DANOS MORAIS REFLEXOS NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: UMA ANÁLISE SOBRE A NECESSIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO

MORAL DAMAGE REFLECTIONS ON CASES OF DOMESTIC AND FAMILY VIOLENCE: AN ANALYSIS OF THE NEED FOR ACCOUNTABILITY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10116161


Andressa Camila Rodrigues de Lima1


RESUMO

O presente artigo leva como objetivo principal discutir sobre a necessidade de responsabilização por danos morais reflexos nos casos envolvendo violência doméstica e familiar. Advindo, em suma, da doutrina francesa, na qual recebe o nome de par ricoche, o dano em ricochete, não possui expressa previsão legal, mas possui definição na doutrina brasileira e ampla cobertura jurisprudencial. É o dano sofrido como consequência da ação ou omissão do agente, que além de ocasionar danos direitos à vítima, também atinge terceiros, de maneira reflexa. No que tange aos danos morais sofridos no âmbito da violência doméstica e familiar, aqueles que convivem no quadro de violência, estão suscetíveis de também serem atingidos em sua saúde psicológica, com o destaque para os filhos menores, que muitas vezes estão em meio à situação de violência envolvendo os genitores. Assim, ao final, este artigo visa defender a necessidade de haver responsabilidade civil em via reflexa nos referidos casos. Para isso, em suma utiliza-se de pesquisa bibliográfica, fazendo uso de jurisprudências dos tribunais superiores, do arcabouço teórico advindo de doutrinadores do direito civil e de caso concreto, como meio de explicitação.  

Palavras-chaves: Violência contra a mulher, Responsabilidade civil, Danos reflexos. Necessidade de responsabilização.

ABSTRACT

The main objective of this article is to discuss the need for liability for reflex moral damages in cases involving domestic and family violence. Summing up, in short, from the French doctrine, in which it is called par ricoche, the damage in ricochet, has no express legal provision, but has definition in the Brazilian doctrine and extensive jurisprudential coverage. It is the damage suffered as a consequence of the agent’s action or omission, which in addition to causing damage to the victim, also affects third parties in a reflexive manner. Regarding the moral damage suffered in the context of domestic and family violence, those who live in the context of violence, are likely to be affected in their psychological health, especially the minor children, who are often in the midst of the situation. of violence involving parents. Thus, in the end, this article aims to defend the need for civil liability to be reflected in these cases. For this, we use bibliographic research, making use of jurisprudence of higher courts, the theoretical framework coming from indoctrinators of civil law and concrete case, as a means of explanation.

Keywords: Violence against women, Civil responsability. Reflex damage, Need for accountability.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa tratar acerca dos danos sofridos reflexamente nos casos de violência contra a mulher, para alcançar a necessidade de haver responsabilização por esses danos. Para isso, o trabalho utiliza de livros, cartilhas, artigos, o Código Civil, a Lei Maria da Penha e a jurisprudência, além de posicionamentos de profissionais da saúde que levam a conclusão sobre a existência do dano.

A abordagem do tema se justifica pelo quadro de constante violência contra a mulher no ambiente familiar/domiciliar e a preocupante e a frequente presença de crianças e adolescentes nos fatos, os quais acabam por serem atingidos psicologicamente.

1. No decorrer deste estudo será conceituada a responsabilidade civil, assim como estudada sua origem, evolução e suas espécies. Para em seguida tratar especificadamente do dano reflexo, trazendo para sua explanação na doutrina e na jurisprudência, sem excluir a abordagem em pesquisas, visando o debate sobre a maneira como é admitido atualmente.

Em continuidade, será contextualizada a violência doméstica contra a mulher no Brasil, como meio de explanar o tema, principalmente no que tange ao espaço doméstico, para em seguida trazer a figura dos filhos, crianças e adolescentes, que se encontram nesse contexto e como são psicologicamente afetados, caracterizando o dano em ricochete.

Por fim, o artigo tem o viés de defender a necessidade a incidência da responsabilidade civil nos casos que envolvem menores – crianças e adolescentes – que presenciam cenas de violência no ambiente familiar e são por esse motivo atingidos psicologicamente, ensejando em dano moral a ser reparado pelo causador do dano.

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL

Segundo Dias (2006), o termo responsabilidade se origina do latim “spondeo”, que consistia em um vínculo que o devedor possuía ao firmar contratos no Direito Romano. A ideia da responsabilidade civil é o restabelecimento do cenário após a ocorrência de um dano, seja de cunho moral ou material.

2.1 CONCEITUAÇÃO E ORIGEM

Conforme nos ensina Pablo Stolze (2012), a responsabilidade consiste na consequência de uma conduta, ilícita ou não, capaz de causar um dano. Advém a priori da violação de uma norma jurídica, seja essa prevista em lei ou contrato, de modo que tal violação ensejará em uma reparação por parte do agente causador. Essa reparação surge exatamente pelo fato de não mais se verificar a possibilidade de voltar ao estado inicial das coisas.

Assim, é possível se verificar os três elementos essenciais da responsabilidade. Inclui: a conduta, seja essa omissiva ou comissiva; o dano; e o nexo causal, que consiste na ligação entre a conduta do agente e o dano causado. Todos esses elementos são obrigatórios para configurar a responsabilização civil.

2.2 ESTUDOS E EVOLUÇÃO

No direito Romano a ideia de responsabilidade estava assentada na vingança privada, isto é, aquele que causasse um dano certamente seria punido de modo mais severo. Nesse sentido, assevera Alvino Lima (1938) que havia nessa forma de reparação uma maneira primitiva e selvagem, mas humana de agir diante do mal sofrido, o que fez nascer, por conseguinte, a pena de talião, a conhecida olho por olho, dente por dente.

A esse respeito, observa Alvino Lima (1938) que a Lei das XII Tábuas foi uma reação contra a vingança privada, que assim é abolida e substituída pela composição obrigatória. Segundo ele, embora subsista o sistema do delito privado, há nessa transição uma influência da inteligência social, compreendendo-se que a regulamentação dos conflitos não é somente uma questão entre particulares.

No direito francês, melhorou-se as ideias do direto romano. Estabeleceram princípios norteadores da responsabilidade civil. E como ponto principal de evolução, separou-se a responsabilidade penal da civil. A partir desses princípios, é que se passa a analisar a culpa daqueles contraentes que descumprem as cláusulas contratuais, sem o viés penal, mas diante de um dever de indenizar.

Já no direito português, a princípio não havia essa distinção entre a reparação de cunho penal e civil. Somente após a entrada dos árabes, houve mudança, a reparação civil-pecuniária passou a cumular-se a reparação penal-baseada em punições corporais. Previa o art. 483 do Código Civil português (1966) “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Só existe obrigação de indenizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Quanto ao direito brasileiro, primeiramente havia uma dependência entre a reparação civil e a penal, em que a primeira se condicionava a segunda. Já no Código Civil de 1916, havia exigência de dolo ou culpa por parte do agente, exceto os casos em que havia culpa presumida. Sendo o principal destaque do atual Código Civil (2002), a questão de não admitir como culpa presumida somente os casos previstos em leis, mas também aqueles em que pela natureza da atividade há de se prever ocorrência de danos.

2.3  AS MODALIDADES DE RESPONSABILIZAÇÃO

De maneira geral, a classificação da responsabilidade se encontra na diferença entre dano moral e dano material. Porém, pela evolução, coexistência e pacificação de outros tipos de danos, não há mais de se falar em uma classificação que seja tão restrita.

A respeito do dano material, observa-se uma lesão patrimonial, que vem a atingir bens, presentes ou não, do ofendido. Isto é, há de se falar em dano emergente e lucro cessante. Sobre o tema, consagra Pablo Stolze:

a) o dano emergente — correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, “o que ela perdeu”;

b) os lucros cessantes — correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, “o que ela não ganhou” (STOLZE, 2012, p. 92)

O primeiro aduz que o dano seja a bens pertencentes ao lesado, ao tempo que o segundo pressupõe bens que esse deixou de adquirir em virtude do dano sofrido.

Quanto ao dano moral, objetiva Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 336): “A expressão “dano moral” deve ser reservada exclusivamente para designar a lesão que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há consequências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial. ” Ou seja, há dano moral quando a lesão alcança efeito diferente do dano ao patrimônio.

A reparação, nesse sentido, reside em uma forma de compensação, visto que no dano moral, não se pode falar em status quo ante, pois não há nem mesmo como mensurar a lesão sofrida, já que essa não é palpável. Assim explica Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 337): “Reparação é a compensação pelo dano moral, a fim de minorar a dor sofrida pela vítima. ” Isso porque não há como transformar em pecúnia um abalo que venha a ser sofrido no âmbito moral.

Mas não se encerram as modalidades de danos nesses dois aspectos, tendo ainda que discutir-se a presença de danos estéticos, danos reflexos e a chamada perda de uma chance. Os danos estéticos residem na lesão que afete a vítima de tal maneira que provoque o afeamento da aparência dessa. Já a perda de uma chance, reflete uma possibilidade séria e real que é perdida por conta da conduta de um agente. Quanto ao dano reflexo, que incide no tema do presente artigo, consiste em atingir terceiros, além da vítima direta do dano.

3 O DANO REFLEXO

Com características ímpares em relação aos outros tipos de dano admitidos no ordenamento jurídico, o chamado dano reflexo ou danos em ricochete surgiu do direito francês. Consiste em uma ofensa indireta, ou seja, ocorre reflexamente em relação a um dano principal sofrido por outra pessoa, que pela proximidade que possui com a vítima, acaba por ser atingido.

Ocorro, por exemplo, no seguinte caso demonstrado por Pablo Stolze:

É o caso, por exemplo, do pai de família que vem a perecer por descuido de um segurança de banco inábil, em uma troca de tiros. Note-se que, a despeito de o dano haver sido sofrido diretamente pelo sujeito que pereceu, os seus filhos, alimentandos, sofreram os seus reflexos, por conta da ausência do sustento paterno. Desde que este dano reflexo seja certo, de existência comprovada, nada impede a sua reparação civil. (STOLZE, 2012, p. 96)

Isto é, nesse caso, há clara percepção de como um dano a um sujeito pode vir a atingir outro, no caso em questão, é demonstrada a forma como a morte do pai pode influir nos filhos de forma material∕patrimonial. A esse respeito, também trata com excelência Caio Mário:

Se o problema é complexo na sua apresentação, mais ainda o será na sua solução. Na falta de um princípio que o defina francamente, o que se deve adotar como solução é a certeza do dano. Se pela morte ou incapacidade da vítima, as pessoas, que dela se beneficiavam, ficaram privadas de socorro, o dano é certo, e cabe ação contra o causador. Vitimando a pessoa que prestava alimentos a outras pessoas, privou-as do socorro e causou-lhes prejuízo certo. É o caso, por exemplo, da ex-esposa da vítima que, juridicamente, recebia dela uma pensão. Embora não seja diretamente atingida, tem ação de reparação por dano reflexo ou em ricochete, porque existe a certeza do prejuízo, e, portanto, está positivado o requisito do dano como elementar da responsabilidade civil” (SILVA PEREIRA, 2000, p. 50)

Trecho em que demonstra outro exemplo de dano por ricochete, dessa vez, em casos em que a vítima reflexa recebia uma pensão por parte da vítima falecida em razão de um dano ocasionado.

Diante disso, podemos concluir que para que haja dano reflexo é necessário que se demonstre que houve um prejuízo ao terceiro atingido. Assim como embasa o seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:

(REsp 254418/RJ, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ de 11-6-2001) e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Ap. Cível 598060713, rel. Des. Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior, julgado em 23-9-1998): “I — Justifica-se a indenização por dano moral quando há a presunção, em face da estreita vinculação existente entre a postulante e a vítima, de que o desaparecimento do ente querido tenha causado reflexos na assistência doméstica e significativos efeitos psicológicos e emocionais em detrimento da autora, ao ser privada para sempre da companhia do de cujus(…) (STJ, 1998)

Trazendo certeira explicação de que para que haja dano reflexo é necessário que se presuma que pela proximidade existente entre a vítima e o lesionado de modo indireto, haja efetivo dano a esse.

4 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

A Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, conhecida Lei Maria da Penha, surgiu como prevenção e punição aos casos de violência contra a mulher. Em seu artigo 5º, aborda o alcance da legislação, a saber a violência ocorrida no ambiente domiciliar, incluindo aquelas que convivem com ou sem laço familiar; a violência no âmbito da família, formada por todos aqueles que possuem algum tipo de parentesco; e por fim qualquer relação íntima de afeto, em que o agente tenha em algum momento convivido com a vítima.

4.1 A LEI MARIA DA PENHA

No art. 7º da lei, são tratadas todas as formas de violência contra a mulher, incluindo a violência física, que consiste em qualquer ação ou omissão que ofenda a integridade física da mulher; a psicológica, que é qualquer ação ou omissão capaz de influir nas ações e decisões da vítima; a sexual, relativa ao ato de obrigar a mulher a ter contato sexual, mediante instrumentos de coerção; a patrimonial, relativa a subtração de bens pertencentes a ofendida, a violência simbólica, que reside na ordem masculina que já se encontra enraizada na cultura e faz com que não haja questionamentos diante de injustiças a mulher no dia-a-dia; e por fim, a violência moral, que incluir o ato de injuriar, difamar ou caluniar a honra da vítima.

4.2 AS GENERALIDADES NOS CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Dados advindos da Cartilha Lei Maria da Penha nas Escola, produzido pelo Ministério Público do Estado do Piauí, como Cartilha Nacional do Copevid (Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), informam “a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil”. (Ministério Público, 2015, p.23).

Atesta a referida fonte que a violência contra a mulher ocorre predominantemente dentro do ambiente doméstico. Sendo essa bem democrática, pois acomete qualquer mulher, independentemente de classe econômica, etnia ou cultura. Segundo a Cartilha, as mulheres que vivem em situação de violência tentam evita-la a todo custo, principalmente com o intuito da proteção dos filhos. (Ministério Público, 2015).

4.3 CONSEQUÊNCIAS DANOSAS NOS CASOS

Os casos de violência contra a mulher, além de chamarem os crimes de maus-tratos, lesão corporal, ameaça, homicídio, injúria, calúnia, difamação, cárcere privada, entre outros; também enseja de forma concomitante na responsabilidade civil. A esse respeito bem explica José de Aguiar Dias (2006):

Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros, enfim, acarretam, a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva. (DIAS, 2006, p. 19)

Assim, nos casos de violência contra a mulher, reside tanto a responsabilidade penal diante dos crimes cometidos pelo agente, assim como enseja a responsabilização pelos danos causados, sejam eles morais, patrimoniais, estéticos ou até mesmo reflexos.

4.4 O DANO MORAL SOFRIDO PELAS VÍTIMAS

O artigo 387 do Código de Processo Civil (1941) dispõe que o juiz deverá fixar um valor mínimo de reparação de danos em caso de sentença condenatória. Sendo que tal reparação inclui tanto o dano material, quanto o dano moral, segundo pacificação da doutrina. Para configuração do dano moral sendo exigido, como de praxe, a prova mínima do dano.

No entanto, quando o assunto é violência doméstica e familiar contra a mulher, o entendimento é mais ainda acolhedor em relação ao dano moral. A esse respeito, foi consagrador a tese proferida pelo Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. TESE EXTRAÍDA DO RESP: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. (STJ, 2018)

Indicando que de forma peculiar os casos de violência contra a mulher não exigem prova, nem especificação de quantia em relação ao dano moral. O que faz com que seja mais acessível lograr êxito na reparação moral.

Para que haja a reparação a título de dano moral, porém, é necessário que a acusação (Ministério Público em caso de ação penal pública) ou o ofendido (em casos de ação penal privada) elaborem o pedido expressamente, pois não há no caso, reconhecimento de ofício por parte do juiz.

Sobre isso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu em recurso:

APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA DA AUTORIA E MATERIALIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA COERENTE E LESÕES ATESTADAS EM LAUDO PERICIAL. ANÁLISE NEGATIVA DA PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL. FUNDAMENTO INIDÔNEO. REDUÇÃO DA PENA AO MÍNIMO LEGAL. ACOLHIMENTO. AGRAVANTE GENÉRICA DO MOTIVO FÚTIL. MANUTENÇÃO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. POSSIBILIDADE. REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS CAUSADOS PELA INFRAÇÃO. ARTIGO 387, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE PEDIDO FORMULADO. AFRONTA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. EXCLUSÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (…) . 5. Para que seja fixado valor mínimo a título de reparação de danos é necessário que haja pedido do Ministério Público ou da vítima, a fim de não ferir o contraditório e a ampla defesa. No caso dos autos, entretanto, tal pedido não foi formulado por nenhum dos legitimados, não podendo o julgador, de ofício, fixar a reparação por danos morais. (…) (TJ-DF, 2015, on-line)

É possível inferir, portanto, que para que haja o acolhimento do dano moral, apesar da dispensa quanto ao elemento probatório e a fixação da quantia, é necessário que haja expressa provocação do judiciário.

5 O DANO REFLEXO E OS CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

De acordo com a 12ª edição do Dossiê da Mulher, mais da 60% dos casos que envolvem violência contra a mulher ocorrem dentro de casa. Nesse sentido, é fácil prever que maioria desses casos se passam na presença de crianças e adolescentes, filhos e filhas do agressor e da vítima.

5.1 O DANO MORAL SOFRIDO REFLEXAMENTE NOS CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Não é difícil concluir que há presença de dano moral reflexo nos presentes casos, visto que há abalo psicológico intrínseco ao menor. Conforme Cartilha da Lei Maria Penha nas Escolas, as consequências emocionais em crianças que estejam vivendo o contexto da violência doméstica contra a mulher, inclui ansiedade constante que pode resultar em efeitos físicos causados por tensão; sentimento de culpa, por não poder parar as agressões, ou por amar a pessoa que agride; medo de ir à escola ou de separar-se da mãe; baixa autoestima, medo, depressão e suicídio; vulnerabilidade à delinquência, a comportamentos agressivos, ao uso e drogas e a fuga de casa. (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015)

Assim, completa tal raciocino o seguinte escrito retirado de um Trabalho de Conclusão de Curso escrito por Bruno Gustavo Martins:

Destarte, o dano reflexo ou em ricochete é aquele, ocorre quando a ofensa a um bem, patrimonial ou extrapatrimonial, é dirigida a uma pessoa, mas quem sente os efeitos desta ofensa, desta lesão é outra, isto é, além de quem sofreu diretamente a lesão, um terceiro de ligação próxima ou sanguínea, também, suportará os efeitos da mesma lesão, mas de forma indireta. (MARTINS, 2013, p.27)

Ou seja, sendo os filhos, de ligação consanguínea ou não, pela proximidade com a vítima mãe, já é palpável a adequação da responsabilidade pela via reflexa, de acordo com o entendimento que se tem na doutrina atual. Conforme também assevera Jerlan Sampaio Maciel em seu Trabalho de Conclusão de Curso (2017): “(…) a doutrina e jurisprudência entendem que o dano moral reflexo torna-se mais fácil de ter sua legitimidade identificada quando o terceiro lesionado advém do núcleo familiar da vítima”

Destarte, explica Eduardo Zannoni:

(…) Logo, os lesados indiretos e a vítima poderão reclamar a reparação pecuniária em razão de dano moral, embora não peçam um preço para a dor que sentem ou sentiram, mas, tão somente, que se lhes outorgue um meio de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofrida. (ZANNONI, 1993, p.234-235)

Assevera assim que os filhos, pela proximidade com a vítima sofrem de tal maneira que tal como essas são lesionados moralmente. Cabendo, portanto, reparação civil tanto quanto.

Nesse contexto, aduz Daniela Falcão que as crianças sofrem violência tanto quando são vítimas diretas da violência, como também quando presenciam essa violência advinda de membros da família. (FALCÃO, Folha de São Paulo,1998). Segundo a autora, a criança que assiste a cenas de agressões domésticas também é acometida pela violência.

A mesma redatora relata caso em que uma criança de iniciais E.B, 4 anos, reage com violência constantemente pelo fato de presenciar agressões advindas do pai contra a mãe. Diz o menor ao ser contrariado: “Vagabunda, eu vou te matar”. Segundo ela, E. B. mora em zona nobre e estuda em escola particular, e apesar de não ter sofrido violência por parte do pai, foi vítima das agressões físicas e verbais praticadas pelo pai contra a mãe. (FALCÃO, Folha de São Paulo, 1998).

Segundo artigo científico publicado pela faculdade de odontologia de Araçatuba: “(…)A violência doméstica pode ocasionar danos diretos ou indiretos a todas as pessoas da família, nas várias fases de suas vidas”. (SALIBA, et al, 2007, p. 2). Ou seja, para os filhos que presenciam é fácil notar que as consequências, que se darão indiretamente. Mais ainda relevante na fase de desenvolvimento da personalidade, que é a idade correspondente a infância e adolescência.

Segundo outro artigo, produzido por autores da área médica:

A alta frequência com que as crianças testemunham violência contra suas mães e a gravidade das consequências para essas crianças e seus descendentes aumentam a relevância do problema e a importância de sua abordagem em caráter interdisciplinar nos diversos níveis de atenção à saúde. (MIRANDA; et al, 2010, pg. 306).

Dando especial ênfase a necessidade do profissional da área da saúde se preocupar com esse reflexo tão latente da violência contra a mulher, que é o comprometimento da saúde dos menores. Defende assim que nos casos de violência doméstica, além da mulher vítima, deve-se dar ênfase também aos danos sofridos por crianças e adolescentes que estejam presentes nesse contexto.

Explicam outros autores também ligados à medicina que:

A exposição da criança pode ser direta, ao presenciar a violência, como também indireta, por meio dos agravos que esse evento traz à saúde física e mental da mãe. Ambas são consideradas situações de risco para o desenvolvimento de problemas emocionais, escolares e de comportamento dos filhos.

Levando em conta o dano que é sofrido reflexamente por crianças que testemunham agressões. Ainda segundo esses: “as repercussões na saúde das crianças apresentam associação com sintomas de trauma, quadros depressivos e de ansiedade, comportamentos agressivos, transtorno de conduta e baixo desempenho escolar” (DURAND; et al, 2011, p. 356). Mais uma vez frisando o quanto é gritante a associação do dano sofrido pelas crianças com afetação da saúde mental.

5.2 CASO CONCRETO – PROCESSO Nº 0013350-55.2017.8.18.0140

O caso relata situação denunciada pelo Ministério Público do Estado do Piauí pelo crime de ameaça (art. 147 do Código Penal Brasileiro) e lesão corporal (art. 129, §9º do Código Penal Brasileiro) no contexto de violência doméstica, além de conter no teor dos fatos também o crime de injúria (art. 140 do Código Penal Brasileiro).

Contém situação em que o um agressor de iniciais H.N.G.C ameaçava e agredia constantemente a companheira de iniciais B.T.S na presença do filho, iniciais L.N.G.S, menor de dois anos. O autor dos fatos tinha atitudes agressivas e ameaçadoras, como quebrar um casco de cerveja e ameaçar cortar o pescoço da companheira. Ao expulsar a vítima de casa, impediu durante 23 (vinte e três dias) que essa tivesse acesso ao filho.

Quando a ofendida, em certo dia, foi até a casa do companheiro para ver o filho, na intenção de pegá-lo para que dormisse com ela, teve não como resposta, mesmo com o menor, no colo da dessa, pedindo para ir com a mãe. A atitude do acusado foi tirar a criança a força dos braços da mãe e dar um soco na boca dessa, além de proferir contra ela palavras de baixo calão, tudo isso na presença do menor.

O processo ainda não obteve sentença judicial, mas o do dano moral, inconteste foi sofrido pela vítima, e também pelo filho menor, caracterizando dano moral em ricochete.

Diante desse e de outros frequentes fatos em que há presença de crianças e adolescentes, frente a situações de violência doméstica, é necessário que haja reconhecimento da responsabilização pela via reflexa.

5.4 PROJETO DE LEI Nº 195 DE 2014

Nesse contexto, tramita no Senado Projeto de Lei nº 195 de 2014, que visa alterar a Lei Maria da Penha, com o intuito de tornar obrigatório o colhimento de provas para que sejam remetidas ao Juiz da Infância e da Juventude e ao Conselho Tutelar, nos casos em que houver presença de criança ou adolescentes em situação de violência doméstica. (BRASIL, 2014).

O referido projeto dá merecida atenção aos prejuízos sofridos pelos filhos que presenciam violência doméstica e familiar e contribui para a evolução da lei, que visa proteger a mulher vítima de violência, mas que não deve deixar de dar devido apoio àqueles que convivem na situação de violência. Com isso, é possível que, com mais clareza, seja discutido o dano moral reflexo sofrido pelos menores, que acabam envolvidos na violência sofrida pela mãe.

5.5 DANOS PSICOLÓGICOS SOFRIDOS PELOS FILHOS MENORES

Conforme já exposto, situações como essas levam a abalos psicológicos nas crianças e adolescentes, vítima indiretas da violência doméstica e familiar. Esses danos podem consistir tanto na repetição de comportamento violento, como também em sofrimento mental, causando ansiedade, pânico ou até depressão.

Conforme os autores Kashani et al., 1992; Hendricks-Matthews, 1993; Straus & Gelles, 1995; Gelles, 1997, esse tipo de dano pode causar distúrbios psicossomáticos gastrointestinais crônicos e remitentes, além das repercussões psicoemocionais, como a ansiedade ou a depressão. Também provoca dificuldade nas relações sociais e comportamento baseado na agressividade e isolamento. Outras consequências também podem ser expressas por insônia, falta de apetite e até redução do desempenho nas atividades intelectuais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, como visto, há latente presença de dano em ricochete, principalmente no que tange a consequências psicológicas sofridas por crianças e adolescentes, filhos de vítimas de violência doméstica e familiar. Dessa forma, é necessário que tais casos sejam amparados de modo que a responsabilidade civil diante de tal dano possa ensejar com veemência.

Tendo sido demonstrado por meio de pesquisas de profissionais da saúde, além de situações reais e caso com concreto, que provam a influência na saúde mental de crianças decorrentes do fato de testemunharem situações de violência, é mister que seja considerado com tamanha relevância no âmbito jurídico. De modo que possa ser maior a abordagem dessa problemática. Devendo a sentença penal, conforme prevê o art. 387 do Código de Processo Penal Brasileiro, em casos envolvendo violência doméstica já trazer previsão sobre o valor mínimo indenizatório envolvendo também o dano moral reflexo.

Com precisão, o projeto de lei que tramita com o intuito de que casos em que crianças testemunhem casos de violência seja averiguado com o merecido respaldo deve lograr êxito, uma vez que seria uma forma de melhor adentrar, tratar e resolver tais situações. A fim de efetivar, entre outros pontos, a responsabilidade civil pela via reflexa nesses casos.

BIBLIOGRAFIA

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BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 195, de 2014. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117918>. Acesso em: 27 mai. 2018.

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Graduanda do Curso de Direito na Faculdade Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho – Pitágoras ICF1