O ATIVISMO DO PODER JUDICIÁRIO NA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE: O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA¹

THE ACTIVISM OF THE JUDICIARY IN GUARANTEEING THE RIGHT TO HEALTH: THE SUPPLY OF HIGH-COST MEDICINES IN THE CHILDREN AND YOUTH COURT OF THE DISTRICT OF IMPERATRIZ/MA 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10045884


Amanda Dias Silva2
Orientadora: Profª Mestra Letícia de Jesus Pereira3


RESUMO: Os direitos sociais elencados na Constituição Federal, especialmente o  direito à saúde travam bastantes discussões na doutrina e na jurisprudência,  principalmente quando se trata de ativismo judicial para a sua efetividade. Esse artigo  busca analisar o ativismo do Poder Judiciário na garantia do direito à saúde, para o  fornecimento de medicamentos de alto custo e Tratamento Fora do Domicílio (TFD), por meio de estudos de casos que tramitam na Vara da Infância e Juventude da  Comarca de Imperatriz/MA. Os procedimentos metodológicos adotados abrangem  estudos bibliográficos e documentais, por meio de artigos científicos, doutrinas,  legislações e processos em que a causa de pedir esteja alinhada com o objeto de  pesquisa. Além disso, a abordagem adotada é a qualitativa, vez que com a análise do  direito social fundamental à saúde, impossível chegar a análises meramente  quantitativas. Conclui-se, a partir das análises feitas, que é imprescindível a  realocação de recurso em prol da efetivação do direito social fundamental à saúde,  com a implementação de políticas públicas mais efetivas para que a saúde coletiva e  individual não seja banalizada com a justificativa de falta de recursos financeiros e  reserva do possível, teses que vêm sendo utilizadas pelos entes federados para tentar  se eximir da responsabilidade. 

Palavras-Chave: Ativismo Judicial. Direito à saúde. Medicamento de alto custo. TDF. 

ABSTRACT: The social rights listed in the Federal Constitution, especially the right to  health, are the subject of much discussion in doctrine and jurisprudence, especially  when it comes to judicial activism to ensure their effectiveness. This article seeks to  analyze the activism of the Judiciary in guaranteeing the right to health, for the supply  of high-cost medicines and Treatment Away from Home (TFD), through case studies  that are being processed in the Childhood and Youth Court of the District of  Imperatriz/MA. The methodological procedures adopted include bibliographical and  documentary studies, using scientific articles, doctrines, legislation and cases in which  the cause of action is aligned with the object of the research. In addition, the approach adopted is qualitative, since with the analysis of the fundamental social right to health,  it is impossible to arrive at merely quantitative analyses. Based on the analyses made,  it is concluded that it is essential to reallocate resources in order to make the  fundamental social right to health a reality, with the implementation of more effective  public policies so that collective and individual health is not trivialized with the  justification of lack of financial resources and the reserve of the possible, theses that  have been used by the federal entities to try to exempt themselves from responsibility. 

Keywords: Judicial activism. Right to health. High-cost medication. 

1. INTRODUÇÃO 

O sistema jurídico atual consiste em uma administração regida pelo princípio  fundamental da separação de poderes, para que os poderes legislativo, executivo e  judiciário sejam independentes e compatíveis entre si. Logo, cada um tem sua  autonomia e o poder de agir para que um não atrapalhe o outro. Vale ressaltar que o  Judiciário é o guardião da Constituição e deve exercer a fiscalização em nome dos  direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, também perante  os demais poderes. 

Entretanto, devido à negligência do executivo, do parlamento e da própria  administração pública, o Poder Judiciário foi cada vez mais chamado a fazer cumprir  e controlar os seus direitos dentro da sua jurisdição. Essa ação agressiva do Judiciário  para fazer cumprir os dispositivos da Constituição Federal de 1988 é o que chamamos  de ativismo judicial. “O ativismo judicial é caracterizado pela forma proativa de  interpretação da Constituição pelos juízes, razão pela qual os juízes muitas vezes vão  além do caso e criam novas estruturas constitucionais na resolução de litígios”.  (SILVA, 2013, p. 1). 

Além da falta de políticas focadas no aspecto preventivo da saúde e da falta de  políticas nacionais específicas para determinadas doenças ou terapias, é comum que  mesmo as políticas existentes sejam incompletas e não implementadas por falta de  cuidados, especialmente com o orçamento da cidade ou devido a problemas de  gestão. Desse modo, é comum que os cidadãos recorram aos tribunais em busca da  proteção do seu direito à saúde, à dignidade e à vida. 

É importante sublinhar o papel do Legalismo no direito à saúde, porque a  Administração Pública não cumpre o seu dever de garantir este direito a todos, de  forma universal. Os artigos 6º e 196 da Constituição Federal mencionam especificamente o direito à saúde pública, que é um direito social e fundamental e,  portanto, uma obrigação do Estado.  

Assim sendo, a saúde é inerente à pessoa, mas também a uma vida digna, que  garanta o cumprimento dos direitos básicos e sociais. Em outros termos, saúde é um  direito de todos e o Estado tem o dever de garantir e implementar políticas públicas,  sociais e econômicas que visem a minimização de doenças, lesões e, sobretudo, a  prevenção na sociedade através da informação e da educação. 

O objetivo deste artigo é, portanto, analisar a atuação do Poder Judiciário na  garantia do direito à saúde e, especialmente no fornecimento de medicamentos de  alto custo, bem como as formas previstas no texto constitucional com relação à garantia desse direito. 

Para tanto, os procedimentos metodológicos adotados para alcançar tais fins  abrangem estudos bibliográficos e documentais, por meio de artigos científicos, doutrinas, legislações e processos em que a causa de pedir esteja alinhada com o  objeto de pesquisa. Além disso, a abordagem adotada é a qualitativa, vez que com a  análise do direito social fundamental à saúde, impossível chegar a análises  meramente quantitativas.

2. JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS 

A Constituição Federal de 1988 consagra os direitos sociais em seu artigo 6º, com a finalidade de garantir condições dignas de vida à sociedade, principalmente por  meio de políticas públicas para que todos tenham condições mínimas de subsistência.  Dentre as dificuldades para assegurar o cumprimento do que é descrito na  Constituição Federal, no tocante aos direitos sociais, a condição econômica se torna  um grande obstáculo para que os entes federativos (União, Estados, Municípios e  Distrito Federal), consigam alocar recursos para o cumprimento de tais obrigações de  maneira solidária. 

O art. 6º dispõe que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,  o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a  proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta  Constituição” (BRASIL, 1988). Nesse contexto, no momento em que a população se  acha em situação de vulnerabilidade, a respeito da necessidade de usufruir desses  direitos sociais quando não estão sendo ofertados de forma adequada, ou quando se encontram-se em locais que não possuem acesso, essas questões são levadas aos  tribunais. A judicialização se torna uma forma de resolução na prestação desses  direitos, tendo em vista a omissão estatal. 

A sociedade brasileira é marcada por grandes desigualdades sociais, e partindo  dessa realidade, a fim de minimizar tantos impactos negativos, e garantir direitos  fundamentais à vida humana, é imprescindível que políticas públicas sejam criadas e  efetivadas de forma equânime, muito embora seja evidente que, por muitas vezes, elas não conseguem chegar a toda população, de forma universal.  Dentro do campo do direito constitucional, os direitos sociais e fundamentais  atuam lado a lado, uma vez que são duas categorias essenciais sob a ótica dos  direitos humanos. Os direitos fundamentais garantem direitos básicos, que todas as  pessoas possuem, por serem seres humanos, como o direito à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança, à dignidade, direitos esses, invioláveis e inalienáveis.  Quando nos referimos aos direitos sociais, devemos deduzir que estes atuam de forma associada com os direitos fundamentais, para a garantia dessas condições  de bem-estar e qualidade de vida que a sociedade precisa. Dessa forma, é  imprescindível um olhar extensivo para as dificuldades enfrentadas pelo Poder Público  na efetivação desses direitos.  

A doutrina discute a amplitude dos direitos sociais, relacionando à ideia do  mínimo existencial e da reserva do possível, e é com base nessas premissas que, segundo Torres (2009), há uma discussão entre os desafios de conciliar a  necessidade de garantir os direitos sociais com a realidade financeira orçamentária.  De acordo com o autor, embora a reserva do possível possua grande importância para  evitar as demandas excessivas imposta ao Estado, é fundamental que esse princípio  não seja utilizado para justificar a inércia do Estado na promoção dos direitos  fundamentais. 

No mesmo viés, de garantia dos direitos sociais, tendo como base a efetividade  desses direitos, Sarlet (2023, p.463) assevera:  

Uma sociedade fragilizada com uma economia dependente e em crise, dificilmente assegura os pressupostos para que os direitos sociais previstos no texto constitucional tenham eficácia e efetividade em termos sequer próximos dos ideais.

Diante disso, entende-se que a economia é um ponto crucial na efetividade e  garantia dos direitos sociais básicos e inerentes à vida humana, pois a simples  inclusão desses direitos na Constituição Federal não garante a sua efetividade, de  modo tangível na vida das pessoas. 

Dentre os direitos sociais previstos, o direito à saúde, que decorre de princípio  fundamental, possui vasta disposição dentro do texto constitucional, tanto que a  Seção II trata exclusivamente do direito à saúde, do artigo 196 ao 200, pela  importância que o tema apresenta. Nesse sentido, o art. 196 afirma que a saúde é  direito de todos e dever do Estado, atribuindo ao ente o dever de implementar políticas  públicas, para reduzir o risco de doenças, promover serviços e garantir a proteção e  recuperação da saúde de maneira igualitária às pessoas (BRASIL, 1988). 

A Constituição Federal, ao dispor sobre direitos sociais, bem como o dever de  garantir esse direito por meio de políticas públicas, deve delinear o caminho a ser  percorrido para a verdadeira efetividade, de modo a alcançar grande parte da  população brasileira, principalmente a classe que se encontra em situação de vulnerabilidade. Desse modo, a Lei n. 8.080/1990, que regulamenta o SUS (Sistema  Único de Saúde) possui importância salutar na vida de milhares de brasileiros, pela  sua gratuidade e universalidade, ao ofertar serviços de saúde a toda população que  necessita de atendimento médico. 

Não obstante, a saúde pública enfrenta grandes dificuldades em ofertar, com  qualidade e rapidez, esses serviços à sociedade. Quando nos referimos a saúde,  devemos nos atentar às diversas necessidades, uma vez que, toda população  necessita de atendimentos básicos, todavia, existe um número significativo de  pessoas que são acometidas por doenças mais gravosas e raras.  

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define que as doenças raras são  aquelas que afetam 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos ou 1,3 a cada 2 mil, dessa  forma, há um número elevado de pessoas que necessitam de medicamentos para o  tratamento de diversas doenças que comprometem não só a qualidade de vida, mas  também correm o risco de morte, pela falta do medicamento essencial à saúde.  

É nesse cenário, de grande vulnerabilidade, que a falta de recursos financeiros para custear os medicamentos de alto custo, torna distante o sonho do tratamento de  doenças em muitas famílias que vivem na linha da pobreza, e nesse momento de  “corrida contra o tempo”, devido aos casos que apresentam urgência, que diversas famílias recorrem ao Poder Judiciário para ajuizar ações, a fim de conseguir  medicamentos não fornecidos pelo SUS e de alto valor. 

3. ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: perspectivas para a efetividade do direito à  saúde 

O ativismo jurídico é, muitas vezes, confundido com a judicialização devido à  sua natureza e origens, que são muito próximas e se confundem sem uma  investigação mais aprofundada. Conforme os ensinamentos de Barroso (2009, p.  21/22) os juízes são solicitados a resolver conflitos jurídicos, mas não têm a opção de  fazê-lo ou não, mas, em vez disso, impõem a necessidade de fazê-lo de acordo com  os ditames previstos na Constituição Federal. 

Luiz Flávio Gomes (2009) acredita que é preciso distinguir dois tipos de  atividade jurídica. Para o jurista, existe um ativismo jurídico inovador, onde um juiz  cria uma norma ou lei “do nada”, e existe um ativismo jurídico aberto, que nada mais  é do que um juiz criando uma norma ou lei com valores e princípios constitucionais ou  até mesmo uma brecha na lei. 

Barroso (2009) ensina que o ativismo jurídico está relacionado com a atividade  mais intensa do sistema judicial, principalmente a consolidação dos valores  constitucionais, maior intervenção no estado de outras autoridades. Segundo Barroso,  o ativismo jurídico pode ser caracterizado de três formas, a saber: a aplicação direta  da Carta Magna em situações não explicitamente abordadas no texto da Constituição e fora das manifestações normais do poder legislativo; reconhecimento de atos  legislativos como inconstitucionais com base em critérios menos rígidos do que os  habituais, além de serem manifestamente inconstitucionais; e, finalmente, forçar a  autoridade pública a comportar-se e a abster-se, especialmente em questões de  ordem pública. 

É importante lembrar que o ativismo judicial está diretamente relacionado ao  processo de judicialização que acontece no Brasil. De acordo com a notícia publicada  pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, os “dados do Conselho Nacional de Justiça  (CNJ) mostram que o número de ações judiciais relacionadas a alegações de saúde  triplicou em todo o país nos últimos dez anos. Só em 2019 foram registrados mais de  450 mil casos” (SANTA CATARINA, 2021).

A ligação direta entre o ativismo jurídico e o legalismo crescente que vivemos  no nosso país pode ser descrita nas palavras de Barroso (2015, p. 442): 

A judicialização […] é um fato, uma circunstância do desenho institucional  brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escola de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. 

Acerca do pensamento de Barroso, pode se afirmar que se trata de uma  circunstância que decorre, principalmente, do modelo constitucional adotado no Brasil.  Por outro lado, o ativismo social é a maneira como o judiciário age diante de todo esse  processo, executando iniciativas proativas e específicas para elucidar a constituição  dependendo da situação. 

Para Ramos (2015, p. 252): 

Por ativismo judicial, deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Essa ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional se faz em detrimento, particularmente, da função legislativa, não envolvendo o exercício desabrido da legiferação (ou de outras funções não jurisdicionais) e sim a descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. 

Barroso (2018, p. 252) procura um conceito baseado na origem da expressão, evidenciando que nos Estados Unidos a expressão foi introduzida como qualificação  para o funcionamento da Suprema Corte daquele país durante a presidência de Ear  Warren, de 1954 a 1969.  

De acordo com Schlesinger (1947) apud Barroso (2018, p. 208): 

Esse conflito pode ser descrito de diferentes maneiras. O grupo de Black e de Douglas acredita que a Suprema Corte pode desempenhar um papel afirmativo na promoção do bem-estar social; o grupo de Frankfurter e Jackson defende uma postura de autocontenção judicial. Um grupo está mais preocupado com a utilização do poder judicial em favor de sua própria concepção do bem social; o outro com a expansão da esfera de atuação do legislativo, mesmo que isso signifique a defesa de pontos de vista que eles pessoalmente condenam. Um grupo vê a Corte como instrumento para obtenção de resultado socialmente desejáveis; o segundo, como um instrumento para permitir que os outros poderes realizem a vontade popular, seja ela melhor ou pior. Em suma, Black-Douglas e seus seguidores parecem estar mais voltados para a solução de casos particulares de acordo com suas próprias concepções sociais; Frankfurter-Jakson e seus seguidores, com a preservação do judiciário na sua posição relevante, mas limitada, dentro do sistema americano. 

Logo fica claro que a disputa é antiga. O conceito de ativismo jurídico  corresponde ao envolvimento mais intenso e extenso do sistema judicial nas áreas de  atividade típica original dos outros dois poderes para implementar os valores e  princípios aceitos no texto principal. No Tribunal Constitucional, a chamada  jurisprudência progressista ainda está em desenvolvimento, principalmente em  termos de direitos fundamentais e garantias individuais. 

Barroso (2018, p. 172) ainda reitera que o ativismo pode ser de diferentes  formas, tais quais: 

(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que   os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. 

Vale destacar o exemplo da última manifestação revelada por Barroso, que  trata da condenação coletiva do Estado pelo fornecimento de medicamentos e  dispositivos médicos, mesmo que não estejam listados no Sistema Único de Saúde,  compila vários estudos de caso. Em 2010, o STF consolidou essa jurisprudência com  uma decisão que exigia que todas as unidades da federação prestasse esse serviço  aos cidadãos de forma solidária, isto é, o judiciário determina a política pública em  conformidade com o texto da Constituição, que obriga o Estado a prestar assistência  à saúde (BARROSO, 2018, p. 172).  

 Embora o ativismo judicial tenha tido origem nos Estados Unidos e existam boas  lições sobre o ativismo e como as decisões políticas impedem os juízes de serem mais  ou menos ativos, ele tem viajado pelo mundo, pois atualmente aparece no discurso  institucional e político na maioria dos países, e provou ser uma tendência muito além  dos Estados Unidos e muito antes do Brasil (CAMPOS, 2014). 

Na sua função típica o Poder Judiciário é responsável por julgar as demandas  que chegam até ele, e na sua função atípica, é responsável por controlar as ações de  outras autoridades, e no contexto aqui apresentado, principalmente quando da sua  omissão, da sua inércia. Para a população em geral, o papel dos juízes é garantir a satisfação dos direitos prometidos, geralmente direitos sociais, à medida que o  processo legislativo é considerado mais lento que o sistema judicial para responder às demandas precisas (RAMOS, 2015, p. 286). 

Outra motivação para o ativismo jurídico que Ramos (2015) aponta é a  expansão do controle abstrato das normas, que sem dúvida decorre do modelo do  Estado aceito, onde um Estado mais intervencionista e mais forte requer um  desenvolvimento mais amplo do parlamento, padrões para satisfazer o propósito da  norma constitucional e da melhor maneira que o poder possa alcançar e ser  implementado pela administração.  

No entanto, este aumento na necessidade de legislar também conduziu a  Câmara dos Representantes a aprovar um grande número de leis, legislação que  aumenta a transitoriedade dessas normas e a perda de qualidade formal. Neste  contexto, a verificação da constitucionalidade é, como já foi dito, o mais importante  remédio contra o movimento insensato das leis resultantes deste modelo de governo  para regular a sua validade e adaptá-las ao propósito da constituição (RAMOS, 2015). 

Portanto, a tarefa da Constituição é criar uma ligação entre os setores jurídico  e político, de tal forma que promova questões orientadas pela legislação, como o bem estar social, a segurança e a justiça. Entretanto, devemos lembrar-nos dessa  interpretação, porque estas questões são também interpretações políticas, embora o  ordenamento jurídico as limitasse (BARROSO, 2009, p. 27) 

Com a finalidade de evidenciar esse ativismo judicial, a pesquisa também se preocupou em construir uma análise de situações concretas, consubstanciadas em  processos oriundos da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Imperatriz, no  sentido de explicitar como esse ativismo judicial tem demonstrado e como tem decidido  o juízo a respeito da concretização do direito à saúde.  

4. UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE DECISÕES DA VARA DA INFÂNCIA E  JUVENTUDE DA COMARCA DE IMPERATRIZ-MA. 

Diante do que foi explanado, o presente estudo buscou complementar a  discussão teórica sobre o ativismo judicial na garantia do direito à saúde por meio de  estudo de casos, com análise de processos que tramitam na Vara da Infância e  Juventude da Comarca de Imperatriz/MA, cuja causa de pedir e pedidos tenham  semelhança com o objeto estudado. 

Os processos analisados trata-se de ações que buscam a viabilidade de  tratamento com uso de medicamentos de alto custo, fornecidos pelo Estado do  Maranhão e/ou Município de Imperatriz, em razão do difícil acesso a esses  medicamentos que se concentram em farmácias privadas e especializadas no  fornecimento do fármaco. 

O primeiro processo a ser analisado foi distribuído em 13 de junho de 2023,  sob o nº 1007791-84.2023.4.013701. No caso em apreço a parte autora é menor e  portadora de Hemofilia Tipo A – Grave, descobrindo a doença já nos primeiros meses  de vida. O diagnóstico apontou ausência do Fator VIII de coagulação do sangue, além  disso, a parte autora possui o inibidor do Fator VIII, ou seja, mesmo realizando o  tratamento com a combinação dos Fatores VII e VIII, são insuficientes para conter as  intercorrências hemorrágicas frequentes (MARANHÃO, 2023). 

Nesse sentido, a médica hematologista que acompanha o estado de saúde do  menor recomendou o Hemcibra (Emicizumab), medicamento de alto custo utilizado  pelos Hemocentros para a prevenção de sangramentos em pacientes com Hemofilia.  O medicamento recomendado pela médica do autor atua no controle dos  sangramentos devendo ser usado com frequência e demonstra elevado grau de  eficácia na redução do risco do sangramento. Contudo, em orçamento anexado à  inicial, cada ampola custa R$ 12.829,29 (doze mil e oitocentos e vinte e nove reais e  vinte e nove centavos) e a recomendação médica foi no sentido de que a primeira  aplicação – dose de ataque – devem ser utilizadas 8 (oito) ampolas e as demais doses  reduziria para 6 (seis) ampolas (MARANHÃO, 2023). 

Partindo disso, os genitores ajuizaram ação de obrigação de fazer tendo em  vista a negativa de fornecimento da medicação pela Secretaria de Saúde do Estado  do Maranhão. Recebida a petição inicial com pedido de liminar, o Magistrado  determinou que o Estado iniciasse o repasse do fármaco ao autor, sob pena de multa  diária. Conforme se extrai dos autos, o Estado foi resistente e descumpriu a liminar,  contudo, as verbas para a compra do medicamento estão sendo bloqueadas  mensalmente e enviadas para uma das farmácias de medicamentos de alto custo do  Estado de São Paulo. Vale ressaltar que o processo ainda está em trâmite e a liminar  segue sendo cumprida por meio de bloqueio de valores da verba estatal (MARANHÃO, 2023). 

O segundo processo analisado trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo  Ministério Público do Estado do Maranhão em face do Estado do Maranhão para garantir o tratamento de uma criança diagnosticada com escoliose grave em coluna  toraco-lombar, tombado sob o número 0000599-98.2016.8.10.0041. A autora teve  paralisia cerebral e ficou com várias sequelas que causaram deformidades no seu  corpo, que ao longo do tempo pode comprometer ainda mais a sua qualidade de vida  em razão de sérios problemas respiratórios. Por isso, a autora recebeu recomendação  médica para realizar uma intervenção cirúrgica com sistema de crescimento, ou seja,  teria que se submeter a procedimentos que viabilizassem o desenvolvimento do seu  corpo (MARANHÃO, 2016). 

Nesse contexto, a autora teria que dar início a esse tratamento na AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente, situada na cidade de São Paulo, onde  faria todos os exames pré-operatórios e dez sessões de fisioterapia. Para isso, precisa  de apoio do programa interestadual denominado TFD (Tratamento Fora do  Domicílio), uma vez que os genitores da autora não possuem condições financeiras  para arcar com os custos. Dessa forma, foi preciso de intervenção judicial para que a  autora conseguisse uma consulta médica juntamente com a recomendação cirúrgica (MARANHÃO,2016). 

A partir disso, o Estado do Maranhão foi compelido liminarmente a garantir o  tratamento recomendado à autora, tendo em vista que os requisitos legais para a  concessão da liminar estavam preenchidos. Vale ressaltar que, foram juntados no  processo todos os documentos médicos pertinentes que comprovem a real situação  de vida da autora (MARANHÃO, 2016). 

Com a análise dos autos é nítida a resistência do Estado do Maranhão em  garantir o direito à saúde aos autores. A prova disso são os sucessivos bloqueios da  verba estatal para assegurar o cumprimento das decisões judiciais. No caso em  apreço, ainda com as tentativas de se eximir das obrigações constitucionais, o Estado  do Maranhão foi condenado a custear todo o tratamento da autora, inclusive as  passagens para o tratamento fora de seu domicílio tendo em vista que os  procedimentos são feitos apenas em grandes centros especializados em ortopedia. 

Por fim, por meio dessa análise, é possível perceber a atuação do Poder Judiciário  na garantia de direitos que não são ofertados apenas de forma difusa, mas também  individualmente. 

Nesse mesmo sentido, o terceiro processo analisado sob o nº 0000804- 26.2013.8.10.0044 trata-se de uma Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Liminar, movida contra o município de Imperatriz-MA para garantir o tratamento de  uma criança portadora da síndrome de LENNOX GASTAULT, conforme foi  comprovada em laudo médico pelos pais da requerente. A doença que acometeu a  menor (autora) causa convulsões, perda da capacidade de andar e se comunicar,  comprometendo o seu desenvolvimento físico e psíquico. Dessa forma, a criança  necessita o uso do medicamento FELBATOL 600mg, um fármaco de valor elevado,  indicado para o tratamento de Epilepsia, a fim de reduzir e melhorar a condição do  paciente. 

Ao tempo da demanda (2013) o preço de 1 (uma) caixa do medicamento custava R$ 3.030,00 (três mil e trinta reais) por se tratar de um fármaco importado e  não listado no fornecimento do SUS. Vale lembrar que a criança precisa do uso de 3  caixas por mês, o equivalente a R$ 9.090,00 (nove mil e noventa reais) para a  aquisição das três caixas mensais. De acordo com a família, dispor desse valor seria totalmente inviável pela situação financeira, como fora comprovado dentro do  processo. 

O município de Imperatriz ofereceu contestação da decisão para o  fornecimento do medicamento alegando que entre os entes federados que possuem  responsabilidade solidária, o município é o mais vulnerável e de menor receita,  solicitando o chamamento do Estado do Maranhão ao processo para fornecer, de  forma solidária o medicamento, para fins de minimizar o impacto financeiro nos cofres  do município, uma vez que é crescente as demandas pleiteadas para garantir  medicamento de alto custo, ficando claro a grande dificuldade do Município em  disponibilizar o fármaco (MARANHÃO, 2013). 

Em 18 de setembro de 2014, foi proferido sentença reconhecendo o direito da  autora em receber o medicamento FELTABOL 600 mg, o município de Imperatriz interpôs recurso de Apelação, porém novamente no tribunal, foi reconhecido o direito  da autora, os autos voltarem conclusos para a vara da infância, dando-se início a fase  de cumprimento de sentença, e o município com muita resistência descumpre a  obrigação resultando em reiterados atos bloqueios na conta da requerida para que  fosse cumprida a obrigação estipulada na sentença(MARANHÃO, 2013). 

Com a análise dos processos apresentados, verifica-se que o princípio da  reserva do possível é utilizado de forma corriqueira para tentar justificar a impossibilidade do não fornecimento de medicamento de alto custo, incumbindo e  solicitando que os demais entes federativos figurem no polo passivo da demanda.  Dessa forma, Pedrosa (2019, p.253) afirma que: 

A reserva do possível não pode expressar exclusivamente a indisponibilidade financeira, pois uma vez que a captação de recursos públicos é realizada de modo permanente pelo Estado por meio do poder de tributar há permanente possibilidade de garantia dos direitos sociais, seja por abertura de créditos suplementares ou da previsão no exercício financeiro.  

Nesse sentido, a reserva do possível não deve ser usada como parâmetro para  garantir o fornecimento de medicamentos de alto custo, importando a redução na efetividade do direito social à saúde, uma vez que a prestação a esse direito atinge o  mínimo existencial, imprescindível à vida humana. 

5. CONCLUSÃO  

Com o presente estudo, é possível perceber que os direitos sociais possuem  vasta previsão legal dentro da Constituição Federal vigente, estabelecendo o dever  dos entes públicos federados em garantir os direitos fundamentais, em especial o  direito à saúde, primordial para a manutenção da vida humana. Nesse sentido é que  demandas são ajuizadas pleiteando o direito à saúde, no que tange a obtenção de  medicamentos para tratamento de doenças, tratamentos fora do domicílio, cirurgia,  entre outras.  

A sociedade marginalizada e que vivem com instabilidade financeira, fazem  parte do elevado número de autores dessas ações, que solicitam ao Poder Judiciário  o fornecimento de medicamentos de alto custo, pela impossibilidade de adquirir, no  âmbito financeiro e logístico, uma vez que, muitos desses fármacos não fazem parte  da lista do SUS. 

Nesse sentido, com os processos analisados, é notório a grande resistência, seja do Município ou do Estado, em cumprir a medida liminar que defere o direito  pleiteado. Com isso, verifica-se que o fator financeiro é o maior impasse quanto a  dificuldade enfrentada pelo poder público para o fornecimento de medicamentos de  alto custo, gerando constantes discussões a respeito da teoria da reserva do possível, que é uma das justificativas que os entes federados utilizam para tentar se eximir  da obrigação.  

O não fornecimento de medicamentos não deve ser amparado pela ideia de  falta de recursos públicos, pois essa garantia constitucional nunca seria efetivada se  o seu fornecimento fosse tão somente quando os cofres públicos estivessem cheios,  para custear os tratamentos. Dessa forma, é imprescindível a realocação de recurso  em prol desses casos, com a implementação de políticas públicas mais efetivas para  que a saúde coletiva e individual não seja banalizada com a justificativa de falta de  recursos financeiros. 

REFERÊNCIAS 

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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão- IESMA/Unisulma.
2Acadêmica do curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do  Maranhão- IESMA/ Unisulma. E-mail: amanda_dias4@outlook.com.br
3Professora orientadora. Mestra em Formação Docente em Práticas Educativas (UFMA) e em Direito  pela Universidade de Marília (UNIMAR). Possui graduação em Direito pelo Instituto de Ensino  Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA). E-mail: leticiadejesusadv@gmail.com