FREEDOM OF EXPRESSION RIGHTS x HONOR AND IMAGE RIGHTS: AN ANALYSIS REGARDING THE COLISION OF FUNDAMENTAL RIGHTS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10230853
Amanda Cardoso Pereira
Orientadora: Camila Giovana Xavier de Oliveira Frazão
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo realizar uma análise, acerca da colisão entre direitos fundamentais de mesma hierarquia. Para tanto, foi utilizado o método de pesquisa analítico dedutivo, efetivando análise a um quadro analítico pré-estabelecido. Em que desempenhou-se estudos de jurisprudências, averiguando os entendimentos dos Tribunais de Justiça brasileiros, bem como da Suprema Corte, acerca da colisão entre os direitos fundamentais à honra e imagem e à liberdade de expressão, que encontram-se em mesmo nível hierárquico e eventualmente podem colidir mutuamente.
Palavras-chave: Direitos fundamentais, liberdade de expressão, honra e imagem, colisão entre direitos fundamentais.
ABSTRACT
The present article aims to analyze the collision between fundamental rights within the same hierarchy. To this end, the deductive method and analytical research were considered, accomplishing the analysis within a pre-established analytical framework, in which jurisprudence studies were carried out, ascertaining the understandings of the Brazilian Courts of Justice, as well as the Supreme Court, regarding the collision between the fundamental rights to honor, image and the freedom of expression, which are at the same hierarchical level and may eventually collide with each other.
Keywords: Fundamental Rights, Freedon of expression, Honor and image, colision of fundamental rights.
1. INTRODUÇÃO
Consiste como objetivo da presente pesquisa científica identificar os entendimentos dos tribunais, acerca da colisão entre direitos fundamentais de mesma hierarquia. O intuito é realizar uma análise geral dos casos concretos em que houve colisão dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e à honra e imagem. Estudando as peculiaridades de cada caso, bem como as fundamentações utilizadas pelos Tribunais, ao proferir as decisões. É relevante a análise da possibilidade de em determinadas situações ocorrer eventual preponderância entre um direito e outro, considerando que ambos são fundamentais e não há hierarquia entre eles.
Dito isso, no primeiro tópico foi realizada uma prévia análise acerca dos direitos humanos e fundamentais e o motivo de tais direitos serem tão importantes para o ser humano.
No segundo tópico buscou-se realizar uma breve introdução acerca do direito à liberdade de expressão, já analisando eventuais colisões com o direito à honra e imagem.
Enquanto no terceiro tópico foi realizado estudo do direito à honra e imagem, também elencando possíveis colisões com o direito à liberdade de expressão.
Previamente às considerações finais, realizou-se uma breve menção acerca da evolução tecnológica e o aumento de usuários brasileiros nas redes sociais. Acontecimento que possivelmente tenha contribuído para o aumento das colisões desses direitos fundamentais em análise.
O estudo realizado no presente artigo é de extrema relevância não somente no âmbito jurídico, como também para convivência social. Os direitos fundamentais devem ser respeitados, para que a dignidade da pessoa humana seja preservada.
A pertinência do tema discorrido no presente artigo é indiscutível, considerando que as colisões entre direitos fundamentais ocorrem a todo tempo.
Ademais, a solução de tais colisões devem sempre visar a preservação da mencionada dignidade da pessoa humana.
Nas situações em que ocorrer colisão entre direitos fundamentais, o caso deve ser levado ao judiciário, para que ocorra uma análise minuciosa dos detalhes do caso concreto. A fim de que não ocorra nenhuma injustiça. Pois todos os seres humanos são detentores dos direitos fundamentais, sem distinção.
Sendo assim, apesar de que em determinadas situações um direito poderá se sobrepor ao outro, é importante que as decisões sejam imparciais e justas. Para que dessa maneira, seja preservada a dignidade da pessoa humana, mas também os demais princípios fundamentais à vida digna.
2. OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais se resumem em uma tentativa de proteção da dignidade inerente à pessoa humana. Nesse sentido, aduz MORAES (2020, p.20):
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. (MORAES,2020, p.20).
Essa proteção a que se refere Moraes, serve como meio de resguardar a pessoa humana de eventuais excessos advindos do poder estatal.
De acordo com Moraes (2020, p.21), na mencionada obra, esses direitos Apresenta diversas características: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementaridade.
Como as próprias características indicam, os direitos fundamentais não prescrevem, são personalíssimos, ou seja, não são passíveis de transmissão para outrem. Também são interdependentes e não são passíveis de renúncia, pois são inerentes à dignidade da pessoa humana e, desse modo, não há a possibilidade de abdicar desses direitos. Além disso, eles se complementam, são universais, devem de fato possuir eficácia, sem que sejam violados ou alienados.
Os direitos humanos foram formalizados com a chamada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que foi elaborada durante a Revolução
Francesa, mais precisamente no ano de 1789. Nesse sentido, aduz GALAK, 2023, p.06:
“C do que atualmente é chamado de direitos humanos, é importante marcar como início do sentido moderno de direitos humanos o que se conhece como a “Déclaration des droits de l’homme et du citoyen”, a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que foi a afirmação de princípios manifestada como resultado da Revolução Francesa, em 1789. Sobre a base das considerações do que nesse momento eram chamados como os “direitos naturais”, se formulam uma série de direitos humanos cuja principal característica é seu critério de que são universais, que são constitutivos universalmente para todos os humanos.”(GALAK, 2023, p.06)
Conforme aduzido por Galak, dentre outras características, a universalidade dos direitos humanos é a principal. Isso porque todos podem usufruir desses direitos, independente de raça, cor, orientação sexual, etc.
Acerca dessa Declaração, escreveu TRINDADE (2002, p.53):
“Com base num novo projeto (vários anteriores foram desprezados) cujos principais redatores foram Mirabeau e Sieyès, a declaração começou a ser votada em 20 de agosto e foi aprovada no dia 26 deste mês, com dezessete artigos. É considerado o atestado de óbito do Antigo Regime” (Trindade, 2002, p.53).
O Antigo Regime a que se refere Trindade, trata-se do sistema político e social adotado pela França anteriormente à Revolução Francesa, que ocorreu em 1789, e resultou na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos humanos foram positivados e denominados direitos fundamentais. E segundo Pfaffenseller: “Os Direitos Fundamentais, sob uma perspectiva clássica, consistem em instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado.” (Michelli Pfaffenseller, 2007, p.02.)
Esses direitos encontram-se previstos na Constituição Federal de 1988, no Capítulo I do Título II, em seu artigo 5º, conforme observa-se:
“TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).” (BRASIL, 1988)
No artigo 5º estão previstos os direitos fundamentais à existência e preservação da dignidade da pessoa humana, que, inclusive, constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme previsto também na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;”(BRASIL, 1988).
É devido a essa proteção que a Constituição Federal atribui aos direitos fundamentais, que nos dias atuais há a possibilidade da preservação da dignidade da pessoa humana, sem que sejam submetidas a situações degradantes e repudiadas, conforme já ocorreu, no passado.
Os direitos fundamentais à existência da pessoa humana, bem como para sua convivência em sociedade são divididos em três dimensões pelas doutrinas.
Nesse sentido, explica GONÇALVES, 2007, p.03:
“Os de primeira dimensão são os direitos civis e políticos. Os de segunda dimensão caracterizam-se como direitos econômicos, sociais e culturais. Entre os de terceira dimensão compreendem-se aqueles voltados para a proteção de toda a humanidade e não exclusivamente de determinado indivíduo ou grupo(…)”. (GONÇALVES, 2007, p.03)
O direito à liberdade de expressão se enquadra nos direitos de segunda dimensão, por se tratar de um direito social. Enquanto o direito à honra e à imagem se enquadra nos direitos de primeira dimensão, visto se tratar de um direito individual.
3. DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O direito à liberdade de expressão possui previsão legal no artigo 5º inciso IX, da Constituição Federal de 1988, o qual aduz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” (BRASIL, 1988).
Está previsto também no Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 13:
“Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.” (San José de Costa Rica, 1969 – ratificada pelo Brasil em 1992)
O Pacto de San José da Costa Rica foi um Tratado Internacional, firmado por Estados Americanos, conforme observa-se em seu preâmbulo. Foi pactuado em São José de Costa Rica, em 22/11/1969 e promulgado no Brasil em 22/09/1992, através do Decreto nº 678/1992.
A liberdade de expressão defende que a pessoa humana é livre para se expressar e expressar seu pensamento, sem sujeição à censura. Entretanto, ao externar seu pensamento, estará sujeita a responsabilização posterior. Como exemplo dessa responsabilização, tem-se quando o direito à honra e imagem é ferido. Situação em que a pessoa que ultrapassar os limites da liberdade de expressão e, consequentemente, ferir a imagem ou a honra de outrem, deverá indenizar aquele que foi prejudicado, em decorrência da violação desse direito fundamental. Observa-se essa situação em julgados mencionados posteriormente.
O direito à liberdade de expressão, como os outros, possui limites. Deve ser relativizado em determinadas situações, considerando que não é absoluto. Como mencionado, o direito à honra e à imagem, por exemplo, que também é fundamental, poderá ser preponderante ao direito à liberdade de expressão, a depender do caso concreto. Nesse sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ABUSO. DANOS MORAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULAS N. 83 E 568 DO STJ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
(…)2. Conforme a jurisprudência desta Corte, “a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)” (REsp n. 801.109/DF, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe de 12/3/2013).
(…)4. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu que ocorreu abuso do direito à liberdade de informação, opinião e crítica jornalística. Entender de modo contrário demandaria reapreciar os elementos fáticos dos autos, o que é inviável em recurso especial, ante o óbice da referida súmula. (…)
6. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ -2023 -AgInt no AREsp 2222065 / GO)
O direito fundamental à honra e à imagem trata-se de um direito inerente à personalidade, que protege as individualidades da pessoa humana. No entanto, isso não se confunde com absolutez, pois também é passível de relativização.
A proteção à liberdade de expressão, bem como à honra e imagem devem ter seus limites observados, a fim de que o indivíduo, ao exercê-la, não os ultrapasse, ferindo outro direito fundamental. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu:
RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, INFORMAÇÃO E IMPRENSA. DECISÃO RECLAMADA QUE DETERMINOU A REMOÇÃO DE CONTEÚDOS. ALEGADA VIOLAÇÃO À AUTORIDADE DA DECISÃO DESTE STF NA ADPF 130. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA INDEFERIDA.
(…)
Ressalvo que a ponderação entre os direitos fundamentais – no caso a liberdade de expressão e a tutela da personalidade, exige moderação, posto que ao sopesar tais valores a finalidade precípua deve ser de harmonização dos interesses, considerando que a relativização resultará na prevalência temporária de um direito fundamental em detrimento de outro de igual estatura constitucional.
(…)
Com efeito, tendo o juízo reclamado consignado a aparente extrapolação do direito à liberdade de expressão especificamente nas publicações que menciona e tendo indeferido pedido genérico de determinação de abstenção de futuras publicações, entendo inexistentes elementos que evidenciem a probabilidade do direito do autor, de modo a tornar inviável, ao menos em sede de cognição sumária, a suspensão da decisão reclamada. (…).
(Rcl nº42.817/ GO, Relator Min. Luiz Fux, DJE de 01/09/2020
Conforme aduziu o STF, deve-se sempre prezar por manter a harmonização dos interesses de ambas as partes, visto que a proporcionalidade dos direitos fundamentais deve ser prudente. Pois, a relativização de um direito fundamental, indica a predominância, ainda que temporária, de um direito sobre o outro.
4. DIREITO FUNDAMENTAL À HONRA E À IMAGEM
O direito à honra e a imagem é um direito fundamental e está previsto no artigo 5º inciso X da CF/88:
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”. (BRASIL, 1988).
A honra e a imagem das pessoas são individuais e devem ser preservadas, a fim de que seja resguardada a dignidade da pessoa humana. E se eventualmente esse direito for violado, a pessoa que o fizer deverá indenizar o ofendido, que terá direito a indenização por dano moral ou material em decorrência disso. Ou melhor, a pessoa que o fizer, deverá pleitear perante o poder judiciário a devida indenização, pelo dano moral ou material.
No entanto, como todos os direitos fundamentais, esse também não é absoluto, ou seja, será relativizado em algumas situações. No entanto, a relativização desse direito não quer dizer necessariamente que a pessoa que o feriu não terá nenhuma consequência.
Em uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar um caso concreto em que foi pleiteada a condenação no pagamento de indenização por danos morais, bem como a exclusão de uma postagem na rede social Facebook, com o argumento de que foi utilizada indevidamente a imagem de uma das partes, o réu foi condenado ao pagamento de indenização. No entanto, a postagem foi mantida na rede social, pois segundo a Suprema Corte, neste caso a imagem serviu como mera ilustração e a autora havia publicado a foto em modo público, de maneira que qualquer pessoa que, ao acessar a rede social, poderia visualizar a sua imagem. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu (STF, 2021):
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO EM DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO, À MINGUA DE AUTORIZAÇÃO, EM PÁGINA MANTIDA PELO RÉU NA REDE SOCIAL FACEBOOK (…) DESCABIMENTO – CARÁTER NÃO ABSOLUTO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS – SITUAÇÃO VEXATÓRIA OU CONSTRANGEDORA – INOCORRÊNCIA – DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS – (…)
1. Conquanto inexista conflito no plano normativo entre as normas constitucionais garantidoras do direito à manifestação e à inviolabilidade da honra, é possível que se verifique no plano dos fatos. Dessarte, a resolução respectiva somente resta possibilitada porquanto direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto, podendo, assim, sofrer relativizações com vista a compatibilizá-los com o exercício de outros direitos e garantias mediante a aplicação do princípio da concordância prática ou da harmonização. (…)
4. Resulta impertinente eventual ingerência por parte do Estado na esfera privada do desfrute, pelo particular, de seus direitos personalíssimos à imagem, honra, boa fama ou respeitabilidade (CC, art. 20).
5. O alvedrio de manifestação de pensamento acha-se catalogado dentre os mais antigos direitos assegurados aos homens – com proteção normativa já na Declaração de Direitos do Homem de 1.789 – e abrange não só o conteúdo em si do pensamento, mas a sua pura expressão. Encontra suas balizas, todavia, no direito à inviolabilidade da honra de tal forma que, quando exercido de maneira a ultrapassá-las, resulta, pois, na obrigação de reparar o dano causado.” (ARE 1329483/ PR – Apelação Cível, Rel. Min. Luiz Fux(presidente), DJE de 15/06/2021).
Desse modo, a Suprema Corte demonstrou que o direito à imagem e à honra também não é absoluto. Conforme prevê a lei, será passível de indenização pelos danos, em determinadas situações fáticas. No entanto, quando em colisão com a liberdade de expressão, a condenação em indenização por danos, não exclui o fato de que o indivíduo continua livre para se expressar.
Por isso, nessa situação a pessoa foi condenada a pagar indenização, mas teve sua publicação mantida. Isso demonstra que todos são livres para expressar seus pensamentos, mas isso não indica que não haverá consequências. Após a expressão pública, a depender do que o indivíduo expressar, caso ultrapasse os limites desse direito, ferindo outro, ele poderá ser punido pelo Estado.
5. REDES SOCIAIS
Atualmente, com o avanço da tecnologia, ter um aparelho de comunicação deixou de ser um mero luxo e passou a ser uma necessidade. Claramente, é necessário ter um meio de comunicação mais eficaz, no cenário mundial atual. Além das evidências do cotidiano, nesse sentido, a revista Forbes Tech traz, publicou (TECH, 2022):
“Cerca de 99% dos usuários brasileiros optam pelo celular como o dispositivo preferido para acessar a internet. Além do celular, 50% dos brasileiros acessam a internet pela televisão, através de serviços de streaming. Já os notebooks e os computadores somam cerca de 38% de usuários que utilizam estes dispositivos para acessar a internet.” (FORBES TECH, 2022)
Entre os meios de comunicação mais utilizados estão o computador e o celular, que quando conectados à internet, são meios de comunicação bastantes céleres, que correspondem aos comandos em milésimos de segundos. E, na maioria das vezes, principalmente os computadores são utilizados com acesso à internet, nesse sentido, afirmaram PAIVA e CIRIBELI, (2011, P.04), “O histórico do computador se complementa ao da internet, e é cada vez mais difícil imaginar essa máquina sem acesso e compartilhamento de informações.”
Nessa era de tecnologia e informatização, as redes sociais também proporcionam ao Brasil estar no ranking, mas desta vez, entre os três primeiros, conforme afirma a FORBES TECH, 2023: “(…)elevando o país à terceira posição entre as nações que mais consomem redes sociais em todo o mundo – atrás de Índia e Indonésia, e à frente de Estados Unidos, México e Argentina.”.
Desse modo, como um país em que possui tantos habitantes usuários de redes sociais, se torna mais provável a ocorrência da colisão entre alguns direitos fundamentais.
Isso ocorre, dentre outros fatores, pelo motivo que sendo muitos usuários, obviamente têm pessoas com distintos perfis de personalidade, bem como de conhecimento prévio à legislação. Além disso, o alcance excessivo a informações contendo inverdades ou omissões. Como exemplo, muito se fala em liberdade de expressão, que é um direito fundamental, que é previsto pela Constituição Federal e etc. Entretanto, pouco se fala nos limites desse direito, pouco se menciona que os direitos fundamentais, apesar de primordiais, não são absolutos e deve-se analisar as particularidades de cada situação fática. Nesse sentido de relativização, afirma FILHO (2016, p.07):
“Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, o direito absoluto é uma contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não são absolutos, na medida em que podem ser relativizados. Primeiramente, porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai “ganhar” o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto.” (FILHO, 2016).
A liberdade de expressão é de fato um direito essencial e deve ser exercido. Porém, há limites para tanto, que não podem ser inobservados.
Da mesma maneira, há o direito à honra e a imagem, que também é fundamental e deve ser preservado.
Esses direitos fundamentais, a depender da situação fática, podem estar em lados opostos, ocorrendo a colisão entre direitos fundamentais. E nesse caso, o correto é haver a relativização de ambos, para que o conflito seja solucionado.
Com esse avanço da tecnologia, a colisão de direitos fundamentais passou a ocorrer com maior frequência e o poder legislativo brasileiro teve que se adequar à evolução, criando leis que regulamentam o acesso à internet. Como exemplo temos a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoas, que é a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, bem como a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet, que “Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.” (BRASIL, 2014).
6. COLISÃO ENTRE ESSES DIREITOS FUNDAMENTAIS
A existência dos direitos fundamentais ocasionam eventuais colisões entre eles. Quando os princípios fundamentais são estipulados, podem haver casos em que os direitos seguem a mesma direção, ainda que tenham sentidos opostos, como ocorre com o princípio da liberdade de expressão e o direito à honra e à imagem, por exemplo. Assim dá-se a colisão entre direitos fundamentais. Explica Canotilho (1999, P. 1.191):
“De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos diante de um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um choque, um autêntico conflito de direitos.”(Canotilho, 1999)
Todos possuem liberdade de expressão. Esse direito é garantido pela vigente Constituição Federal e também por tratados internacionais, que protegem os indivíduos de opressões injustificadas e indevidas.
Por outro lado, os indivíduos também possuem direito à honra e imagem, direito esse que também possui previsão Constitucional e visa manter a integridade da imagem do ser humano.
Contudo, diante disso, há a possibilidade da existência de uma lide, considerando que algumas pessoas usufruem da liberdade de expressão de maneira indevida, sem prévia análise das consequências conseguintes e agem com a inobservância dos limites advindos dos outros princípios. Nesse caso, o ideal para que seja solucionado o problema, é considerar o princípio da igualdade, mas visar a preservação da dignidade da pessoa humana. Segundo Filho (2016), o princípio da igualdade deve extinguir privilégios a pessoas e isso reputa a isonomia do direito para todos. Todavia, isso não indica a inexistência de distinções, pois existem casos em que a distinção afirma a igualdade. Nesse sentido, este autor aduz que:
“Esta — como se sabe — consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Tratar igualmente desiguais, ou desigualmente iguais, importaria em injustiça e em violação da própria igualdade. Dar ao menor o tratamento dado ao maior, e vice-versa, seria flagrante injustiça e desigualização, no fundo.” (FILHO, 2016, P. 138).
Acerca da colisão de direitos fundamentais, o tema 837 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal tem como título:
“Definição dos limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual hierarquia jurídica – como os da inviolabilidade da honra e da imagem – e estabelecimento de parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas.” (STF, 2015)
Esse tema estabelece limites do direito de liberdade de expressão, quando em colisão com outros direitos fundamentais, como por exemplo o de honra e imagem, conforme nota-se:
DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIREITOS DOS ANIMAIS E RELEVANTE PREJUÍZO COMERCIAL A EVENTO CULTURAL TRADICIONAL. RESTRIÇÕES A PUBLICAÇÕES E DANOS MORAIS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. (…)
2. Constitui questão constitucional da maior importância definir os limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual hierarquia jurídica, como os da inviolabilidade da honra e da imagem, bem como fixar parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas.
3. Repercussão geral reconhecida. (Rext nº6662055/SP – Rep. Geral 837, Rel. Min Roberto Barroso, DJE de 03/09/2015)
Conforme pode-se observar, a Suprema Corte aduziu que a liberdade de expressão deve ter limites definidos, quando em colisão com direitos de mesmo nível. E quando em conflito com o direito fundamental à honra e à imagem, o indivíduo que tiver ultrapassado os limites deverá ser condenado a proceder com a indenização do indivíduo prejudicado e sofrer até mesmo outras consequências jurídicas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aumento do público de redes sociais possivelmente intensificou consideravelmente a violação a alguns direitos, como o da honra e imagem. Com a utilização desses meios, algumas pessoas ultrapassam de maneira corriqueira, os limites do direito à liberdade de expressão, logo, acabam violando outros direitos.
O acesso às redes sociais se tornou algo corriqueiro, o que faz com que as vezes os usuários não percebam seus eventuais excessos. É um dos fatores que ocasionam os conflitos de direitos fundamentais.
Entretanto, nem todas as postagens nesses meios são ofensivas e ferem algum direito fundamental. Não se pode ignorar o caráter informativo que as redes sociais têm na sociedade. Em diversas ocasiões, é através delas que as pessoas que residem em regiões mais isoladas conseguem ter acesso à informações importantes de acontecimentos gerais.
Considerando a relevância dos meios de comunicação, bem como dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e à honra e imagem, é de extrema relevância que ocorra uma análise minuciosa das individualidades de cada caso concreto, realizando a devida inserção no contexto da lei, a fim de que todos tenham acesso à justiça.
REFERÊNCIAS:
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GALAK, Eduardo. Homogeneidade, heterogeneidade e práticas corporais.
Esporte, Lazer, Direitos Humanos e Corpos Diversos. Campinas/SP: ProPosições, 2023.
TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. José Damião de Lima Trindade. São Paulo: Peirópolis, 2002.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo interno no agravo em recurso especial nº2222065/GO. Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira. T4 – Quarta Turma, 08 de maio de 2023. DJE:12/05/2023.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Medida cautelar na reclamação, Rcl 42817, Min Luiz Fux, MC/GO, 31/08/2020, DJE:01/09/2020.
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