PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE IDOSOS COM TRANSTORNO NEUROCOGNITIVO E HIPOVITAMINOSE D EM BELÉM-PA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10251939


Gabryelle Corrêa Linhares1, Karina Rodrigues de Sousa2, Caio Eduardo Puget Mouta3, Bruno Lisboa Capeloni4, Antonio da Luz Costa Neto5, Karine Leão Marinho6, Cristiane Ribeiro Maues7, Isabela Soraia Figueiredo da Silva8, Tanise Nazaré Maia Costa9.


RESUMO

As associações entre vitamina D e o desenvolvimento de Transtorno Neurocognitivo têm ganhado relevância, principalmente pelo fato de a vitamina D ser a única entre as vitaminas que funciona como hormônio. Estudos apontam indícios de que disfunções cerebrais estão associadas à insuficiência de vitamina D3 ou disfunções de seus receptores. O objetivo do estudo foi descrever o perfil epidemiológico de pacientes idosos com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do Cesupa (CEMEC), com Hipovitaminose D e analisar se existe associação entre a baixa de vitamina D e o declínio cognitivo. Foi realizado um estudo observacional transversal descritivo e analítico baseado na análise de dados de prontuários dos pacientes de janeiro de 2017 a março de 2022. Foi identificado prevalência de indivíduos do sexo feminino, a idade variou de 61 a 105 anos, 76,8% eram pardos, 35,4% eram viúvos e a maioria apresentava ensino fundamental completo/incompleto. A respeito do transtorno neurocognitivo associado a hipovitaminose D, o mais prevalente foi a Insuficiência cognitiva leve com 36,4%. Não foi possível identificar associação direta entre o perfil epidemiológico com diagnóstico de Transtorno Neurocognitivo e hipovitaminose D, dessa forma é de importante estabelecer estudos com amostragem maior, a fim de garantir relevância estatística.

Palavras-chavePerfil epidemiológico, Disfunção cognitiva, Deficiência de vitamina D, Envelhecimento.

1 INTRODUÇÃO

A partir do século XX a dinâmica demográfica mundial vem se transformando, onde o processo de envelhecimento populacional é uma das características mais marcantes. No Brasil, esse fenômeno ocorre de maneira acelerada. Até meados de 1970, as famílias eram numerosas com altos índices de natalidade e mortalidade, entretanto, graças ao avanço da medicina e a melhora das condições de saúde ocorreu aumento significativo da população idosa [1].

Desse modo, as projeções estatísticas para 2050 no Brasil apontam para uma população de mais de 32 milhões de pessoas idosas, o que corresponde a 16% da população brasileira, se tornando a sexta maior população de idosos do mundo [2].

Como consequência do aumento da expectativa de vida, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) se mostram como grande desafio de saúde pública tanto no âmbito econômico quanto no bem-estar geral do indivíduo, tendo elevada prevalência na população idosa e dentre as doenças crônicas relacionadas com o processo de envelhecimento, os Transtornos Neurocognitivos (TNC) se destacam como uma das principais causas de comprometimento das atividades de vida diária do idoso e na sua qualidade de vida [3].

Segundo a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V) da American Psychiatric Association, a definição de TNC caracteriza- se como o declínio da cognição a partir de um nível de funcionamento já alcançado anteriormente, que não estava presente ao nascimento, sendo subdivido em TNC maior, TNC leve e seus subtipos etiológicos (subtipos maiores ou leves são: TNC devido à doença de Alzheimer; TNC vascular; TNC com corpos de Lewy; TNC devido à doença de Parkinson; TNC Fronto temporal; TNC devido a lesão cerebral traumática; TNC devido a infecção por HIV; TNC induzido por substância/medicamento; TNC devido à doença de Huntington; TNC devido à doença do príon; TNC devido a outra condição médica; TNC devido a múltiplas etiologias; e TNC não especificado [4].

A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que em 2012 haviam mais de 35 milhões de pessoas no mundo com algum grau de TNC e estima que até 2050 este número poderá triplicar atingindo cerca de 115 milhões de pessoas, possuindo maior prevalência no sexo feminino, indivíduos que não praticam atividade física, de baixa condição socioeconômica, baixa escolaridade, idade avançada [5].

Outros fatores de risco vêm sendo associados ao desenvolvimento de TNC como a hipertensão arterial, diabetes mellitus e baixos níveis de vitamina D. Nos últimos anos, diversas meta-análises evidenciaram relação entre baixos níveis séricos de 25-hidroxivitamina D (25OHD) e comprometimento cognitivo global [6].

A vitamina D é a única entre as vitaminas que funciona como um hormônio e pode ser sintetizada na pele a partir da exposição à luz solar. Existem duas formas principais, a vitamina D2 (ergocalciferol, de origem vegetal) e a vitamina D3 (colecalciferol, que pode ser sintetizada na pele por meio dos raios ultravioletas – principalmente – ou de forma secundária, ingerido através da dieta) [7].

A vitamina D3 da pele e a vitamina D da dieta sofrem duas hidroxilações sequenciais, no fígado e no rim. No fígado, no retículo endoplasmático de células hepáticas, o colecalciferol é convertido em 25-hidroxivitamina D pela hidroxilação no carbono 25, mediada pela enzima D3-25-hidroxilase (25-OHase). Em média, 75% da vitamina D circulante é convertida, em sua primeira passagem hepática, em 25(OH)D, o metabólito da vitamina D mais abundante na circulação. Em seguida, nos rins, nas mitocôndrias dos túbulos contorcidos proximais está presente a enzima 25(OH)1α, hidroxilase (1α-OHase), uma ferredoxina renal que faz parte do citocromo P450, esta enzima converte 25(OH)D em 1α,25- dihidroxivitamina D [1,25(OH)2D], a forma mais ativa deste hormônio [8].

As ações biológicas da 1,25(OH)2D se iniciam por meio de mudanças precisas na expressão genômica e são mediadas pelo receptor intracelular da vitamina D (Vitamin D Receptor) presentes em diversas partes do corpo, principalmente no sistema nervoso central (SNC), onde desempenha funções como regulação da excitotoxicidade neuronal mediada por cálcio, redução do estresse oxidativo, produção de neurotransmissores e fatores neurais tróficos [9].

Com o envelhecimento há uma intensificação nos quadros de hipovitaminose D causadas, principalmente, pela baixa exposição solar, o estado nutricional dos indivíduos, diminuição da síntese do hormônio pela pele, absorção ineficiente e uso de medicamentos que aceleram o metabolismo da vitamina D, entre outras causas[10].

Estudos apontam fortes indícios de que as disfunções cerebrais estão associadas à insuficiência de vitamina D3 ou em disfunções de seus receptores. Em relatos experimentais foi constatado que a hipovitaminose de vitamina D foi associada com maior diminuição do volume cerebral e maior nível de inflamação do SNC, a qual predispõe o desenvolvimento de doenças neurológicas [11].

Diante disso, este trabalho buscou identificar o perfil epidemiológico de pacientes idosos com Transtorno Neurocognitivo e hipovitaminose D atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC), localizado em Belém-PA.

2 METODOLOGIA

2.1 Aspectos Éticos

A pesquisa foi realizada segundo os preceitos da Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), preservando as normas de Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Foi cadastrada na Plataforma Brasil e submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro Universitários do Estado do Pará (CESUPA). Iniciou após aprovação do CEP, aceite do orientador, da Instituição e termo de compromisso dos pesquisadores.

A partir do uso do Termo de Consentimento de Uso de Banco de Dados (TCUD) foi garantida a confidencialidade e privacidade dos dados dos pacientes coletados em prontuários.

2.2       Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo observacional transversal descritivo e analítico com análise de dados de prontuários.

2.3    Local e Período

A pesquisa foi realizada de março de 2022 a maio de 2022 no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA localizado na Passagem Pires Franco – Souza, Belém – PA 66613-060.

2.4    População Alvo

Pacientes idosos portadores de Transtorno Neurocognitivo com dosagem sérica de vitamina D, inscritos regularmente no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC).

2.5    Casuística

Foram analisados 100 prontuários de pacientes atendidos regularmente no CEMEC.

2.6    Critérios de Inclusão

Os critérios de inclusão são: todos os prontuários de pacientes idosos portadores de Transtorno Neurocognitivo com Hipovitaminose D. Valores de referência para deficiência sérica de vitamina D estratificados de acordo com a idade segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC): deficiência <20 ng/ml; adequado para indivíduos em condições vulneráveis (idosos, pós cirurgia bariátrica, gestantes, osteoporose, hiperparatireoidismo secundário): 30-60 ng/ml.

2.7    Critérios de Exclusão

Os critérios de exclusão são os prontuários que tiverem dados insuficientes para coleta em termos de informação para a pesquisa.

2.8    Coleta de Dados

Foram coletados por meio de análise dos dados dos prontuários dos pacientes atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC). As variáveis analisadas são o sexo, a faixa etária, a etnia, escolaridade, profissão, situação conjugal e níveis séricos de vitamina D.

A pesquisa não utilizou Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por não abordar diretamente o paciente e utilizar somente dados de prontuários já existentes. Desse modo, fez-se necessário o uso do Termo de Compromisso para utilização de Dados (TCUD), que garante a confidencialidade e privacidade das informações coletadas nos prontuários.

2.9    Análise Estatística

Os dados foram organizados no programa Microsoft Excel 2010. Os gráficos e tabelas foram construídos com as ferramentas disponíveis nos programas Microsoft Word, Excel e Bioestat 5.5. Todos os testes foram executados com o auxílio do software Bioestat 5.5. As variáveis quantitativas foram descritas por mínimo, máximo, média, mediana e desvio padrão e as variáveis qualitativas por frequência e percentagem.

Foram calculados intervalos de confiança de 95% para a proporção para inferir como as prevalências se comportam em relação à população de onde foram obtidas. A independência ou associação entre duas variáveis categóricas foi testada pelo teste qui-quadrado ou exato de Fisher, conforme o caso e as associações significativas foram detalhadas pela análise de resíduos padronizados, para identificar as categorias que mais contribuíram para o resultado. Os resultados com p ≤ 0,05 (bilateral) foram considerados estatisticamente significativos.

2.10    Riscos e Benefícios

O principal risco existente na pesquisa foi o vazamento de informações pessoais como a identificação do paciente analisado, visto que os dados coletados estão presentes em prontuários. Para garantir o sigilo máximo, foi adotada uma ficha contendo somente o número do prontuário e os dados pertinentes para o estudo (sexo, a faixa etária, a etnia, escolaridade, profissão, situação conjugal e níveis séricos de vitamina d) sob responsabilidade dos pesquisadores.

A partir da pesquisa e análise dos dados haverá a possibilidade de produzir conhecimentos para a comunidade acadêmica. Assim como, por meio dos resultados gera arcabouço teórico para novos estudos, a respeito da relação do perfil epidemiológico do paciente idoso com Transtorno Neurocognitivo e a hipovitaminose D.

3 DESENVOLVIMENTO E DISCUSSÃO

3.1 Caracterização da Amostra

Inicialmente, 100 idosos foram selecionados para participarem do estudo, entretanto 01 não preencheu o critério de inclusão proposto. Dessa maneira, foram incluídos no estudo 99 pacientes. A maior parte era do sexo feminino (73,7%) e 26,3% eram do sexo masculino. A idade dos participantes variou de 61 a 105 anos, 36 (36,4%) tinham idade de 71 a 80 anos e 29,3% dos indivíduos tinham idade de 81 a 90 anos. 76,8% era parda. 35,4% dos indivíduos eram viúvos, 31,3% dos indivíduos eram casados, 27,3% eram solteiros (Tabela 1).

Tabela 1 – Características sociodemográficas dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

VariávelFrequênciaPercentagem
Sexo
Feminino7373,7
Maculino2626,3
Idade
De 61 a 70 anos2222,2
De 71 a 80 anos3636,4
De 81 a 90 anos2929,3
De 91 a 105 anos1212,1
Etnia
Parda7676,8
Branca99,1
Preta 22,0
Indígena11,0
Não Informado1111,1
Situação Conjugal
Solteiro2727,3
Casado3131,3
Viúvo3535,4
Divorciado22,0
Não Informado44,0
As percentagens são relativas ao total de pacientes (n=99).

Mais da metade (54,5%) tinha escolaridade ensino fundamental completo/incompleto. 88,9% não tinha informação de profissão (Tabela 2).

Tabela 2 – Escolaridade e profissão dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

VariávelFrequênciaPercentagem
Escolaridade
Analfabeto1414,1
Ens. Fundamental Completo/Incompleto5454,5
Ens. Médio Completo/Incompleto1818,2
Ens. Superior Completo22,0
Não Informado1111,1
Profissão
Dona de Casa33,0
Autônoma11,0
Enfermeiro/Veterinário11,0
Escritório de Contabilidade11,0
Ex-Cozinheira11,0
Ferreiro11,0
Servente11,0
Servente de Pedreiro11,0
Tabacaria11,0
Não Informado8888,9
As percentagens são relativas ao total de pacientes (n=99).

Em se tratando do nível sérico de vitamina D, os valores variaram de 3,4ng/ml a 79,0ng/ml, apresentando média 28,5ng/ml ± 12,1ng/ml (Tabela 3).

Tabela 3 – Níveis gerais de Vitamina D dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

VariávelMínimoMáximoMedianaMédia ± DP
Vitamina D3,479,027,028,5 ± 12,1
As percentagens são relativas ao total de pacientes (n=99).

A respeito do transtorno neurocognitivo, 36 (36,4%) tinham insuficiência cognitiva leve e 20 (20,2%) tinham doença de Parkinson. Maior parte (63 ou 63,6%, IC95% = 53,3% a 72,9%) tinha vitamina D <30ng/ml (hipovitaminose). Para acessar a generalizabilidade das prevalências, foram calculados intervalos de confiança de 95% para a proporção, representados abaixo. Quanto mais estreito for este intervalo, maior a certeza relacionada àquela proporção na população de onde esta amostra foi obtida (Tabela 4).

Tabela 4 – Prevalências de TNC e hipovitaminose dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

VariávelFrequênciaPercentagemIC95%
TNC
Insuficiência Cognitiva Leve3636,427,1 – 46,7
Doença de Parkinson2020,213,1 – 29,7
Doença de Alzheimer1818,211,4 – 27,5
Síndrome Demencial e
Vascular
1717,210,6 – 26,4
TNC Misto44,01,3 – 10,6
Demência Fronto-Temporal22,00,4 – 7,8
TNC Não Especificado22,00,4 – 7,8
Vitamina D
< 30ng/ml6363,653,3 – 72,9
30ng/ml ou Mais3636,427,1 – 46,7
As percentagens são relativas ao total de pacientes (n=99). IC95%: Intervalo de confiança de
95% para a prevalência.

A Figura 1 ilustra graficamente estas informações

Figura 1 – Prevalências de TNC e hipovitaminose na amostra (FONTE: Autor, 2023).

3.2    Associação Entre Hipovitaminose D e as Características dos Pacientes

A Tabela 5 exibe a associação entre nível de vitamina D, sexo, idade e etnia. No grupo com < 30ng/ml, maior parte (47 ou 74,6%) era do sexo feminino. No grupo com vitamina D 30 ng/ml ou mais, também maior parte (26 ou 72,2%) era do sexo feminino. Porém, essas diferenças observadas não alcançaram relevância estatística (p=0,983). Similarmente, na idade não houve associação significativa com vitamina D (p=0,564), nem com relação à etnia (p=0,744).

Tabela 5 – Associação entre hipovitaminose D e sexo, faixa etária e etnia dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

Variável<30ng/ml (n=63)30ng/ml ou Mais (n=36)p-valor
Sexo0,9831
Feminino47 (74,6)26 (72,2)
Maculino16 (25,4)10 (27,8)
Idade0,5641
De 61 a 70 anos14 (22,2)8 (22,2)
De 71 a 80 anos20 (31,7)16 (44,4)
De 81 a 90 anos20 (31,7)9 (25,0)
De 91 a 105 anos9 (14,3)3 (8,3)
Etnia0,7442
Parda49 (84,5)27 (90,0)
Outras9 (15,5)3 (10,0)
As variáveis categóricas são exibidas como n (%). As percentagens são relativas ao total de cada coluna. 1: Teste do qui-quadrado. 2: Teste Exato de Fisher.

Não houve associação significativa entre vitamina D e situação conjugal (p=0,968) nem escolaridade (p=0,466), ou seja, seus níveis não variaram significativamente com relação a estas variáveis.

Tabela 6 – Associação entre hipovitaminose D, situação conjugal e escolaridade dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

Variável<30ng/ml (n=63)30ng/ml ou Mais (n=32)p- valor
Situação Conjugal0,968
Solteiro18 (28,6)9 (28,1)
Casado21 (33,3)10 (31,3)
Viúvo/divorciado24 (38,1)13 (40,6)
Escolaridade0,466
Analfabeto7 (13,5)7 (19,4)
Ens. Fundamental
(Completo/incompleto)
31 (59,6)23 (63,9)
Ens. Medio/Superior
(Completo/incompleto)
14 (26,9)6 (16,7)
As variáveis categóricas são exibidas como n (%). As percentagens são relativas ao total de cada coluna. Em todos os casos foi utilizado o qui-quadrado

3.3.      Associação entre Hipovitaminose D e os tipos de Transtorno Neurocognitivo

Não se associaram significativamente vitamina D e TNC (p=0,272), ou os níveis de vitamina D não variaram entre os diferentes TNC.

Tabela 7 – Comparação da hipovitaminose D segundo os principais TNC dos pacientes com Transtorno Neurocognitivo atendidos no Centro de Especialidades Médicas do CESUPA (CEMEC/CESUPA) de janeiro de 2017 a março de 2022, Belém-Pará.

Variável<30ng/ml (n=63)30ng/ml ou Mais (n=36)p-valor
TNC0,272
Insuf. cognitiva leve19 (30,2)17 (47,2)
Doenca de parkinson15 (23,8)5 (13,9)
Doenca de alzheimer14 (22,2)4 (11,1)
Sind. demencial e vascular11 (17,5)6 (16,7)
Outros4 (6,3)4 (11,1)
As variáveis categóricas são exibidas como n (%). As percentagens são relativas ao total de cada coluna. Foi utilizado o qui-quadrado.
 

A Figura 2 mostra graficamente esta comparação.

Figura 2 – Comparação da hipovitaminose D segundo os principais TNC.

O presente estudo investiga o perfil epidemiológico de pacientes com hipovitaminose D com diagnóstico de Transtorno Neurocognitivo e busca compreender se existe associação entre a deficiência sérica da vitamina e o declínio cognitivo. Há alguns anos, o tema vem ganhando relevância na literatura, principalmente, pela mudança na pirâmide etária dos países, tornando-se de extrema importância compreender a associação entre o estado nutricional como fator de risco ou proteção para o desenvolvimento de diversas condições biológicas.

As causas de hipovitaminose D em idosos estão relacionadas com a baixa exposição solar, diminuição da síntese do hormônio pela pele, o estado nutricional dos indivíduos [12], absorção ineficiente e uso de medicamentos que aceleram o metabolismo da vitamina D, entre outras causas [13].

A vitamina D desempenha funções significativas em várias áreas do cérebro como aprendizagem, memória e, concomitantemente, atua na neurotransmissão, neuroproteção, modulação da resposta imune, inibição dos agentes pró- inflamatórios e regulação do estresse oxidativo via receptores de vitamina D (VDRs) em áreas essenciais para cognição [14] presentes em hipocampo, hipotálamo, cortéx e subcortéx [15].

No desenvolvimento deste estudo não foi possível evidenciar uma associação estatisticamente relevante a respeito do perfil epidemiológico e da relação entre os níveis de vitamina e a maior prevalência de declínio cognitivo, entretanto a maior parte (63 ou 63,6%, IC95% = 53,3% a 72,9%) tinha vitamina D <30ng/ml (hipovitaminose). Vários estudos defendem essa hipótese, como é o caso do estudo de coorte prospectivo realizado por Littlejohns (2014) que analisou o nível sérico de vitamina D de 1658 indivíduos, livres de transtorno neurocognitivo, doença cardiovascular ou cerebrovascular durante 6 anos e concluiu que há um risco aumentado em cerca de 122% para pessoas com deficiência do hormônio [16].

Feart (2017), apresentou resultados semelhantes em seu estudo de coorte prospectivo com 916 participantes na França, comparou indivíduos com 25(OH) D plasmática maior que 25 nmol/L) e participantes com deficiência e concluiu que há um declínio cognitivo mais acelerado, assim como um aumento em cerca de 3 vezes mais no desenvolvimento de Doença de Alzheimer [17]. Em um estudo de coorte, com duração de 6 anos, Llewellyn (2010), avaliou 858 indivíduos do sexo feminino e masculino, com idade superior a 65 anos, residentes da Itália. A pesquisa objetivou quantificar a concentração da vitamina D com o declínio cognitivo, a partir da implementação do Mini-Exame do Estado Mental (MMSE), definindo a presença do declínio cognitivo substancial a diminuição de 3 ou mais pontos, o qual observou uma redução maior (3 pontos a mais por ano) em pacientes com deficiência severa (níveis <25 nmol/L) em comparação com níveis suficientes de 25 (OH) D [18].

Corroborando com o presente estudo, os resultados demonstrados por Nagel et al. (2015) na Alemanha, identificaram 75 participantes, a maioria do sexo feminino com diagnóstico de demência (definido com Mini- Exame do Estado Mental (MEEM ≤ 24) e nestes pacientes os valores séricos de vitamina D foram substancialmente menores quando comparados à indivíduos sem transtorno neurocognitivo [19].

Observou-se na literatura uma diferença entre os níveis séricos que definem hipovitaminose D. Para Buell et al. (2010), estudo de coorte transversal realizado nos EUA com 231 mulheres e 87 homens, a deficiência de vitamina D é considerada com valores <10 ng/ml, insuficiência entre 10-20 ng/ml e suficiência superior a 20 ng/ml. A média dos níveis de 25 (OH) D apresentou valores diminuídos e maior prevalência nos pacientes com diagnóstico de demência [20].

A metanálise realizada por Etgen et al. (2012) avaliou estudos transversais e longitudinais abrangendo ao total 7.688 participantes. Na qual, apresentou como desfecho risco aumentado de comprometimento cognitivo naqueles com hipovitaminose D em comparação com aqueles que possuíam seus valores normais [21].

Uma pesquisa transversal executada por Annweiler et al. (2010), analisou 752 mulheres com idade maior ou igual a 75 anos, moradoras dos EUA e dividiu a amostra em 2 grupos de acordo com os níveis de vitamina D: deficiente (<10 ng/ml) e não deficiente (> ou = 10 ng/ml) e a partir da aplicação do escore Pfeiffer Short Mental State Questionnaire (SPMSQ) concluiu que as classificadas como deficientes obtiveram pontuação média mais baixa (<8) confirmando a associação que esse grupo possui um maior comprometimento cognitivo quando comparadas com as não deficientes [22].

Similarmente, aos estudos anteriormente citados Shen e Ji et al. (2015), também relacionou que existe um risco 21% maior de desenvolver Doença de Alzheimer e demência os indivíduos com vitamina D <20 ng/ml. Apesar disso, ainda há necessidade de estudos de coorte prospectivos que sejam suficientemente capazes de comprovar a existência dessa relação, devido às limitações, principalmente, por conta da quantidade insuficiente de trabalhos, a impossibilidade de associar a diminuição da vitamina D como efeito causal do transtorno neurocognitivo maior ou como consequência da doença [23]. Além disso, existe dificuldade em definir se há uma exposição solar e ingesta suficiente de vitamina D nos pacientes analisados em estudos transversais o que compromete mais ainda a questão de causalidade [24].

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa, observou-se na amostra analisada uma prevalência maior de indivíduos do sexo feminino, a idade dos participantes variou de 61 a 105 anos, 76,8% eram pardos, 35,4% eram viúvos, mais da metade apresentavam ensino fundamental completo/incompleto e 88,9% não haviam dados sobre a profissão. Sobre os níveis séricos de vitamina D, os valores variaram entre 3,4 e 78 ng/ml, com média de 28,5 ng/ml (± 12, 1 ng/ml), a maior parte com valor <30ng/ml (63,6%). Além disso, a respeito do transtorno neurocognitivo associada a hipovitaminose D, o mais prevalente foi a Insuficiência cognitiva leve com 36, 4%.

Não foi possível identificar nesse trabalho estatisticamente uma associação direta entre o perfil epidemiológico dos idosos com diagnóstico de transtorno neurocognitivo e hipovitaminose D, entretanto, a pesquisa encontrou limitações relativas ao número pequeno de participantes selecionados na amostra e a mesma pode não representar a população geral de idosos, além de ser difícil determinar a relação de causalidade com relação a deficiência de vitamina D como fator de risco para acelerar o declínio cognitivo ou como consequência de um transtorno neurocognitivo instalado.

Apesar disso, os dados disponíveis na literatura demonstram uma associação positiva entre a hipovitaminose D e o aumento do comprometimento cognitivo. Dessa maneira, é de fundamental importância a necessidade de mais estudos, incluindo estudos experimentais com grupo placebo-controle e comparar com um grupo que realiza a suplementação de vitamina D, afim de entender o papel de níveis séricos de vitamina D dentro da normalidade como fator protetor do desenvolvimento do declínio cognitivo. Além de estabelecer estudos com uma amostra maior, a fim de garantir relevância estatística.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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