decisão de buscar ou aceitar um acordo depende da gravidade da acusação, das evidências disponíveis, das leis locais e da posição do Ministério Público. 

Em casos mais graves, especialmente envolvendo violência ou delitos sérios, a probabilidade de realizar um acordo pode ser reduzida. A posição do Ministério Público desempenha um papel crucial, pois eles podem não estar dispostos a aceitar acordos em determinadas situações (Da Silva, 2019).

A força ou fraqueza dos fatos e evidências disponíveis também é um fator significativo. Se o réu optar por contestar as acusações em um julgamento, isso pode influenciar a decisão de buscar ou não um acordo. Além disso, a visibilidade e o impacto na sociedade, bem como precedentes jurídicos em casos semelhantes, podem afetar a decisão de buscar acordos. Cada caso é único, e as razões para prosseguir com ou sem um acordo variam consideravelmente dependendo das circunstâncias específicas do processo judicial (Bitencourt, 2015).

Além das implicações legais, a omissão de socorro pode resultar em julgamento público, afetando a reputação e a imagem social do indivíduo. Em resumo, essa conduta não apenas viola normas legais, mas também pode acarretar consequências éticas e sociais, evidenciando a importância da solidariedade e responsabilidade em situações de emergência (Da Silva, 2019).

3.1.2 DEVERES LEGAIS, ÉTICOS E MORAIS

Os deveres legais e éticos associados à omissão de socorro se baseiam na premissa de que os indivíduos têm a responsabilidade de prestar assistência em situações em que podem fazê-lo sem risco pessoal significativo.

Muitas jurisdições têm leis que estabelecem um dever legal de prestar assistência em situações específicas. Isso pode incluir ajudar vítimas de acidentes de trânsito, pessoas feridas, crianças abandonadas, idosos desamparados e outras circunstâncias em que a omissão de socorro pode agravar o perigo da vítima. Além do dever legal, existe um dever ético de solidariedade e assistência em muitas culturas e sociedades. Isso significa que as pessoas são incentivadas a ajudar os outros em perigo, não apenas porque é uma obrigação legal, mas também porque é um princípio ético fundamental (Da Silva, 2019).

Algumas profissões, como médicos, enfermeiros e bombeiros, têm um dever profissional de prestar assistência em situações de emergência. Eles são treinados e esperados a agir em casos de omissão de socorro, e a negligência pode resultar em consequências legais e éticas. Ademais, pais e responsáveis ​​têm o dever legal e ético de cuidar de seus filhos e dependentes. A omissão de cuidados adequados pode resultar em responsabilidade legal e ética (Da Silva, 2019).

Outrossim, empresas, instituições e organizações também podem ter deveres legais e éticos de prestar assistência em certas situações, como garantir a segurança dos funcionários e clientes em suas instalações.

É importante destacar que o cumprimento desses deveres legais e éticos pode variar dependendo das circunstâncias específicas. Por exemplo, em situações em que a assistência poderia representar um risco pessoal significativo para o prestador de ajuda, o cumprimento do dever pode ser avaliado de maneira diferente. No entanto, em geral, a omissão de socorro é vista como uma violação dos deveres legais e éticos em muitas jurisdições e culturas (Da Silva, 2019).

A análise dos aspectos morais da omissão de socorro envolve considerar princípios éticos fundamentais, como a solidariedade humana e a responsabilidade individual. A solidariedade humana é um princípio ético que enfatiza a conexão e o apoio mútuo entre os indivíduos na sociedade. Em relação à omissão de socorro, a solidariedade humana implica que os seres humanos têm a responsabilidade moral de ajudar uns aos outros em momentos de necessidade e perigo (Da Silva, 2019).

A recusa em prestar assistência em situações em que se pode fazê-lo é vista como uma violação desse princípio moral, pois compromete a coesão e o apoio mútuo na sociedade. Assim, a responsabilidade individual enfatiza que cada pessoa é moralmente responsável por suas ações e omissões. No contexto da omissão de socorro, a responsabilidade individual significa que as pessoas têm a obrigação ética de agir quando estão em posição de prestar assistência a alguém em perigo, desde que possam fazê-lo sem risco pessoal desproporcional.

Já a negligência em cumprir essa responsabilidade é vista como uma falha moral, uma vez que compromete o bem-estar e a segurança dos outros (Bitencourt, 2015).

A omissão de socorro pode ter consequências morais graves, como o agravamento do sofrimento da vítima ou até mesmo a perda de vidas. Quando alguém deixa de prestar assistência, especialmente em situações em que poderia fazê-lo sem risco pessoal significativo, isso pode ser considerado um ato moralmente repreensível, pois reflete a falta de consideração e empatia pelos outros (Bitencourt, 2015).

A ética também destaca o dever moral de ajudar, quando possível, em vez de ser um mero observador passivo. A omissão de socorro, em muitos casos, é vista como uma violação desse dever moral, já que a inação pode resultar em danos evitáveis. A omissão de socorro é muitas vezes vista como uma transgressão ética, uma vez que vai contra esses princípios fundamentais, comprometendo o apoio mútuo e a proteção daqueles em necessidade (Jesus, 2020).

Existe uma parábola do Bom Samaritano que é uma história contada por Jesus no Novo Testamento, especificamente no Evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 25-37. Essa parábola é uma ilustração usada por Jesus para ensinar sobre o amor ao próximo, mas, que simboliza muito bem um contexto onde se pode ver a omissão de socorro.

A história conta que existia um perito na lei religiosa que perguntou a Jesus: “Mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu, perguntando-lhe o que estava escrito na lei. O perito na lei respondeu, citando os mandamentos de amar a Deus e ao próximo. Então, Jesus contou a parábola do Bom Samaritano. Ela descreve um homem que foi assaltado por ladrões, espancado e deixado à beira da estrada, meio morto. Primeiro, um sacerdote passou pelo homem e o ignorou. Depois, um levita fez o mesmo. No entanto, um samaritano (um grupo étnico considerado inimigo pelos judeus na época) parou, teve compaixão do homem ferido, cuidou de suas feridas, o colocou em seu próprio animal e o levou a uma hospedaria.

O samaritano também deu dinheiro ao dono da hospedaria e pediu que cuidasse do homem ferido, prometendo voltar para cobrir quaisquer despesas adicionais. Jesus conclui a parábola perguntando ao perito na lei qual dos três foi “próximo” ao homem que havia sido assaltado. O perito respondeu que foi o samaritano. Jesus então disse-lhe para ir e fazer o mesmo, ou seja, mostrar compaixão e amor ao próximo, independentemente de sua origem ou crenças.

Essa parábola além de destacar a importância da compaixão, bondade e amor ao próximo, simboliza também a importância de prestar socorro ao indivíduo que se encontre em situação degradante. Pode-se afirmar que, o sacerdote que passou pelo homem e o ignorou e o levita que fez o mesmo, estariam cometendo o crime tipificado no artigo 135 do Código Penal? Na história acima relatada existe o contexto onde duas pessoas deixaram de prestar assistência à pessoa ferida em grave e iminente perigo e não pediu o socorro da autoridade pública. Assim, portanto, ambos, de forma individualizada, seriam punidos pelo crime.

Na palavra de Damásio de Jesus a omissão é a não-realização de um comportamento exigido que o sujeito tinha a possibilidade de concretizar. Assim, a possibilidade de realização da conduta constitui pressuposto do dever de agir (Jesus, 1993). Entende-se, com clareza, que o bem jurídico tutelado pelo delito de omissão de socorro é a própria vida e a saúde.

 Assim, constituirá somente em omissão de socorro quando o agente deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo para a sua vida ou sua saúde” (Greco, 2005).

4. OMISSÃO DE SOCORRO: PENAS, SANÇÕES, CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES

As penalidades e sanções previstas em lei para o crime de omissão de socorro podem variar de acordo com a jurisdição e as circunstâncias específicas de cada caso. Muitas jurisdições prevêem a possibilidade de prisão ou detenção para aqueles condenados por omissão de socorro. A duração da prisão pode variar, mas geralmente é de curto prazo (Soares, 2021).

A imposição de multas é uma sanção comum em casos de omissão de socorro. O valor da multa pode depender da gravidade da omissão e da legislação local. Em alguns casos, em vez de ou em conjunto com prisão ou multas, os condenados podem ser obrigados a cumprir horas de serviço comunitário, prestando assistência a organizações sem fins lucrativos ou comunidades carentes (Galvão, 2013).

Em certas jurisdições, os condenados por omissão de socorro podem ser elegíveis para a libertação condicional, sujeita ao cumprimento de condições específicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns estados possibilitam que um condenado se torne elegível para liberdade condicional após cumprir uma porcentagem específica da sentença e demonstrar bom comportamento na prisão.

No Brasil, a legislação de execução penal, Lei nº 7.210/1984, estabelece condições para a concessão de liberdade condicional, incluindo requisitos como comportamento carcerário adequado e o cumprimento de uma parte da pena. Já no Reino Unido, um condenado por omissão de socorro pode ser considerado elegível para liberdade condicional após cumprir uma porção específica da sentença e passar por uma avaliação de risco (Brasil, 1984).

Na Alemanha, as leis de execução penal podem permitir a liberdade condicional com base em critérios que incluem comportamento na prisão e participação em programas de reabilitação. Essas diferenças refletem as distintas abordagens adotadas por cada jurisdição em relação à liberdade condicional em casos de omissão de socorro. 

A condenação por omissão de socorro pode resultar em um registro criminal, o que pode ter implicações de longo prazo para o condenado, incluindo dificuldades em encontrar emprego ou habitação (Jesus, 1993).

As penalidades e sanções para o crime de omissão de socorro podem variar consideravelmente entre jurisdições. Alguns países podem ter penas mais severas, enquanto outros podem adotar abordagens mais brandas. Além disso, as leis podem ser alteradas ao longo do tempo, refletindo as normas e valores da sociedade em evolução (Greco, 2005).

As circunstâncias que podem atenuar ou agravar a responsabilidade em casos de omissão de socorro também variam, mas geralmente incluem circunstâncias que podem reduzir a gravidade da culpa do acusado incluem a falta de conhecimento da situação de perigo, a incapacidade de prestar assistência devido a risco pessoal significativo, ou a tentativa de procurar ajuda, mesmo que sem sucesso (Bitencourt, 2015).

Ademais, circunstâncias que podem aumentar a responsabilidade do acusado incluem a omissão intencional de socorro, a recusa em prestar assistência quando isso poderia ser feito com segurança e o agravamento do dano à vítima devido à omissão. As circunstâncias atenuantes e agravantes são levadas em consideração pelo sistema de justiça ao determinar a sentença final e podem influenciar a gravidade das penalidades impostas (Soares, 2021).

5. O EFEITO DAS REDES SOCIAIS: A EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE AÇÕES E OMISSÕES DE SOCORRO

As redes sociais têm um papel significativo na exposição pública de ações e omissões de socorro. As plataformas de mídia social permitem que as pessoas compartilhem suas experiências, observações e preocupações com um público amplo e instantaneamente. Isso pode ter várias consequências, como por exemplo a exposição Pública: Casos de omissão de socorro ou condutas inadequadas podem ser amplamente divulgados nas redes sociais, expondo as ações ou inações de uma pessoa a um grande número de pessoas (Garcia, 2019).

Além disso, a pressão social pode ser exercida por meio de campanhas online, petições e discussões públicas, encorajando as autoridades ou indivíduos a tomarem medidas apropriadas. Ademais, as ações e omissões publicamente divulgadas nas redes sociais podem afetar a reputação, carreira e relações pessoais da pessoa envolvida (Smith, 2020).

Assim, a exposição pública de omissões pode sensibilizar o público para questões sociais e levar a uma mudança nas normas e expectativas sociais. Em alguns casos, a exposição pública pode pressionar as autoridades a investigar e tomar medidas legais contra os omissos.

No entanto, é importante lembrar que a exposição pública nas redes sociais também pode ser injusta e levar a julgamentos precipitados. Portanto, é fundamental considerar o contexto e buscar informações detalhadas antes de tirar conclusões definitivas com base em postagens de mídia social (Garcia, 2019).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dessa análise, destacamos importantes conclusões e reflexões que merecem destaque, como por exemplo a responsabilidade Individual e Coletiva. Os casos dos dois atores nos lembram da importância da responsabilidade individual na assistência a alguém em situação de perigo. No entanto, eles também apontam para a necessidade de uma responsabilidade coletiva, uma vez que as redes sociais e a sociedade em geral desempenham um papel crucial na divulgação e resposta a incidentes de omissão de socorro.

No que tange aos efeitos das Redes Sociais, o advento das redes sociais trouxe à tona a exposição pública de ações e omissões de socorro. Os casos analisados mostram como as redes sociais podem ser uma ferramenta poderosa para a conscientização e mobilização, mas também podem ter efeitos negativos na forma de linchamento virtual.

Oportuno frisar que a ética desempenha um papel fundamental na análise da omissão de socorro. É essencial promover a educação e a conscientização sobre a importância de prestar assistência em situações de emergência, bem como as possíveis consequências da omissão de socorro.

Assim, a análise dos casos Kayky Brito e Victor Meyniel levanta questões sobre os limites entre responsabilidade legal e responsabilidade moral. Enquanto o direito pode impor penalidades em casos específicos, a moralidade desempenha um papel em nossa interação cotidiana com outros indivíduos. A omissão de socorro e casos semelhantes despertam um ativismo digital cada vez mais presente. O engajamento online pode ser uma força poderosa para a justiça social, mas também apresenta desafios em relação à veracidade das informações e ao julgamento público.

Em síntese, este trabalho destaca a importância da omissão de socorro como um tema que vai além do âmbito legal e moral, permeando nossa sociedade e nossa era digital. Os casos de Kayky Brito e Victor Meyniel são um lembrete de que, à medida que nossa sociedade evolui, a responsabilidade individual e coletiva, a ética e o ativismo digital desempenham papéis cada vez mais interligados em nossa compreensão da omissão de socorro.

Este estudo não apenas contribui para a análise desses casos específicos, mas também incentiva a reflexão contínua sobre nossas responsabilidades e ações em situações de emergência e como a sociedade pode trabalhar para prevenir a omissão de socorro e promover a assistência mútua.

REFERÊNCIAS

ALEMANHA. Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão).

ARONSON, Elliot; WILSON, Timothy D.; AKERT, Robin M. Psicologia Social. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 24/11/2023. 

BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1. São Paulo. 2009. 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 

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1Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Ages Senhor do Bonfim.  E-mail: Wanderson.rod@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Ages. 2023.

2Orientadora: Profa Catrine Cadja Indio do Brasil da Mata, Advogada OAB/BA. Professora universitária de direito na Ages Senhor do Bonfim (Anima Educação), Mestra em Economia Regional e Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (DINTER UFSC/UESC), especialista em Direito Público pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICID), bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Ilhéus (CESUPI). E-mail: catrinedamata.adv@gmail.com