A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS NA GESTÃO FINANCEIRA DOS FILHOS MENORES: O DIREITO PROVENIENTE DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10070616


Amanda de Souza Melo1
Orientador: Prof. Msc Oliviê Samuel Paião2


RESUMO

A família é o conjunto de pessoas unidas por laços de parentesco, sendo considerada a base e a célula fundamental da sociedade e, que merece uma proteção especial do estado. O legislador constituinte de 1988 velou pela integridade da família, criando mecanismos para eventual existência de violência no âmbito familiar. O presente trabalho visa colocar como prioridade uma análise na regulamentação entres os dispositivos constitucionais, que fazem consonância ao conteúdo do poder familiar, como dever inerente dos pais e a administração dos bens financeiros dos filhos menores. Como menciona, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura a eles o direito à educação, o pleno desenvolvimento, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, e o direito de serem respeitados por seus educadores. Por esse motivo a pratica da influência negativa dos pais sob os filhos, em questões relacionadas a dinheiro e a obsessão pelo trabalho infantil, não estão sendo fiscalizados e advertidos na forma da lei como deveria. Diante do princípio da absoluta prioridade, que visa o melhor interesse do menor, a norma que regulamenta a administração dos pais nos bens dos filhos menores, encontra-se em desarmonia com as ações que envolvem a gestão financeira do menor, não cabe aos pais o direito absoluto na participação desses ganhos para usufruir como bem entenderem, pois a ainda de acordo com o Código Civil (2002), fica configurado ato ilícito o uso abusivo do poder familiar, ato que se manifesta o titular de um direito que não sabe o exercer de maneira correta.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil, Poder familiar, Incesto financeiro, Trabalho Artístico Infantil.

ABSTRACT

The family is the group of people united by kinship ties, being considered the basis and fundamental cell of society and which deserves special protection from the state. The 1988 constituent legislator ensured the integrity of the family, creating mechanisms for the possible existence of violence within the family. The present work aims to prioritize an analysis of the regulation between constitutional provisions, which are in line with the content of family power, as an inherent duty of parents and the administration of the financial assets of minor children. As mentioned, in light of the Child and Adolescent Statute, it guarantees them the right to education, full development, preparation for the exercise of citizenship and qualification for work, and the right to be respected by their educators. For this reason, the practice of negative influence of parents on their children, in matters related to money and the obsession with child labor, are not being monitored and warned in accordance with the law as they should be. Given the principle of absolute priority, which aims at the best interests of the minor, the rule that regulates the administration of parents over the assets of minor children, is in disharmony with the actions that involve the financial management of the minor, it is not up to the parents to absolute right to participate in these gains to enjoy as they wish, as according to the Civil Code (2002), the abusive use of family power is considered an illicit act, an act that manifests itself as the holder of a right who does not know how to exercise it. correctly.

Keywords: Civil Liability, Family Power, Financial Incest, Children’s Artistic Work.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo geral abordar um estudo crítico a respeito da responsabilidade civil dos pais ou responsáveis legais no papel da gestão financeira dos filhos menores, com base nas reflexões e inovações para a solução de problemas sociais como os causados pelo abuso do poder familiar e econômico, e o direito proveniente da carreira artística do menor.

Em suma, essa responsabilidade é bastante complexa, pois envolve o direito de autoridade do poder familiar e a administração financeira do menor, como também as tomadas de decisões da aplicação do dinheiro em benefício deste. A pesquisa visa chamar a atenção da sociedade e dos responsáveis do Poder Público, devido ao avanço de casos pela forma como os pais usam seus filhos para ganhar dinheiro, sejam eles no modelo do trabalho artístico infantil, ou até trabalhos como “mini-influencers” digitais.

Pois ainda nessa modalidade os pais tendem a compartilhar a vida de seus filhos para ganhar visualizações, com objeção de serem beneficiados onerosamente por essas atividades. Sob esse comportamento em se tratando da autoridade do poder familiar, destacamos que de acordo com a legislação vigente fica obrigado aos pais sustentar os filhos menores até a maioridade, e não o contrário disso.

Em razão de que as crianças e adolescentes só atingem a maioridade civil aos 18 anos, ou aos 16 anos, em casos de emancipação. Antes disso, eles não possuem capacidade legal para gerir os seus próprios recursos financeiros, logo a responsabilidade pela gestão de seus bens financeiros recai sobre os pais ou seus responsáveis legais conforme preceitua o conteúdo do poder familiar no artigo 229 da Constituição Federal e o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Contudo, vale destacar que as normas da legislação brasileira impõem limites e restrições sob esses direitos, com a ideia de responsabilizá-los, sendo requisitos obrigatórios o dever de cumprir dos pais as garantias e os direitos fundamentais do menor. Portanto, os pais devem utilizar esses recursos de forma responsável, garantindo que sejam destinados à educação, cuidados com a saúde, moradia e bem-estar geral.

Não devendo esses recursos serem utilizados para benefício pessoal dos pais, diante da configuração do abuso de direito e os atos ilícitos, que abrangem não só as regras, mas também os princípios e os direitos fundamentais do menor ou adolescente, sendo medidas que evitam um conflito de interesse. Principalmente porque é dever dos pais e responsáveis legais garantir a gestão do financeira dos filhos menores, para que seja realizada de maneira transparente, em conformidade com a lei, protegendo o interesse e o bem-estar dos menores envolvidos em atividades remuneradas.

Até porque, muito do que as crianças aprendem sobre dinheiro e trabalho vem das observações e interações familiares, e por isso, que no relacionamento entre pais-filhos é importante saber dosar seus limites e papéis, para que seus descuidos a respeito da projeção em responsabilidades adultas de maneira precoce na vida do menor, não gere impactos em suas vidas futuras.

As consequências são a longo prazo, diante do abuso do poder familiar, bem como, a não observância dos direitos das crianças e adolescentes, que passam por esse tipo de experiência pela infância, gerando adultos com dificuldades em lidar com o próprio dinheiro e suas finanças, além de criar conflitos com os próprios pais quando assim já possuírem capacidade plena para administrar seus próprios bens e se sentirem lesados com efeito da má administração que os pais tiveram enquanto tinham autoridade.

De maneira específica, ao nosso enfoque a respeito da responsabilidade dos pais para com seus filhos no âmbito financeiro, a Carta Magna como lei suprema, expõe as diretrizes que devem tratar desses valores. O artigo 227 Constituição Federal estabelece o dever compartilhado entre Estado, família e toda a sociedade, as garantias dos direitos e proteção à criança e ao adolescente, colocando-as à salvo de toda forma de negligência, exploração, do tratamento cruel ou degradante, com prioridade absoluta.

Observa-se que estamos diante de um contexto que nos remete a leitura do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei n.8.069/90, por se tratar de uma norma que define amparo, condição e proteção integral aos direitos e garantias fundamentais à criança e o adolescente, bem como os princípios orientadores como a dignidade da pessoa em desenvolvimento, prioridade absoluta, o interesse superior da criança e o princípio da proteção integral do menor.

No mesmo sentido que também nos leva a uma análise no aspecto de família no âmbito da legislação civil, em razão do direito dos pais no usufruto dos bens dos filhos menores, e o excedente do abuso do direito, sujeitando a suspensão ou extinção do poder familiar, afinal qual o limite entre administrar e abusa? Quem deve estabelecer esse limite?

Diante do tema que nos trouxeram a esses questionamentos, a responsabilidade dos pais pela gestão financeira dos filhos menores, será contextualizada a partir da reflexão e análise na conduta humana dos pais com seus filhos menores, que evidenciam comportamentos que retratam possíveis denominações a fatos ilícitos que evidenciam a responsabilidade civil destes.

A presente pesquisa já advém de um modelo de elaboração feito como pré-projeto onde encontrou-se interesse no assunto relacionado a responsabilidade dos pais na gestão financeira dos filhos menores chamados “jovens talentos”, especificamente depois do acontecimento repercutido, do caso da Youtuber infantil “Bel Para Meninas”, que foi relacionado a violência psicológica e abuso do poder familiar, por ser ridicularizada e sua exposição ter sido feita em destaque pela sua mãe, contexto que há evidências de um certo interesse na monetização do perfil na plataforma do Youtube.

Além disso, corroborou a ampliação dessa crítica o caso da atriz brasileira Larissa Manoela, na qual veio a público expor a sua vida pessoal e a situação enfrentada em relação aos seus pais, sobre o assunto delicado que se tratava da administração financeira de sua carreira artística, que no qual tinham a autoridade os seus pais.

E segundo o Código Civil Brasileiro os pais estão autorizados a administrar e a usufruir dos bens dos seus filhos menores. Porém, a legislação não especifica diretamente o teor desta administração, pois nem mesmo a sociedade e o legislador, se esperavam que esse patrimônio e bem financeiro, ultrapassem as rendas dos pais, no qual surgiu a hipótese para que eles abusassem, infringindo as regras e as normas que já são estabelecidas.

De acordo com a metodologia, o trabalho de pesquisa será analisado por meio da abordagem dedutiva respaldado em pesquisas bibliográficas, na leitura da legislação brasileira, sites e colunas informativas, para garantir uma coesão sobre os princípios próprios que orientam o direito da criança e do adolescente no âmbito de administração dos bens dos filhos menores. A reflexões para o problema em questão, pela necessidade de limitá-los, conciliar a interpretação extensiva da norma, e acarretar transformações pelos avanços socioculturais de casos pelo abuso do poder econômico.

1 RESPONSABILIDADE CIVIL: UM ENFOQUE NA RESPONSABILIDADE DOS PAIS NA GESTÃO FINANCEIRA DOS FILHOS MENORES

Nesse primeiro capítulo há a importância em falar da responsabilidade civil dos pais sob os filhos menores, ato que incide na conduta humana caracterizada pela ação e omissão de suas obrigações. Tal responsabilidade, no campo jurídico, está fundada no princípio fundamental da “proibição de ofender”, com a ideia de que não se deve causar prejuízo a outra pessoa.

Com base na Leitura do artigo 186, do Código Civil Brasileiro, são apresentados 4 elementos que conduz a responsabilidade civil sendo, a conduta, nexo causal, culpa e dano. A respeito disso, Carlos Roberto Gonçalves, aduz:

“A palavra “responsabilidade” se origina do latim respondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir. A ilicitude é chamada de civil ou penal tendo em vista exclusivamente a norma jurídica que impõe o dever violado pelo agente.” (Gonçalves, 2011, p.377)

A responsabilidade civil pode ser classificada em subjetiva ou objetiva, sendo que a responsabilidade subjetiva é aquela que tem como base a culpa do agente, que deve ser comprovada pela vítima para que surja o dever de indenizar, pois não se pode responsabilizar alguém por um dano se não houver culpa. À vista disso, Carlos Roberto Gonçalves, explica que:

 “A teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Não havendo culpa, não há responsabilidade. Diz-se, pois, ser subjetiva a responsabilidade quando esta se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa (em sentido lato, abrangendo o dolo ou a culpa em sentido estrito) passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável.” (Gonçalves, 2011, p.377)

Por outro lado, concordando com os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2011), a responsabilidade objetiva tem o dever de reparação de danos, independente da presença do elemento culpa, entretanto, de acordo com o caput do artigo 927 do Código Civil, haverá obrigação de reparação nos casos especificados na lei ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem, sendo por meio de previsão legal ou por risco de atividade.

A responsabilidade objetiva afasta a culpabilidade como critério de classificação, já que a falta do elemento culpa muitas vezes deixa o dano sem reparação, violando a justiça social. Acerca dessa probabilidade, Carlos Roberto Gonçalves, leciona:

“Esta teoria, dita objetiva ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que este seja obrigado a reparar o dano. Ela é de todo prescindível (responsabilidade independente de culpa).” (Gonçalves, 2011, p.377, grifo nosso)

Com base nessas informações e conciliando aos responsáveis titulares de um direito (os responsáveis do poder familiar), não podem infringir as normas estabelecidas pela legislação, pois ainda, voltando ao rol das responsabilidades, o nexo causal fica dividido entre o ato lesivo e o dano resultante. O artigo 187 do Código Civil (2002), expressa o pensamento de que o ato ilícito configura o abuso de direito, ficando sujeito na forma da lei, ao titular de um direito que ao excede-los os limites manifestante, para com fins econômicos, sociais, seja pela boa-fé ou pelos bons costumes. De acordo com a concepção de Flávio Tartuce:

“O ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante da sua ocorrência, a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional. O ato ilícito é considerado como fato jurídico em sentido amplo, uma vez que produz efeitos jurídicos que não são desejados pelo agente, mas somente aqueles impostos pela lei.” (Tartuce, 2015, p.  370, grifo nosso)

O ato ilícito configura a obrigação de indenizar e de reparar o dano, o artigo 188 do Código Civil (2002), prevê as formas das excludentes do ato ilícito, sendo uma delas o reconhecimento do dever de agir daqueles que estão no seu exercício regular de direito. Entende-se que, se o autor estiver atuando no exercício regular de um direito reconhecido, não fica sujeito a sofrer sanções sob determinadas hipóteses.

 Porém, se o autor extrapola, configura-se o abuso de direito, perceba que a legislação impõe limite para aqueles que estão caracterizados hierarquicamente como autoridade. Assim sendo, Flávio Tartuce, expõe o conceito de abuso de direito:

“O conceito de abuso de direito é, por conseguinte, aberto e dinâmico, de acordo com a concepção tridimensional de Miguel Reale, pela qual o Direito é fato, valor e norma. Eis aqui um conceito que segue a própria filosofia da codificação de 2002. O aplicador da norma, o juiz da causa, deverá ter plena consciência do aspecto social que circunda a lide, para aplicar a lei, julgando de acordo com a sua carga valorativa. Mais do que nunca, com o surgimento e o acatamento do abuso de direito como ato ilícito pelo atual Código Civil, terá força a tese pela qual a atividade do julgador é, sobretudo, ideológica.” (Tartuce, 2015, p. 372, grifo nosso)

Em reforço, para que o abuso de direito esteja presente é imprescindível que a conduta seja praticada por sua natureza a pessoa que exceda um direito que possui, no caso dessa pesquisa, implicando riscos aos direitos dos filhos, a gestão financeira proveniente do trabalho dos jovens artistas. De acordo com o posicionamento de Cristiano Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Netto:

“O artigo 186 do Código Civil exorbita a conceituação do ilícito. Em verdade, ele descreve apenas uma das espécies de ato ilícito – o ilícito clássico –, que é o ilícito subjetivo indenizatório. Vale dizer, o legislador civil foca a sua investigação em uma das espécies do gênero da ilicitude. Em sentido amplo, o fenômeno do ilícito se concentra na soma dos seguintes elementos: antijuridicidade + imputabilidade. Este é o cerne do suporte fático da ilicitude, pois faltando qualquer desses dois elementos inexiste o fato ilícito, em qualquer circunstância.” (Farias, Rosenvald, Netto, 2015, p. 134, grifo nosso)

Diante da denominação de ato ilícito clássico, iremos citar as classificações que existem entre as regras e os princípios que existem entre eles. Conforme a tese firmada, segundo Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero (2014, p.26), no qual apontam que os primeiros atos opostos a regras do ato ilícito podem ser chamados de “ilícitos típicos”, enquanto os segundos, que se opõe a princípios, seriam os “ilícitos atípicos”.

Na realidade são dois objetos distintos que fazem real sentido na nossa abordagem, principalmente no que se refere aos princípios. Através dessa tese, com a ideia e entendimento de Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero, esclarecem:

“Alguns são o resultado de estender analogamente a ilicitude estabelecida em regras (analogia legis) ou o resultado da mera ponderação entre os princípios relevantes do sistema, cujo equilíbrio exige a criação de uma nova regra proibitiva (analogia iuris). Outros os que aqui nos interessam são ilícitos atípicos que, por assim dizer, invertem o sentido de uma regra: prima facie existe uma regra que permite a conduta em questão; contudo e em razão de sua oposição a algum princípio ou princípios, essa conduta se converte, uma vez considerados todos os fatores, em ilícita; isso, em nossa opinião, é o que ocorre com o abuso de direito, a fraude à lei e o desvio de poder.” (Atienza, Manero, 2014, p. 28, grifo nosso)

Em face disso, normativamente a redação do artigo 1.689 do Código Civil (2002), quando o legislador expressa o entendimento de que os pais possuem direito quanto ao usufruto e a administração bens dos filhos, a norma interpreta direcionando ao conceito de direito absoluto, porém, a imposição não sobrepõe aos princípios que regem os direitos que são interligados, no qual são princípio da proteção da pole e melhor interesse do menor.

O legislador constituinte conferiu prioridade aos direitos da criança e do adolescente, ressaltando os seus direitos em primeira linha de interesse, por se tratar de pessoas indefesas e em importante fase de crescimento e de desenvolvimento de sua personalidade (Madaleno, 2021, p. 63).

Isto é, aqui é o ponto onde queríamos chegar, especificamente as atitudes dos pais que agem no sentido de violar os elementos da norma, o dever de obrigação e o respeito ao direito de prestar condições e dignidade aos filhos menores, serão classificados pelo ilícito atípico, pois a ação de manipulação advindo do poder familiar, em virtude do conflito de interesse na administração e direito de usufruto dos bens dos filhos menores, violam as normas jurídicas, sendo uma causa de atividade danosa aos bens desses menores, pois o poder familiar dever ser exercido no interesse da prole, e não no dos pais.

Contudo, sobre princípios, Madaleno (2021), leciona que a Emenda Constitucional 65/2010 reconheceu não somente a criança, como também aos Jovens, a serem titulares de direitos especiais, a garantia dos direitos destinatários da proteção integral que norteia os direitos das Crianças e Adolescentes, ou seja, os princípios se estendem aos jovens adolescentes.

Com base nesse estudo, de acordo com a interpretação do texto do artigo 1.689 do CC (2002), o ato legal advertido para o Estado, seria uma reanálise e avaliação quanto à interpretação da norma, já que o referido texto possui um entendimento obscuro em se tratando do poder familiar e o limite ao abuso do direito familiar relacionado aos fins econômicos na administração dos bens dos filhos menores.

É preciso adequar o direito às novas necessidades sociais, pois diante da responsabilidade civil dos pais na gestão financeira dos filhos menores, surgiu a prática do abuso de direito, não devendo os pais colocar seus interesses pessoais acima dos interesses dos filhos. O novo Estatuto da Criança e do Adolescente, segue a doutrina da proteção integral do menor, pois a estes, devem ser asseguradas condições de desenvolvimento, dignidade e garantias dos seus direitos fundamentais. Sobre o poder familiar e trabalho, expõe Rolf Madaleno:

“Cabe aos pais exigir dos filhos obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição, submetendo-se o menor à disciplina do lar, com a assunção das tarefas a ele postas por seus progenitores, com vistas a forjar seu caráter, neste mister dos pais de educarem os filhos para a vida, cuidando de lhes mostrar os limites do certo e do errado, do bem e do mal, tudo com vistas ao caráter educativo e de proteção, sempre na busca da integral formação do descendente.” (Madaleno, 2021, p. 289)

Com base nas formas de integração da norma jurídica brasileira a LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), uma das leis mais importante do ordenamento jurídico que orienta quanto a forma de aplicação e interpretação das normas, estabelece a regra de que, quando a legislação não possuir dispositivo aplicável ao caso concreto, há sempre uma lacuna, ou seja, quando há uma ausência de critérios para saber qual norma aplicar, sempre terá outro mecanismo.

O artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro, expõe que “a lei quando for omissa, serão utilizados a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (Brasil,1942). Conforme leciona Tartuce (2015, p. 36, apud Diniz, 2002, p.1-5), “o direito não é lacunoso, mas há lacunas”, entretanto, de acordo com esse entendimento, as lacunas, todavia não são do direito, mas sim da própria lei que é omissa em alguns casos objetivos.

Dentre as quatros principais espécies de Lacunas, é importante a saber, o conceito de lacuna ontológica, pois se encaixa no modelo atual da crítica na qual estamos analisando e refletindo. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves, aduz:

“Sob o ponto de vista dinâmico, o da aplicação da lei, pode ela ser lacunosa, mas o sistema não. Isso porque o juiz, utilizando-se dos aludidos mecanismos, promove a integração das normas jurídicas, não deixando nenhum caso sem solução (plenitude lógica do sistema). O direito estaticamente considerado pode conter lacunas. Sob o aspecto dinâmico, entretanto, não, pois ele próprio prevê os meios para suprir-se os espaços vazios e promover a integração do sistema. Por essa razão é que se diz que os mencionados mecanismos constituem modos de explicitação da integridade, da plenitude do sistema jurídico.” (Gonçalves, 2011, p. 72)

Portanto, no caso do usufruto e da administração dos bens dos filhos menores, verifica-se que há norma, mas ela não corresponde aos fatos sociais que as englobam, pois com o grande desenvolvimento das relações sociais não se imaginava que o trabalho do menor tomaria a proporção de maior renda no âmbito familiar, trazendo o sustento da família.

Por esse motivo, com o progresso do tempo a legislação que se trata de um direito absoluto do poder familiar, já envelheceu, exemplo de lacuna ontológica, na qual orienta a existência da norma para o caso concreto, mas ela não possui eficácia social. (Tartuce 2015, p.36, apud Diniz, 2002, p.95, tradução nossa).

Por fim, voltando ao teor da responsabilidade civil vale salientar que, ela própria possui, características estruturais que moldam o tipo de resposta oferecida ao problema que adentra os seus domínios (Madaleno, Barbosa, 2015). Dentro de uma nova perspectiva de estudo da Responsabilidade Civil, Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa aduz:

“A Responsabilidade Civil – que tem levado, em alguns países, a substituição do nome da disciplina por “Direito de Danos” (Derecho de Daños), consiste justamente em libertar a reparação do seu caráter exclusivamente pecuniário.” (Madaleno, Barbosa, 2015, p.34)

Nessa grande obra de Madaleno e Barbosa 3. Cap (2015), a visão que temos é compreender que o dano ao patrimônio indenizável não é a mesma coisa que “pagar” alguém pelo dano moral a quem sofreu, pois, a honra nunca será plenamente reparada por uma quantia monetária, ainda mais se tratando de relações familiares. A Responsabilidade Civil como recurso cabível como instrumento de solução de conflitos, consiste em uma adaptação interpretativa para afastar a prestação pecuniária.

No âmbito de família é crucial para entendermos que a reparação do dano que vem dos pais, não se trata apenas de valor indenizável, mas sim, outras formas de reparação, ainda mais por saber que além de todos os problemas estamos lhe dando com pessoas de laços e vínculo afetivos, Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa, corroboram:

“[…] Pois é evidente que a quantia monetária não pode desempenhar, no âmbito das relações familiares, o papel de mecanismo exclusivo de reparação dos danos sofridos. Se a despatrimonialização da reparação já é recomendada – e até seguida – em outros setores do Direito Civil, trata-se, no campo do Direito Família, de necessidade indispensável.” (Madaleno, Barbosa, 2015, p.41)

A ideia do direito de família e a responsabilidade civil em uma reparação não pecuniária, é um tema importante na valorização das relações familiar, pois não se trata apenas de valores financeiros, indenização ou suspensão do poder familiar, são fatores que englobam um ramo do direito impecável para a evolução da sociedade com a interferência do Estado.

1.1 O Direito de Família e o Poder familiar

Ante o conceito de poder familiar, a família sofreu profundas transformações em função da concepção natural, após avanço sociais no século XX (Madaleno, Barbosa, 2015). De acordo com a Carta Magna a família é a base de toda sociedade, cabendo aos pais o exercício da autoridade sobre os filhos, no interesse desses. De acordo com os ensinamentos de Carlos Maluf e Adriana Maluf:

“Devido à sua importância inquestionável para a estruturação da sociedade, a família recebe uma orientação direta do Estado. Logo, suas normas reguladoras são de ordem pública, e fixam intrinsecamente as diversas formas de composição das entidades familiares, observadas suas íntimas peculiaridades, bem como as questões atinentes à prole, e à proteção econômica da família.” (Maluf C., Maluf A., 2021, p. 46)

Como regra, do direito à convivência familiar, toda criança ou adolescente tem direito a ser criado no seio de sua família, o exercício do poder familiar está amparado no artigo 1.634 do Código Civil (2002):

“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;  VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.” (Brasil, 2002, grifo nosso)

O último inciso deve ser lido à luz da dignidade da pessoa humana com base na CF/88, e da proteção integral da criança no que compete ao ECA. No entanto, no Art. 1.630 do Código Civil, expõe que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores, essa prerrogativa trata-se de um múnus público (Maluf C., Maluf A., 2021), que significa um dever de condições reconhecido aos filhos menores.

São aplicáveis também o direito cabível, divergindo os pais, fica assegurado o direito de igualdade entre eles, para que em casos de discordância ou desacordo recorrer à autoridade judiciária competente (Art. 1.631 do CC, 2002).  Esse ato de autoridade dos pais, é um pleno exercício de forma temporária, havidos até a maioridade ou emancipação dos filhos.

Todavia, em casos de emancipação, a aplicabilidade se divide em três espécies, são as modalidades voluntária que acontecem por meio do casamento, sendo em regra realizado em estabelecimentos de cartórios civis ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos, tenha economia própria. Quando houver divergência entre os pais, com relação a emancipação a questão será decidida por via judicial, no exercício do emprego público efetivo, há esses são concedidos por sentença ao tutelado que tem 16 anos completos, e a medida legal são adquiridas como por exemplo a colação em grau de curso superior, (Tartuce, 2015).  Segue tabela resumida, segundo o doutrinador Flávio Tartuce:

Conceito de   incapacidade  É a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil.
EspéciesHá duas espécies: a absoluta e a relativa. A absoluta acarreta a proibição total do exercício dos atos da vida civil (art. 3º). O ato somente poderá ser praticado pelo representante legal do incapaz, sob pena de nulidade (art. 166, I).  É o caso dos menores de 16 anos, dos privados do necessário discernimento e dos que, mesmo por motivo transitório, não puderem exprimir sua vontade (art. 3º, I, II e III). A relativa permite que o incapaz pratique atos da vida civil, desde que assistido, sob pena de anulabilidade (art. 171, I). É o caso dos maiores de 16 e menores de 18 anos, dos ébrios habituais, toxicômanos e deficientes mentais que tenham discernimento reduzido, dos excepcionais sem desenvolvimento mental completo e dos pródigos (art. 4º, I a IV). Certos atos, porém, podem os maiores de 16 e menores de 18 anos praticar sem a assistência de seu representante legal, como, v.g., fazer testamento (art. 1.860) e ser testemunha (art. 228, I).
Cessação da incapacidadeCessa a incapacidade quando desaparece a sua causa. Se esta for a menoridade, cessará em dois casos: a) pela maioridade, aos 18 anos completos; b) pela emancipação, que pode ser voluntária, judicial e legal (art. 5º e parágrafo único). A voluntária é concedida pelos pais, se o menor tiver 16 anos completos. A judicial é a concedida por sentença, ouvido o tutor, em favor do tutelado que já completou 16 anos. A legal é a que decorre de determinados fatos previstos na lei, como o casamento, o exercício de emprego público efetivo, a colação de grau em curso de ensino superior e o estabelecimento com economia própria, civil ou comercial ou a existência de relação de emprego, tendo o menor 16 anos completos.

 Tabela (Tartuce, 2015, p. 127)

No que tange ao conceito de múnus público, os pais quanto ao exercício do poder familiar não devem afetar suas relações com seus filhos. Pois deve o exercício desse poder ser exercido com base nos interesses dos filhos menores, podendo o Estado interferir nessa relação.

Nesse sentido, com base nas disposições da suspensão e extinção do poder familiar, os artigos 1.635 a 1.638 do Código Civil (2002), evidenciam as formas de suspensão do poder familiar. A perda ou a suspensão desse poder são medidas restritas e serão decretadas judicialmente, bem como o descumprimento injustificado das obrigações impostas no artigo 24 do ECA (1990).

Aos pais pertencem o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhe ainda no interesse destes a obrigação de cumprir as determinações judiciais impostas para a convivência familiar, art. 22 do ECA (1990). Diante da incapacidade na vida civil, a tutela, é o instituto criado por lei que tem a finalidade a representação legal e a administração dos bens do menor, no que tange a legislação civil, que põe a salvo os filhos menores, fato que somente serão postos em tutela em caso os pais decaírem do poder familiar (Art. 1.728 do CC/02).  Conforme orienta, o doutrinador Flávio Tartuce:

“A tutela constitui instituto de direito assistencial para a defesa de interesses de menores não emancipados, não sujeitos ao poder familiar, visando a sua proteção. Na verdade, o grande objetivo da tutela é a administração dos bens patrimoniais do menor. Enuncia o art. 1.728 que os filhos menores são postos sob tutela com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes ou em caso de os pais decaírem do poder familiar.” (Tartuce, 2015, p. 1015)

A tutela é direcionada a pessoas de até 18 anos incompletos, previsto também no artigo 36 do ECA (1990). O tutor poderá ser nomeado por testamento ou documento autenticado. Destarte, os tutores não podem manter em seu poder dinheiro dos tutelados, além dos necessários para as despesas com o seu sustento, a educação e administração dos seus bens quando houver.

 1.2 A antiga expressão do poder familiar no Código Civil de 1916

Nesse tópico é importante apresentar à mudança que redirecionaram ao novo entendimento da expressão “poder familiar”, pois a antiga redação do Código Civil de 1916, usava a expressão “pátrio poder”, ao se referir ao pai como a principal figura de chefe da família, que sobrevenha como poder hierárquico entre eles.

Contudo, o caput do artigo 5º da CRFB/88, afirma que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Não se admite a distinção entre pessoas, com isso o tratamento entre a figura do homem e da mulher, sendo nesse caso, do pai e da mãe foram expressamente alterados (Brasil,1988). Conforme leciona, Carlos Roberto Gonçalves:

“A evolução social, o progresso cultural e o desenvolvimento científico pelos quais passou a sociedade brasileira no decorrer do século passado provocaram transformações que exigiram do direito uma contínua adaptação, mediante crescente elaboração de leis especiais, que trouxeram modificações relevantes ao direito civil sendo o direito de família o mais afetado. A própria Constituição Federal de 1988 trouxe importantes inovações ao direito de família, especialmente no tocante à filiação, bem como ao direito das coisas, ao reconhecer a função social da propriedade, restringindo ainda a liberdade de contratar em prol do interesse público. Desse modo, contribuiu para o deslocamento do centro da disciplina jurídica das relações privadas, permanecendo o Código Civil como fonte residual e supletiva nos diversos campos abrangidos pela legislação extravagante e constitucional.” (Gonçalves, 2011, p.43)

Com base nesse entendimento, o termo passou por modificações, sendo o poder familiar a nova expressão que substitui o “pátrio poder”, a finalidade de abordar essa discussão é para que fique claro que a legislação civil precisa acompanhar os avanços sociais, principalmente no direito de família, onde se reúne diversos direitos e deveres, baseados principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo o entendimento de Rolf Madaleno:

“A expressão pátrio poder induzia à noção de um poder do pai sobre os filhos, afigurando-se incoerente com a igualdade dos cônjuges, indo de encontro à doutrina da proteção integral dos filhos como sujeitos de direitos, daí evoluindo para a denominação de poder familiar, a traduzir uma noção de autoridade pessoal e patrimonial dos pais na condução dos prioritários interesses dos filhos, embora melhor exemplo advém do tratamento direcionado pelo Direito argentino de atribuir aos pais responsabilidades e não apenas poder, pois os filhos, diante dos novos conceitos constitucionais, são pessoas que participam ativamente neste processo de sua educação e, de acordo com cada etapa de sua evolução, passando pais e filhos a interagirem.” (Madaleno, 2021, p. 283)

Essa alteração surge através da historicidade, onde os direitos fundamentais precisam ser analisados caso a caso, são marcas de que existem contradições sobre determinado assunto. A família merece uma proteção maior do Estado, por esse motivo não deve jamais ser deixada em segundo plano, motivos que levaram a modificações de vários artigos da lei que regulamenta o Código Civil (2002).

Diante do objetivo geral sob a responsabilidade dos pais e o abuso do poder familiar, os artigos que se norteiam encontram-se em desarmonia na legislação civil, ferindo também o conceito dos princípios estabelecidos no ECA. O direito de autoridade dos pais de usufruto em confronto com os direitos fundamentais do melhor interesse menor, o poder familiar tem como foco constitucional os melhores interesses da criança e do adolescente, e não mais a supremacia da vontade do pai, chefe da sociedade familiar (Madaleno, 2021).

1.2.1 Breve conceito entre a analogia e interpretação extensiva da norma

O ponto principal nesse breve conceito é entender se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente previsto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, e os artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA,1990), possui aplicabilidade de interferência na norma que regula a responsabilidade dos pais na gestão financeira dos filhos menores.

Faz-se então, portanto, a breve explicação para o leitor entender se estamos diante de uma analogia ou interpretação extensiva. Alude Carlos Roberto Gonçalves (2011), o conceito de analogia:

“Analogia: implica o recurso a uma norma assemelhada do sistema jurídico, em razão da inexistência de norma adequada à solução do caso concreto. Interpretação extensiva: consiste na extensão do âmbito de aplicação de uma norma existente, disciplinadora de determinada situação de fato, a situações não expressamente previstas, mas compreendidas pelo seu espírito, mediante uma interpretação menos literal.” (Gonçalves, 2011, p. 73-74)

A interpretação extensiva é o modo que faz a ampliação no sentido da norma, pois ocorre no momento quando a lei carece de amplitude para atender ao caso, devendo o intérprete verificar quais os limites da norma. Nesse sentido, de acordo com a redação do artigo 1.689, do Código Civil: O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I – são usufrutuários dos bens dos filhos; II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade (Brasil, 2002). Perceba que o artigo não impõe limites aos pais para o direito de usufruir dos bens dos filhos, e nem mesmo se pensava que os bens administrativos dos filhos menores poderiam ultrapassar os ganhos financeiro dos pais, um dos principais motivos que o artigo necessita ser analisado. Ora, destaca a redação do artigo 187, do Código Civil (2002): 

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” (Brasil, 2002)

Reconheça que também comete ato ilícito o titular de um direito que excede seus limites, até onde pode ir o interesse dos pais sobre a obrigação principal que tem como fator como o fim econômico? Sendo que o interesse do menor também precisa ser analisado, pois todo direito deve ser respeitado, inclusive o de condições de se desenvolverem com dignidade, garantindo-se a concretização dos seus direitos fundamentais.

Nesse diapasão conforme já explicado, a respeito das condutas ilícitas, os princípios, parecem estar abaixo das regras permissivas, isto é, que prima facie estão regulados pelas regras como condutas permitidas, mas que têm seus estados morais modificados, passando a estar proibido, (Atienza e Manero, 2014, p. 28).    

E sob essa perspectiva, se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, descumprindo as normas do dever familiar, também ficará sujeito a sanção de suspensão e extinção do poder familiar. O Código Civil traz no artigo 1.635, inciso V que se extingue por decisão judicial na forma do artigo 1.638:

“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – Deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V – Entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.” (Brasil, 2002, grifo nosso)

Desse modo fica na responsabilidade do juiz, para requerer algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus bens, art. 1637, §1 do CC (2002). Voltando a falar sobre a distinção da interpretação extensiva e a analogia, conforme o entendimento de Tartuce (2015), declara:

“A analogia é a aplicação de uma norma próxima ou de um conjunto de normas próximas, não havendo uma norma prevista para um determinado caso concreto. Dessa forma, sendo omissa uma norma jurídica para um dado caso concreto, deve o aplicador do direito procurar alento no próprio ordenamento jurídico, permitida a aplicação de uma norma além do seu campo inicial de atuação.” (Tartuce, 2015, p.38)  

Diante os conceitos, entende-se que a interpretação extensiva ocorre quando o texto de lei não alcança a vontade da norma, existe a necessidade de ampliar o significado da norma a fim de que seu objetivo verdadeiro seja alcançado. E a forma de analogia se refere a casos que não existe norma, cria-se a nova norma a partir de outra, nesse sentido o intérprete usa de disposição relativa a caso semelhante.

3. Principais Princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família

A Carta Magna expressa vários princípios ligados ao direito de família, ainda por sabermos que o princípio nos traz uma ideia jurídica orientadora, na qual a norma deve ser interpretada para ser aplicada ao caso concreto, sobretudo, o Estado protege a família independentemente da sua distinção. A base do direito de família é o princípio da dignidade da pessoa humana.

O artigo 226, § 7º da CF (1988), elenca o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da paternidade responsável, como eixos principais do planejamento familiar, visando obter o espaço e instrumento de proteção à dignidade da pessoa, e seus interesses individuais para que corresponda a necessidades fundamentais do homem (Madaleno, 2023), tendo o dever de propiciar meios que levem a viver e relacionar-se de uma forma mais solidária, com respeito pelo outro.

Os pais são responsáveis pela criação e educação dos seus filhos, assegurando condições de direito à vida, o acesso à moradia e a permanência na escola. São encontrados elencados na Constituição Federal duas classes de princípios: os relativos à garantia dos membros da família quanto à sua liberdade em face de influências externas e os relativos aos direitos dos membros da família diante do próprio Estado, visando à efetividade dos direitos que lhe são assegurados constitucionalmente (Maluf C., Maluf A., 2021).

Diante do princípio da afetividade, que se encontra nos vínculos da relação de família, a respeito do elo afetivo, Rolf Madaleno (2023, p. 109), específica como se ele fosse uma mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelos sentimento e pelo amor, para dar sentido e dignidade à existência humana, na medida que se possui um valor supremo e uma enorme necessidade, e pela falta dele, basta atentar para as demandas que estão surgindo para apurar responsabilidade civil pela ausência do afeto.

Outro princípio também muito importante é o da proteção da prole, ligado ao artigo 227 da Constituição Federal (1988) dotados de peculiaridade, na qual ordena as regras destinadas a proteção das crianças e dos adolescentes, que faz junção ao princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança, onde são atribuídos direitos e deveres aos envolvidos, como aos pais e responsáveis.

Destarte, Rolf Madaleno (2023), aduz que seria inadmissível admitir que pudesse qualquer decisão envolvendo os interesses de crianças e adolescentes ignorar o princípio dos seus melhores interesses, reputando-se inconstitucional a aplicação circunstancial de qualquer norma ou decisão judicial que desrespeite as instâncias prevalentes da criança e do adolescente recepcionados pela Carta Federal.

A antítese de abordar esses princípios, está na necessidade de se refletir sobre formas de conciliá-los, pois no que tange a legislação brasileira, os direitos de crianças e adolescentes possuem relações com o regime de incapacidades do Código Civil e a lacuna legal sobre o exercício do poder familiar (Zapater, 2023).

Sob os ensinamentos de Carlos Maluf e Adriana Maluf (2021), em relação ao princípio da convivência familiar, presente no art. 227 da CF (1988), o direito à convivência familiar, pode ser entendido como a relação afetiva que se estabelece entre os componentes do grupo familiar, estendendo-se que os outros parentes que integrem o grande núcleo familiar solidário, também faça parte dela.

Contudo, falado anteriormente a Emenda Constitucional nº 65/2010 incluiu os jovens entre os titulares de direitos especiais também previstos no artigo 227 da Carta Política de 1988, reconhecendo o jovem como sujeito de direitos e destinatário da proteção integral que sempre norteou os direitos das crianças e dos adolescentes (Madaleno, 2023, p. 111).

A supremacia dos interesses dos filhos, sua cidadania e dignidade humana foram elevadas a fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, não mais admitindo discutir e diferenciar pela origem dos filhos, partindo para o princípio da igualdade dos filhos (Madaleno, 2023).

A disposição do artigo 227, § 6º, da Carta Política de (1988), disciplina sobre para os “filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (Brasil, 1988). Do princípio da isonomia dos filhos, Renata Giovinona Di Mauro, leciona:

“Foi a Constituição Federal de 1988 que, com a redação supramencionada, passou a vedar qualquer pratica discriminatória para os filhos, destacando a igualdade de direitos entre estes. Apresentando harmonia com o texto constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe no art. 20: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (Mauro, 2017, p. 41)

O Direito de Família com o advento da Constituição Federal (1988), foi a defesa firmada dos componentes que formulam a natural estrutura humana, passando a prevalecer o respeito à personalização do homem e de sua família, o princípio da igualdade, o Estado Democrático de Direito preocupou-se com a defesa de cada um dos cidadãos, para impedir que houvesse qualquer tratamento discriminatório entre os gêneros sexuais, marido e mulher (Madaleno, 2023, p. 56).

Por fim, sob esses comandos dos princípios que norteiam o direito de família, conclui os autores Carlos Maluf e Adriana Maluf (2021):

“Pode-se concluir, desta forma, que os princípios constitucionais representam     um alicerce normativo cuja aplicação representou uma forma diferente de aplicar a lei, de pensar o direito. Tendo em vista a prevalência dos direitos humanos, o conhecimento de que o homem é detentor de uma dignidade intrínseca e de direitos subjetivos da personalidade, fez aumentar a amplitude dos valores merecedores de tutela legal.”  (Maluf C., Maluf A.,2021, p. 71)

Os princípios são a base no direito de família, as doutrinas destacam que eles são referências importantes em diversos texto legais da Carta Política de 1988, principalmente por fazerem interferência no modo de filiação, como a proteção integral da criança e do adolescente, tendo em vista que o tema pela responsabilidade tem a preocupação de mostrar que o poder econômico dos pais nos bens dos filhos, pode vir a provocar o abuso do poder familiar, em desrespeito ao princípio da paternidade responsável e do melhor interesse da criança.

2 O PODER ECONÔMICO NO INCESTO FINANCEIRO

Neste capítulo iremos avaliar o termo que traz uma nova expressão ao âmbito das relações de família, que possui um referencial grandioso no que diz respeito aos objetivos específicos desta pesquisa, que conceitua a origem dos surgimentos das ideias vinda dos pais nos assuntos relacionados a dinheiro com os filhos menores, bem como, o relato de casos concretos que fazem conexão com o entendimento do assunto que será abordado.

O “Incesto Financeiro” tema conhecido através do II Congresso Nacional de Família e Tecnologia do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Família), de iniciativa da palestrante Fernanda Las Casas, no qual explica na Coluna Família aos Bocados (2023) no Portal Jurídico Magis, o termo que foi moldado pelo psicólogo e planejador financeiro Brad Klontz. No qual traz o conceito exemplificado que se trata de uma forma de abuso emocional, que acontece através da prática do abuso e exploração dos pais com seus filhos em assuntos relacionados ao dinheiro.

Alguns exemplos mais comuns, no qual iremos relatar estão associados com a imaturidade dos próprios pais em jogar a responsabilidade financeira aos filhos menores e as suas consequências, partindo da premissa do momento que surge a ideia de fazer dos seus filhos pequenos artistas ou até mesmo “mini-influencers” digital, para ganhar dinheiro em cima disso. Nada obstante, para que chegássemos a essa pauta e o novo conceito já citado, notou-se o comportamento evolutivo de práticas recorrentes entre os pais ou responsáveis legais e os filhos menores, além de que, deve-se saber que existe um motivo para cada escolha no que se refere aos filhos, sendo elas boas ou consequentemente ruins.

E dentro desse complexo do trabalho artístico, que também engloba as atividades das redes sociais, estamos nos referindo às crianças e adolescentes, que possuem direitos e garantias fundamentais na forma da lei, no qual ainda sua privacidade não pode ser violada, por ainda se tratarem de sujeitos em condições de diferente desenvolvimento. Essa pauta é bastante importante na elaboração do entendimento da nossa pesquisa, referente a responsabilidade dos pais na gestão financeira dos filhos menores.

De fato, existe uma monetização por trás dessas atividades, mas qual seria a relevância para a sociedade em se preocupar com o modo de administração que os pais têm sobre os bens dos filhos menores? Afinal, essa monetização está sendo aproveitada pelo princípio do melhor interesse do menor, ou, sendo gozadas pelos pais, no que tange o cumprimento do dever legal de usufruir dos bens dos filhos menores? Quem fiscaliza está mesmo por dentro do assunto?

Quando se fala em respeitar a intenção dos pais, pois são autoridades sob os bens filhos, deve-se lembrar que para todo titular de um direito, temos também os limites expostos a essas condições, mesmo que indiretamente, o Código Civil Brasileiro possui instrumento para erradicar ideias que divergem da interpretação da norma. Conforme aduz Carlos Maluf e Adriana Maluf:

“Em princípio, o patrimônio do filho menor é confiado à administração dos genitores que estiverem no exercício do poder familiar (art. 1.689 do CC). Entretanto, os poderes dos pais não devem exceder, como visto, os poderes oriundos da simples administração, poderes esses que podem compreender atos inerentes à conservação dos bens dos filhos.” (Maluf C. e Maluf. A., 2021, p. 658)

Diante o exposto, partindo da intenção nos resultados financeiros os pais como titular de direito na administração dos bens dos filhos menores, na ação de manipular os filhos, cometem ato ilícito, ou seja, fatos jurídicos, “são aqueles eventos, oriundos da natureza ou da vontade humana, que podem repercutir na órbita jurídica, produzindo diferentes efeitos.”, (Farias, Rosenvald, Netto, 2015, p. 124).

O abuso do regular exercício de direito dos pais sob os seus filhos vem crescendo muito no Brasil e no mundo, o fenômeno chama bastante atenção para questões como impactos psicológicos, fonte de renda, manipulação financeira, superexposição diante do trabalho realizado pelo menor.

Essas situações podem acontecer de maneira forçada, sem deixar que seja perceptível, ou usada por um disfarce maior, como se a criança ou esse adolescente, estivesse realizando um trabalho que a mesma goste, por mera “diversão”, e na maioria dos casos, não é bem assim que funciona. Ainda sobre o poder familiar, vale salientar que se apresenta com as seguintes características fundamentais: é um poder-dever, pertencente aos pais, que não se acaba com a separação destes, é um direito irrenunciável (Maluf C., Maluf A., 2021, p. 653).

Em razão da peculiaridade ou frequência do trabalho desenvolvido por esses menores, podemos abordar a possível perda de seu desempenho escolar, momentos de lazer e desenvolvimento físico e psicológico que podem ser prejudicados, cabendo aos pais, à sociedade e ao estado serem validadores de tais esforços, com vistas a uma regulamentação e legislação mais rigorosas, de modo a proteger o superior interesse e o bem-estar do menor como bem expressa as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Portanto, fica exemplificado a seguir que em alguns casos baseados em fatos reais, a responsabilidade civil e o ato ilícito, com efeito da manipulação através deste papel de dever legal, podemos perceber que não passa de mero interesse dos pais no direito de usufruir dos bens dos filhos, já classificando o dessa forma o abuso do poder familiar. O pai que aplica castigos desproporcionais em seu filho será privado do poder de família, o possuidor de má-fé será interditado a indenização por frutos e benfeitorias úteis, bem como o direito de retenção sobre estas. (Farias, Rosenvald, Netto, 2015, p. 131).

2.1 Caso Bel do canal “Bel Para Meninas”

Nesse tópico precisamos compreender que estamos nos referindo aos trabalhos de menores na internet. De acordo com o site Portal Jurídico Magis (2023), nesse contexto conceitua: quando unimos o termo “Incesto Financeiro” explicado no tópico anterior, a “Ativos Digitais”, estamos nos referindo à forma como os pais usam os filhos pequenos, atribuindo a eles a responsabilidade de dedicar-se à criação de conteúdo digital, com o resultado de conquistar seguidores e monetizar as páginas e perfis.

Em síntese essa breve explicação se faz necessário, para colocarmos em evidência, o Caso da Youtube mirim do canal “Bel para meninas”, que compartilhava seu cotidiano através de vídeos no Youtube. A menor “Bel” nome na qual era conhecida, começou suas atividades por cerca dos 6 aos 7 anos de idade, na qual se apresentava ao público da internet.

Ao longo dessas interações, os internautas da internet começaram a levantar dados que seriam supostas evidências de que a genitora da mesma a “Fran” seria uma mãe narcisista, ou seja, uma mãe que causava pressão e abuso psicológico muito grande na criança de modo indireto, mas perceptível. A genitora aparecia fazendo participações com a filha no canal do Youtube, mostrando o dia-a-dia, indo para escola, mostrando as suas coleções de bonecas e fazendo uso de várias experiências como forma de “divertimento”, e etc.

O caso teve como repercussão nacional envolvendo as práticas dessas atividades, pois os fãs da Youtuber mirim e o público em geral começaram a se manifestar diante dessas atitudes suspeitas. Houve várias denúncias a respeito do caso porque a mãe da menor forçava a barra ao divulgar os vídeos chamativos no Youtube principalmente por ela ser a monitora principal dessa rede digital.

 Os internautas da rede social do Twitter levantaram a hashtag “SalvemBelParaMeninas” na época do fato (2020), tidos como tema principal a violência psicológica, maus tratos e superexposição infantil. O público chamou a atenção do conselho tutelar, que comprovou em um dos vídeos do canal de Bel em que ela aparece vomitando ao ser incentivada por sua mãe a experimentar um líquido de gosto ruim e aspecto nojento, e a “Fran” mãe, estimula a menor a continuar na gravação e a continuar na brincadeira, dentre outros fora do normal, vídeos esses que já foram removidos do Youtube por meios de medidas judiciais, caso que corre em segredo de justiça. Conforme expressa a letra do artigo 17 do ECA, (1990):

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. (Brasil, 1990, grifo nosso)

Esse fato nos leva a uma análise questionável que se torna de suma importância para colocar em alerta aos nossos representantes judiciais. Qual seria a necessidade da genitora em praticar essas condutas? Seria por imaturidade, mãe narcisista, ou pela vantagem em ganhar visibilidade em troca das visualizações desse canal a fim de angariar seguidores e monetizar as páginas e perfis, entre eles principalmente a plataforma do Youtube? De acordo com o texto do artigo 18-A do ECA (Brasil, 1990):

“Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.  Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se: I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão; II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: a) humilhe; ou b) ameace gravemente; ou c) ridicularize.” (Brasil, 1990, grifo nosso)

A respeito do tratamento cruel e degradante que se refere o artigo, resgatamos alguns momentos em que a genitora aparece ridicularizando a filha. A seguir fotos com rostos embaçados, fontes de reprodução da internet, depois das denúncias e pronunciamento do Ministério Público, os vídeos foram retirados da plataforma, em obediência a natureza jurídica que sobrepõe ao segredo de justiça, por ser de procedência que violam as normas estabelecidas no ECA, como a preservação da imagem, integridade psíquica, moral da criança e do adolescente.

Figura 1 – Mãe rindo ao perceber que a filha passa mal.

Fonte: Reprodução / Twitter (2020).

Os vídeos demonstram que as medidas de proteção ao direito à criança e ao adolescente são aplicáveis por terem sido ameaçados e violados. Na aplicação da medida nesse caso, fica caracterizado pelo abuso dos pais em razão da sua conduta, além de que, a forma de “trabalho artístico” apresentado só fica permitido com alvará de autorização do Juiz da vara de infância, com finalidades educativas. Importa destacar que diante desse contexto, conceito do abuso do poder familiar se encaixa pois compreende as situações em que os detentores daquele poder-dever excedem as balizas socialmente esperadas de sua atuação e desviam-se das finalidades jurídicas associadas à sua condição de pais (Madaleno, Barbosa, 2015, p. 187).

Figura 2 – Mãe brincando no momento que a filha passa mal.

Fonte: Reprodução/ Twitter (2020).

O tema possui uma complexidade na interpretação aos termos dos limites impostos sob o abuso de direito e o abuso do poder familiar, na obra de Madaleno e Barbosa (2015), segundo eles explicam:

“No abuso do direito a pessoa justamente excede as fronteiras do exercício de seu direito, sujeitando-se às sanções civis, que passam pelas perdas e danos aferíveis em dinheiro. Existe uma linha tênue entre o abuso do direito (art. 187 do CC), e o abuso do poder familiar (art. 1.630 do CC), sendo difícil e arriscado generalizar seus diagnósticos, pois cada situação exige um detido exame e talvez seu único denominador em comum seja que, de uma maneira ou de outra, em todas as hipóteses de abuso sempre estará sendo comprometido o bem-estar psíquico e o interesse do menor.” (Madaleno, Barbosa, 2015, p.188) 

A respeito da responsabilidade civil pelo uso do abuso do poder familiar em respeito a situações em que o titular pode ser afastado ou excluído, fica caracterizado no caso narrado pelo cenário que estão ligadas a atos contrários à moral e aos bons costumes. A prática ou a exposição dos filhos a atos imorais, escandalosos ou reiterados pode resultar na perda do poder familiar (Tartuce F., Gramstrup, 2016). Em situações menos extremadas, porém, pode-se indagar da responsabilização dos titulares daquele poder, (Madaleno, Barbosa, 2015, p.192). 

2.1.2 Caso Atriz “Larissa Manoela”

Nesse tópico teremos uma análise do sobre o trabalho infantil e o abuso do poder familiar na relação de usufruto da administração dos bens dos filhos menores, e os direitos violados em decorrência da carreira artística da Atriz. O Caso da Atriz teve uma grande repercussão nacional envolvendo a polêmica de violência do abuso do poder familiar que a mesma passava com seus pais.

De acordo com a Revista Quem G1 (2023), A atriz Larissa Manoela, desde muito nova possui um grande protagonismo na TV Brasileira, bem como, é embaixadora de várias marcas nacionais e internacionais, a empresária, cantora e atriz apareceu na TV brasileira pela primeira vez na novela de “Carrossel Encantado” na emissora do SBT, ficando conhecida pelo papel feito por “Maria Joaquina”.

Larissa teve sua carreira artística administrada pelos pais até os seus 21 anos de idade, quando resolveu romper a relação com os pais, após perceber que estava sofrendo abuso e sofrendo violência e lesão ao patrimônio conquistado por consequência do seu próprio trabalho durante anos.

A atriz ao completar a idade de início a vida adulta, aos 22 anos anunciou o conflito e o rompimento da relação empresarial com sua mãe, Silvana Taques e o Pai Gilberto Elias Santos, escreveu Larissa Manoela, em seu perfil oficial do Instagram no dia 11 de Maio (2023), foto com a descrição:

“22 anos de idade. 18 anos de carreira. O ano de 2023 marca uma mudança significativa na minha vida. A dedicação ao cinema foi uma decisão minha, que desde o ano passado, mais especificamente no início de dezembro, venho assumindo as demandas comerciais de minha carreira e agora passo a ser minha própria empresária. Esse momento veio com a criação da empresa Mimalissa, que vai gerir os meus contratos e tem a mim a frente de tudo. A fase próspera reflete nos bons números conquistados, que atualmente carrego acordos com sete grandes marcas, sendo embaixadora de três delas e dona de um feat com uma linha incrível de maquiagens”. (Manoela, 2023)

Contudo, de acordo ainda com a Revista Quem G1 (2023), após a decisão, aos rumores da internet o pai da atriz Gilberto Elias Santos, publicou em sua rede social do Instagram uma imagem com uma mensagem de ingratidão.

Nas redes sociais, diversos internautas saíram em defesa da artista com comentários parecidos como esses: “Preguiça desses pais que acham que os filhos devem algo para eles além do respeito e educação”, e também, “No caso ela é que alimentou eles todos esses anos, ao lembrar que a atriz Larissa Manoela trabalha como atriz desde a infância (G1, 2023).

Analisando de forma crítica, a visão da sociedade no que diz respeito ao trabalho artístico infantil que não é só o glamour, por trás de grandes faces se escondem pessoas responsáveis inclusive pela fiscalização e denúncia para os órgãos competentes. Vale pontuar que o objetivo do estudo ao tema não é a extinção desse tipo de trabalho, até porque esses menores são parte importante no meio cultural, e muitos possuem um enorme talento, está voltado ao abuso de direito do poder familiar. Nesse sentido, pontua o Art. 1.637 do Código Civil (2002):

“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.” (Brasil, 2002, grifo nosso)

O artigo reconhece a possibilidade da suspensão do poder familiar quando se fala a respeito do “abuso da autoridade dos pais”, quando o uso excessivo desse direito acarreta no desvio de finalidade. Nesse contexto, os pais da atriz possuem interesse escancarado nos bens da filha, mesmo ela já estando na fase da vida adulta, direito que se tinha através do poder pela administração e por serem os principais empresários da atriz.  

O incesto financeiro por ser caracterizado nas atitudes dos pais na relação com os filhos menores envolvendo dinheiro, incluímos o caso da Atriz para análise, vale lembrar que, claro sabemos que os pais possuem direito de usufruto e administração dos bens quando os filhos menores art. 1.689 do CC (2002), destaca o poder econômico atribuído.

Todavia, depois de toda exposição, surgiu o questionamento, seria os pais de Larissa Manoela, manipuladores e controladores financeiros nos bens da artista, por vontade natural? só para se aproveitar? Afinal, os pais se comportam como se o interesse maior deles fosse no bem da filha, como se o que importassem para eles fosse apenas a carreira da Atriz e os ganhos que ela alcançou no decorrer de sua trajetória. A seguir, abaixo foto reprodução, Revista Quem G1 (2023), publicação do pai da Atriz Larissa Manoela:

As hipóteses de solução para o caso, seria uma fiscalização mais direta e rígida a respeito do fato gerador da responsabilidade civil dos pais pelas atitudes estranhas ao interesse da adolescente. A proposta de reparação não pecuniária, conforme leciona Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa (2015), pode ser cabível ao caso por se tratar do direito de família, a uma prestação que não envolve o dever de indenização.

Sobre a proposta da reparação não pecuniária na coordenação de Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa (2015), definem o pensamento de que as ações judiciais de compensação pecuniária empregadas pelos danos morais passaram a ser um mecanismo de tutela de interesse nas relações familiares por meio do abandono afetivo, alienação parental e a violação de deveres conjugais, por esses motivos as ações judiciais passaram a ser fonte da responsabilidade civil dos pais. 

A reparação, traz a ideia para uma linha tênue entre a revisão do poder econômico que os pais têm sobre os bens dos filhos menores, ou a criação um projeto de lei com novas diretrizes, para a gestão financeira dos filhos que estão encaixados no modelo do trabalho artístico infantil, seja via televisão ou rede social, que ainda os orientem no poder-dever de obedecer aos princípios que regem a criança e adolescente, evitando a proliferação de conflitos no âmbito familiar.

2.1.3 Mc Melody

O caso da cantora menor de idade à época do fato, Gabriela Abreu Severino (8 anos de idade), foi alvo de investigação do Ministério Público, por cantar músicas indevidas, com letras que não condizem com sua idade, com alto teor sexual, uso de poses sensuais, fotos com roupas curtas e decotadas, dançando em bailes funks e fazia vídeos caseiros, tudo isso dirigido e administrado por seu pai (Alesp, 2015).

A cantora mirim conhecida como “Mc Melody”, foi referenciada a hipótese de “violação ao direito ao respeito e à dignidade de crianças adolescentes”, segundo ainda o Portal da Assembleia Legislativa de São Paulo (2015), no tempo auge do acontecimento, o caso foi um dos assuntos mais comentados das redes sociais, foi criado um abaixo assinado que pedia “intervenção e investigação de tutela” ao Conselho Tutelar de São Paulo, que chegou a marca de 23 mil assinaturas em apenas quatro dias.

O pai de MC Melody, e também funkeiro MC Belinho, foi citado pelo inquérito do Ministério Público, por agir de maneira desrespeitosa ao art. 4º do ECA (1990), que diz:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. (Brasil, 1990)

Nessa premissa, trouxemos o caso para análise pois o pai da menor era o principal apoiador da exposição da filha, agindo totalmente de modo irresponsável no dever de autoridade da relação do poder familiar. Eis que começam as indagações, pelo modo de interesse do trabalho artístico infantil voltado ao pai, seria um possível fato que caracteriza o incesto financeiro? Tendo o pai o interesse maior nos ganhos financeiros com o fato gerador advindos dos shows e superexposição da menor? Nesse diapasão, Carlos Bezerra Junior, externa seu pensamento:

“Precisamos parar de encontrar desculpas para fechar os olhos ao desrespeito sistemático com as crianças e adolescentes na nossa sociedade. Criança não é propriedade de adulto, não é brinquedo de adulto, é um ser humano em formação, cujos direitos precisam ser garantidos. Se uma criança é tratada como bibelô, objeto ou caixa eletrônico, a culpa é exclusivamente dos adultos. É o caso clássico em que quem cala consente.” (Junior, 2015, grifo nosso)

Carlos Bezerra Jr, quando se refere ao tratar a criança como “caixa eletrônico”, isso quer dizer, que não se deve usar o filho para a perspectiva de ganhar dinheiro, uma vez que caracteriza a responsabilidade civil pela ofensa aos direitos do menor. A Lei n. 8.069/90 trata da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos, relativos à criança e ao adolescente, onde expressa o não oferecimento ou oferta irregular da proteção da infância.

O principal motivo pela investigação do MP, o tema “Mc Melody e o pancadão da infância roubada”, foi a radicalização do trabalho artístico infantil pela forma como a menor se comportava na supervisão de seu pai, a superexposição e o descumprimento dos limites estipulados nos alvarás que a Convenção sobre a Idade Mínima no Emprego (Convenção nº 138 da OIT), permite a atuação de crianças e adolescentes em representações artísticas, desde que as licenças para autorizar tal trabalho sejam excepcionais e estabeleçam todas as condições e limites em que poderá ser exercido (Zapater, 2023, p. 51)

Figura 4 – Mc Melody e o pancadão da infância roubada.

Fonte: Reprodução Revista (Forum, 2015).

Nesses casos os ministros entendem que por se tratar de prerrogativas ao direito de proteção à criança e o adolescente, não devem ser procedimentos abrangidos pela justiça trabalhista, e sim pela justiça comum. O Poder Judiciário deve analisar caso a caso antes de liberar o alvará autorizando o trabalho artístico infantil de determinadas classes, uma vez que não se sabe o enredo da atividade que será exercida pelo menor, atuar houver descumprimento ou violação das normas previstas no ECA (1990). Concorda com o mesmo pensamento Lucas Podenciano Martins, ao escrever:

“É preciso destacar, que os pais das estrelas mirins, são os que costumam ser os principais motivadores dessa modalidade de trabalho infantil, independentemente da renda familiar. Muitas vezes pressionam os filhos para que sigam a carreira artística, e acabam posteriormente, virando empresários e administrando a carreira de seus filhos. O glamour também contribui para o aumento desse trabalho, porém a fama em geral impede que sejam encontrados alguns prejuízos que podem vir do exercício da atividade artística.” (Martins, 2016)

Por fim, no que tange os órgãos e instituições responsáveis pela proteção aos direitos de crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar e as instituições do sistema de justiça voltadas à proteção do menor, devem fiscalizar e implantar novas regras para as condições de trabalho, com a transparência para observar se o interesse parte do menor, em honra ao princípio do melhor interesse do menor, em praticar atividades que consequentemente os remunera.

2.1.4 Breve crítica ao contexto do Filme baseado em fatos reais sobre a história de “Dois filhos de Francisco”

Por outro parâmetro diante da narrativa de acordo com nosso tema citamos brevemente a história de vida relatada no filme “2 Filhos de Francisco”, a História se baseia em fatos reais, na qual relata a vida do cantor Zezé Camargo e seu irmão Luciano Camargo. O filme conta a história de uma família humilde do interior de Goiás e a luta de seu Pai para tornar seus filhos, famosos na música sertaneja, com a intenção de conseguir melhorar a vida financeira na época.

O enredo da luta diária dos meninos ainda quando crianças, retrata a história que acontece em torno de um sonho que Francisco Camargo, pai da dupla, tinha em tornar os filhos famosos. Até que um empresário, aparece querendo lucrar em cima do talento dos menores, convence o pai Francisco a deixá-los a saírem da pequena cidade para uma grandiosa turnê regional, com a promessa que teria um grande poder econômico, com o talento dos filhos.

 Porém, onde queremos chegar ao citar a história, é a de que o empresário deles se passou por bom samaritano, mas na verdade era um aproveitador, os espancava e os maltratava e só havia de fato interesse no retorno financeiro através disso, visamos demonstrar um dos exemplos que já existia o conceito do incesto financeiro há muito tempo, a diferença que nesse caso precisou da autorização dos pais, motivado pelo retorno econômico que foi ofertado há época.

2.3 Direitos fundamentais e o Estatuto da Criança e Adolescente

Segundo a Lei 8.069/1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o menor é visto como sujeito de direitos que se encontra em situação característica de desenvolvimento. Esse diploma nasceu com a pretensão de efetivar os direitos que, pela primeira vez, foram reconhecidos expressamente na Constituição Federal (Mauro, 2017, p. 47). Endossa o entendimento Maria Cardoso Zapater:

 “O Direito da Criança e do Adolescente corresponde ao conjunto de normas jurídicas que regulam as relações sociais havidas entre crianças, adolescentes e adultos nos diversos contextos sociais, quais sejam, as entidades familiares, a sociedade civil e as instituições formadoras do Estado. Regular juridicamente essas relações implica duas consequências: (i) reconhecer direitos de crianças e adolescentes e (ii) atribuir os deveres correspondentes aos adultos, seja na posição social de familiar, de representante das instituições estatais ou de membro da sociedade civil.” (Zapater, 2023, p. 25, grifo nosso)

O decreto-lei faz ligações diretas com o Código Civil, em especial ao Direito de Família, e as resoluções do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). O princípio da proteção integral previsto no artigo 1° do ECA, declara os direitos da criança e adolescente, no que diz respeito à assistência moral, material e jurídica.

E nesse mesmo sentido, fica assegurado todas as oportunidades e facilidades para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de dignidade com base no ECA 1990. De acordo com a Carta Magna, a criança e o adolescente têm o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis e sociais, garantidos na forma da lei (art.15, do ECA Lei n.8.069/90).

Entende-se o significado por “dignidade”, em que a lei teve especial empenho em destacar, ao ser humano que ainda se encontra em processo de formação (Mauro, 2017). Os direitos previstos no ECA (1990), são aplicados a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de situação, família, raça, etnia, religião, deficiência ou condição econômica. E em casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar de sua localidade, no que corresponde ao ECA (1990). 

Positiva o artigo 17 do ECA (Brasil, 1990), o direito ao respeito para com a criança e adolescente, embasado na inviolabilidade da integridade, física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da sua imagem, identidade, autonomia, valores, ideias e crenças, espaços e objetos pessoais. No mesmo sentido que o artigo 22, (1990) expõe:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e cumprir as determinações judiciais. (Brasil, Lei n.8.069/1990, grifo nosso)

No parágrafo único do referido artigo 22, aponta-se para os pais, que deles deve ser resguardado o direito da transmissão familiar, de suas crenças e culturas, para que sejam assegurados os direitos da criança estabelecidos na forma da Lei. Não devendo os pais agir de maneira grossa a sua vontade perante os seus filhos.

A perda ou a suspensão do poder familiar são medidas restritas e excepcionais, ou seja, se não existir motivo que autorize a decretação de alguma delas, a criança ou o adolescente será mantido na sua família de origem. A perda ou a suspensão são decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, no que tange à legislação civil na forma do artigo 24 do ECA (1990), em se tratando do dever do sustento, guarda e educação, (Maluf C., Maluf A., 2021, p. 660-663).

O princípio da proteção integral do menor previsto no artigo 1 do ECA (1990), destaca como base primordial, para a prevenção e respeito à vida, o direito de amparo aos incapazes, o direito à dignidade, bem como, a exposição de forma sucinta sobre a proteção do trabalho e à profissionalização à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo como fundamento a participação da responsabilidade primária e solidária do poder público no desenvolvimento de atividades em regimes de coeducação.

2.3.1 Breve contexto do direito à profissionalização e à proteção no trabalho com base no ECA

Diante o tema da monografia se relacionar ao direito proveniente do trabalho dos artistas mirins, cabe abordar um breve contexto sobre a relação do modelo de trabalho legal no Brasil. De acordo com a legislação brasileira vigente, o trabalho é proibido para quem ainda não completou os 16 anos, tendo como regra geral a proteção no trabalho.

Segundo o projeto livre de trabalho infantil (FNPETI), quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos.

A Lei de Aprendizagem Lei 10.097/2000, é uma legislação que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para estabelecer os direitos, deveres e requisitos do emprego de menores na condição de aprendizes configurado nos artigos 62 e 64, do ECA (1990), por isso, essa lei também é conhecida como “Lei do Jovem Aprendiz”.

Nas normas que regulam o trabalho infantil, o artigo 403 da Consolidação das Leis Trabalhistas (1967), configura-se que fica proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.  Sobre a autorização para o trabalho infantil artístico, o art. 406 da CLT, assim dispõe: 

Art. 406 – O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem as letras a e b do § 3º do art. 405: I – desde que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral; II – desde que se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral. (Brasil, Decreto-lei nº 229, 1967)

De acordo com a CLT (1967), o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, que possui prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 anos e menor de 24 anos, inscritos em programas de aprendizagem na formação técnico-profissionalizante, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e zelo.

A exploração do trabalho infantil representa uma enorme violação dos direitos humanos da criança e adolescente. Sendo o trabalho infantil de um modo geral, caracterizado por requerer muito empenho, horas de dedicação e treinamento “profissional”, assim como todas as profissões consideradas como intelectuais, cujo esforço não é visto por aqueles que apenas veem o conteúdo final (Martins, 2016).

E nesse sentido, na relação do trabalho infantil realizado pelo público infanto-juvenil, esse esforço é bastante pesado, já que trata- se de um ser mais frágil que se cansa e se irrita com mais facilidade. Os maiores cuidados devem voltar-se às camadas mais pobres da sociedade, de modo a garantir que crianças e adolescentes não sejam explorados, em atividades laborativas, antes da idade legal, além de se assegurar ambiente salubre de trabalho e acesso à escola (Nucci, 2020, p. 46).

2.3.2 Princípios orientadores do Direito da Criança e do Adolescente

O princípio da proteção integral do menor, se destaca como base primordial, para a prevenção e respeito à vida, tem como fundamento a participação da responsabilidade primária e solidária do poder público no desenvolvimento de atividades em regimes de co-educação, a criação de projetos no âmbito do Ministério Público na auditoria e fiscalização sob o comportamento gerados pelos pais com as crianças, como um conjunto de deveres recíprocos. Segundo os ensinamentos de Maíra Cardoso Zapater:

“O princípio da proteção integral confere juridicidade aos direitos das crianças e adolescentes, a significar que os deveres contrapostos a tais direitos não são de natureza meramente moral, mas sim exigíveis dos poderes públicos, instituições e indivíduos mediante direito de ação no Poder Judiciário, como, por exemplo, a impetração de mandado de segurança para garantir a determinada criança o direito à vaga em escola pública, medidas cautelares para acesso a serviços de saúde em caráter de urgência, entre outros.” (Zapater, 2023, p. 28)

Na atuação do poder judiciário, fica o dever para fiscalizar as entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar, sendo governamentais ou não governamentais, podem fiscalizar também o Ministério Público e os conselhos tutelares, no que tange o artigo 95 do ECA (1990).

 Segundo a Lei 13.046/2014, acrescenta no texto do seu art. 94-A, as entidades, públicas ou privadas, que abriguem ou recepcionem crianças e adolescentes, mesmo que em caráter temporário, devem ter, em seus quadros, profissionais capacitados a reconhecer e reportar ao Conselho Tutelar suspeitas ou ocorrências de maus-tratos, preceito estabelecido para alterar o ECA (1990).

Outro importante princípio é o da prioridade absoluta, incorporado no ECA em seu artigo 4º (1990), que dá condição de respeito à pessoa que se encontra em desenvolvimento, que ainda possui o poder de incapacidade reduzido nos atos de execução a assistência do direito à vida.        

Neste ponto, nossa evolução parte para o estudo do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que assume especial importância, diante do foco que essa pesquisa vem analisando. Sua fundamentação legal encontra-se no art. 227 e parágrafo da Constituição Federal. De acordo com a doutrinadora Renata Giovinona Di Mauro:

“Esse princípio deve nortear as relações que as crianças e os adolescentes mantêm com o Estado, com os integrantes da sociedade e com seus pais. Diante dessa base legal, as crianças e os adolescentes são colocados como sujeitos de direitos, e não como objetos de direitos, decorrência, aliás, da doutrina da proteção integral e dos direitos humanos, sendo certo que, no convívio familiar, apresentam prioridades diante de suas necessidades especiais.” (Mauro, 2017, p. 39)

Os princípios priorizam em quaisquer cenários os infantes e os jovens, no qual precisam ser tratados em primeiro lugar. Precisam ser o foco principal do Poder Executivo na destinação de verbas para o amparo à família, precisam das leis votadas com prioridade total, em seu benefício, precisam de processos céleres e juízes comprometidos (Nucci, 2020).

3 O ESTADO COMO MEDIADOR RESPONSÁVEL POR OFENSA AO DIREITO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

 A Constituição Federal Brasileira de 1988 é o primeiro instrumento legal que assegura a proteção da criança no ordenamento jurídico, pois exerce um papel significativo na interpretação das normas que norteiam o sistema (Mauro, 2017).

Os direitos personalíssimos da criança são indubitáveis, bem como o seu direito à imagem, a dignidade, a proteção da infância e a garantia de seus direitos que devem ser prioridade absoluta do Estado e também da própria família e da sociedade.

Nesse diapasão, é importante destacar que a Constituição Federal reserva o Título VIII à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. Assim, diversas normas constitucionais evidenciam o zelo do Estado para com esses sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) apresentam a doutrina da proteção integral e a importância de enfrentamento ao trabalho infantil, assim como convenções internacionais.

Em resumo, o artigo 227 da Constituição Federal (1988), estabelece o dever compartilhado entre Estado, família e toda a sociedade, incluindo as empresas, em garantir direitos e proteção à criança, colocando-as à salvo de toda forma de exploração. De acordo com o texto constitucional:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988)

Segundo o Projeto criança livre de trabalho infantil (FNPETI), em 1989 a Assembleia Geral da ONU aprovou o texto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que especifica o direito da criança de ser protegida contra a exploração econômica e de trabalho perigoso. O Brasil foi um dos primeiros países a ratificar a Convenção sobre os direitos da criança, o Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, expõe as implementações de medidas administrativas e legislativas com vistas aos cuidados básicos. No que tange o artigo 19 do Decreto-lei (1990), fica positivado:

1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária. (Decreto-lei nº 99.710, 1990)

Constituído em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi um marco legal e regulatório dos direitos humanos das crianças e adolescentes que veio para regulamentar uma legislação específica advinda da Constituição Federal de 1988, o Art. 227 da Carta Política foi considerado um marco histórico no avanço da nossa legislação e no ordenamento jurídico. 

Ele surgiu para garantir a proteção efetiva de meninas e meninos brasileiros, tendo o objetivo de garantir e proteger direitos básicos de crianças (até os 12 anos) e adolescentes (até os 18 anos) e, em casos excepcionais e quando disposto na lei, os mesmos direitos são aplicáveis até os 21 anos de idade.

O ECA (1990) institui suas políticas para a criação de projetos no âmbito do Ministério Público na auditoria e fiscalização sob o comportamento gerados por essas crianças, o limite da movimentação do patrimônio obtido pelo menor no uso de publicidades e dos conteúdos de entretenimento digitais, e a previsão de sanções aos representantes legais, como advertência, multa, reparação do dano e até suspensão do poder familiar, caso aconteça a má administração e o prejuízo causado em detrimento da carreira do menor.

3.1 Órgãos institucionais: Medidas de Proteção, Conselho Tutelar e o Acesso à justiça

É assegurado o acesso de toda criança ou adolescente ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Poder Judiciário. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos na forma da lei forem ameaçados ou violados, conforme expressa o texto do artigo 98 (1990), por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, em razão de suas condutas. São as medidas de proteção e as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis (Zapater, 2023).

O artigo 131 do ECA (1990), interpreta sobre o Conselho Tutelar como sendo um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Positivando ainda, que as atribuições do Conselho Tutelar, art. 136, IV do ECA (1990), é de encaminhar ao Ministério Público notícias de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente, não pode o Conselho Tutelar ficar silente.

Ainda que, não pode o Conselho Tutelar ser omisso em nenhum momento, principalmente nos casos de atendimento à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, os submetidos a tratamento humilhante e os incluídos nas formas violentas de educação, correção ou disciplina. Contudo, fica o dever estendido aos familiares e as testemunhas de casos parecidos, a obter e prover orientações para contatar o disque denúncia de acesso aos programas do Conselho Tutelar, bem como, as orientações acerca de seus direitos e dos encaminhamentos necessários. Em relação ao acesso à Justiça, Ilustra Maíra Cardoso Zapater:

“Ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de Direito, a Constituição Federal judicializou seus direitos. Isto implica que o não atendimento ou a violação dos direitos de crianças e adolescentes podem ser demandados e assegurados por via de procedimentos específicos. Significa ainda que o procedimento de apuração da prática de ato infracional e a aplicação de medida socioeducativa deverão ser realizados por procedimentos judiciais, respeitados os princípios processuais constitucionais da legalidade, da ampla defesa e do contraditório.” (Zapater, 2023, p. 56)

As medidas específicas de proteção podem ser descritas como intervenções das autoridades competentes, quais sejam, o Conselho Tutelar e a Justiça da Infância e da Juventude, exigíveis quando houver ameaça ou lesão efetiva a direitos de crianças e adolescentes.

3.2 A criação da Projeto de Lei 3916/2023

A criação do projeto de lei denominado Larissa Manoela, teve início logo após a atriz expor o descaso que passou com seus pais devido ao abuso do poder familiar e a violência patrimonial. Enquanto se escrevia o modelo de pré-projeto a respeito do caso, foi proposta a PL 3916/2023.

Segundo a Agência Câmara de Notícias, 2023, após a exibição do caso da artista Larissa Manoela, o deputado de Tocantins Ricardo Ayres, apresentou o Projeto de Lei 3916/23 que estabelece diretrizes para a administração, gestão e proteção de proventos provenientes do trabalho artístico ou esportivo realizado por crianças e adolescentes em meios de comunicação, como rádio, televisão, redes sociais e na internet.

O projeto de lei visa garantir que os bens patrimoniais das crianças artistas sejam protegidos de toda forma de exploração, má administração e abuso por parte dos pais. Segundo o deputado, “São comuns casos em que crianças iniciam uma carreira e as rotinas, agendas e contratos são geridos pelos pais. No entanto, a administração inadequada desses recursos por parte dos tutores pode levar a sérios problemas financeiros no futuro”, (Câmara de Notícias (2023).

A câmara dos deputados representa o povo, eleitos pelo sistema em cada Estado, segundo o deputado o texto do projeto de lei visa proibir que os responsáveis legais exijam ou forcem as crianças ou adolescentes a contribuir financeiramente para seus rendimentos pessoais ou projetos de vida, concordamos por esta ligado ao incesto financeiro, ou seja, a prática do abuso do poder financeiro dos pais nas atividades que os filhos envolvidos não tornarão mais eficaz.

O projeto também prevê que qualquer investimento feito de maneira inadequada que afete o bem patrimonial do menor requererá parecer de profissionais técnicos competentes, bem como, ainda as porcentagens e as movimentações na divisão dos investimentos na carreira artista de até 30%, e o restante dos 70% auferido para serem administrados pelos próprios artistas quando atingirem a maioridade.

“De acordo com projeto de autoria do deputado Ricardo Ayres, das sanções impostas: Ainda segundo o texto, as violações às medidas sujeitarão os infratores às seguintes sanções, que podem ser cumuladas ou não: a) advertência; b) multa proporcional ao caso, conforme a extensão do dano; c) suspensão do poder familiar e da representação legal; d) reversão dos recursos financeiros, dos bens ou o ressarcimento aos menores, como consequência da declaração de fraude a patrimônio de criança ou adolescente.” (Câmara dos Deputados, 2023)

Ademais, acrescenta “ainda poderá sofrer a reparação de danos aos menores, por culpa ou dolo, provado o dano, dispensada a prova deste em se tratando de dano moral ou a imagem.” Porém de acordo com a responsabilidade civil, não concordamos, ser prescindível da responsabilidade subjetiva, sendo necessário comprovar a culpa ou dolo, sendo que precisa o projeto de lei ser voltado aos pais ou responsáveis pela gestão financeira dos filhos menores, pelo princípio da paternidade responsável, o dever de cuidar pelo o que lhes assegura o poder familiar e o princípio da proteção integral, pela responsabilidade civil objetiva.  

Contudo, com base no reflexo e análise do projeto de lei que tramita, é imprescindível ainda a revisão do artigo 1.689 do CC, que assegura o poder-dever aos pais o usufruto e administração dos filhos menores. De acordo com a interpretação extensiva, a referida norma soa com sentido de caráter absoluto, todavia, se deve buscar harmonizar junto aos princípios que dão à criança e ao adolescente o direito de prioridade absoluta, a obrigação dos pais de colocá-los a salvo de qualquer tratamento cruel ou degradante, onde suas vontades não sobrepõem ao interesse dos filhos.

3.3 Indicações para futuras pesquisas

O futuro da sociedade está́ na criança em desenvolvimento que, por uma complexidade de motivos, necessita da atuação do Judiciário para a proteção dos seus direitos líquidos e certo, e as violações nos procedimentos civis que tramitam entre eles, principalmente no âmbito do direito de família, no que tange a responsabilidade civil dos pais no poder econômico dos filhos menores.

Nesse sentido, acerca do tema, necessita-se primordialmente que o julgador no seu correto entendimento e compreensão sob o devido processo legal, ao atuar no direito de família, tenha atuação profissional elevada por se tratar de um direito que necessita de extrema atenção.

O artigo 5º da LINDB, traz a salvo que o Juiz: “Na aplicação da lei, atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, cabe a atuação do judiciário ir além do que as jurisprudências e analogias já expressam razoavelmente. A responsabilidade e decisão do Juiz, não pode se basear apenas em casos similares, mas deve se buscar conhecimento que ultrapasse o campo jurídico, bem como, os campos psicológicos, filosóficos e sociológicos (Mauro, 2017) no que tange às relações de família e o poder econômico que provém do trabalho artístico infantil.

Pesquisas futuras com o tema: A Responsabilidade do magistrado nas tomadas de decisões nos procedimentos civis, especificamente pelo abuso do poder familiar em assuntos que envolvam exploração dos filhos no trabalho artístico infantil, à luz do Estatuto da criança e do adolescente.

CONCLUSÃO

A Responsabilidade Civil na matéria de família, por ser dotada de uma complexidade de afeto, difere das outras espécies de reparação de danos. No que tange a redação do artigo 1.689 do Código Civil de 2002, que ordena aos pais o direito de usufruto e a administração dos bens dos filhos menores, a literalidade do dispositivo já não resta suficiente devido ao grande avanço social, que recai ao delito de abuso de direito na modalidade dos atos ilícitos, no sentido da distorção da norma.

Quanto ao conteúdo da norma, destacamos que fica configurada a antinomia própria, pois o texto do artigo principal na qual se fala, se refere a uma conduta que ao mesmo tempo possui um poder-dever legal, pode se afigurar como ato ilícito se não obedecer aos princípios constitucionais na qual se vincula, ou indiretamente possui uma interpretação extensiva, ou seja, a antinomia própria se refere a condutas que são proibidas e permitidas ao mesmo tempo, ficando a salvo de orientações.

 Existe a necessidade de ampliar o significado a fim de que o objetivo seja alcançado, mas não no sentido de ampliar em cima de uma ideia analógica como nos casos de reparação do dever de indenizar pelo abandono afetivo. Deve-se analisar as premissas do avanço social que se tornou o direito proveniente do trabalho artístico infantil dos filhos menores, quais prerrogativas aplicar para conscientizar os pais sobre o poder econômico e o abuso de direito, na qual deve os bens serem administrados obedecendo às regras da paternidade responsável e os direitos e garantias fundamentais do menor ligada aos princípios positivados no Estatuto da criança e adolescente. 

A conduta dos pais tomada juntos aos filhos menores, no poder familiar é um poder-dever que se sujeita a limites e tem como finalidade obedecer aos princípios que regem os interesses dos filhos, por isso se os pais agem de forma contrária, causando danos ao menor, deve gerar a responsabilização civil, pelo fato gerador da responsabilidade objetiva, pelos elementos implícitos no abuso de direito (Madaleno, Barbosa, 2015).

A norma deve proceder a uma análise sob o foco dos princípios e somente assim dará  uma resposta ao questionamento da correta aplicação da regra. A nossa Carta Magna permite a ruptura com o excesso de formalismo, ao expressar os princípios de direito material e de direito processual que devem ser basilares na aplicação das normas abstratas aos casos concretos.

Atribui-se ainda aos pais, no interesse dos filhos, a obrigação de cumprir e de fazer cumprir as determinações judiciais, e a violação desse dever pode acarretar a perda ou suspensão do poder familiar, como prevê o art. 22 do ECA.

Sob a responsabilidade civil dos pais pelo poder econômico na gestão financeira dos filhos menores, sob os ensinamentos de Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa (2015), concordamos quando se fala que fica a critério do juiz admitir, sempre a título de reparação, impor ao réu a adoção de certas condutas, em vez da exclusiva entrega de dinheiro.

Concluímos, diante dessa desafiadora analise de estudo envolvendo o texto da Carta Política e o direito de família, com base legal de fundamentos no Estatuto da criança e do adolescente, que a responsabilidade dos pais e responsáveis pelos filhos menores, configura no modelo da responsabilidade objetiva, devido o abuso da autoridade que lhe é especifico, se houver evidencias sobre os atos do poder familiar, onde configura o ato ilícito em sentido amplo, não de ilícito direto, ou seja, não significa que os pais respondam sem culpa obviamente, mas que a prova da culpa é irrelevante porque ela já́ se caracteriza por si só nos casos relatados nessa pesquisa, por tê-los  o dever do garante.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado, volume I / Carlos Roberto Gonçalves. – São Paulo: Saraiva, 2011.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

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2Doutorando em Educação na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mestre em Direito e Estado na Era Digital pelo UNIVEM. Docente na Faculdade La Salle e advogado. Especialista em Penal e Processo Penal. E-mail: olivie.adv@gmail.com