EMPREENDEDORISMO SOCIAL: A TRAJETÓRIA DE SINHÁ MOREIRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10136137


Ana Paula Lopes Bussacos
Carla Giuranno
Juliana Prates Moreira


RESUMO: 

O artigo aqui apresentado é resultado da pesquisa do Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, desenvolvido ao longo do ano letivo de 2009. O estudo realizado versou sobre a trajetória de Sinhá Moreira, uma empreendedora social. Buscou-se, assim, compreender e verificar quais foram os impactos e as influências da cultura brasileira na trajetória social e do empreendedorismo social de Sinhá Moreira. Para tanto, o trabalho é dividido nas seguintes seções: I – Introdução; II – Referencial Teórico: 1) Empreendedorismo e Empreendedor; 2) Empreendedorismo Social; 3) Cultura Brasileira e 4) A trajetória de Sinhá Moreira; III – Procedimentos Metodológicos; IV – Resultados e Análise de Conteúdo; V – Considerações Finais e, por fim, VI – Referências Bibliográficas. O estudo realizado foi baseado no método qualitativo e teve um caráter exploratório. Além da leitura da bibliografia acerca do tema empreendedorismo e empreendedorismo social, foi realizado um trabalho de campo – uma ida à Santa Rita do Sapucaí – para colher os dados empíricos, cujo instrumento de coleta de dados foi a entrevista em profundidade, com roteiro semi-estruturado servindo de guia aos pesquisadores. As Considerações Finais permitem compreender quais foram os elementos da cultura brasileira que impactaram na trajetória de Sinhá Moreira e essa sendo considerada uma empreendedora social, por conta do resultado de seus projetos na cidade.

PALAVRAS-CHAVE: empreendedorismo, empreendedorismo social, cultura brasileira e trajetória social de Sinhá Moreira

ABSTRACT:

The present article resulted from the research of the Interdisciplinary Graduation Paper (TGI), at Universidade Presbiteriana Mackenzie, developed throughout the school year of 2009. The study ran upon a social entrepreneur’s trajectory, Sinhá Moreira. It was aimed, therefore, to comprehend and verify what were the impacts and influences of the Brazilian culture over Sinhá Moreiras’s social trajectory and social entrepreneurship. Hence, the article is divided in the following sections: I – Introduction; II – Theoretical References: 1) Entrepreneurship and Entrepreneur; 2) Social Entrepreneurship; 3) Brazilian Culture; 4) Sinhá Moreira’s Trajectory; III – Methodological Procedures; IV –  Results and Content Analysis; V- Final Conclusions and, at last, VI – Bibliographic References. The study was based on the qualitative method with exploratory characteristics. Apart from the reading of bibliography regarding entrepreneurship and social entrepreneurship, a field research took place – a visit to Santa Rita do Sapucaí – in order to collect empiric data, which had as gathering instrument the profundity interview, with a semi-structured script used as a guideline by the researchers. The Final Conclusions allow one to understand what have been the Brazilian culture elements that have had an impact over Sinhá Moreira’s trajectory and have made her acknowledged as a social entrepreneur, on the account of her projects in the city.

KEYWORDS: entrepreneurship, social entrepreneurship, Brazilian culture and Sinhá Moreira’s social trajectory.   

I – INTRODUÇÃO

 Com o advento da globalização e com os avanços tecnológicos sem precedentes na história, a sociedade tem passado por diversas transformações, tanto benéficas quanto maléficas para os indivíduos. O capitalismo e a grande competitividade do mercado levam pessoas e empresas a buscarem constantemente a inovação, a fim de obterem vantagem competitiva e consequentemente grandes lucros. 

 Neste cenário dinâmico e altamente competitivo, o Empreendedorismo é a saída encontrada para a inovação e diferenciação dos demais. Estudiosos de todo o mundo, universidades e instituições de ensino, bem como empresas e organizações estão voltados para o desenvolvimento de empreendedores.

 Apesar dos diversos benefícios trazidos com a globalização e a tecnologia, ainda existem níveis elevados de desigualdade social. Grande parte da sociedade ainda não possui acesso a diversos recursos facilitadores, não possuindo por vezes poder aquisitivo suficiente para sua subsistência. Estas disparidades associadas a visões sociais de empreendedores possibilitaram o surgimento do Empreendedorismo Social. Esta forma de empreendedorismo contribuiu, através da história, de maneira relativamente discreta para a melhoria das condições sociais e ainda hoje, o empreendedorismo social é irrisório comparado ao empreendedorismo de negócios. Contudo, por menores que tenham sido as contribuições dos empreendedores sociais do passado, eles foram fundamentais para o desenvolvimento e estudo do empreendedorismo como um todo.

 Neste trabalho será estudado um caso pontual de empreendedorismo social no Brasil, o caso de Sinhá Moreira. Filha de um Barão do Café, sobrinha de um dos Presidentes do Brasil e divorciada de um diplomata de carreira do governo, ela foi a pioneira no crédito estudantil do país, além de ser a maior colaboradora para a abertura da primeira Escola Técnica do país. 

Problema de Pesquisa

          O problema de pesquisa deste trabalho:

“Qual a influência da cultura brasileira na trajetória social da empreendedora Sinhá Moreira?”  As variáveis analisadas serão:

•  Variável independente: Cultura

•  Variável dependente: Empreendedora Social (Sinhá Moreira)

Objetivos

Objetivo Geral:

 O objetivo geral deste trabalho é compreender e verificar quais foram os impactos e as influências da cultura brasileira na trajetória social e do empreendedorismo social de Sinhá Moreira.

Objetivos específicos:

O objetivo geral deste trabalho será atingido através do cumprimento dos objetivos específicos abaixo:

•  Conceituar Empreendedorismo;

•  Conceituar Empreendedorismo Social;

•  Estudar Cultura;

•  Estudar Cultura Brasileira;

•  Estudar a biografia de Sinhá Moreira.

II – REFERENCIAL TEÓRICO 1) Empreendedorismo e Empreendedor

 Harwood (1982) define que empreendedorismo é o resultado de um sistema que une criação e inovação para suprir uma necessidade ou oportunidade de mercado. Também podemos dizer que se refere a novas maneiras de procurar por oportunidades e identificar novas propostas para solucionar problemas. O empreendedorismo requer do empreendedor a mudança de paradigmas e quebra de antigos pressupostos. 

 De acordo com Drucker (2002) na realidade, existem diversos conceitos acerca da palavra “empreendedor”, eles foram desenvolvidos por autores distintos, em diferentes épocas, possuindo pontos em comum e pontos divergentes. Utilizado pela primeira vez pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, em meados da década de 50, o termo fazia referência principalmente à criação e inovação. Um pouco mais tarde, entre 1967 e 1970, a palavra foi utilizada por Kenneth Knight e Peter Drucker relacionada à tomada de risco que uma pessoa leva para alguma empreitada. 

 Conforme Dornelas (2001), foi Joseph Schumpeter que em meados do séc. XX que difundiu o conceito, consolidando-o como elemento que dispara e explica o desenvolvimento econômico.

O empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela exploração de novos recursos e materiais (JOSEPH SCHUMPETER apud DORNELAS, 2001, p. 37).

Assim então encontramos Schumpeter como o primeiro grande economista a publicar sobre empreendedorismo em sua obra Die Theorie der Wirtschaftlichen Entwicklung (Teoria do Desenvolvimento Econômico), na qual descreve empreendedor como uma pessoa que acolhe mudança, vive da aparente desordem na economia e explora uma mudança como gerador de oportunidades para criar valor superior (Drucker, 2002).

 Para Dolabela (1999), existem duas formas de empreender além das mais difundidas. A primeira delas é a pequena empresa, esta forma de empreendedorismo foi primeiramente identificada na Inglaterra, que na década de 20 do século XX, criou grupos de pesquisa no pós-guerra. A segunda maneira de empreender é através da opção do auto-emprego. A partir da década de 90 do século passado, houve grande crescimento deste tipo de empreendimento. Ele é decorrente de pelo significativo número de trabalhadores demitidos de corporações e recém-formados, que não obtendo colocação ou recolocação no mercado de trabalho, optam por criar seu próprio emprego. Muitos destes casos não refletem o empreendedorismo schumpeteriano, no qual a inovação deve estar presente.

Quando se fala em empreendedorismo, automaticamente, lembramos de um conjunto de comportamentos característicos. Para Hisrich (2004), características comuns aos empreendedores estavam associadas à iniciativa, ao manuseio de mecanismos sociais e econômicos na transformação de recursos e à aceitação dos riscos envolvidos e de possíveis fracassos.

De acordo com Hisrich (2004), podemos dizer que o empreendedorismo é processo de criar riqueza, sendo que a mesma deve ser criada por pessoas que tomem iniciativa e assumam riscos como patrimônio, tempo e a própria imagem para que possam criar ou transformar produtos ou serviços em algo novo. O produto ou serviço pode ou não ser novo ou único, mas o valor dele deve, de algum modo, ser infundido pelo empreendedor.

É possível observar como o empreendedorismo tem desenvolvido um papel positivo no sistema econômico e como isto tem se tornado em frutos para a sociedade. De acordo com Zimmerer (1996), empreendedorismo é a força que guia a “mão invisível” de Adam Smith.  

Novas empresas têm significância econômica na medida em que influenciam: 1- alocação de recursos; 2- canais para investimento; 3- Introdução de novos produtos ou novos métodos de produção e venda; 4- intensidade de competição; 5- desperdício de recursos e 6- avanços econômicos e sociais dos indivíduos (OXENFELDT, 1943).

Deve ser observado também que o papel do empreendedorismo não deve estar ligado somente com o desenvolvimento econômico, já que ele engloba muito mais que aumento de produção e renda per capita; envolve iniciar e constituir mudanças na estrutura do negócio e da sociedade (HISRICH, 2004).

No dicionário Michaelis encontra-se a seguinte definição de empreendedor:

1 Que empreende. 2 Que se aventura à realização de coisas difíceis ou fora do comum; ativo, arrojado. SM 1 Aquele que empreende. 2 Aquele que toma a seu cargo uma empresa (MICHAELIS, 1998, p. 788).

O termo “empreendedor” é utilizado freqüentemente na sociedade atual, geralmente associada àquele que assume riscos e começa algo novo. Esta definição é a aproximação literal da palavra, porém esta definição não abrange toda a extensão significativa do termo, tal qual o conhecemos colocado em prática (DORNELAS, 2001). 

No perfil característico e típico de um empreendedor devem se destacar: o senso de oportunidade, a dominância, a agressividade e energia para realizar, a autoconfiança, o otimismo, o dinamismo, a independência, a persistência, a flexibilidade e resistência a frustrações, a criatividade, a propensão ao risco, a liderança carismática, a habilidade de equilibrar o sonho e a realização e a habilidade de relacionamento. (BERNARDI, 2002)

Segundo Dornelas (2003) diz que o empreendedor possui características que o diferenciam do administrador, seu trabalho não se restringe às funções do administrador de planejar, organizar, dirigir e controlar, a estas são somados atributos pessoais. Os empreendedores são visionários; sabem tomar decisões; são indivíduos que fazem a diferença; sabem explorar ao máximo as oportunidades; são determinados e dinâmicos; são dedicados; são otimistas e apaixonados pelo que fazem; são independentes e constroem o próprio destino; geram riquezas; são líderes e formadores de equipes; são bem relacionados e organizados; planejam meticulosamente; possuem conhecimento; assumem riscos calculados e, finalmente, criam valor para a sociedade. O estudo do empreendedorismo tenta entender as origens, motivações, seu ambiente natal e seu universo de atuação.

Conforme Dornelas (2003), o empreendedorismo no Brasil ficou marcado no fim do séc. XX, a partir da década de 80 quando foram criadas entidades como SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o SOFTEX (Sociedade Brasileira para Exportação de Software). A criação de pequenas empresas e o termo empreendedorismo quase não era utilizado no Brasil. Além disso, o empreendedor não encontrava informações nem os ambientes político e econômico não eram favoráveis.

Hoje em dia, o SEBRAE é conhecido, pela maioria dos pequenos e micro empresários, como a maior organização que influencia o empreendedorismo no Brasil. Assim informando e ajudando na abertura de novas empresas, e também por implementar uma nova visão do empreendedorismo que acabou sendo difundida dentro das universidades. (DORNELAS, 2001)

Para Dornelas (2003), o perfil do empreendedorismo brasileiro não possui grande planejamento e formalização, é baseado nas necessidades financeiras do empreendedor:

No caso do Brasil, ainda um país em desenvolvimento, o estudo tem trazido resultados muito interessantes no tocante às iniciativas empreendedoras. No entanto, por outro lado, um dos fatores preocupantes do caso brasileiro é o fato de a maioria dos negócios gerados no país serem baseada no empreendedorismo de necessidade, ou seja, não são baseados na identificação de oportunidades de negócio e na busca da inovação com vistas à criação de negócios diferenciados, mas no suprimento das necessidades básicas de renda daquele que empreende, para que tenha condições de subsistência, mantendo a si e à sua família. São negócios, em sua maioria, informais, focados no momento presente, sem planejamento, sem visão de futuro, sem a identificação de oportunidades e nichos de mercado, sem o comprometimento com o crescimento e com o desenvolvimento econômico (DORNELAS, 2003, p.7).

Segundo Dornelas (2003), a maioria das empresas nacionais é familiar, nas quais a gestão foi passada de geração para geração e foram crescendo ao passar dos anos sem se preocupar com inovação. Deste modo, são poucos os casos de empresas que sobreviveram por muitas décadas, pois grande parte delas acabou parando no tempo, ou com dificuldade de gestão e principalmente por não se adaptarem ao mercado cada vez mais exigente. Essas empresas inovadoras deveriam ser à base dos negócios nacionais e promovendo a economia do Brasil através da geração de inovações brasileiras, porém é irrisória a participação do Brasil no mercado mundial.

De acordo com Dolabela (1999), os valores do ensino nacional, não está voltado para o empreendedorismo e sim para empregos em grandes multinacionais, no caso dos cursos de administração e o emprego, em todos os casos, é considerado fundamental para a sociedade.

Também de acordo com Dolabela (1999), podemos dizer que o empreendedorismo no Brasil está só começando, mas já temos resultados alcançados através do ensino que indica que iniciamos uma revolução silenciosa. Universidades como a Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul foram as pioneiras a oferecerem o ensino de empreendedorismo na década de 1980. Outras instituições como a Universidade Federal de Pernambuco criou o centro CESAR – Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, com o objetivo de ser um núcleo de aproveitamento industrial dos resultados acadêmico e Escola Federal de Engenharia de Itajubá em Minas Gerais criou o centro GEFEI – Centro Empresarial de Formação Empreendedora de Itajubá, objetivando inserir o ensino de empreendedorismo.

2) Empreendedorismo Social

Para apreender o conceito de Empreendedorismo Social é necessário entender o contexto no qual ele está inserido, o do mundo globalizado.

Segundo Ianni (2002), a globalização é um processo ainda em desenvolvimento, que ainda depara-se com diversos obstáculos, mas que “generaliza-se e aprofunda-se como tendência“ (IANNI, 2002, p.23). Com o fim da Segunda Guerra, o sistema capitalista começou a se consolidar no mundo, com exceção dos países socialistas. Porém, com o fim da Guerra Fria e a abertura economia dos países anteriormente adeptos do sistema socialista, o capitalismo ganhou nova força, ampliando ainda mais seu alcance mundial. Em decorrência da queda das barreiras entre os países ao adotarem o mesmo sistema econômico, as economias das nações tem-se tornado cada vez mais interligadas por meio do comércio global.Porém a globalização é uma das causadoras e até agravadoras das desigualdades e contradições sociais, pois as mesmas condições que alimentam a interdependência e a integração entre as nações, também alimentam os contrapontos em âmbito global.

O Empreendedorismo Social pode ser considerado o conjunto de iniciativas implementadas por segmentos sociais excluídos, organizações, comunidades e instituições públicas em busca de novas possibilidades para grupos sociais menos favorecidos (ALBAGLI; MACIEL, 2003).

De acordo com Oliveira (2007), o empreendedorismo social começa a de fato emergir nos anos 1990, como consequência da crescente problematização social, da redução dos investimentos públicos no campo social, com o crescimento das organizações do Terceiro Setor e da participação das empresas em investimentos e ações no escopo social.

Para Melo Neto & Froes (2002), é necessário mudar o atual modelo de desenvolvimento, pois em uma perspectiva global dos países atuais este é excludente, hegemônico, perverso e desigual. No seu lugar, é preciso criar um modelo de desenvolvimento humano, social e sustentável, sendo este, centrado no cidadão.

Para Oliveira (2004), estas movimentações sociais possibilitaram o surgimento de um novo conceito de empreendedorismo:

Partimos da constatação de que o empreendedorismo social emerge no cenário dos anos 1990, ante a crescente problematização social, redução dos investimentos públicos no campo social, o crescimento das organizações do terceiro setor e da participação das empresas no investimento e nas ações sociais (OLIVEIRA, 2004, p.9).

O conceito de Empreendedorismo Social é consideravelmente recente, por este motivo no âmbito teórico, ainda existem grandes inconsistências entre termos e definições a seu respeito. Não há, ainda, extensa bibliografia a respeito do tema, seja por parte de pesquisadores e autores brasileiros quanto internacionais. Contudo, no âmbito prático o cenário difere do cenário apresentado na teoria (OLIVEIRA, 2004):

[1]A relativa falta de dados e pesquisa sobre programas de desenvolvimento comunitário tem limitado a habilidade de demonstrar integralmente seu impacto e diferenciar com credibilidade aqueles que foram bem sucedidos daqueles ineficazes. Inegavelmente, iniciativas locais notáveis de desenvolvimento comunitário têm sido assumidas e testemunhos individuais revelam avanços no bem-estar econômico de muitos dos beneficiários. Contudo, a ausência de coleta formal de dados e pesquisa para os numerosos esforços de revitalização das últimas décadas, tem resultado na confiança, principalmente, de relatos anedotais a níveis individuais ou de vizinhança (GREENSPAN, 2003: Federal Reserve).

Contudo, no âmbito prático o cenário difere do cenário apresentado na teoria (OLIVEIRA, 2004): 

[…] no tocante à prática, já existem alguns exemplos nacionais com impacto internacional (…) Tais constatações nos levam a crer que o Brasil não está longe e nem diferente em relação a outros países quanto à definição do que é empreendedorismo social de outros termos e práticas que apresentam certa similitude (OLIVEIRA, 2007, p.84).

Para Melo Neto & Froes (2002), o empreendedorismo social e o empreendedorismo de negócios se diferem em dois principais aspectos: o social ao contrário do de negócios, não produz bens e serviços para vender e sim para solucionar problemas sociais, como também, não é direcionado para mercados como o segundo, mas sim para segmentos populacionais com situações de risco sociais, tais como pobreza. O empreendedorismo de negócios tem objeto de patentes e marcas, busca o sucesso de vendas, tendo o lucro como medida de sucesso do empreendimento é individual. Sua busca é por lucro, aumento de vendas, maior participação no mercado e retorno sobre investimento. Seu escopo de atuação é o mercado atual e em potencial, aproveitando as oportunidades que estes podem oferecer, suprindo suas necessidades, ampliando as potencialidades do negócio.

Para Kuhns (2004), as características que definem um empreendimento social são: primeiramente, empreendimentos de negócios com um objetivo comercial claro e, segundo, suporte para os membros da comunidade de interesse. A comunidade pode ser definida geograficamente ou geopoliticamente.

Melo Neto & Froes (2002), afirmam que, já o empreendedorismo social, não patenteia suas idéias, pelo contrário, eles a divulgam, para serem multiplicadas e aplicadas em outros lugares. Ele tem como medida de sucesso o impacto social, sendo assim, o número de pessoas que foram beneficiadas com o projeto social. Seu retorno é medido com base na melhoria de vida de seus beneficiários, envolvendo desde seu progresso material até o espiritual-pessoal. O escopo de atuação não é o mercado e sim a comunidade e a resolução de seus problemas a curto, médio e longo prazo, é o de suprir as necessidades da comunidade e não de um mercado como ocorre no empreendedorismo de negócios. Este é coletivo, pois envolve todos os membros da comunidade num esforço comum de participação, integração e desenvolvimento. O empreendedorismo social desenvolve produtos e serviços para solucionar carências e demandas sociais e não para obter lucro. A busca da solução do problema é feita mediante ideação e teste de novos modelos adequados à necessidade da comunidade, tendo como o objetivo final o de retirar as pessoas da situação de risco social, desenvolvendo suas capacidades e aptidões naturais, buscando assim, propiciar-lhes a inclusão social.

Oliveira (2007) menciona o que não deve ser entendido como empreendedorismo social, para que não haja dúvidas e lacunas no entendimento do conceito correto. O empreendedorismo Social é diferente de Responsabilidade Social Empresarial, pois está centrada na missão e na atividade da empresa, enquanto aquela é em si uma missão. O empreendedorismo social não é uma profissão formal, não possui formação superior ou técnica e não é uma organização social que gera receitas.

Para Kuhns (2004), é possível abranger as diferentes modalidades de empreendedorismo social em quatro categorias. A primeira delas é constituída de iniciativas privadas. Os empreendimentos privados são formados em resposta a uma necessidade da comunidade ou a uma demanda da comunidade que não estava sendo atendida por programas governamentais. A segunda categoria consiste nos programas governamentais, Atividades governamentais e não-governamentais se sobrepõem devido ao apoio governamental ou incentivos financeiros para o desenvolvimento de empreendimento privado em áreas economicamente desfavoráveis.

A terceira categoria é a do empreendedorismo social buscando o desenvolvimento sustentável. Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, desenvolvimento sustentável pode ser definido como tendo acesso à moradia adequada, alimentação saudável e vizinhanças seguras. A quarta e última categoria é a que abrange o papel dos empreendedores individuais no empreendedorismo social (KUHNS, 2004).

De acordo com Johannisson (1998), o empreendedorismo é um processo coletivo, no qual os indivíduos retém sua identidade, mas agem coletivamente dentro de suas redes sociais para criar novas iniciativas. Indivíduos são chave, mas o todo é muito maior que a soma, e o comprometimento social equilibra o comprometimento econômico.

Para Melo Neto & Froes (2002), a formação de novos cidadãos inicia-se com a ampliação do espaço público, sendo este acessível a todos, e com uma qualidade do processo participativo consegue-se a obtenção desse novo cidadão. Assim, surge esse novo coletivo, no qual a cidadania é desabrochada, despertando um sentido de missão e com um sonho de transformação. Essa transformação traz um desejo de renascer, de construir coletivamente um futuro melhor para todos e assim é possível que esses novos cidadãos passem a exercer essa vontade, tornando-se “empreendedores sociais locais”.

Outro autor destaca o fato de que:

Alguns especialistas apontam Luther King, Gandhi, entre outros, como empreendedores sociais. Isso foi decorrente de suas capacidades de liderança e inovação quanto às mudanças em larga escala (OLIVEIRA, 2004, p.10).

Melo Neto & Froes (2002), destacam ainda, a importância de se construir uma sociedade melhor, e isso não cabe somente ao governo e sim a todos: comunidade, governo e setor privado, na verdade, da integração deles, chamado de novo paradigma. Nele, os empreendedores sociais, através de sua liderança, referencial ético, mobilização e participação, fazem surgir às mudanças necessárias. A comunidade organiza-se numa rede de empreendedores sociais, agentes de mudanças, e assume essa mudança, protagonizando e ao mesmo tempo, sendo a grande beneficiária das ações transformadoras. É importante ressaltar, que as mais beneficiadas e transformadas, são as comunidades menos privilegiadas, que inclusive, recebem a ajuda de outras comunidades também.

De acordo com Melo Neto & Froes (2002), a atual economia sofre um novo paradigma, a qual eles chamaram de “economia do coração” ou ainda “socioeconômica” solidária. Suas características principais são: Baseia-se na cooperatividade; desenvolvimento chamado de “dentro pra fora”, no qual, a produção é voltada para as necessidades do povo e da nação; é centrada no desenvolvimento autônomo, autogestionário de cada pessoa, comunidade e nação; predomínio das relações de solidariedade; foco é o desenvolvimento integral, não só dos potenciais materiais do ser humano como também de seu espiritual e da própria humanidade; promoção de parcerias com organizações sociais, principalmente as que soam mais representativas nos setores sociais oprimidos; atua no indivíduo, grupo, coletividade, comunidade, sociedade; os membros da comunidade são os principais agentes do desenvolvimento; promoção do autodesenvolvimento da pessoa e da comunidade, baseado em seus atributos, recursos e qualidade. Portanto, seu objetivo é de uma economia voltada para a comunidade, à sociedade e não a competição, acumulação de riqueza para poucos e de pobreza e miséria para muitos.

A partir da virada do século XX para o século XXI, temos a globalização como o fenômeno mais marcante, sendo ela resultado das transformações do capitalismo moderno. Porém, este fenômeno é paradoxal, de um lado há o imenso avanço tecnológico, acúmulo e transmissão de informação e do outro, níveis humanos e sociais alarmantemente baixos. (OLIVEIRA, 2007).

Segundo Melo Neto & Froes (2002), para vencermos esse desafio é necessário atender alguns pré-requisitos: primeiramente é necessário redesenhar a relação entre comunidade, governo e setor privado, baseando-se no modelo de parcerias, que quando ganham visibilidade e sustentação, privilegiam os segmentos populacionais em situação de risco social. O resultado esperado são os novos padrões de sociedade, isto é, com comunidades ativas, bem informadas, participantes e com alto grau de mobilização e articulação. Assim o espaço público é fortalecido e os atores sociais tomam decisões em conjunto e ocorre uma maior participação no processo de gestão e desenvolvimento social da comunidade e da própria região. Porém, isso não é o bastante, a democratização do espaço público demanda transformação social, o que somente se viabiliza através de novos processos de geração de riqueza e valores sociais, éticos e morais.

Na visão de Melo Neto & Froes (2002), o empreendedor social é aquele que além de gostar, sabe pensar social, subordina o econômico ao humano, assim como o individual ao coletivo e tem o sonho de transformar a realidade atual. Além disso, ele assume uma postura crítica e inconformismo diante das injustiças sociais existente, movendo-se através de idéias transformadoras tendo como maior desejo o de ajudar as pessoas, desenvolver a sociedade, de não só criar coletividade e comunidades, como também de vê-las crescer e se fortalecerem, para que assim, possam ser implementada ações auto-sustentáveis, garantindo o sustento e melhoria contínua de seu bem-estar.

Segundo Oliveira (2007), existem algumas posturas que são comuns aos empreendedores sociais. Eles são inconformados e indignados com a injustiça e desigualdade, determinados, engajados, comprometidos e leais, são éticos e profissionais, transparentes e possuem paixão por sua área de atuação dentro do campo social.

Para Melo Neto & Froes (2002), um projeto de empreendedorismo social é diferente de um projeto social, em seu escopo de atuação, dinâmica e propósito geral. O propósito de um projeto de empreendedorismo é o de “empoderar” a comunidade local, para que esta se mobilize e se fortaleça na busca de soluções de seus problemas sociais, então é o de solucionar um problema social específico. Seu escopo de atuação é mais amplo, compreendendo ações culturais, sociais, econômicas, ambientais e políticas. Já sua dinâmica é focada em suas ações de fomento ao empreendedorismo local e regional.

Ao contrário dos projetos sociais tradicionais, cujo sucesso depende dos seus gestores e dos beneficiários, os projetos de empreendedorismo social baseiam-se fundamentalmente na ação e desempenho dos atores sociais como sujeitos do seu próprio desenvolvimento (MELO NETO & FROES, 2002, p.129).

Segundo Melo Neto & Froes (2002), o objetivo de um projeto de empreendedorismo social é o de gerar capacidades e competências na própria comunidade, para que ela torna-se sua própria gestora, inclusive de seus projetos e seja a própria beneficiada também.

 De acordo com Melo Neto & Froes (2002), o foco do projeto de empreendedorismo social difere do projeto social, pois está no desenvolvimento comunitário e não apenas na solução do problema específico, mesmo porque se houver o desenvolvimento não só comunitário como também global e sustentado, os problemas sociais existentes serão resolvidos com mais facilidade..

3) Cultura Brasileira

Para Marconi & Presotto (2006), o termo cultura deriva-se de colere, que significa cultivar ou instruir, e de cultus, que significa cultivo, instrução. Ele não se restringe apenas ao campo antropológico, como também a outras áreas do saber humano, como arte, biologia, história, etc. Na visão antropológica, a cultura tem um significado amplo, englobando os modos comuns e aprendidos na vida e que são transmitidos pelos indivíduos e grupo, que vivem numa sociedade. Portanto, para eles nenhuma cultura é superior a outra, não empregando o termo culto e inculto como é feito na linguagem popular e para eles apenas o recém–nascido é desprovido de cultura, pois ainda não sofreu o processo de endoculturação.

A cultura é um complexo coletivo feito de “representações mentais” que ligam o material e o material, a infra-estrutura e as superestruturas. Um movimento dialético inevitável entre o que chamamos de material, ou seja, as estruturas econômicas, as técnicas, as estruturas sociais, as leis e normas, as vivências concretas, e o que denominamos imaterial, no qual se encontram a vida simbólica e suas representações, ideologias, idéias. (FREITAS, 1997, p. 40 – apud Omar Aktouff, 1993). 

Para Motta (1997), a variação cultural trata-se principalmente dos diferentes costumes e comportamentos de um grupo ou sociedade para outro. O estudo dessas diferenças é relativamente recente.

Os seres humanos vivem em um universo de significações. Eles decodificam sem cessar; não apenas as palavras de seus semelhantes, mas também suas expressões, suas posturas, suas ações dos demais variados tipos, sempre lhes atribuindo um sentido (MOTTA, 1997, p. 26). 

Para Marconi & Presotto (2006), o conceito de cultura varia no tempo, espaço e em sua essência. Por isso cada autor mencionado, vê a cultura de um modo diferente, pois são de épocas diferentes. Na verdade a cultura pode ser vista por vários enfoques, que são:

Idéias (conhecimento e filosofia); crenças (religião e superstição); valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconceito e respeito ao próximo); padrões de conduta (monogamia e tabu); abstração do comportamento (símbolos e compromissos); instituições (família e sistemas econômicos); técnicas (arte e habilidades); artefatos (machado de pedra, telefone) (MARCONI & PRESOTTO, 2006, p.24).

Ainda para Marconi & Presotto (2006) outra visão de cultura é o comportamento. Este se refere a reações dos indivíduos em face do meio social. Os antropólogos consideram esse comportamento como o aprendido, e não o instintivo e outros que são terminados biologicamente e portanto, estão presentes nos animais em geral. Por isso, a cultura resulta da invenção social, sendo aprendida e transmitida, através da aprendizagem e da comunicação. White afirma que a cultura possui três significados: idéias, atos evidentes e objetos materiais.

A cultura é um conjunto integral de instituições em partes autônomas, em partes coordenadas. Ela se integra à base de uma série de princípios, tais como: a comunidade de sangue, por meio da procriação; a contigüidade espacial, relacionada a cooperação; a especialização de atividades; e, por fim, mas não menos importante, o uso do poder na organização política. (MALINOWSKI, 1970, p. 46).

De acordo com Motta (1997), a cultura é linguagem, é código, um tipo de referência que permite às pessoas darem sentido ao mundo e suas ações. Pela cultura, é possível classificar, por em ordem e ajuda a definir os princípios de classificação da sociedade em grupos distintos. A cultura influencia os indivíduos para as orientações que tomam, de acordo com cada conjunto social, defendendo assim seus interesses e suas convicções.

Para Marconi & Presotto (2006), a cultura, além de ter tipos diferentes, tem também posicionamentos diferentes. Um é chamado relativismo, no qual a cultura avalia a outra de um modo relativo, ou seja, defende pressupostos de que a cultura deve ser avaliada relativamente à sua própria cultura, não aceitando idéias de normas e valores absolutos. Já o outro posicionamento é chamado de etnocentrismo, que é a supervalorização da sua própria cultura em detrimento das demais, isto é, é julgar as culturas de acordo com os moldes da sua cultura e não da que está sendo avaliada.

Para Malinowski (1970), a satisfação das necessidades básicas do homem é um conjunto mínimo de condições impostas a cada cultura. Para resolução de problemas um novo ambiente é construído – secundário ou artificial. Esse ambiente é a cultura que deve ser sempre mantida, reproduzida e administrada. A tradição cultural deve ser transmitida de geração a geração. Em toda cultura ordem e lei devem ser mantidas, devem existir mecanismos educacionais tendo como essencial a cooperação.

De acordo com Marconi & Presotto (2006), os valores são empregados para indicar objetos e situações consideradas boas, desejáveis e importantes, por isso, existem dois elementos importantes em sua concepção: o emocional e o ideal. Por fazer parte de um estado mental do indivíduo, o valor não pode ser medido. As sociedades, em geral, possuem valores dominantes (como liberdade de expressão) e secundários (como servir café as visitas), com uma escala de graduação entre esses dois pólos.

Para Marconi & Presotto (2006), as normas são regras que indicam o modo de agir dos indivíduos em situações, por isso, se consiste em um conjunto de idéias, no próprio pensar, agir em determinadas situações. A cultura é constituída por normas comportamentais. Toda sociedade engloba não só normas comportamentais, como também, crenças, conhecimentos, valores, que são uma herança acumulada do passado e que é aperfeiçoada a cada geração.

Para Marconi & Presotto (2006), os símbolos são realidades que podem ser físicas ou sensoriais, as quais os indivíduos os utilizam atribuindo valores ou significados específicos. Esses significados podem ser arbitrários, não tem relação obrigatória com as propriedades físicas dos fenômenos que os recebem, como por exemplo, a cruz e os valores simbólicos do cristianismo. Já os partilhados são aqueles que possuem o mesmo significado para diferentes culturas, como o aplauso que é conhecido em quase todas as sociedades. As referências, são os símbolos que se referem a uma coisa específica, exemplo, o hino nacional. Um dos símbolos mais importante é a língua sendo a falada o modo mais utilizado desse sistema.

Para Malinowski (1970), o tempo também é um elemento extremamente necessário de necessária introdução, pois representa mudança. Todos os processos evolucionários ou de difusão acontecem primeiramente na forma de mudança institucional, tanto na forma de invenção ou de difusão. Nenhuma invenção ou revolução, mudança social ou intelectual ocorre sem a criação de novas necessidades.

Para Marconi & Presotto (2006), existe o padrão cultural, que consiste em uma norma comportamental, que é estabelecida pelos próprios membros de determinada cultura. Essa norma é aceita pela sociedade, homogênea e reflete o modo de pensar, agir e sentir do grupo. Na verdade, ele estabelece o que é aceitável ou não na conduta de uma dada cultura.

De acordo com Marconi & Presotto (2006), o padrão cultural influência no comportamento do indivíduo:

Embora cada pessoa tenha caráter exclusivo, devido às próprias experiências, os padrões culturais, de diferentes sociedades, produzem tipos distintos de personalidades, característicos dos membros dessas sociedades (MARCONI & PRESOTTO, 2006, p.35).

De acordo com Marconi & Presotto (2006), existe também a subcultura, que significa uma variação cultural total de uma sociedade. A subcultura pode ser considerada, um meio peculiar de vida de um grupo menor, inserido em uma sociedade maior, mas essa subcultura, formada também por padrões culturais, apresenta algumas divergências em relação à cultura central, porém esses se mantêm coesos entre si. 

Para Hoebel (1966), a cultura não se distribui de maneira uniformemente sobre a sociedade. Quando ela se aplica a todos os membros da sociedade como, por exemplo, a proibição do incesto, é um padrão universal. Já quando, as chamadas alternativas, são os padrões que são aplicáveis diferentemente a uma situação, são flexíveis, por exemplo, a gravata pode ser obrigatória, mas pode escolher sua cor. Existem as específicas, que são características de um grupo conhecido pela sociedade, mas podem não ser utilizadas, pois não constituem um padrão para seu próprio comportamento, um exemplo é a saudação escoteira, usada por um homem apenas enquanto fizer parte do grupo de escoteiros.

Para Marconi & Presotto (2006), a cultura é dinâmica e contínua, por estar em constante modificação, devido aos contatos com outros grupos e com as suas próprias descobertas invenções, o que amplia o acervo cultural de geração em geração. Mas, o crescimento cultural não é uniforme, pode haver épocas com grandes desenvolvimentos, outras paradas e ainda, outras com retrocessos. A cultura é integrada, quando os elementos que a compõem se harmonizam e se completam e para isso, escolhem padrões complexos, coerentes e compatíveis com o seu modo de vida.  

No que diz respeito à cultura brasileira, os autores da “Geração de 1930”: Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre são referências clássicas.

Para Prado Júnior (2001), a colonização da América feita tanto por espanhóis, holandeses, franceses, enfim, europeus, teve como principal idéia a de o comércio e não o seu povoamento, tendo um desprezo por este território primitivo e até mesmo considerado vazio. O sistema de colonização, envolvendo a ocupação de territórios quase desertos e primitivos, tinha feição variada, dependendo de sua natureza dos gêneros aproveitáveis, no Brasil foi o pau-brasil. Com a intensificação da colonização portuguesa no século XVIII, levaram-nos ao centro do continente. Mais tarde temos uma economia mais estável e ampla, a agricultura.  De acordo com Holanda (2004), os portugueses não exploraram nossas terras de forma metódica e racional, mas sim com certo desleixo e abandono e, talvez por isso, é possível encontrarmos muitas e sérias falhas, mas nada que justifique a opinião extravagante de alguns que detratam a ação dos portugueses no Brasil e que optariam pela colonização holandesa, convictos que nos teria levado a melhores e mais gloriosos rumos.

 Para Holanda (2004), existem dois princípios que regulam as atividades dos homens, o aventureiro e o trabalhador. O aventureiro ignora fronteiras, tem propósitos ambiciosos, quando encontra um obstáculo sabe transformá-lo em trampolim, vive dos espaços ilimitados, projetos vastos e horizontes distantes. O trabalhador, pelo contrário, enxerga primeiro a dificuldade a vencer e somente depois o triunfo a alcançar, sabe tirar máximo proveito do que é insignificante, tem campo visual restrito.

 Conforme Holanda (2004), o gosto da aventura teve influência decisiva em nossa vida nacional, sendo uma das responsáveis por nossas fraquezas. Num conjunto de diversos fatores como raças que se encontraram no Brasil com costumes e padrões diferentes, condições mesológicas e climáticas que exigem grande adaptação foram elementos que favoreceram aqui a mobilidade social, estimulou os homens a enfrentar as resistências da natureza.

Para Freyre (1961), em relação às características dos portugueses:

Entre outros, verificou Ferraz de Macedo no português os seguintes característicos desencontrados: a “Genésia violenta” e o “gosto pelas anedotas de fundo erótico”, “o brio, a franqueza, a lealdade”: a pouca iniciativa individual, “o patriotismo vibrante”; “a imprevidência” “a inteligência”, “o fatalismo”, “a primorosa aptidão para imitar” (FREYRE apud MACEDO, 1961, p.8).

 Segundo Holanda (2004), a colonização portuguesa foi marcada principalmente pelo seu caráter de exploração comercial. Eles criavam dificuldades para explorar a terra adentro com medo de despovoar a marinha. Ainda para conter a povoação no litoral, criaram as cartas de doação de capitanias com as quais os donatários somente poderiam edificar vilas próximas ao mar e aos rios navegáveis. Ainda para o autor, o português vinha buscar no Brasil a riqueza, a mesma que tinha se acostumado a buscar na Índia, como especiarias e metais preciosos. Os lucros que obtinham da plantação da cana e fabricação do açúcar eram compensadores, mas o esforço tinha que ser simplificado, restringindo-se ao estritamente necessário.

De acordo com Freyre (1961), os portugueses tiveram vantagens em relação a outros europeus, devido ao clima do país, semelhante ao da África, o que contribuiu para sua adaptabilidade no continente, como o do Brasil. 

Freyre (1961), sobre os portugueses em relação a outros europeus:

Os portugueses não por todas aquelas felizes predisposições de raça, de mesologia e de cultura a que nos referimos, não só conseguiu vencer as condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente branca para a tarefa colonizadora unindo-se com a mulher de cor (FREYRE, 1961, p.17).

Para Prado Júnior (2001), nas colônias tropicais, como o Brasil, não se tinha trabalhadores brancos, como aconteceu nas colônias temperadas, como os EUA, pois em Portugal, não existiam braços disponíveis e dispostos a migrar a qualquer preço, utilizando a escravidão negra africana como mão de obra. Por isso, esse tipo de colônia, tem sua sociedade inteiramente original, com um caráter mercantil, o colono branco que utiliza os recursos aproveitáveis para a produção de gêneros de grande valor comercial e com o trabalho recrutado entre raças inferiores que este domina: indígenas ou negros africanos importados.

 Para Holanda (2004), os portugueses já eram um povo mestiço. Neste caso, o Brasil não foi nenhuma novidade, pois a mistura de gente de cor tinha começado na metrópole. 

Para Freyre (1961), a falta de gente o afligia mais do que a qualquer colonizador, forçando-o a imediata miscigenação, dando-lhe vantagem para sua melhor adaptação biológica e social. A sociedade brasileira na época da colonização foi constituída com pequeno número de mulheres brancas e larga e profundamente mesclada de sangue indígena. 

De acordo com Holanda (2004), ao invés de repugnar os casamentos mistos de indígenas e brancos, o governo português incentivou mais de uma vez. Já os pretos e seus descendentes continuavam sendo relegados.

Para Freyre (1961), não pode negar-se que o clima exerce uma influência na formação no desenvolvimento da sociedade, senão direta, pelos efeitos sobre o homem, indireta pela relação que este traz na produtividade da terra, com fontes para a nutrição e com os recursos de exploração econômica acessíveis ao povoador. De acordo com Freyre (1961), o colonizador português foi o primeiro a deslocar a base da colonização tropical de pura extração de riquezas como os minérios e vegetais, para a de criação local de riqueza, porém está à custa do trabalho escravo. Na verdade, temos a utilização e desenvolvimento de riqueza vegetal pelo capital e o aproveitamento de gente nativa, principalmente da mulher para trabalho e formação da família.

De acordo com Freyre (1961), nos fins do século XVI, o bandeirante torna-se um fundador de sub colônias, e com ele o Brasil se auto coloniza. A colonização do Brasil, a partir de 1532, caracterizou-se pelo domínio da família rural ou semi-rural e da Igreja, com os padres da Companhia de Jesus. Sobre esse período:

A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, tala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa das América (FREYRE, 1961 p.25 – grifos nossos). 

Para Freyre (1961), a formação social, formou-se sobre a base da riqueza agrícola e do trabalho escravo, e com uma variedade de funções sociais e econômicas. Sobre a política:

O oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se ainda em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia. Em oposição aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres fundar no Brasil uma santa república de “índios domesticados para Jesus” como os do Paraguai; (FREYRE ,1961 p.31).

Para Prado Júnior (2001), indo à essência da nossa formação, percebemos que fomos constituídos para fornecer açúcar, tabaco e outros gêneros; depois ouro diamantes; mais tarde algodão e em seguida o café, para o comércio europeu. Portanto, a organização da sociedade e economia brasileira, foi formada com a atenção e consideração do interesse do comércio europeu. A evolução brasileira se firma, ainda, por esse caráter inicial da colonização.

Para Freyre (1961), Brasil mesmo com forte influência da cultura européia, mesclou a cultura com a indígena e com a africana. Até o próprio sistema jesuítico, que obteve êxito no Brasil, como catequizava indígenas, também sofreu a influência animística ou fetichistas, talvez vindos da África, pois os caboclos usavam fitas, rosários, tudo em nome da cristianização, com elementos africanos.

De acordo com Freyre (1961), a formação brasileira, foi um processo de equilíbrio de antagonismos: de cultura européia e indígena; européia e africana; africana e indígena, economia agrária e pastoril; agrária e mineira; o jesuíta e o fazendeiro; o bandeirante e o senhor de engenho e o mais antagônico deles, o senhor e o escravo. Porém, para harmonizar, o Brasil teve a miscigenação, elevadas posições políticas e sociais de mestiços e de filhos naturais, a tolerância moral, a intercomunicação entre as diferentes zonas do país e a reciprocidade cultural e econômica entre os extremos geográficos. Isso levou o povo brasileiro ter uma grande plasticidade, isto é, embora um país com fortes estruturas hierárquicas, houve possibilidade de mobilidade social e de quebra de hierarquias. 

 Conforme Freitas (1997), Portugal, por estar localizado entre a África e Europa, teve o caráter de seu povo formado por antagonismos entre essas duas culturas e religiões católica e maometana, o que o fez ter em sua vida, arte, moral economia, um regime de influências que se equilibram, alteraram ou se hostiliza. Foi com base nesse caráter que se compreende a formação da sociedade brasileira que até hoje é marcada por seus antagonismos.

4) A trajetória de Sinhá Moreira

De acordo com Fontes (2007), em 24 de maio de 1892, a vila de Santa Rita foi elevada a cidade e teve seu desenvolvimento baseado na produção cafeeira e na criação de gado leiteiro. Hoje a cidade tem como base de desenvolvimento a indústria de tecnologia, sendo esta responsável por mais da metade do PIB local:

O Instituto Nacional de Tecnologia – INATEL- criado em 1965, aí se instalou, fruto do desempenho da ETE, a escola Técnica eletrônica, fundada por Luzia Rennó Moreira, a Sinhá Moreira. Santa Rita se tornou exemplo de empreendedorismo para outros municípios do país. E esse sucesso se deve a perseverança dessa mulher. (FONTES, 2007 p.6) 

De acordo com Fontes (2007), o avô de Sinhá Moreira, Antônio Moreira da Costa veio de Portugal aos 12 anos de idade em busca de uma vida melhor do que tinha seus pais em seu país. Chegou a fazenda de São Francisco em Cristina, Minas Gerais, onde realizava serviços e com o tempo casou-se com a sobrinha do fazendeiro, Maria Cândida Ribeiro. Em 1884, Antônio visitava a Vila Santa Rita e conheceu algumas terras, e se instalou definitivamente na cidade, tendo seu primeiro investimento, o plantio de café e cereais. 

De acordo com Fontes (2007), o avô de Sinhá era preocupado com os estudos, por isso seu filho Francisco Moreira da Costa, pai de Sinhá foi estudar na cidade de Pouso Alegre, em Minas Gerais. Seu pai também era preocupado com os estudos e por isso, construiu uma casa no centro da cidade de Santa Rita do Sapucaí, na qual foram residir com a família toda, inclusive Sinhá, teve uma educação cuidadosa.

Na visão de Carneiro (2009), o pai de Sinhá Moreira, Francisco Moreira da Costa, conhecido como coronel Chico Moreira, foi um dos mais poderosos e ativos políticos de Santa Rita do Sapucaí e se notabilizou pelo dinamismo na vida pública e nos negócios particulares, inclusive, Sinhá, herdou do pai a vocação empreendedora e o próprio zelo pela sua cidade.

De acordo com Fontes (2007), a década de 20, foi uma época de grandes mudanças na sociedade brasileira. Durante a Primeira República (1889-1930), a economia brasileira tinha predominante a atividade agroexportadora, com o café, o açúcar, a borracha, o cacau e o fumo. Inclusive o café, a partir do comércio exterior, foi responsável pela formação de um capital que contribuiu para a expansão da atividade industrial, a ampliação das vias férreas no país e a modernização dos portos. A família de Sinhá acompanhou esse processo, seu pai o coronel Chico Moreira, era produtor de café e, por isso, realizava viagens a capital do país o Rio e a Santos e na adolescência Sinhá acompanhava o pai nessas viagens algumas vezes, o que a fez entrar em contato com os maiores centros urbanos da época.

De acordo com Carneiro (2009), Chico Moreira, fundou o Banco Santarritense e o Banco da Lavoura de Minas Gerais. Foi sócio do Banco Nacional de Minas Gerais. O pai de Sinhá muito contribuiu para a cidade, pois criou a Companhia de Melhoramentos Municipais, inspirado pela demolição do Morro do Castelo, o aterro de regiões do Rio de Janeiro, jatos d’água desmancharam o morro, elevando o nível de áreas próximas ao centro da cidade. Sobre esse aterro, nasceu o hospital Antônio Moreira da Costa, o avô de Sinhá Moreira. Além disso, Chico articulou a criação de uma escola agrícola. 

“Francisco pensava em Santa Rita, até quando realizava obras fora do município. Por sua iniciativa, a cidade paraense de Santa Mariana ganhou uma igreja idêntica à matriz santarritense”. (CARNEIRO, 2009, p.8)

De acordo com Carneiro (2009), Chico Moreira foi o incentivador e financiador das obras de Sinhá e, inspirou a filha a levar o desenvolvimento da cidade que era movida a café e leite.

“Como um reflexo do grande pai, a mentora do Vale de Eletrônica vislumbrou um Vale cercado de tecnologia por todos os lados. Francisco Moreira, por sua vez, foi o patrono desse sonho.” (CARNEIRO, 2009 p.8)

De acordo com Fontes (2007), Sinhá Moreira, era sobrinha de Delfim Moreira, que ocupou a presidência de 1919 a 1920, por pouco tempo. Quando ele morreu, Sinhá tinha apenas 13 anos, porém seu nome e suas realizações circulavam na mesa de jantar:

Ouvir desde pequena que seu tio, nos cargos que ocupou, sempre teve a preocupação de investir na educação como verdadeira promessa para se fazer uma nação, provavelmente passou a ocupar aquele lugar do cérebro em que se molda a personalidade. (FONTES, 2007 p.23)

De acordo com Fontes (2007), a década de 1920 marca um momento de grande mudança no Brasil, pois este passa a querer se impor no panorama mundial, o país passa a produzir produtos básicos de aço, inclusive em Minas Gerais, na siderurgia mineira, é aplicada capitais belgas, dando origem a Belgo-Mineira, um empresa bem sucedida. Chico Moreira, passava para os filhos a importância do que acontecia no país e em 1927, fundou com Clemente Faria e outros, o Banco da Lavoura de Minas Gerais, negócio que prosperou.

De acordo com Carneiro (2009), Sinhá Moreira já era conhecida em seu município, pois havia sido rainha dos estudantes do Instituto Moderno de Educação e Ensino, o IMEE e seu diploma de normalista fora expedido pela Escola Normal Oficial , que nos dias atuais adota o seu nome, Escola Estadual Sinhá Moreira.

Fontes (2007) afirma que nas três primeiras décadas do século XX, o comportamento feminino passa por mudanças, quebra-se alguns costumes e inova a rotina da mulher, com passeios pela cidade, visitas a lojas, chás, porém algumas regras se mantiveram como que ainda o papel da mulher era de casar e ter filhos. Essa visão correspondia à pregada pela Igreja Católica e até mesmo no Código Civil de 1916, a mulher tinha como identidade social o de ser mãe e esposa. Dona Mindoca, mãe de Sinhá Moreira, valorizava isso, educando suas filhas, para que tivessem maridos que pudessem lhe oferecer o mesmo cotidiano que eles. Por isso, em 1929, Sinhá Moreira casou-se com seu primo, o diplomata Antônio Moreira de Abreu.

De acordo com Fontes (2007) foi através de seu casamento que Sinhá Moreira conheceu várias cidades do mundo como Estados Unidos, no qual ela conheceu o american way of life, com uma indústria responsável por 50% da produção mundial e com um desenvolvimento econômico impressionante, proporcionando um padrão de vida mais alto para os americanos. Outra cidade que teve contato foi com o Japão, que passava por transformações tendo como principal preocupação a educação do povo. E em 1937, com o Estado Novo, sob a ditadura de Getúlio Vargas, seu marido é aposentado.

Para Carneiro (2009), Sinhá Moreira, mesmo sendo filha do banqueiro Chico Moreira e sobrinha do ex-presidente da República Delfim Moreira, não viveu à sombra de ninguém. Casou-se com o diplomata Antônio Moreira de Abreu e por meio deste, conheceu os Estados Unidos, a China, o Japão, dentre outras nações. Desquitou-se na década de 40 e regressou a Santa Rita do Sapucaí.

De acordo com Fontes (2007) após regressar ao Brasil, em 1941, Sinhá por estar infeliz no casamento, separa-se do marido e regressa a Santa Rita do Sapucaí, sendo o primeiro caso de desquite da cidade: 

“O fato de ter conhecido outros países ainda tão inacessíveis para a maioria, contribuiu para que sua imagem ficasse idealizada, sendo, então, vista como uma mulher “avançada, com novos conhecimentos.” (FONTES 2007, p.52)

Carneiro (2009) afirma que a benfeitora, mesmo com seu imenso patrimônio material, não vestia roupas luxuosas e nem ostentava jóias. Era extremamente popular em Santa Rita e recebia homenagens com frequência. Inclusive:

“Sondagens eleitorais apontam seu nome como o preferido dos santarritenses para chefiar a prefeitura. Sinhá, porém, optou por outra forma de fazer política. Preferia unir a cidade em vez de dividi-la.” (CARNEIRO, 2009 p.7)

De acordo com Carneiro (2009), Sinhá usava sua remuneração obtida no período em que lecionava, para ajudar os pobres e a Igreja Católica, da qual era devota. A maioria dos que a procuravam conseguiam sua ajuda que ia desde alimentos, medicamentos, tecidos, que eram distribuídos aos necessitados e que também ouviam seus conselhos. Dona Sinhá, além de costumar promover festas para que todos os santarritenses se sentissem iguais, também passava seu aniversário com enfermos e despossuídos de bens.

 Fontes (2007) Dona Sinhá, ao regressar a casa dos pais, ficou inquieta e percebia a realidade de seus empregados, muitos deles não tinha casa própria :

“Sinhá então foi conversar com seu pai, que nessa época já era banqueiro, sobre a possibilidade de construir casas com uma taxa de juros baixa, de forma a facilitar o financiamento para a classe de poder aquisitivo mais baixo.” (FONTES 2007, p.53)

De acordo com Fontes (2007) Chico Moreira, que fundou o Banco da Lavoura e através deste elaborou normas de financiamento que favoreciam as camadas sociais mais baixas, aceitando depósitos pequenos. Assim o Banco da Lavoura se popularizou por promover pequenos empréstimos a pequenos negócios, sem exigir um avalista, na base da confiança. Por essa filosofia, o coronel Chico Moreira passa a refletir em como viabilizar a ideia de Sinhá Moreira. Assim, após escolherem a terra criou-se a empresa responsável pelas obras de urbanização e construção das casas, a Empresa Vista Alegre e em 1952 o bairro Vista Alegre ficou, sendo uma bem sucedida incorporação de habitação popular.

No caso de Santa Rita do Sapucaí, a iniciativa de Sinhá Moreira tinha um cunho social e humanitário. Ela era uma mulher com profundo senso humanitário, cujo intuito era promover a melhoria de vida de uma camada da população com poucos recursos. (FONTES, 2007 p.60).

Carneiro (2009) afirma que Sinhá Moreira também realizou outras obras relacionadas a Igreja Católica, como a construção de uma capela para abrigar os restos mortais de pessoas com baixa renda, que não tinham condições de pagar por isso. Também dedicou uma gruta a Nossa Senhora de Lourdes e apresentou uma réplica do corpo de Santa Rita de Cássia, o Santo Cruzeiro e um banquete aos pobres, no dia do quinto centenário da morte da padroeira.

Sinhá Moreira, como ficou mais conhecida, contribuiu muito com o Brasil ao criar a ETE FMC. Mas esta não foi sua única obra. As realizações da benemérita não se restringiram à educação, sua maior preocupação, nem a Santa Rita do Sapucaí, seu berço. Ela construiu o bairro de Vista Alegre, com 80 casas cedidas a preço de custo. Auxiliou centenas de jovens, oferecendo bolsas de estudo, material escolar, uniformes e merenda. Custeou tratamentos médicos dentro e fora de Santa Rita. Patrocinou em sua terra natal, a Sociedade de Assistência aos Pobres (Asilo), o Hospital Antônio Moreira da Costa, o Posto de Puericultura, várias escolas e outras entidades. (CARNEIRO, 2009, p.6)

Segundo informações de Carneiro (2009), Sinhá Moreira antes de falecer com apenas 55 anos em 9 de março de 1963, decidiu entregar a maior parte de seu patrimônio à ETE FMC, demonstrando que nem sua morte foi capaz de interromper suas obras sociais.  De acordo com Fontes (2007) Regina Bilac Pinto fala sobre sua tia, Sinhá Moreira, que na sua visão foi um exemplo de realização feminina:

Sinhá venceu todos os obstáculos impostos por uma sociedade machista, na qual as mulheres eram criticadas e depreciadas quando assumiram atitudes de comando e, quando eu era jovem , era a voz corrente em Santa Rita que uma Sinhá Moreira valia por dez homens. (FONTES, 2007 p92)

De acordo com Carneiro (2009) a fundadora da ETE FMC, isto é, Sinhá Moreira, não deixou descendentes, mas é lembrada como a mãe do “Vale da Eletrônica”, devido ao legado que deixou em sua cidade, Santa Rita do Sapucaí.

Para Fontes (2007), a década de 50 foi de um período significativo, o então governador Juscelino Kubitschek, lançou o binômio Energia e Transporte, criação de uma infra-estrutura de serviços, propiciando a instalação de novas indústrias, como por exemplo, a Usiminas.

Para Carneiro (2009) na década de 50, o Brasil passava por uma fase de intenso desenvolvimento, a televisão havia chegado ao país no início da década e carecia de aprimoramento tecnológico para acompanhar o exterior, necessitando de profissionais para a indústria eletrônica. Foi a Sinhá Moreira a responsável pelo primeiro passo no ensino técnico brasileiro em eletrônica, uma mulher de uma cidade do interior, numa época que as decisões da nação eram tomadas apenas por homens do eixo São Paulo – Rio de Janeiro.

De acordo com Fontes (2007) Padre José, que conhecia Sinhá Moreira desde pequena, diz que a sua preocupação sempre foi com a educação na cidade, por isso, os dois em 1954, 1955, fundam a Associação do Educandário Santarritense, uma escola primária. Essa preocupação com educação e sua vontade de fazer o Brasil se desenvolver só aumentou depois que ela viveu em outras nações.

Para Fontes (2007) essa preocupação de Sinhá, começou a gerar idéias que logo foram postas em práticas. A primeira foi fornecer bolsas de estudos para alunos com dificuldades financeiras, o que incluía compra de material didático, pagamento de mensalidades e até mesmo, em alguns casos, roupas. Mas, em troca Sinhá exigia boas notas, caso não as tirassem, perdia-se a bolsa.

Para Carneiro (2009) Sinhá Moreira queria tornar possível a continuidade dos estudos dos que concluíam o ensino fundamental da cidade, querendo criar um novo curso que deveria inserir jovens no mercado de trabalho. Sinhá pensou na criação de uma escola relacionada ao setor da eletrônica. Acredita-se que foi com uma conversa com Walter Telles que determinou essa escolha, pois ele havia assistido nos EUA, a uma palestra de Albert Einstein, na qual este dizia que o mundo giraria em torno da eletrônica. O professor Antônio Luiz de Souza Fernandes Neto também a influenciou nesse sentido.

Para Fontes (2007) Santa Rita não oferecia muito futuro pós o curso secundário e Sinhá Moreira pensou em fazer de Santa Rita uma cidade de estudantes, querendo fundar uma escola que desse uma profissão aos jovens e sua idéia era de criar um curso técnico de eletrônica que admitisse crianças na faixa dos 14 anos.

De acordo com Fontes (2007) para concretizar suas idéias Sinhá contava com os seus amigos: Alda, Joaninho e padre José, mas como nenhum deles tinha conhecimento no ramo, Sinhá quando esteve em Lambari, conheceu o professor João Antônio de Souza Fernandes Neto e se convenceu de que tinha que introduzir a escola técnica de eletrônica no Brasil. Por isso, foi a Itajubá conversar com o professor José Nogueira Leite, para que ele traçasse um projeto de escola eletrônica.

De acordo com Carneiro (2009) o nascimento da ETE FMC, foi importante e inovador, pois foi a primeira escola do gênero na América Latina e a sétima no mundo. Para a sua criação, Dona Sinhá, teve que percorrer os gabinetes do Rio de Janeiro, capital federal, para que se criasse o curso técnico de eletrônica no Brasil, o que coube ao presidente Juscelino Kubitschek assinar o decreto no dia 17 de setembro de 1958, após 4 meses de articulação.

Fontes (2007) afirma que com sua conversa com Walter Telles, ela percebeu que estava no caminho certo. Então, para montar a escola, Sinhá teve a idéia de convidar uma ordem religiosa para tomar conta da educação e optou pelos jesuítas, PIS se enquadravam na sua maneira de pensar em relação a educação.

De acordo com Fontes (2007) depois de conversar com o Padre Caballero, que aceitou fazer parte do projeto, o próximo passo seria regulamentar a escola e por isso Sinhá realizou várias viagens, para que sob orientação do professor Alfonso Martignoni consultor técnico da Diretoria do Ensino Industrial, o projeto fosse, enfim concluído. 

Para Carneiro (2009), após o decreto, Sinhá criou a entidade mantenedora da ETE FMC, a Fundação Dona Mindoca Rennó Moreira, que levou o nome da mãe de Sinhá, e em de Janeiro de 1959, a fundação e o Ministério da Educação e Cultura, MEC, oficializaram um convênio para a construção do prédio. E assim em março de 1959 a ETE começa a funcionar.

De acordo com Fontes (2007), em março de 1959, começa a funcionar a ETE. O curso era tão pioneiro que nem os próprios alunos sabiam como ele seria em si. Inclusive quando começou, Sinhá deu aos 13 alunos bolsa integral pelos quatro anos e, além disso, a montagem dos equipamentos, o pagamento dos professores, enfim, tudo era feito com recursos de Sinhá Moreira e só com o passar dos anos a escola conseguiu verba e bolsa de estudo.

De acordo com Carneiro (2009), Sinhá Moreira foi convidada para ser a paraninfa da primeira turma em sinal de gratidão, porém o convite foi recusado, pois Sinhá queria transformar a formatura num acontecimento nacional, recomendando aos jovens, que o convite fosse feito ao ministro da Educação no governo JK, Clóvis Salgado. Para tal, ela e sete formandos foram de Kombi fazer o convite, que foi aceito. Logo depois, visitaram o ex-presidente Juscelino, que citou a ETE FMC como uma realização de sua gestão.

A primeira formatura aconteceu em 2 de dezembro de 1962, no Clube Santarritense. Receberam homenagens, entre outros, o padre Alonso (orientador técnico da ETE FMC), o professor Fernandes Neto (organizador da escola), o deputado Bilac Pinto e o engenheiro Francisco Montojo (ex-diretor de Ensino Industrial do MEC). JK, que também seria homenageado, enviou um telegrama de saudação aos formandos. A ausência da pessoa mais aguardada deixou a cerimônia incompleta. A fundadora da escola lutava contra um câncer, não pôde comparecer à colação de grau. (CARNEIRO 2009, p.17)

De acordo com Fontes (2007), Sinhá sabia que a sua cidade era pouco conhecida pelo próprio Brasil, e por isso, ela mesma se encarregou de divulgar a ETE, alugando um ônibus e levando seus alunos para conhecer a IBM, em São Paulo.

E essa viagem teve resultado. Muitos dos “meninos de Dona Sinhá” acabaram trabalhando na empresa. Entre as décadas de 60 e 80, todo o ano a IBM recrutava técnicos de manutenção na ETE. (Fontes, 2007 p.85)

De acordo com Fontes (2007) o esforço de Sinhá não foi em vão, logo a escola passou a ser reconhecida e valorizada no sentido de desenvolvimento do país.

No volume do Ministério da Cultura sobre o desenvolvimento de educação e da cultura no governo Juscelino Kubitschek consta o convênio estabelecido com a Fundação Dona Mindoca Rennó Moreira, para a construção e instalação da escola. Assim, a instituição passou a contar com subsídio do governo para a melhoria de suas instalações e de seus equipamentos. (FONTES, 2007 p.87)

Carneiro (2009) afirma que Sinhá Moreira era uma católica devota e decidiu entregar a direção da ETE FMC a uma ordem religiosa que pudesse dar continuidade a seu projeto. Ela queria uma que tivesse experiência e seriedade, escolhendo a congregação Companhia de Jesus Os jesuítas, que sempre tiveram como missão sagrada a educação. Dona Sinhá fez o convite num encontro com o padre Hélio Abranches Viotti, em São Paulo, e em seguida viajou a Belo Horizonte, confirmando sua intenção ao sacerdote Vicente Gonzáles Cutre, provincial dos jesuítas, que determinou que o padre espanhol Alexandre Caballero y GarciaBarba fosse conhecer a cidade e o projeto. E assim, em 1959, Caballero tornou-se o primeiro diretor da escola.

O também espanhol Javier Alonso Gil foi o segundo jesuíta a integrar a equipe da ETE FMC. Já o segundo diretor foi o padre José de Souza Oliveira, que assumiu o cargo em 1962. O irmão Jorge Leon Road chegou a Santa Rita, em 1960, para cuidar das finanças da escola e só deixou a cidade 15 anos depois. Outros religiosos marcaram os primeiros anos da ETE FMC, como Constantino, Jair, Abad, Losada, Ângelo, Jaime, Luiz Gonzaga, Vila e Furusawa. (CARNEIRO 2009, p.11)

De acordo com Fontes (2007) a escola disponibilizava dois tipos de bolsas: a bolsa simples, na qual era concedida na forma de empréstimo e o aluno contemplado ficava dispensado do pagamento das anuidades e se comprometia a custear, através do Fundo de Bolsas da Fundação, os estudos de outro aluno. Já a bolsa completa, era concedida por empresas e indústrias, que não só incluía pagamento das anuidades, como também uma ajuda de custo para hospedagem e alimentação. E desde o início a escola mantinha contato com a indústria, se atualizando em relação a produções e conseguindo estágios para seus alunos.

Para Fontes (2007) a obra de Sinhá foi muito importante para Santa Rita do Sapucaí:

Se não fosse ela, Santa Rita do Sapucaí ficaria restrita aos seus moradores, mantendo aquela tradição de casamentos entre parentes. Mas não, a Escola Técnica de Eletrônica causou a evolução da cidade em vários sentidos, passando a ser conhecida não apenas pelo aspecto agrícola, mas agora como a “cidade da eletrônica.”. (FONTES, 2007 p.89)

Carneiro (2009) afirma que em 1963, o padre José Carlos e Lima Vaz, foi designado para assumir a direção da ETE FMC, e logo foi chamado por Sinhá Moreira e conta:

“Com voz sumida, com esforço, falou-me de seus sonhos, confiou-me sua escola menina, seus estudantes, seus pobres. Aquela conversa, para mim, foi seu verdadeiro testamento e diretriz da missão que passei a assumir em Santa Rita.”. (CARNEIRO 2009 p.28)

Assim, de acordo com Carneiro (2009), duas semanas depois Sinhá Moreira falecera.

III – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 A seguir será explicitada a metodologia e os procedimentos utilizados nessa pesquisa pesquisa. Os procedimentos metodológicos visam o melhor aproveitamento do estudo, a fim de obter a mais precisa análise dos dados coletados em busca de respostas para o problema de pesquisa: “Qual a influência da cultura brasileira na trajetória social da empreendedora Sinhá Moreira?”

 Segundo Selltiz (1974), na pesquisa exploratória tem-se o objetivo a investigação ou criação de hipóteses, além de ser utilizada para aumentar o conhecimento do pesquisador a cerca de um fenômeno ou situação para posterior estudo.

 Neste estudo verificamos quais elementos da cultura brasileira foram influentes em um caso pioneiro de Empreendedorismo Social da mineira Sinhá Moreira. Desta maneira, a pesquisa exploratória é utilizada a fim de obter maior conhecimento e informação para atender o requerido pelo problema de pesquisa. 

Quanto ao método de pesquisa, temos, conforme Godoy (1995), que o enfoque qualitativo é o mais apropriado ao se tratar de problemas de pesquisa pouco conhecidos e com pesquisa de caráter exploratório.

 O problema de pesquisa abordado possui ambas as características acima descritas, trata-se de um campo pouco explorado e com pesquisa de caráter exploratório. Assim sendo, o método de pesquisa qualitativo foi utilizado.

 O método qualitativo utilizado foi o de Estudo de Caso, ou seja, com um ambiente de pesquisa delimitado. Dentre do tema Empreendedorismo foi analisado o caso específico de Sinhá Moreira, pioneira no crédito estudantil no Brasil.

 Para a coleta de dados empíricos, foi utilizado um instrumento característico da pesquisa qualitativa, sendo ele a entrevista de profundidade. Foi utilizado um roteiro semiestruturado de questões abertas visando aprofundar o conhecimento e as informações referentes ao caso abordado e através da pesquisa de campo. Foi feita a análise das entrevistas com pessoas que tiveram contato direto ou indireto com a Sinhá Moreira e seu principal trabalho empreendedor, a ETE. Após a transcrição da entrevista, elas foram analisadas pela técnica de análise de conteúdo, segundo a proposta de Bardin (2007).

IV – RESULTADOS E ANÁLISE DE CONTEÚDO

Para Bardin (2007), a análise de conteúdo tem o objetivo de obter os indicadores, de natureza quantitativa ou não, que possibilitem inferir conhecimentos relacionados à produção ou recepção das mensagens, através de um conjunto de diferentes técnicas.

Ao analisar as entrevistas concedidas a respeito de Sinhá Moreira, seu conteúdo foi segmentado em Unidades de Registro (UR), sendo estas correspondentes a unidades base, segundo sua frequência e relevância para posterior categorização. As Unidades de Registro foram agrupadas em Unidades de Significado (US), segundo critérios relativos ao referencial teórico e, posteriormente, estas unidades foram reunidas em Categorias (C1, C2..) (BARDIN, 2007).

C1 – Resposta baseada no perfil de Sinhá Moreira

A Categoria 1 é composta pelas Unidades de Significado: Descrição de Sinhá Moreira; Características da personalidade de Sinhá Moreira e Características sociais de Sinhá Moreira. 

Estas Unidades foram derivadas das Unidades de Registro: Sinhá Moreira; mulher; desquitou; boa; autoritária; rica; importante; pioneira; exigia; mandava; fez e criou.

Esta Categoria, assim como as Unidades nela contidas, constituem-se na descrição do perfil de Sinhá Moreira como uma pessoa à frente de seu contexto histórico, sendo pioneira, criativa e enérgica, além de focar suas ações para o bem comum, conforme verificado nos relatos a seguir:

R1: Eu acho que o povo de Santa Rita já estava um pouco acostumado, porque ela já estava fazendo coisas próprias de homem, né? Essas casas populares, isso tudo já era próprio de homem. Já era uma coisa bem avançada pra época, pra mulher fazer.

R2: A gente ficava lá e ela muito autoritária, muito dominadora, mas muito boa. Dava muito presente pra gente, muita coisa, mas sempre autoritária. Ela exercia… Ela era a dona de casa de fato. Ela tinha que falar, ela não mandava recado não, ela chamava atenção da gente perto de pai de mãe, ela mandava e desmandava, era uma característica dela, ela era autoritária, mando, mas boa.

R3: Ela foi pioneira nisso, foi uma coisa que o Castello Branco só usou depois de 64.

Segundo Dornelas (2003) , os empreendedores são visionários; sabem tomar decisões; são indivíduos que fazem a diferença; sabem explorar ao máximo as oportunidades; são determinados e dinâmicos; são dedicados; são otimistas e apaixonados pelo que fazem; são independentes e constroem o próprio destino; geram riquezas; são líderes e formadores de equipes; são bem relacionados e organizados; planejam meticulosamente; possuem conhecimento; assumem riscos calculados e, finalmente, criam valor para a sociedade. 

Para Melo Neto & Froes (2002), o empreendedor social é aquele que além de gostar, sabe pensar social, subordina o econômico ao humano, assim como o individual ao coletivo e tem o sonho de transformar a realidade atual. Além disso, ele assume uma postura crítica e inconformismo diante das injustiças sociais existentes, movendo-se através de idéias transformadoras tendo como maior desejo o de ajudar as pessoas, desenvolver a sociedade.

De acordo com a análise das entrevistas, é possível afirmar que Sinhá Moreira possuía características de pessoas empreendedoras, porém por não visar lucro e benefícios próprios e sim o bem comum e desenvolvimento da sociedade, ela se caracteriza como uma empreendedora social.

C2: Resposta baseada nos elementos que influenciaram Sinhá Moreira

A Categoria 2 é composta pelas Unidades de Significado: Influências na vida de Sinhá Moreira; Elementos do contexto histórico de Sinhá Moreira e Influências nas obras empreendedoras de Sinhá Moreira.  Estas Unidades foram derivadas das Unidades de Registro: pai; família; governo; igreja; café; agricultura; casa; fazendas; guerra; Japão; Einstein; Estados Unidos e ciência.

Esta Categoria, assim como as Unidades nela contidas, aponta os elementos que foram de suma importância na vida e na obra de Sinhá Moreira. Ela foi uma católica criada em um ambiente que incentivava as ações caridosas e, essas ações, a predispuseram ao empreendedorismo social.  Sua experiência internacional também possibilitou uma visão de mundo mais ampla, resultando em obras inovadoras.  Conforme os trechos abaixo, é possível verificar a influência de tais elementos:

R1: Era do pai dela. O Banco foi fundado aqui em Santa Rita é uma cidadezinha assim, com 18.000 habitantes, tinha um dos maiores bancos do país. Eles eram muito empreendedores e o irmão do pai dela, Delfim Moreira, foi presidente da República.

R2: Ela teve esses exemplos na casa dela e tal… Sobre empreendedorismo.

R3: Apesar da fortuna, do dinheiro todo dela ter vindo da agricultura, tudo do café, tudo que a gente tem… Hoje a cidade mudou de estrutura.

R4: Ele eu não sei isso já nos anos 50, ele foi aos Estados Unidos participar de um congresso e lá por acaso ele foi ouvir uma conferência do Einstein, e nessa conferência o Einstein falou que a ciência do futuro seria a eletrônica. Ele nunca tinha ouvido falar de eletrônica, mas ele guardou a palavra na cabeça. E ele chegou no Brasil e não sei se no Rio de Janeiro, mas ele encontrou com a Sinhá, ele morava aqui… E em conversa com a Sinhá ele falou assim: Olha Sinhá a ciência do futuro vai ser a Eletrônica.

R5: Eles falam que ela trouxe do Japão e no meu modo de ver a Eletrônica é uma coisa do pós-guerra e a Sinhá viajou no pré-guerra

De acordo com Marconi & Presotto (2006), todas as culturas possuem grande quantidade de conhecimentos que são transmitidos de geração em geração. Esses conhecimentos, geralmente, são práticos e englobam aspectos referentes à organização social, à estrutura do parentesco, aos usos, costumes, crenças, técnicas, ao meio ambiente, etc.

Para Motta (1997), a variação cultural trata-se principalmente aos diferentes costumes e comportamentos de um grupo ou sociedade para outro. O estudo dessas diferenças é relativamente recente.

 Sinhá Moreira nasceu em meio a uma sociedade caracteristicamente agrícola e patriarcal, porém através de suas viagens e experiências no exterior, recebeu influências de diversas culturas além da Brasileira, o que pode ser relacionado com sua visão diferenciada e visionária do mundo.

C3: Resposta baseada nos elementos da sociedade beneficiados por Sinhá Moreira

 A Categoria 3 é composta pelas Unidades de Significado: Elementos da sociedade de Santa Rita e Elementos-alvo das ações de melhoria e desenvolvimento de Santa Rita. Estas Unidades foram derivadas das Unidades de Registro: Santa Rita; sociedade; população; povo; alunos; negros; desenvolver e melhoria. 

 Esta Categoria, assim como as Unidades nela contidas, demonstra quais eram os elementos a serem beneficiados com as obras de Sinhá Moreira. Ela visava o bem estar da população e uma diminuição entre a disparidade social existente na época, conforme trechos abaixo:

R1: Ela era uma pessoa assim, ela não gostava de diferenças, de ver ali, uma elite se dando bem, e o resto da população ali.

R2: Chegou o momento de ela criar um clube na cidade, para q esse clube fosse freqüentado por negros, pois eram proibidos de entrar em outros clubes e não só na cidade, mas em todos os lugares, e começou assim a dar bolsa de estudos também para as pessoas que queriam estudar fora, até pelo nível de vida dela, havia condições, e o Ziraldo quando estava estudando em Belo Horizonte ele conheceu o pessoal de Santa Rita.

R3: Hoje a cidade mudou de estrutura. Hoje não é mais agricultura, hoje não é mais a pecuária. Hoje a cidade já é da indústria, é da eletrônica, desse ramo da eletrônica que ela implantou aqui.

De acordo com Fontes (2007), Padre José, que conhecia Sinhá Moreira desde pequena, diz que a sua preocupação sempre foi com a educação na cidade, por isso, os dois – em 1954 e 1955 – fundam a Associação do Educandário Santarritense, uma escola primária. Essa preocupação com educação e sua vontade de fazer o Brasil se desenvolver só aumentou depois que ela viveu em outras nações.

 De acordo com Carneiro (2009), Sinhá usava sua remuneração obtida no período em que lecionava, para ajudar os pobres e a Igreja Católica, da qual era devota. A maioria dos que a procuravam conseguiam sua ajuda que ia desde alimentos, medicamentos, tecidos, que eram distribuídos aos necessitados e que também ouviam seus conselhos. Dona Sinhá, além de costumar promover festas para que todos os santarritenses se sentissem iguais, também passava seu aniversário com enfermos e despossuídos de bens.

 Uma das grandes preocupações de Sinhá Moreira era a educação, pois ela acreditava que esse era o meio de permitir a igualdade e o desenvolvimento. Porém, além de promover melhorias na educação, também tinha fez obras sociais de moradia, crédito, de ordem religiosa e estava disposta a auxiliar a população de todas as maneiras a seu alcance.

C4: Resposta baseada nas ações de Sinhá Moreira 

A Categoria 4 é composta pelas Unidades de Significado: Descrição de Sinhá Moreira; Ações empreendedoras de Sinhá Moreira; Áreas beneficiadas pelas ações de Sinhá Moreira; Resultados a longo prazo das ações iniciadas por Sinhá Moreira e Ações sociais de Sinhá Moreira. Estas Unidades foram derivadas das Unidades de Registro: ETE; Inatel; faculdade; escola técnica; banco; escola; educação; Vista Alegre; bolsa de estudos; Eletrônica; financiamento; casas populares e testamento.

Esta Categoria, assim como as Unidades nela contidas apontam quais foram as obras empreendedoras e sócias de Sinhá Moreira e as diferentes áreas como educação e moradia, beneficiadas por estas ações, conforme trechos abaixo:

R1 Santa Rita… A gente tenta imaginar como seria a cidade sem ela…se ela não tivesse existido…é assim…hoje a cidade tem mais ou menos 150 indústrias de base tecnológica…não teria nenhuma, aí tem uma faculdade de administração e informática, acho que é a quarta melhor do estado é aqui. Aí tem o Instituto Nacional de Telecomunicações, que não tem pra eles assim nessa área de telecomunicações, né? R2: As pessoas sempre tinham contas em cadernetas nos estabelecimentos em Santa Rita, e sempre 1 vez por ano as pessoas pagavam, e ela pagou muitas vezes também, e de muitas pessoas. Ele fez muitas coisas pela cidade, e o projeto mais top que ela fez foi a ETE….

R3: Ai os primeiros alunos que vieram pra cá foram os fundadores da primeira faculdade, quer dizer, da universidade o Inatel, o Inatel ele passou a funcionar no começo nas instalações da ETE.

R4: Ela fazia isso, ela fez o sistema de financiamento de casas, ela usou e só foi usado depois de 64.

R5: Ela sempre levava a gente pra visitar as obras dela… Vista alegre.

R6: … E ela pagava bolsa de estudos pra muita gente e ela tinha um sonho de ter um aluno do ITA.

R7: E deixou no testamento praticamente todos os bens pra fundação que mantém a eletrônica. Deixou muito picado, deixou pra hospitais, deixou pra leprosários, deixou… Ah foi muito picado. Pra família mesmo ela deixou a casa e bens de uso pessoal.

De acordo com Carneiro (2009) o nascimento da ETE FMC, foi importante e inovador, pois foi a primeira escola do gênero na América Latina e a sétima no mundo. Para a sua criação, Dona Sinhá, teve que percorrer os gabinetes do Rio de Janeiro, capital federal, para que se criasse o curso técnico de eletrônica no Brasil, o que coube ao presidente Juscelino Kubitschek assinar o decreto no dia 17 de setembro de 1958, após 4 meses de articulação.

Para Fontes (2007) essa preocupação de Sinhá, começou a gerar idéias que logo foram postas em práticas. A primeira foi fornecer bolsas de estudos para alunos com dificuldades financeiras, o que incluía compra de material didático, pagamento de mensalidades e até mesmo, em alguns casos, roupas. Mas, em troca Sinhá exigia boas notas, caso não as tirassem, perdia-se a bolsa.

Sinhá Moreira era uma empreendedora social que inovou em mais de um segmento no âmbito social. Porém, Escola Técnica de Eletrônica é tida como sua maior benfeitoria, por seu pioneirismo, inovação e relevância para o país e para a sociedade até os dias de hoje.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim e ao cabo dessa pesquisa, os integrantes do grupo se surpreenderam com o perfil e a trajetória social de Sinhá Moreira. Numa sociedade como a brasileira, marcadamente excludente e alicerçada sobre o sistema de família patriarcal, a trajetória social de Sinhá Moreira pode ser compreendida como bastante singular.

A região em que nasceu – Minas Gerais – foi de suma importância para a economia brasileira, inclusive, no período compreendido entre a Proclamação da República (1889) até a Revolução de 1930, os políticos mineiros revezavam-se no poder com os paulistas, sendo conhecida, historicamente, como a República do Café com Leite. Neste ambiente social, de predominância masculina na vida econômica e política, Sinhá Moreira conseguiu se destacar. Vale, ainda, ressaltar que sua orientação religiosa, portanto cultural, lhe serviu de base para que tivesse uma visão voltada ao auxílio do próximo. Entretanto, se no catolicismo as ações de caridade são, quase sempre pontuais, Sinhá Moreira de um passo além. Ela vislumbrou uma ação educacional que pode ser compreendida como uma ação de empreendedorismo social, já que seus frutos perduram ainda hoje. A cidade que viveu é, ainda nos dias atuais, um pólo de alta tecnologia, com educação tecnológica de ponta e de vigorosos resultados econômicos.

Neste sentido, o grupo crê que, senão totalmente, ao menos boa parte dos objetivos (geral e específicos) foram alcançados com essa pesquisa.O problema de pesquisa deste trabalho foi:“Qual a influência da cultura brasileira na trajetória social da empreendedora Sinhá Moreira?”. Cremos, assim, que a cultura brasileira, ainda que oferecesse barreiras para o desenvolvimento do perfil empreendedor (principalmente de uma mulher), possibilitou à Sinhá Moreira projetar e concretizar seus objetivos. O ambiente familiar, bem como suas experiências internacionais e sua proximidade com o poder político no nível federal lhe permitiu várias conquistas para a cidade de Santa Rita do Sapucaí. Seu foco na educação de jovens foi, em nossa opinião, acertado. Ela se dedicou aos seus ideais com muito trabalho, garra, determinação mesmo, e isso pode ser verificado nas entrevistas realizadas. O povo da cidade tem, até hoje, uma lembrança positiva de Sinhá Moreira. A cultura brasileira, ainda que baseada em muita hierarquia, é bastante plástica e permitiu que Sinhá Moreira, uma mulher, conseguisse se tornar uma empreendedora social.  

 O objetivo geral deste trabalho foi compreender e verificar quais foram os impactos e as influências da cultura brasileira na trajetória do empreendedorismo social de Sinhá Moreira. Pensamos, portanto, pelo descrito acima, que este objetivo geral foi atingindo. Para tanto, os seguintes objetivos específicos foram alcançados:

•  Conceituar Empreendedorismo;

•  Conceituar Empreendedorismo Social;

•  Estudar Cultura;

•  Estudar Cultura Brasileira;

•  Estudar a biografia de Sinhá Moreira.

 Por fim, como um estudo qualitativo, de caráter exploratório, não se pode generalizar os dados aqui encontrados e analisados. Em nossa opinião, é necessário mais estudos sobre o tema do empreendedorismo social, principalmente, sobre mulheres empreendedoras. Foi, assim, este um dos intuitos desta pesquisa: contribuir, ainda que com falhas e lacunas, para o entendimento da trajetória de uma empreendedora social, a Sinhá Moreira.

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Esta citação é uma tradução livre efetuada pelo grupo, a seguir o texto original:  The relative paucity of data and research on community development programs has limited the ability to fully demonstrate their impact and credibility differentiate those that are successful from those that are ineffective. Undeniably, impressive local community development initiatives have been undertaken, and individual testimonials reveal advances in the economic well-being of many of the beneficiaries. However, the absence of formal data collection and research for the numerous neighborhood revitalization efforts over the past several decades has resulted in a reliance on mostly anecdotal reporting at a neighborhood or individual level. (GREENSPAN, 2003: Federal Reserve)