VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: DIREITO DA GESTANTE E SUA INEFICÁCIA NA  APLICABILIDADE 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202512190613


Vanessa Souza Leal1
Orientador: Prof. Eternar Rodrigues da Silva2


RESUMO 

O presente trabalho analisa a violência obstétrica no Brasil, buscando compreender  por que os direitos da gestante, embora garantidos em âmbito constitucional e  infraconstitucional, ainda não se efetivam no contexto da assistência ao parto. O  estudo parte do problema central de identificar os fatores que dificultam a aplicação  desses direitos e perpetuam práticas abusivas durante o ciclo gravídico-puerperal. O  objetivo geral consiste em examinar como tais violações se manifestam e por que  persistem nas instituições de saúde. A pesquisa adota abordagem qualitativa, com  caráter bibliográfico e documental, fundamentada na análise de artigos científicos,  legislações e documentos oficiais relacionados ao tema. Esse método permitiu  estabelecer uma leitura crítico-teórica da realidade obstétrica brasileira, comparando  o arcabouço jurídico às práticas cotidianas observadas nos serviços de saúde. Os  resultados indicam que, apesar das normas que asseguram dignidade, autonomia e  consentimento informado, a efetividade desses direitos é comprometida por fatores  como naturalização de abusos, desigualdades sociais, formação profissional  inadequada, falhas de fiscalização e baixa responsabilização institucional. Mulheres  negras, jovens e usuárias do SUS aparecem como grupo mais vulnerável às  violações. Conclui-se que a superação da violência obstétrica exige a transformação  das práticas assistenciais, o fortalecimento de políticas públicas e o aprimoramento  da educação em direitos reprodutivos. Pesquisas futuras podem aprofundar a atuação  do Judiciário e os impactos psicológicos decorrentes dessas violências. 

Palavras-chave: Violência obstétrica. Direitos da gestante. Humanização do parto.

ABSTRACT 

The This study analyzes obstetric violence in Brazil and seeks to understand why the  rights of pregnant women, although guaranteed in constitutional and infraconstitutional  legislation, are still not effectively applied in childbirth care. The research addresses  the central problem of identifying the factors that hinder the implementation of these  rights and allow abusive practices to persist throughout the pregnancy and childbirth  process. The general objective is to examine how such violations occur and why they  remain within health institutions. A qualitative methodology was adopted, based on  bibliographic and documentary research involving scientific articles, legislation, and  official institutional documents. This approach enabled a critical-theoretical  interpretation of the Brazilian obstetric scenario by comparing the normative framework with the reality observed in healthcare services. The findings indicate that, despite the  existence of rights ensuring dignity, autonomy, and informed consent, their  effectiveness is weakened by factors such as the normalization of abusive practices,  social inequalities, insufficient professional training, inadequate oversight, and limited  institutional accountability. Black women, young women, and users of the public health  system emerge as the most vulnerable groups. It is concluded that overcoming  obstetric violence requires transforming institutional practices, strengthening public  policies, and expanding education on reproductive rights. Future research may further  explore the role of the judiciary and the psychological impacts resulting from these  violations. 

Keywords: Obstetric violence. Pregnant women’s rights. Humanized childbirth. 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 

A violência obstétrica representa uma violação direta dos direitos fundamentais  das gestantes ao longo do ciclo gravídico-puerperal, configurando práticas que ferem  a dignidade, a autonomia e a integridade física e psicológica da mulher. Essas  agressões ocorrem quando profissionais e instituições de saúde, amparados em uma  autoridade técnica e simbólica historicamente construída, impõem condutas sem  consentimento ou em desrespeito à mulher, desconsiderando seu protagonismo e sua  liberdade reprodutiva (ZANARDO et al., 2017). Tal violência decorre da naturalização  de práticas abusivas amplamente difundidas na cultura obstétrica brasileira,  sustentada por uma visão biologicista e interventiva, que reduz o corpo feminino a um  objeto de manipulação médica e ignora sua autonomia reprodutiva (SENS; STAMM,  2019). 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que comportamentos  como desrespeito, abuso, coerção, humilhações verbais, procedimentos dolorosos ou  invasivos sem consentimento informado, restrição de acompanhante e cesáreas  desnecessárias configuram formas de violência obstétrica que ferem a dignidade  humana, produzem danos físicos, emocionais e sexuais e violam a integridade da  paciente (OMS, 2014). No Brasil, tais práticas podem resultar em graves repercussões  à saúde materno-infantil, incluindo traumas duradouros e risco aumentado de  patologias associadas ao parto e ao puerpério (LEITE et al., 2024). 

A Constituição Federal de 1988 garante expressamente o direito universal à  saúde, assim como a proteção à dignidade da pessoa humana, à integridade física e  psíquica e à igualdade, princípios que amparam, de forma ampla, os direitos das  gestantes durante o parto (BRASIL, 1988). Contudo, apesar do arcabouço  constitucional robusto, verifica-se uma distância alarmante entre a previsão normativa  e sua concretização, resultando na ineficácia da aplicabilidade desses direitos no  momento em que deveriam ser efetivamente resguardados (BRITO; OLIVEIRA;  COSTA (2021). 

Essa ineficácia jurídica deriva de múltiplos fatores estruturais, dentre os quais  se destacam: a insuficiente fiscalização da assistência obstétrica, a carência de  políticas efetivas de humanização, a falta de formação adequada de profissionais de  saúde, a ausência de legislação federal específica sobre violência obstétrica e a 

limitação do acesso à informação pelas gestantes (MARTINS et al., 2022). Quando  direitos não são conhecidos, reivindicados ou respeitados, cria-se um ambiente de  vulnerabilidade feminina, marcado pela submissão às decisões médicas, muitas vezes  sem respaldo científico e sem consentimento (AGUIAR, 2010). 

Outro elemento relevante é a desigualdade social, racial e econômica, que  intensifica e direciona os impactos da violência obstétrica. Estudos apontam que  mulheres negras, jovens, de baixa renda e usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS)  sofrem maiores índices de desrespeito, abandono, negligência e maus-tratos quando  comparadas às mulheres de camadas sociais mais privilegiadas, revelando uma  articulação entre violência, gênero e racismo estrutural (ASSIS, 2022). 

A prevalência dessas violências também é influenciada por uma cultura  institucional que frequentemente silencia denúncias e legitima práticas autoritárias  como se fossem protocolos de cuidado. Tais condutas reforçam o imaginário de que  “o médico sempre sabe o que é melhor”, reduzindo a mulher a um papel passivo no  parto e enfraquecendo sua autonomia decisória (MARQUES, 2023). Em muitos casos,  procedimentos invasivos ou decisões clínicas são justificadas como indispensáveis,  mesmo contrariando recomendações científicas baseadas em evidências (AGUIAR,  2010). 

O debate sobre violência obstétrica ganhou maior repercussão após o  fortalecimento do movimento de humanização do parto. Entretanto, essa mobilização  enfrenta resistência institucional, exemplificada pela orientação do Ministério da  Saúde, em 2019, para evitar o uso do termo “violência obstétrica”, decisão  amplamente criticada por entidades da saúde e de direitos humanos por representar  retrocesso no reconhecimento do problema (ASSIS, 2022). 

Embora normas como a Lei nº 10.778/2003 determinem a notificação de  violências contra a mulher e políticas públicas como a Rede Cegonha se proponham  a garantir assistência adequada, a realidade demonstra que tais instrumentos não  asseguram proteção plena. Isso ocorre em razão da inexistência de regulamentação  específica, da ausência de monitoramento constante e da dificuldade de  responsabilização dos profissionais envolvidos (LEITE et al., 2024). Tal fragilidade  normativa contribui para que práticas abusivas continuem sendo naturalizadas e  pouco denunciadas (BRITO; OLIVEIRA; COSTA, 2021). 

Diante desse cenário, torna-se fundamental analisar a efetividade dos direitos da gestante, possibilitando uma compreensão crítica acerca das razões pelas quais o  ordenamento jurídico não tem sido capaz de garantir sua plena aplicabilidade na  assistência obstétrica no Brasil. 

O problema central deste estudo consiste em responder à seguinte questão:  quais fatores contribuem para a ineficácia dos direitos da gestante na prevenção  e combate à violência obstétrica no Brasil? 

O objetivo geral é analisar a violência obstétrica sob o enfoque dos direitos  fundamentais assegurados às gestantes, destacando os obstáculos que persistem em  sua efetivação. Como objetivos específicos, busca-se: 

a) conceituar e contextualizar a violência obstétrica e suas formas de  manifestação; 

b) apresentar o ordenamento jurídico que protege a gestante durante o  parto; 

c) identificar os fatores que tornam esses direitos ineficazes na prática;

d) apontar caminhos possíveis para a garantia de assistência humanizada. 

A metodologia adotada fundamenta-se na pesquisa qualitativa, bibliográfica e  documental, baseada no estudo de artigos científicos, legislações e documentos  oficiais relacionados ao tema, buscando compreender a problemática por meio de  análises crítico-teóricas que conectam assistência obstétrica e direitos fundamentais  (MARQUES, 2023). 

Justifica-se o presente estudo pela relevância social e jurídica da temática,  considerando que o parto representa um momento singular na vida da mulher e deve  ser vivenciado com segurança, respeito e autonomia. A persistência de práticas  violentas demonstra que o Estado ainda falha em garantir direitos já consagrados,  tornando urgente o fortalecimento de políticas públicas e a conscientização social para  o enfrentamento do problema (SENS; STAMM, 2019). 

Por fim, destaca-se que, para aprofundar a compreensão dos aspectos que  envolvem a temática, o presente artigo desenvolve, na seção seguinte, a  fundamentação teórica que analisa os principais conceitos, bases legais e discussões  acadêmicas referentes à violência obstétrica, estabelecendo conexões entre a teoria  jurídica e a realidade prática vivenciada pelas gestantes no Brasil.

Por fim, importa destacar que, para aprofundar a compreensão dos aspectos  que envolvem a temática, o presente artigo desenvolve, na seção seguinte, uma  fundamentação teórica que analisa os principais conceitos, bases legais e discussões  acadêmicas referentes à violência obstétrica, estabelecendo conexões entre a teoria  jurídica e a realidade prática vivenciada pelas gestantes no Brasil. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

2.1 Conceito e Caracterização da Violência Obstétrica 

A violência obstétrica é reconhecida como uma forma de violência institucional  e de gênero que afeta mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal. Essa prática se  manifesta quando profissionais e instituições de saúde se apropriam do corpo e dos  processos reprodutivos da mulher, exercendo uma autoridade técnica e simbólica  historicamente construída, que reduz a gestante à condição de objeto e viola direitos  fundamentais, como a dignidade, a autonomia e a integridade física e emocional  (ZANARDO et al., 2017). 

As formas de manifestação incluem agressões verbais, infantilização da  parturiente, omissão de analgesia, intervenções sem consentimento, práticas  desatualizadas — como a manobra de Kristeller e a episiotomia de rotina — e a  restrição do(a) acompanhante, direito garantido pela Lei nº 11.108/2005 (SENS;  STAMM, 2019). Esses comportamentos refletem a persistência de um modelo  obstétrico hierarquizado e medicalizado, no qual o saber da mulher é secundarizado  e prevalece o controle institucional do parto (AGUIAR, 2010). 

A Organização Mundial da Saúde alerta que tais práticas, sobretudo quando  naturalizadas por profissionais e usuários do sistema, convertem o ambiente  hospitalar em um espaço de risco emocional e físico, capaz de gerar danos imediatos  e repercussões tardias à saúde física e mental da mãe e do recém-nascido (OMS,  2014; LEITE et al., 2024). 

No Brasil, os índices identificados são expressivos. Uma revisão narrativa  publicada em 2024 apontou que cerca de 33% das mulheres atendidas sofreram ao  menos um ato de violência obstétrica, revelando que uma em cada três parturientes  vivencia situações de desrespeito ou abuso no processo de parto (SANTOS et al.,  2024). Em estudo desenvolvido pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, verificou-se prevalência entre 18,3% e 44,3%, com variações regionais significativas  (HENRIQUES, 2021). Esse cenário evidencia que fatores socioeconômicos, raciais,  estruturais e geográficos influenciam diretamente a probabilidade de ocorrência da  violência obstétrica, além de apontar desigualdades entre o atendimento público e o  privado. 

Ambas as pesquisas ressaltam ainda a alta subnotificação. Muitas mulheres  não reconhecem que sofreram violência, justamente porque procedimentos abusivos  são socialmente aceitos como práticas normais ou justificáveis “para o bem do bebê”  (SANTOS et al., 2024; HENRIQUES, 2021). Assim, os índices disponíveis  representam apenas uma parcela da realidade. 

Os dados também demonstram que a violência obstétrica incide de maneira  desproporcional sobre mulheres negras, jovens, de menor renda e escolaridade,  evidenciando a interseção entre desigualdades estruturais, racismo institucional e  práticas abusivas no contexto obstétrico (MARTINS et al., 2022). Esses marcadores  sociais aumentam a vulnerabilidade da mulher e contribuem para um atendimento  desumanizado, permeado por discriminações e negligências. 

Além das consequências imediatas, a violência obstétrica ocasiona impactos  emocionais de longo prazo, podendo resultar em traumas psicológicos, depressão  pós-parto, ansiedade, estresse pós-traumático, medo de futuras gestações e  dificuldades no estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e bebê (AGUIAR, 2010).  Desse modo, não se limita ao momento do parto, afetando todo o percurso reprodutivo  e familiar da mulher. 

Portanto, a violência obstétrica caracteriza-se como um problema estrutural e  multifacetado, que viola direitos humanos, reforça desigualdades de gênero e  evidencia falhas sistêmicas na assistência obstétrica brasileira. A compreensão desse  fenômeno exige a articulação entre saúde, direitos humanos e políticas públicas, a fim  de promover práticas respeitosas e garantir autonomia, segurança e dignidade às  gestantes (ZANARDO et al., 2017; SANTOS et al., 2024). 

2.2 Aspectos Históricos da Medicalização do Parto no Brasil 

Historicamente, o parto era um evento doméstico, comunitário e protagonizado  pelas mulheres, sendo assistido majoritariamente por parteiras tradicionais que  detinham conhecimentos empíricos, transmitidos de geração em geração. Esse saber, construído a partir da observação e da vivência cotidiana, valorizava o corpo feminino  e os processos fisiológicos da gestação e do nascimento (MARTINS et al., 2022). Até  meados do século XX, portanto, o parto ocorria em ambiente familiar, com acolhimento  e protagonismo materno. 

A partir da década de 1940, o Brasil iniciou um processo gradual, porém  acelerado, de hospitalização do parto. Esse movimento foi justificado pelos avanços  da medicina moderna, pelo controle de infecções e pela difusão de práticas cirúrgicas  e farmacológicas que passaram a simbolizar progresso e modernidade (AGUIAR,  2010). O que antes era compreendido como um evento fisiológico passou a ser  interpretado como procedimento de risco, demandando vigilância e controle  institucional. 

Esse processo ganhou força com a implementação de políticas sanitárias,  como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), criado em  1983, que, embora representasse avanço na saúde reprodutiva, reforçou a  centralização do parto no ambiente hospitalar como estratégia de redução da  mortalidade materna e infantil, contribuindo para o fortalecimento do modelo  tecnocrático de assistência obstétrica no Brasil (BRITO; OLIVEIRA; COSTA, 2021). Com a Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS),  o Estado assumiu a responsabilidade pela assistência obstétrica universal,  incentivando ainda mais a consolidação do modelo hospitalocêntrico (BRASIL, 1988). 

A substituição do trabalho das parteiras tradicionais pelo atendimento médico  especializado também foi reforçada por normas profissionais e curriculares que  priorizaram o conhecimento tecnocientífico da obstetrícia. Como consequência, o  saber feminino e comunitário foi marginalizado, contribuindo para a desvalorização  das parteiras e para a centralização da autoridade médica no processo de nascimento  (ASSIS, 2022). Nesse cenário, a mulher passou a ocupar papel secundário em seu  próprio parto, enquanto o médico obstetra se consolidou como figura central (SENS;  STAMM, 2019). 

A partir da década de 1990, observou-se um aumento expressivo das  cesarianas, impulsionado por fatores como conveniência médica, interesses  econômicos, rotinas institucionais e crenças equivocadas sobre a segurança desse  procedimento. O Brasil tornou-se um dos países com maiores taxas de cesarianas no  mundo, muitas vezes realizadas sem indicação clínica, o que evidencia a consolidação de um modelo altamente intervencionista e distante das bases  fisiológicas do parto (LEITE et al., 2024). 

Somente em 2011, com a criação da Rede Cegonha, políticas públicas  passaram a enfatizar novamente o protagonismo da mulher. Essa iniciativa buscou  promover práticas humanizadas, incentivo ao parto normal, presença do(a)  acompanhante e respeito ao plano de parto, propondo uma ruptura com o paradigma  hospitalocêntrico (MARTINS et al., 2022). No entanto, sua implementação enfrenta  resistência, especialmente em instituições que mantêm estruturas hierarquizadas e  forte influência da cultura biomédica. 

Compreende-se, assim, que a violência obstétrica é resultado de um processo  histórico que transformou o nascimento em evento médico-hospitalar, reduzindo a  autonomia da mulher e naturalizando intervenções desnecessárias. Conhecer esse  percurso permite identificar as bases estruturais que sustentam a persistência de  práticas abusivas e a ineficácia da proteção jurídica das gestantes no Brasil  (ZANARDO et al., 2017). 

2.3 Formas de Manifestação da Violência Obstétrica 

A violência obstétrica manifesta-se de formas diversas e frequentemente  simultâneas, o que dificulta seu reconhecimento imediato. Embora possa ser  classificada em categorias teóricas distintas, sua ocorrência prática revela um  conjunto de práticas que retiram da mulher sua autonomia e sua capacidade de  participar das decisões sobre o próprio corpo durante o parto (SENS; STAMM, 2019). 

De acordo com a Cartilha de Violência Obstétrica (Ministério Público, 2021),  tais manifestações incluem desde agressões verbais — como insultos, humilhações,  repressões e constrangimentos — até intervenções médicas desnecessárias ou  realizadas sem explicação e consentimento. Assim, a violência obstétrica ultrapassa  os limites do abuso físico e abrange aspectos psicológicos, sexuais e institucionais,  configurando uma violação grave dos direitos humanos das mulheres. 

A violência física ocorre quando são empregados procedimentos invasivos sem  necessidade clínica ou sem o devido consentimento, como a pressão exagerada  sobre o abdômen, a imobilização da gestante, toques dolorosos e episiotomias não  justificadas. Tais práticas, muitas vezes justificadas como medidas para agilizar o  parto ou facilitar o trabalho da equipe, evidenciam uma lógica institucional centrada na burocracia e no controle médico, e não no bem-estar da parturiente (ZANARDO et  al., 2017). 

A violência psicológica, por sua vez, está presente nas situações em que a  gestante é submetida a desqualificação, medo ou coerção. Frases ofensivas,  julgamentos, ameaças e a deslegitimação da dor reforçam relações de poder em que  a palavra da mulher é silenciada. Essa forma de violência possui efeitos profundos e  duradouros, podendo gerar traumas emocionais, depressão pós-parto e distúrbios de  ansiedade (AGUIAR, 2010). 

A violência sexual, embora menos denunciada, é igualmente grave. Ela ocorre  quando há toques vaginais repetitivos sem justificativa, procedimentos realizados sem  permissão ou exposição da intimidade da gestante de maneira inadequada. São  práticas que ferem diretamente a dignidade da mulher e são frequentemente  encobertas pelo discurso da necessidade técnica (LEITE et al., 2024). 

A violência institucional decorre das estruturas e rotinas dos serviços de saúde.  Ela se manifesta por longas esperas, falta de analgesia quando clinicamente indicada,  recusa de atendimento, demora em procedimentos essenciais e ausência de  acompanhante, embora este seja um direito garantido por lei desde 2005. Nesses  casos, o próprio sistema de saúde atua como agente de violência, restringindo o  acesso da gestante a um parto humanizado (MARTINS et al., 2022). 

Essas manifestações podem ocorrer tanto de forma direta, quando há ação  explícita de força, omissão ou abuso profissional, quanto de maneira indireta, quando  a violência é praticada por meio da negligência, da falta de informação adequada ou  de condições estruturais precárias. Ambas as formas configuram violações profundas,  pois comprometem o direito da gestante de participar das decisões e vivenciar um  parto seguro, digno e respeitoso (OMS, 2014).

CATEGORIA TIPO EXEMPLOS COMUNS
Física Direta Episiotomia sem consentimento;  Manobra de Kristeller; 
Realização de cesariana sem indicação clínica.
Física Indireta Negligência no manejo da dor; Falta de suporte em complicações; 
Ausência de boas práticas clínicas.
Psicológica Direta Gritos; Humilhações; 
Ameaças.
Psicológica Indireta Desinformação deliberada; Manipulação de riscos; 
Desconsideração do plano de parto.
Sexual Direta Toques sem permissão ou por excesso de  profissionais; 
Comentários constrangedores sobre o corpo da  parturiente.
Sexual Indireta Exposição desnecessária da intimidade; Ausência de proteção à privacidade.
Institucional Direta Negar acompanhante;
Desrespeitar protocolos humanizados previstos em  norma.
Institucional Indireta Falta de estrutura; Superlotação; Filas que comprometem
o atendimento.

Essas formas de violência são sustentadas por elementos históricos, culturais  e estruturais presentes no modelo biomédico. A cultura patriarcal e a hierarquização  das relações profissionais na obstetrícia contribuem para naturalizar o controle  institucional sobre o corpo feminino. Nesse contexto, a mulher deixa de ser sujeito do  processo reprodutivo e torna-se paciente passiva, abrindo espaço para abusos  revestidos de normas, rotinas ou protocolos (COELHO; ANDRADE; ALMEIDA, 2020). 

Dessa maneira, a violência obstétrica não pode ser compreendida como ato  isolado de um profissional, mas como expressão de um problema sistêmico, marcado  pela formação tecnicista, pela insuficiência de políticas públicas, pela falta de  conhecimento dos direitos das gestantes e pela ausência de responsabilização efetiva  (MARTINS et al., 2022). 

2.4 Direitos da Gestante no Ordenamento Jurídico Brasileiro 

O ordenamento jurídico brasileiro assegura proteção ampla à gestante durante o ciclo gravídico-puerperal, fundamentada em dispositivos constitucionais e  infraconstitucionais que visam garantir atendimento seguro, digno e humanizado. A  Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como  princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III) e assegura a  inviolabilidade da integridade física e psíquica, o direito à igualdade de gênero e o  direito universal à saúde (art. 6º e art. 196). Esses pilares formam o principal  fundamento para a proteção jurídica das mulheres na assistência obstétrica (BRASIL,  1988). 

A legislação brasileira também prevê que toda gestante tem direito ao respeito,  à autonomia sobre seu corpo e à tomada de decisões informadas acerca do parto e  do nascimento. Isso inclui acesso a informações claras e compreensíveis, participação  ativa no processo decisório, consentimento livre e esclarecido para qualquer  procedimento e possibilidade de recusar intervenções consideradas desnecessárias  (CARTILHA DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, 2021). A ausência de consentimento  informado constitui violação ética e jurídica, atentando contra princípios fundamentais  da bioética e da medicina baseada em evidências (ZANARDO et al., 2017). 

O direito à saúde, previsto no art. 196 da Constituição, impõe ao Estado o dever  de criar políticas que reduzam riscos, danos e agravos à saúde, garantindo acesso  universal e igualitário aos serviços de saúde. Nesse contexto, a violência obstétrica  se apresenta como clara afronta aos princípios da legalidade, da dignidade humana e  da proteção integral, uma vez que subverte a finalidade constitucional da assistência  materna (BRASIL, 1988). 

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído em 1990, organiza a assistência  obstétrica a partir das diretrizes de integralidade, equidade e humanização. Políticas  prévias e posteriores, como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher  (PAISM), criado em 1983, e a Rede Cegonha, instituída em 2011, buscaram aprimorar  o cuidado materno-infantil, fortalecendo direitos relacionados ao acolhimento  humanizado, ao protagonismo da mulher, ao direito ao acompanhante e ao incentivo  ao parto normal (MARTINS et al., 2022). 

Entre os direitos específicos da gestante, destaca-se a Lei nº 11.108/2005, que  garante a presença de um acompanhante de escolha da parturiente durante o trabalho  de parto, o parto e o pós-parto imediato. A violação desse direito caracteriza forma de  violência institucional e contraria recomendações internacionais sobre o cuidado centrado na mulher (LEITE et al., 2024). 

A Lei nº 10.778/2003, por sua vez, tornou compulsória a notificação dos casos  de violência contra a mulher atendidos em serviços de saúde, públicos ou privados.  Embora não mencione diretamente a violência obstétrica, sua abrangência inclui  abusos praticados durante a assistência ao parto, reforçando a necessidade de  vigilância e responsabilização (AGUIAR, 2010). 

No campo dos direitos reprodutivos e da autonomia corporal, o consentimento  livre e esclarecido constitui elemento essencial. Todas as intervenções devem ser  explicadas e autorizadas pela gestante de forma voluntária, consciente e informada.  A manipulação de informações, a omissão deliberada ou a realização de  procedimentos sem autorização configuram grave violação dos direitos fundamentais  da mulher e dos protocolos ético-legais vigentes (ZANARDO et al., 2017). 

Assim, embora o Brasil disponha de um robusto arcabouço normativo  destinado a garantir a integridade, a autonomia e o bem-estar da gestante, tais  garantias ainda não se traduzem plenamente na prática. A persistência de condutas  abusivas, associada à fragilidade dos mecanismos de fiscalização, à insuficiência de  políticas públicas eficazes e à limitada responsabilização institucional, revela a  distância entre a previsão normativa e a realidade da assistência obstétrica. 

Portanto, a análise da legislação aplicável ao parto e aos direitos da gestante  evidencia a existência de um conjunto sólido de normas protetivas. No entanto, a  permanência da violência obstétrica demonstra a necessidade de compreender como  a discrepância entre o texto legal e a prática cotidiana compromete a efetividade  desses direitos, questão aprofundada na seção seguinte deste estudo (BRASIL, 1988;  BRITO; OLIVEIRA; COSTA, 2021). 

2.5 Ineficiência da Aplicabilidade dos Direitos Garantidos 

Embora o ordenamento jurídico brasileiro assegure um conjunto robusto de  direitos às gestantes durante o ciclo gravídico-puerperal, a efetivação dessas  garantias ainda é limitada na prática. A distância entre o que está previsto nas normas  e o que se concretiza nos serviços de saúde revela falhas estruturais que contribuem  para a persistência da violência obstétrica no país (BRITO; OLIVEIRA; COSTA, 2021). 

Um dos principais obstáculos à efetividade desses direitos é o  desconhecimento das mulheres acerca das garantias legais que lhes assistem. Muitas gestantes ignoram direitos como a presença do acompanhante, o consentimento livre  e esclarecido, o acesso a informações adequadas e o direito ao parto humanizado.  Esse cenário reduz a capacidade de reivindicação e amplia a vulnerabilidade frente a  violações (SANTOS et al., 2024). A falta de campanhas educativas e de políticas de  promoção da saúde reforça essa desinformação, sobretudo entre mulheres em  situação de maior desigualdade social (MARTINS et al., 2022). 

Outro fator determinante é a fragilidade dos mecanismos de fiscalização e  responsabilização dos casos de violência obstétrica. A burocratização das denúncias,  a baixa efetividade das ouvidorias, a falta de preparo institucional e a morosidade  judicial contribuem para um contexto de impunidade (AGUIAR, 2010). Mesmo quando  reconhecem a violência sofrida, muitas mulheres encontram barreiras para denunciar  ou temem represálias, o que dificulta o enfrentamento do problema. 

A naturalização de práticas abusivas e desatualizadas nas maternidades  também compromete a aplicabilidade dos direitos. Procedimentos sem respaldo  científico continuam sendo tratados como rotinas hospitalares e justificados por uma  suposta necessidade técnica. A autoridade médica permanece, em diversos  contextos, como elemento incontestável, o que limita a autonomia da gestante e  perpetua um modelo assistencial hierarquizado (ZANARDO et al., 2017). 

Além disso, a ineficácia na proteção dos direitos das mulheres está  profundamente relacionada a desigualdades sociais, raciais e econômicas. Mulheres  negras, jovens, pobres e usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) são as que mais  enfrentam negligência, maus-tratos e intervenções não consentidas, demonstrando  que a violação dos direitos reprodutivos possui caráter seletivo e reproduz  desigualdades históricas (HENRIQUES, 2021). Assim, embora o direito à saúde seja  universal em lei, sua materialização é desigual na prática. 

A subnotificação dos casos é outro elemento que dificulta o enfrentamento  institucional. Muitas violências não são registradas, seja pela dificuldade de  reconhecimento da gestante, seja por medo, vergonha ou falta de acolhimento para a  denúncia. Dessa forma, os dados oficiais representam apenas uma fração da  realidade, o que compromete o planejamento de políticas públicas eficazes (SANTOS  et al., 2024). 

Por fim, a resistência institucional à implantação de práticas humanizadas  evidencia o choque entre a legislação vigente e o modelo biomédico dominante. 

Apesar das diretrizes nacionais que enfatizam o respeito, a autonomia e o  protagonismo da mulher, muitos hospitais ainda reproduzem rotinas intervencionistas,  hierarquizadas e pouco sensíveis às recomendações legais e científicas (LEITE et al.,  2024). 

Dessa forma, a ineficiência na proteção dos direitos da gestante decorre de um  conjunto de falhas sistêmicas e multidimensionais que envolvem aspectos legais,  culturais, institucionais e sociais. Compreender esses entraves é fundamental para  que o país avance no enfrentamento da violência obstétrica e na consolidação de uma  assistência que respeite a integridade, a autonomia e a dignidade das mulheres  (BRITO; OLIVEIRA; COSTA, 2021). 

3. METODOLOGIA 

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, de caráter  bibliográfico e documental, desenvolvida a partir da análise de produções  acadêmicas, legislações e documentos institucionais relacionados à violência obstétrica  no Brasil. Essa escolha metodológica justifica-se pela necessidade de compreender a  temática sob uma perspectiva crítico-teórica, identificando as bases legais que  garantem os direitos das gestantes e os obstáculos enfrentados para a efetivação  dessas garantias na assistência obstétrica (AGUIAR, 2010). 

A abordagem qualitativa foi adotada por possibilitar uma análise aprofundada  das implicações sociais, culturais, institucionais e jurídicas da violência obstétrica,  permitindo interpretar os significados das condutas profissionais e das práticas  assistenciais que resultam em violações dos direitos fundamentais da gestante (BRITO;  OLIVEIRA; COSTA, 2021). A ênfase recai sobre a compreensão interpretativa do  fenômeno, com foco na relação entre os dispositivos legais que protegem a mulher e  sua efetividade prática no contexto obstétrico brasileiro. 

A pesquisa bibliográfica incluiu artigos científicos, livros, teses, dissertações e  publicações de organismos oficiais, selecionados com base em critérios de atualidaderelevância temática, qualidade teórica e credibilidade acadêmica. Para garantir  rigor metodológico, as buscas foram realizadas em bases consolidadas como SciELOGoogle Acadêmico, PubMed e repositórios institucionais. Foram utilizados filtros de  idioma (português, inglês e espanhol), disponibilidade de acesso aberto e recorte  temporal compreendido entre 2014 e 2024, período que contempla as diretrizes 

internacionais da Organização Mundial da Saúde para um parto respeitoso e debates  contemporâneos sobre violência obstétrica no Brasil. Obras anteriores a esse período  foram incluídas apenas quando indispensáveis para contextualizar conceitos históricos  ou estruturais (SANTOS et al., 2024). 

As buscas foram realizadas por meio de palavras-chave isoladas e combinadas, com os seguintes termos: “violência obstétrica”, “direitos da gestante”, “parto  humanizado”, “violência institucional”, “assistência obstétrica”, “autonomia da gestante”  e “direitos fundamentais da mulher”. Esse procedimento permitiu identificar estudos  convergentes e divergentes, ampliando a consistência da revisão teórica. 

A pesquisa documental envolveu a análise da legislação brasileira aplicável à  saúde da gestante, com destaque para a Constituição Federal de 1988, a Lei n.  10.778/2003, a Lei n. 14.737/2023, além de políticas públicas como o Sistema Único  de Saúde (SUS), a Rede Cegonha e diretrizes da Organização Mundial da Saúde e  do Ministério da Saúde, relacionadas ao atendimento obstétrico e aos direitos  reprodutivos. Tal investigação permitiu compreender a evolução normativa e os  desafios para a efetivação das garantias previstas (BRASIL, 1988). 

Foram incluidos no estudo: 

a) artigo publicados em períodos científicos; 

b) documentos técnicos, cartilhas e relatórios oficiais; 

c) legislações, normas, portarias e diretrizes; 

d) livros e capítulos relevantes ao tema. 

O processo metodológico desenvolveu-se por meio de leitura exploratória,  seguida de leitura analítica e posterior sistematização das informações, possibilitando  a comparação entre o conteúdo teórico e a realidade prática vivenciada pelas mulheres  na assistência obstétrica. A triangulação das fontes bibliográficas e documentais  reforçou a robustez da análise e contribuiu para a compreensão dos fatores que  explicam a ineficácia da aplicabilidade dos direitos da gestante na prevenção e no  enfrentamento da violência obstétrica (LEITE et al., 2024). 

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 

A análise dos documentos, legislações e produções científicas permitiu identificar  que o problema central deste estudo — a ineficácia da aplicabilidade dos direitos da  gestante na prevenção da violência obstétrica — decorre de uma combinação de fatores estruturais, culturais e institucionais que se repetem em diferentes pesquisas e cartilhas  consultadas (CARTILHA DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, 2021). A distância entre os  direitos previstos na legislação e sua efetivação prática constitui o eixo que articula os achados aqui apresentados. 

Os resultados teóricos indicam que a violência obstétrica não surge apenas da  conduta isolada de profissionais, mas é sustentada por um modelo assistencial  historicamente marcado pela medicalização e pelo controle institucional do corpo da  mulher. Mesmo diante das recomendações da Organização Mundial da Saúde, que  defendem práticas baseadas em evidências e respeito à autonomia da gestante,  procedimentos coercitivos e não recomendados continuam sendo aplicados, como a  manobra de Kristeller e episiotomias de rotina. Essa persistência de práticas  desumanizadas demonstra a fragilidade da fiscalização e revela que a cultura  institucional permanece dissociada das normativas de humanização. 

A partir da análise jurídica, constatou-se que as violações cometidas durante o  parto contrariam diretamente princípios constitucionais, especialmente o da dignidade  da pessoa humana, o direito à saúde e o direito à informação. Todavia, a ausência de  uma legislação federal específica sobre violência obstétrica e a limitação dos  mecanismos de responsabilização dificultam a concretização dessas garantias. Lei  importantes, como a nº 11.108/2005 (direito ao acompanhante) e a nº 10.778/2003  (notificação compulsória), mostram baixo grau de efetividade no cotidiano das  maternidades, reforçando o problema central da pesquisa: a desconexão entre norma  e prática. 

Outro achado relevante é a naturalização das práticas abusivas. Grande parte  dos estudos analisados demonstra que procedimentos invasivos são apresentados  como “necessários”, “rotineiros” ou “melhores para o bebê”, o que mascara sua  natureza violenta e dificulta o reconhecimento da violação pela própria gestante. Essa  naturalização reforça relações de poder desiguais e sustenta a submissão da mulher às  decisões médicas, elemento central para compreender por que os direitos não se  efetivam no cotidiano da assistência obstétrica. 

A análise dos materiais também evidenciou que os marcadores sociais — raça,  classe, idade e tipo de serviço de saúde — influenciam diretamente a experiência da  mulher no parto. Pesquisas mostram que mulheres negras, jovens, pobres e usuárias  do SUS sofrem mais intervenções sem consentimento, negligência e maus-tratos. Esse padrão confirma que a ineficácia dos direitos não é aleatória, mas seletiva, refletindo  desigualdades estruturais e revelando uma dimensão interseccional da violência  obstétrica. 

Quanto aos profissionais de saúde, os documentos indicam deficiência formativa  significativa. Persistem currículos centrados em técnicas intervencionistas, com pouca  ênfase em direitos humanos, comunicação e práticas humanizadas. Essa lacuna na  formação repercute diretamente na manutenção do modelo autoritário e no  distanciamento entre o que a legislação prevê e o que ocorre nos serviços de saúde. 

Por fim, as análises mostram que, embora existam políticas públicas como o  Programa de Humanização do Parto e a Rede Cegonha, sua implementação encontra  obstáculos, sobretudo pela ausência de monitoramento contínuo e pela resistência  institucional à mudança de paradigma. Isso contribui para que tais políticas não atinjam  plenamente seu propósito, reforçando o problema identificado pelo estudo: a falta de  efetividade das garantias legais. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A presente pesquisa permitiu aprofundar a compreensão sobre a persistência  da violência obstétrica no Brasil e demonstrou que a principal dificuldade enfrentada  pelas gestantes não reside na ausência de direitos, mas sim na ineficácia de sua  aplicabilidade no contexto assistencial. O objetivo geral — analisar a violência  obstétrica à luz dos direitos fundamentais da gestante — foi alcançado, uma vez que  a investigação evidenciou a distância significativa entre a garantia normativa e a  realidade vivida por milhares de mulheres durante o parto. 

Os objetivos específicos também foram plenamente atendidos. A conceituação  e contextualização da violência obstétrica permitiram reconhecer que se trata de uma  prática multifacetada e estrutural, que ultrapassa a ação individual de profissionais e  se manifesta por meio de abusos físicos, psicológicos, sexuais e institucionais. A  análise dos direitos assegurados à gestante revelou que o Brasil dispõe de um  arcabouço normativo sólido, ancorado na Constituição Federal e em legislações  específicas, destinado a garantir autonomia, dignidade, informação e segurança no  ciclo gravídico-puerperal. No entanto, a pesquisa demonstrou que tais garantias são  sistematicamente enfraquecidas por fatores culturais, institucionais, sociais e estruturais, o que compromete a eficácia dos direitos fundamentais e expõe a  fragilidade do sistema de proteção das mulheres. 

Os principais achados confirmam que a violência obstétrica permanece  enraizada em uma cultura biomédica hierarquizada, sustentada pela naturalização de  práticas abusivas, pela perpetuação de estereótipos de gênero e pela desinformação  das gestantes sobre seus próprios direitos. A literatura analisada evidencia ainda que  o fenômeno está profundamente atravessado por marcadores sociais de  desigualdade: mulheres negras, pobres e usuárias do SUS enfrentam maiores índices  de desrespeito, negligência e maus-tratos, revelando que a violação dos direitos  reprodutivos no Brasil possui caráter seletivo e discriminatório. 

A relevância social e jurídica do tema torna-se evidente diante dos impactos  físicos, emocionais e morais que a violência obstétrica produz. Ao violar direitos  constitucionais como dignidade, integridade física e autonomia, essas práticas ferem  princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e colocam em risco tanto a  saúde materna quanto o bem-estar familiar. Assim, o estudo reforça que a proteção  da gestante não é apenas uma diretriz ética, mas uma obrigação estatal que demanda  políticas públicas efetivas, mecanismos de responsabilização e ações educativas  contínuas. 

Neste sentido, este trabalho indica caminhos indispensáveis para o  enfrentamento do problema. Entre eles, destacam-se: a ampliação da educação em  direitos reprodutivos para gestantes; a capacitação permanente dos profissionais de  saúde com foco em humanização, ética e comunicação; o fortalecimento dos  protocolos institucionais baseados em evidências científicas; o estímulo ao uso do  plano de parto; a ampliação da fiscalização sobre maternidades; e a criação de  instrumentos normativos mais robustos de responsabilização. Tais ações não apenas  reduzem a incidência de práticas abusivas como também favorecem a construção de  um modelo assistencial mais democrático, respeitoso e centrado na mulher. 

Por fim, recomenda-se que pesquisas futuras explorem, de maneira mais  aprofundada, a atuação do Poder Judiciário nos casos de violência obstétrica,  investiguem os impactos psicológicos de longo prazo sobre as vítimas e analisem a  implementação de políticas públicas de humanização em maternidades brasileiras.  Estudos de campo que observem práticas assistenciais in loco também podem  ampliar a compreensão sobre a efetividade dos direitos da gestante e oferecer subsídios para intervenções mais precisas. 

Em síntese, conclui-se que garantir a efetividade dos direitos da gestante exige  não apenas a existência de leis, mas a transformação das estruturas culturais,  institucionais e profissionais que moldam a assistência obstétrica. Somente assim  será possível assegurar que as mulheres vivenciem o parto de forma segura, digna,  humanizada e em plena conformidade com os princípios constitucionais que regem  os direitos humanos das mulheres no Brasil.

REFERÊNCIAS 

AGUIAR, J. M. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés  de acolhimento como uma questão de gênero. Tese de Doutorado, Programa de Pós  graduação em Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São  Paulo, SP. 2010. 

ALMEIDA, Bruno Vasconcelos de; ANDRADE, Ana Flávia Dias de; COELHO, Júlia  Araujo. Violência obstétrica: a agressão silenciosa nas salas de parto. Pretextos – Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, v. 5, n. 9, p. 720–739, jan./jun.  2020. 

ASSIS, Bruno Marques de. Violência obstétrica e suas repercussões sobre a vida das  parturientes: uma reflexão normativa e jurisprudencial. Migalhas, 2022.

BARBOZA, Luciane Pereira; MOTA, Alessivânia. Violência obstétrica: vivências de  sofrimento entre gestantes no Brasil. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, v. 1, n.  5, p. 119–129, 2016. 

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 70. ed. São Paulo: Persona, 1977.

BARROS, Bruno Mello Correa; RUVIARO, Rianne; RICHTER, Daniela. A violação  dos direitos fundamentais na hora do parto: uma análise da autonomia e  empoderamento da mulher. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas, v. 5, n. 1, p.  67–104, 2017. 

BOWSER, Diana; HILL, Kathleen. Exploring Evidence for Disrespect and Abuse in  Facility-Based Childbirth: Report of a Landscape Analysis. Boston: Harvard School of  Public Health/USAID, 2010. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado  Federal, 1988. 

BRASIL. Lei nº 10.778, de 24 nov. 2003. Institui a notificação compulsória de casos de  violência contra a mulher atendida em serviços de saúde. Diário Oficial da União,  Brasília, DF, 2003. 

BRASIL. Lei nº 11.108, de 07 abr. 2005. Garante à parturiente o direito à presença de  acompanhante. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2005. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à  mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 

CASTRO, Jamile Claro de; CLAPIS, Maria José. Parto humanizado na percepção de  enfermeiras obstétricas. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 13, n. 6, p. 960–967, 2005. 

DALFOVO, Michael Samir; LANA, Rogério Adilson; SILVEIRA, Amélia. Métodos  quantitativos e qualitativos: um resgate teórico. Revista Interdisciplinar Científica  Aplicada, v. 2, n. 4, p. 1–13, 2008. 

DINIZ, Simone Grilo. Gênero, saúde materna e o paradoxo perinatal. Revista Brasileira  de Crescimento e Desenvolvimento Humano, v. 19, n. 2, p. 313–326, 2009.

FAUNDES, Aníbal; CECATTI, José Guilherme. A operação cesariana no Brasil:  incidência, tendências, causas e consequências. Cadernos de Saúde Pública, v. 7, n.  2, p. 150–173, 1991. 

FLORIANO, Francisco. Projeto de Lei nº 8.219/2017. Dispõe sobre a violência  obstétrica praticada por profissionais da saúde. Brasília: Câmara dos Deputados, 2017.

GONÇALVES, Aniandra Karol; MISSIO, Lourdes. Fatores determinantes para as  expectativas de gestantes acerca da via de parto. Anais do VII Encontro de Iniciação  

UMCientífica, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, 2009. HENRIQUES, Tatiana. Violência obstétrica: reflexões e desafios para a saúde pública.  Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 21, n. 4, p. 1203-1212, 2021.

LEITE, Tatiana Henriques et al. Epidemiologia da violência obstétrica: uma revisão  narrativa do contexto brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, v. 29, n. 9, p. 1-13, 2024.  DOI: 10.1590/1413-81232024299.12222023. 

MARQUES, Túlio Aguiar. Violência obstétrica: um estudo sobre a violação dos direitos  fundamentais da gestante. [S.l.: s.n.], 2023. 

MARTINS, Ana Paula Correia de Albuquerque da; OLIVEIRA, Ana Carolina  Gondim de Albuquerque; BRITO, Cecília Maria Costa de. Violência obstétrica e os  direitos da parturiente: um olhar do judiciário brasileiro. 2021. 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Cartilha de Violência  Obstétrica. Belo Horizonte: MPMG, 2021. 

MOTT, Maria Lúcia. As parteiras e a assistência ao parto em São Paulo nas primeiras  décadas do século XX. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 163, n.  415, p. 67–84, 2002. 

OLIVEIRA, Aline et al. Transformações no processo de decisão pelo tipo de parto.  Cadernos de Saúde Pública, v. 30, supl. 1, p. S101–S116, 2014. 

SANTOS, Cinthya Silva; SANTOS, Thaialla Barbosa. Violência obstétrica e os  direitos da mulher enquanto gestante e parturiente. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 6, p. 1-15, 2024. Disponível em:  https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/14204. Acesso em: 12/10/2025 SEIBERT, Sônia L. et al. Humanização no parto: autonomia e respeito. Revista  Brasileira de Enfermagem, v. 58, n. 2, p. 249, 2005. 

SENS, Maristela Muller; STAMM, Ana Maria Nunes de Faria. Physicians’ perception  of obstetric or institutional violence in the subtle dimension of the human and physician patient relationship. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v. 23, e180487, 2019.  DOI: 10.1590/interface.180487. 

ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; URIBE, Magaly Calderón; NADAL, Ana  Hertzog Ramos de; HABIGZANG, Luísa Fernanda. Violência obstétrica no Brasil:  uma revisão narrativa. Psicologia & Sociedade, v. 29, e155043, 2017. DOI:  10.1590/1807-0310/2017v29155043.


1Bacharelado em Direito, Faculdade Carajás, vanessaleal525@gmail.com;
2Mestranda pelo Programa de Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA), Especializada em  Direitos Humanos, ambos pela UNIFESSPA; professora de Direito Processual Civil na Faculdade dos Carajás em  Marabá -PA; advogada trabalhista e previdenciária. https://lattes.cnpq.br/7046710688351516;  https://orcid.org/0009-0006-5711-3200; e-mail: etenar.silva@carajasedu.com.br