REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505231033
Karina Gonçalves Vieira1
Larissa Silva Lopes Lisboa2
Luan Pereira Da Cruz3
Cesar Augusto Freitas Jacques4
RESUMO
Este artigo analisa os desafios éticos e legais da publicidade online realizada por influenciadores digitais, ressaltando a necessidade de uma regulamentação específica para esse cenário. Com a expansão das redes sociais, os influenciadores passaram a exercer um papel central na promoção de produtos e serviços, criando uma relação de proximidade e confiança com seus seguidores, o que muitas vezes dificulta a distinção entre opinião pessoal e conteúdo patrocinado. Este estudo fundamenta-se em uma revisão bibliográfica e na análise de casos práticos, destacando que a ausência de uma sinalização clara quanto aos conteúdos publicitários pode induzir o consumidor a decisões de compra baseadas em informações distorcidas ou incompletas, gerando prejuízos tanto materiais quanto psicológicos. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil oferecerem mecanismos de proteção, a sua aplicação no ambiente digital revela-se insuficiente para abarcar as especificidades da publicidade online. Dessa forma, o artigo propõe a revisão das diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e a elaboração de normas específicas que responsabilizem os influenciadores digitais por práticas enganosas, sem restringir a liberdade de expressão. Ao discutir a complexidade do marketing de influência e os riscos associados à manipulação da opinião pública, a pesquisa enfatiza a importância de uma abordagem regulatória que harmonize a inovação digital com a proteção dos direitos dos consumidores, promovendo práticas publicitárias mais éticas e transparentes, e contribuindo para o fortalecimento da confiança nas relações comerciais estabelecidas no ambiente online. Este estudo visa fomentar debates e impulsionar melhorias legislativas significativas.
Palavras Chaves: Influenciadores digitais. Publicidade. Consumidor. Responsabilidade Civil.
1 INTRODUÇÃO
A ascensão das redes sociais como principal meio de comunicação, entretenimento e informação transformou profundamente a maneira como as marcas se relacionam com o público. Nesse contexto, os influenciadores digitais surgem como peças-chave nas estratégias de marketing contemporâneo, exercendo forte influência sobre comportamentos de consumo, especialmente entre jovens e usuários mais engajados online. Essa nova forma de publicidade, caracterizada pela informalidade e pela proximidade entre influenciador e seguidor, levanta importantes questionamentos éticos e jurídicos, especialmente no que diz respeito à transparência, à responsabilidade e à proteção do consumidor.
Diferente da publicidade tradicional, que obedece a formatos mais padronizados e regulamentações claras, a publicidade feita por influenciadores ocorre, muitas vezes, de maneira disfarçada, inserida em conteúdos aparentemente espontâneos, dificultando a identificação de anúncios pagos. Essa prática pode induzir o consumidor ao erro, violando direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, como o direito à informação clara e adequada. Além disso, a ausência de regras específicas e a dificuldade de fiscalização tornam esse ambiente propício a abusos, como a promoção de produtos ilegais, perigosos ou inadequados para determinados públicos.
Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo geral analisar os desafios éticos e legais da publicidade online realizada por influenciadores digitais no Brasil, com foco na vulnerabilidade do consumidor e na necessidade de aprimoramento normativo. Como objetivos específicos, busca-se: (i) compreender o papel dos influenciadores digitais no mercado publicitário contemporâneo; (ii) identificar as principais práticas de publicidade velada ou disfarçada nas redes sociais; (iii) investigar os dispositivos legais atualmente aplicáveis à publicidade digital e suas limitações; e (iv) propor sugestões para o fortalecimento da regulação desse tipo de comunicação, visando à proteção efetiva do consumidor.
A problemática que orienta esta pesquisa parte do seguinte questionamento:até que pon to os influenciadores digitais devem ser responsabilizados pelas consequências da publicidade que realizam em suas redes, especialmente quando essa publicidade não é claramente identificada como tal? E mais: como equilibrar a liberdade de expressão com a responsabilidade civil e o dever de transparência nas relações de consumo?
A justificativa da presente pesquisa está na relevância do tema para a sociedade contemporânea, tendo em vista o crescimento exponencial do mercado de marketing de influência, que movimenta bilhões de reais anualmente e impacta diretamente a formação de opinião, o comportamento de consumo e a proteção de públicos vulneráveis. Além disso, há uma lacuna normativa e jurisprudencial quanto à regulamentação da publicidade realizada por influenciadores, o que reforça a importância de fomentar o debate acadêmico e propor soluções para a construção de um ambiente digital mais ético, seguro e justo.
A metodologia adotada neste artigo é a pesquisa bibliográfica e documental, com base em doutrinas jurídicas, legislações nacionais (como o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária), além da análise de relatórios institucionais, notícias e estudos de caso envolvendo influenciadores digitais. O enfoque será qualitativo, buscando interpretar e sistematizar os dados coletados para fundamentar as reflexões e propostas apresentadas.
Por fim, o artigo está estruturado em três capítulos principais. O primeiro capítulo apresenta o contexto do marketing de influência, explorando o surgimento e a consolidação dos influenciadores digitais no mercado publicitário. O segundo capítulo trata da publicidade disfarçada e da responsabilidade jurídica desses agentes, à luz da legislação consumerista e civil brasileira. Já o terceiro capítulo discute propostas de regulação, boas práticas e diretrizes para uma publicidade digital ética e transparente. Ao final, são apresentadas as considerações finais e sugestões para pesquisas futuras sobre o tema.
2 PUBLICIDADE ONLINE E INFLUÊNCIA DIGITAL
O avanço da tecnologia e o crescimento das redes sociais transformaram profundamente as dinâmicas de consumo, comunicação e publicidade. Na atualidade, o marketing tradicional deu espaço à publicidade digital, marcada pela presença constante de influenciadores digitais, que desempenham papel central na promoção de produtos e serviços. Conforme Lima (2021), o marketing de influência constitui uma estratégia baseada na credibilidade e proximidade entre influenciadores e seus seguidores, o que cria uma relação de confiança que pode potencializar o consumo. No entanto, essa mesma relação pode mascarar a intenção publicitária, resultando em práticas enganosas ou abusivas. Para Freitas (2020), a falta de transparência quanto à natureza publicitária do conteúdo é um dos principais problemas enfrentados na era digital, pois compromete o direito à informação clara e adequada, previsto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).
O CONAR[5] (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), por meio do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (2009), estabelece diretrizes importantes para a publicidade em ambientes digitais, incluindo a exigência de que anúncios sejam claramente identificados como tal. No entanto, sua natureza autorregulatória limita seu poder coercitivo, o que implica na necessidade de maior atuação do poder público e do Judiciário para assegurar a proteção dos consumidores em casos de infrações graves. Neves, Tárrega e Silva (2022) ressaltam que, apesar de alguns avanços regulatórios, ainda existe uma lacuna quanto à responsabilidade civil dos influenciadores, que muitas vezes promovem produtos de risco sem o devido cuidado legal e ético.
Nas redes sociais, a publicidade é frequentemente disfarçada de recomendação pessoal. Influenciadores utilizam sua rotina, estilo de vida e linguagem informal para apresentar produtos como se fossem descobertas espontâneas, sem mencionar parcerias comerciais. Essa prática, embora atraente, pode configurar publicidade enganosa, principalmente quando se omite riscos relacionados ao produto ou serviço divulgado. De acordo com Ribeiro (2023), a publicidade enganosa é uma das principais formas de violação ao direito do consumidor na Internet, já que compromete decisões conscientes de compra.
Um dos setores que mais utiliza essa estratégia é o das apostas online. Conforme relatório do IDEC (2022), as casas de apostas utilizam celebridades e influenciadores digitais para atrair usuários, muitas vezes jovens e em situação de vulnerabilidade. A pesquisa do Terra (2024) revela que a percepção dos brasileiros em relação aos influenciadores digitais está diretamente ligada à credibilidade das apostas promovidas, criando uma falsa sensação de segurança e lucro garantido. Nesse cenário, a influência digital contribui para a normalização de comportamentos de risco, com potenciais prejuízos financeiros, emocionais e sociais aos usuários.
Para Alves (2023), o vício em jogos de azar possui consequências sérias à saúde mental e ao convívio social dos indivíduos, podendo desencadear transtornos de ansiedade, depressão e endividamento crônico. Quando impulsionados por campanhas de marketing altamente persuasivas e pouco transparentes, esses riscos se intensificam. Segundo Oliveira (2022), o papel dos influenciadores vai além da simples divulgação: eles moldam opiniões, estilos de vida e comportamentos de consumo, sendo, portanto, responsáveis pelos impactos de suas ações no ambiente digital.
A responsabilidade civil dos influenciadores é um ponto central neste debate. Conforme Gomes (2020), nas relações de consumo, todo aquele que, de alguma forma, participa da cadeia de fornecimento de produtos ou serviços pode ser responsabilizado por eventuais danos causados ao consumidor. Esse entendimento se aplica, inclusive, ao marketing de influência, onde o influenciador atua como agente de conexão entre o fornecedor e o consumidor. Como afirma Barbosa (2023), a ausência de uma legislação específica para influenciadores não os exime das responsabilidades previstas no Código de Defesa do Consumidor.
Carvalho (2024) acrescenta que a ética na comunicação digital deve considerar a vulnerabilidade informacional do consumidor, que, na maioria das vezes, não possui o conhecimento técnico necessário para identificar práticas publicitárias disfarçadas. Assim, a transparência, a veracidade das informações e o respeito aos limites legais são princípios fundamentais para a atuação responsável no ambiente virtual. Ainda segundo a autora, a ausência desses critérios contribui para a banalização de conteúdos que podem induzir comportamentos nocivos, como o jogo compulsivo.
O Código Civil (BRASIL, 2002) também prevê dispositivos que podem ser aplicados aos casos de danos oriundos da publicidade digital. O artigo 927 estabelece que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. A doutrina tem se inclinado a entender que a atuação imprudente, negligente ou dolosa de influenciadores, principalmente quando lucram com promoções enganosas ou perigosas, se enquadra neste dispositivo. Pereira (2022) defende a ampliação da interpretação da responsabilidade civil para abranger as novas formas de publicidade, argumentando que o Direito deve se adaptar à realidade digital.
Por sua vez, Nunes (2021) chama atenção para os desafios contemporâneos da ética publicitária nas redes sociais. A autora aponta que, na ausência de um controle estatal mais rígido, cabe à sociedade, às plataformas digitais e aos próprios influenciadores desenvolver uma cultura de responsabilidade coletiva, onde a promoção de produtos e serviços seja feita com transparência, advertências sobre riscos e o compromisso com o bem-estar dos consumidores.
Diante disso, é possível concluir que a publicidade online e a influência digital, embora representem importantes avanços na comunicação e no marketing, também impõe sérios desafios ao Direito do Consumidor e à ética profissional. A utilização das redes para promoção de conteúdos sensíveis, como jogos de azar, exige uma atuação firme do Estado, da sociedade e das próprias plataformas no sentido de regulamentar, fiscalizar e coibir práticas abusivas. É necessário fortalecer mecanismos legais e criar parâmetros claros de responsabilidade para influenciadores digitais, garantindo o equilíbrio nas relações de consumo e a proteção dos mais vulneráveis.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL E NORMAS DE PROTEÇÃO
O crescimento acelerado do marketing digital e o papel desempenhado pelos influenciadores nas redes sociais demandam uma análise jurídica mais apurada, sobretudo quanto à responsabilidade civil desses agentes no ambiente virtual. Quando a publicidade online ultrapassa os limites da ética e da legalidade, especialmente em casos que envolvem a promoção de jogos de azar, é necessário avaliar quais são as normas de proteção ao consumidor e como se aplica a responsabilidade pelos danos eventualmente causados.
No contexto brasileiro, a responsabilidade civil é um instituto consagrado tanto na esfera civil geral quanto no Direito do Consumidor. O Código Civil, em seu artigo 927, estabelece que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002). Já no campo consumerista, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece em seus artigos 6º e 14 a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, o que significa que, havendo dano ao consumidor, a reparação deve ocorrer independentemente da demonstração de culpa (BRASIL, 1990)
Essa concepção amplia-se para todos os agentes da cadeia de consumo, inclusive os influenciadores digitais, que atuam como promotores de produtos e serviços. Como destaca Gomes (2020), ainda que esses profissionais não sejam formalmente parte da empresa anunciante, eles exercem papel ativo na formação da vontade do consumidor e, por isso, devem ser considerados como co-responsáveis pelos efeitos das campanhas publicitárias que veiculam.
No ambiente digital, essa discussão ganha relevância diante da crescente prática de influenciadores promoverem casas de apostas online sem observar regras básicas de transparência e responsabilidade. Como demonstrado por Alves (2023), a publicidade relacionada a jogos de azar é uma das mais sensíveis do ponto de vista social e jurídico, por envolver riscos claros à saúde mental, ao equilíbrio financeiro e à integridade da vida do consumidor. O vício em jogos, frequentemente impulsionado por promessas de lucro fácil, pode gerar consequências como endividamento, depressão e até rupturas familiares.
Dessa forma, quando influenciadores digitais divulgam esse tipo de conteúdo sem alertar adequadamente sobre os riscos envolvidos ou sem deixar claro o caráter publicitário da publicação, ocorre uma infração não apenas ao CDC, mas também aos princípios da boa-fé objetiva, da transparência e da dignidade da pessoa humana. Ribeiro (2023) argumenta que a publicidade enganosa ou abusiva, além de ser passível de sanção administrativa e judicial, deve ser combatida por meio de políticas públicas eficazes e atuação proativa dos órgãos de defesa do consumidor.
Além da legislação consumerista, a autorregulamentação publicitária no Brasil é organizada pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), por meio do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (2009), que determina que toda publicidade deve ser claramente identificada como tal. Influenciadores digitais, ao esconderem o vínculo comercial com as marcas, infringem essas diretrizes, o que pode gerar processos administrativos e recomendações para retirada de conteúdo.
Contudo, como apontam Neves, Tárrega e Silva (2022), o caráter não vinculativo do CONAR limita sua eficácia, pois suas decisões não têm força coercitiva, dependendo da adesão voluntária dos agentes do mercado. Isso evidencia a necessidade de um arcabouço legal mais robusto e atual, que regule de forma clara a atuação dos influenciadores digitais, especialmente quando promovem atividades de risco, como apostas online.
Outro ponto importante diz respeito à vulnerabilidade do consumidor digital, que é acentuada pela assimetria de informação entre os usuários das redes sociais e os influenciadores que promovem produtos. Conforme afirma Lima (2021), a figura do influenciador é dotada de autoridade simbólica e poder de persuasão, o que impacta diretamente a tomada de decisões de seus seguidores. Quando essa autoridade é usada para promover produtos potencialmente danosos, sem a devida cautela, configura-se uma violação do dever de informação previsto no artigo 6º, III, do CDC.
Nesse contexto, o Judiciário tem sido cada vez mais chamado a resolver conflitos envolvendo danos decorrentes de publicidade digital. Como destaca Freitas (2020), as decisões judiciais tendem a reconhecer a responsabilidade objetiva dos influenciadores em casos de publicidade enganosa, com base na ideia de que qualquer participante ativo da cadeia de fornecimento pode responder por danos causados ao consumidor.
Um exemplo emblemático foi a atuação do Ministério da Justiça e dos Procons em campanhas publicitárias de apostas online veiculadas por influenciadores, que foram alvo de sanções por violação ao dever de informar e por não sinalizar adequadamente a natureza comercial dos conteúdos. Segundo relatório do IDEC[6] (Instituto de Defesa de Consumidores, 2022), essas práticas vêm se tornando cada vez mais comuns e expõem a fragilidade da regulação do ambiente digital no Brasil.
O Portal Terra (2024), ao analisar a percepção dos consumidores sobre apostas promovidas por influenciadores, mostrou que muitos usuários acreditam que essas promoções são genuínas recomendações pessoais, o que agrava o cenário de desinformação e reforça a necessidade de maior responsabilização legal dos agentes envolvidos.
Nesse sentido, Oliveira (2022) defende a criação de normas específicas que regulamentem a atividade dos influenciadores digitais, especialmente no que diz respeito à sua responsabilidade civil e penal por danos aos consumidores. A autora argumenta que, sem regras claras, os abusos continuaram a ocorrer, colocando em risco o equilíbrio das relações de consumo e a integridade das pessoas mais suscetíveis aos apelos de marketing.
Ainda sob a ótica da responsabilidade civil, é importante destacar o papel da culpa concorrente nos casos de danos decorrentes da publicidade digital. Como explica Barbosa (2023), embora o consumidor deva agir com cautela e senso crítico, a vulnerabilidade reconhecida pela legislação consumerista torna desproporcional exigir que ele, sozinho, suporte os riscos advindos de práticas comerciais dissimuladas.
Carvalho (2024) propõe uma abordagem mais ampla da responsabilidade civil no ambiente digital, que leve em conta não apenas os danos materiais, mas também os danos morais e existenciais causados pelas práticas abusivas de marketing. A autora destaca que o dano psicológico causado por endividamento, frustração de expectativas e humilhação social deve ser considerado nos casos em que influenciadores induzem seguidores ao erro por meio de publicidade enganosa.
Por fim, como afirma Matias-Pereira (2022), o Direito Administrativo deve ser fortalecido como instrumento de regulação das plataformas digitais, impondo obrigações de controle, retirada de conteúdos lesivos e responsabilização das empresas que lucram com publicidade de risco. A proteção do consumidor na Internet exige uma ação conjunta entre o Direito Civil, o Direito do Consumidor e o Direito Administrativo, de forma coordenada e adaptada às novas realidades do mercado digital.
4 RESPONSABILIDADE SOCIAL NA PROMOÇÃO DE CONTEÚDOS SENSÍVEIS
Com o avanço do marketing digital e a popularização dos influenciadores nas redes sociais, torna-se cada vez mais necessário discutir a responsabilidade social desses agentes, especialmente quando promovem conteúdos considerados sensíveis. Temas como jogos de azar, saúde mental, consumo excessivo, entre outros, exigem uma postura ética e consciente, não apenas por parte das empresas, mas também dos indivíduos que atuam como intermediários na relação entre marcas e consumidores. A responsabilidade social no marketing de influência é, portanto, um elemento crucial para a proteção da coletividade, principalmente quando se lida com públicos vulneráveis.
O papel dos influenciadores ultrapassa a simples figura de promotor de marca. Como observa Gomes (2020), esses agentes atuam como formadores de opinião e modelos de comportamento, sendo capazes de moldar decisões, estilos de vida e até valores sociais. Isso implica que suas ações e discursos possuem impactos que vão além da lógica do consumo, alcançando esferas sociais e culturais. Quando o conteúdo promovido envolve riscos – como apostas online – essa influência pode gerar consequências graves, como endividamento, transtornos psicológicos e vício em jogos, especialmente em jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Nesse sentido, o conceito de responsabilidade social aplicado à publicidade digital pressupõe o compromisso voluntário dos agentes de comunicação com o bem-estar da sociedade. Como explica Ribeiro (2023), a responsabilidade social não se resume ao cumprimento da legislação, mas envolve também a consideração ética sobre os impactos que determinada comunicação pode causar. Isso é particularmente importante quando se trata de produtos ou serviços que, embora lícitos ou em vias de regulamentação, envolvem riscos concretos para a integridade física, mental ou financeira dos consumidores.
O caso das apostas esportivas serve como exemplo emblemático desse dilema. De acordo com Alves (2023), a massiva promoção dessas plataformas por influenciadores, sem qualquer filtro ou advertência, banaliza os riscos envolvidos, transformando o jogo – que deveria ser uma prática recreativa e controlada – em uma promessa ilusória de enriquecimento rápido. Essa ilusão é vendida por meio de linguagens persuasivas e envolventes, normalmente associadas ao sucesso pessoal, à liberdade financeira e ao estilo de vida luxuoso, o que induz o público a acreditar em uma realidade irreal.
A promoção de conteúdos sensíveis, quando realizada sem responsabilidade social, pode também fomentar comportamentos autodestrutivos. Lima (2021) salienta que, ao promover produtos de risco sem fornecer informações claras, os influenciadores rompem com a ética da comunicação e assumem uma postura negligente com os seus seguidores. O problema se agrava quando o conteúdo é direcionado a públicos mais suscetíveis, como adolescentes, jovens adultos e pessoas em busca de alternativas rápidas de renda.
O CONAR (2009), por meio do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, estabelece diretrizes importantes para a publicidade responsável. No entanto, como Neves, Tárrega e Silva (2022) apontam, o caráter não vinculante dessas normas limita sua eficácia no meio digital. A ausência de penalidades formais para quem descumpre as boas práticas torna recorrente a divulgação irresponsável de conteúdos de risco, fazendo com que influenciadores e empresas priorizem o lucro em detrimento da saúde coletiva.
Outra dimensão da responsabilidade social diz respeito à transparência nas relações comerciais entre influenciadores e empresas. É essencial que os seguidores saibam quando estão diante de uma publicidade, mesmo que esta seja disfarçada de conteúdo pessoal. A omissão dessa informação configura não apenas uma infração ética, mas também uma violação ao direito do consumidor à informação clara e adequada, conforme previsto no artigo 6º, inciso III, do CDC (BRASIL, 1990). Segundo relatório do IDEC (2022), muitos consumidores ainda não conseguem identificar quando estão diante de uma ação publicitária, o que acentua a manipulação e contribui para práticas de consumo nocivas.
A responsabilidade social deve ainda ser compreendida dentro do conceito de comunicação cidadã, isto é, uma comunicação que não apenas respeita os direitos individuais, mas contribui ativamente para o desenvolvimento humano e o fortalecimento da cidadania. Como explica Oliveira (2022), influenciadores digitais devem entender seu papel como agentes políticos e sociais, com poder real de transformação e impacto sobre a vida das pessoas. Ignorar essa função é negligenciar uma das mais importantes dimensões da atuação pública na era digital.
A atuação dos órgãos públicos também é essencial para garantir que a responsabilidade social seja efetivada. O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON[7]), já tem adotado medidas contra campanhas publicitárias enganosas, especialmente no setor de apostas esportivas. Segundo Matias-Pereira (2022), o Direito Administrativo pode e deve atuar como instrumento de controle e mediação das novas práticas mercadológicas, impondo obrigações às plataformas digitais e responsabilizando legalmente os atores que contribuem para o desequilíbrio nas relações de consumo.
Além disso, é importante mencionar o papel da educação midiática como estratégia de prevenção. Informar os consumidores sobre os mecanismos da publicidade digital, os riscos do consumo impulsivo e os limites da influência virtual pode mitigar os danos causados por comunicações irresponsáveis. Para isso, é necessário que escolas, universidades, instituições públicas e plataformas digitais promovam campanhas educativas contínuas, visando o fortalecimento da consciência crítica da população.
Vale destacar que a responsabilidade social na promoção de conteúdos sensíveis também se estende às próprias plataformas digitais, que lucram com a veiculação de anúncios e conteúdos patrocinados. Assim, torna-se urgente a criação de mecanismos de controle, filtragem e advertência, especialmente em conteúdos relacionados a apostas, medicamentos, procedimentos estéticos e outros produtos de risco.
Por fim, é preciso refletir sobre a dimensão coletiva do marketing digital. Cada conteúdo promovido por influenciadores atinge não apenas indivíduos isolados, mas também repercute em comunidades, famílias e grupos sociais inteiros. Assim, o compromisso com a verdade, com a segurança e com o bem-estar coletivo deve estar no centro das decisões comunicacionais. A ética, a empatia e o respeito às limitações humanas precisam ser os pilares de uma comunicação realmente responsável, capaz de transformar o ambiente digital em um espaço de promoção da dignidade e da cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou analisar criticamente o impacto do marketing digital e da atuação de influenciadores na promoção de conteúdos sensíveis, com ênfase nas apostas esportivas e em outras práticas potencialmente lesivas aos consumidores. Partindo da contextualização do ambiente digital contemporâneo, foram abordadas questões como a influência das redes sociais nas decisões de consumo, os limites da publicidade online, os deveres legais e éticos dos influenciadores, bem como a responsabilidade social envolvida na promoção de produtos e serviços de risco.
Verificou-se que o marketing de influência, embora represente um avanço nas estratégias de comunicação e vendas, também levanta preocupações relevantes quanto à proteção do consumidor e ao equilíbrio das relações no ambiente virtual. A ausência de regulação específica e eficaz, aliada à atuação muitas vezes negligente ou abusiva por parte dos influenciadores, contribui para a disseminação de discursos enganosos, principalmente quando vinculados a promessas de enriquecimento fácil, como é o caso das apostas esportivas.
Conforme demonstrado, a responsabilidade civil desses agentes deve ser compreendida à luz do Código de Defesa do Consumidor, da Constituição Federal e de normas complementares, como o Código de Autorregulamentação Publicitária. Entretanto, para além das obrigações legais, torna-se essencial reconhecer o papel social dos comunicadores digitais, que influenciam diretamente comportamentos, opiniões e decisões financeiras de milhões de pessoas, em especial de públicos vulneráveis.
Além da regulação, a educação midiática desponta como estratégia imprescindível para fortalecer a autonomia do público. Iniciativas formativas — desde cursos em escolas até campanhas de conscientização em plataformas digitais — devem capacitar cidadãos a identificar vieses persuasivos, verificar a veracidade de promessas de lucro fácil e buscar orientação em órgãos de defesa do consumidor. A colaboração entre instituições de ensino, organizações não governamentais e plataformas tecnológicas é fundamental para tornar essas ações mais abrangentes e acessíveis.
Assim, defende-se a necessidade de construção de um ambiente digital mais seguro, transparente e responsável. Isso inclui o fortalecimento da legislação, a atuação mais firme dos órgãos reguladores e a adoção de práticas conscientes por parte de influenciadores e empresas. Além disso, é imprescindível promover a educação midiática e o empoderamento dos consumidores, para que estes desenvolvam senso crítico frente às estratégias de persuasão adotadas no marketing digital.
Em síntese, o enfrentamento dos riscos decorrentes da publicidade digital exige um esforço conjunto entre sociedade civil, poder público, plataformas digitais e os próprios produtores de conteúdo. Só assim será possível assegurar que as novas formas de comunicação, ao invés de potencializarem desigualdades e práticas prejudiciais, sejam aliadas na construção de uma cultura de responsabilidade, ética e respeito no ambiente virtual.
[5] Entidade da sociedade civil sem fins lucrativos, criada em 1980, responsável por autorregular a atividade publicitária no Brasil por meio da aplicação do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, fiscalizando e julgando práticas de propaganda para garantir seu cumprimento ético e coibir conteúdos enganosos ou abusivos.
[6] Associação de consumidores sem fins lucrativos, independente de empresas, partidos ou governos, fundada em 1987, voltada a promover a educação em consumo, defender os direitos dos consumidores e zelar pela ética nas relações de consumo no Brasil
[7] Órgão da administração pública federal vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, criado pelo Decreto nº 7.738, de 28 de maio de 2012, responsável por formular, coordenar e executar a Política Nacional das Relações de Consumo, visando garantir a proteção e defesa dos direitos dos consumidores e integrar os órgãos de defesa no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
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1Discente. Estudante de Direito do 9º Período, pelo Centro Universitário Aparício Carvalho – FIMCA.
2Discente. Estudante de Direito do 9º Período, pelo Centro Universitário Aparício Carvalho – FIMCA.
3Discente. Estudante de Direito do 9º Período, pelo Centro Universitário Aparício Carvalho – FIMCA.
4Professor Orientador. E-mail: cesarfjacques@gmail.com. Graduado em Direito pela UFSM – Universidade Federal de Santa Maria (2008); Mestre em Patrimônio Cultural Profissional pela UFSM – Universidade Federal de Santa Maria (2014); 2° Graduação em Gestão Pública pela Escola de Instrução Especializada (2020). Doutorando em História pela UFSM (2023).