PROFESSORES CONECTADOS: ITINERÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS DIGITAIS PARA INTEGRAR TECNOLOGIAS EMERGENTES NA SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO BÁSICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202511302307


Rosely Clara Barbosa dos Santos1; Flávia Rodrigues da Silva2; Irlane Lisley da Silva Passos3; Edivânia Alves dos Santos4; João Vitor Pais Fernandes5; Eliane da Silva Costa6; Keila Martins Santos7; Sônia Márcia Flores de Lima8


RESUMO

O artigo discute como a integração de tecnologias emergentes na sala de aula da educação básica depende do desenvolvimento de competências digitais docentes concebidas como processo contínuo, situado e colaborativo. A partir de referenciais internacionais e nacionais, como DigComp, DigCompEdu, matriz de competências digitais docentes do CIEB e Referencial de Saberes Digitais Docentes, o texto analisa convergências e tensões na definição do que se entende por competência digital docente. Trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica e documental, que revisa produções recentes sobre formação de professores, cultura digital e uso pedagógico de tecnologias emergentes, com ênfase em estudos desenvolvidos no contexto brasileiro após a pandemia de covid-19. São discutidos os impactos desse período na intensificação das demandas por uso de tecnologias digitais, bem como os limites de formações pontuais e centradas apenas em ferramentas. Em seguida, o artigo propõe a organização de itinerários formativos estruturados em eixos progressivos, que vão da apropriação básica de recursos digitais ao uso crítico, autoral e ético de tecnologias emergentes, incluindo discussão sobre dados, privacidade e equidade. Conclui-se que professores conectados não são apenas usuários de plataformas, mas sujeitos que articulam tecnologias emergentes a projetos pedagógicos socialmente referenciados, desde que apoiados por políticas públicas, infraestrutura adequada e redes de aprendizagem profissional. 

Palavras-chave: Competências digitais; Formação docente; Tecnologias emergentes; Educação básica; Cultura digital. 

ABSTRACT

This article discusses how the integration of emerging technologies into basic education classrooms depends on the development of teachers’ digital competences understood as a continuous, situated and collaborative process. Drawing on international and national frameworks, such as DigComp, DigCompEdu, the Brazilian digital competences matrix for teachers and the Referencial de Saberes Digitais Docentes, the paper analyzes convergences and tensions in the definition of digital competence for educators. It is a bibliographic and documentary study that reviews recent literature on teacher education, digital culture and the pedagogical use of emerging technologies, with emphasis on research conducted in the Brazilian context after the Covid-19 pandemic. The article examines how this period intensified demands for digital technology use and exposed the limits of short, tool-centred training initiatives. It then proposes the design of formative itineraries organized into progressive axes, ranging from basic appropriation of digital resources to the critical, creative and ethical use of emerging technologies, including debates on data, privacy and equity. The paper concludes that connected teachers are not merely platform users, but professionals who articulate emerging technologies with socially grounded pedagogical projects, provided they are supported by public policies, adequate infrastructure and professional learning networks.

 Keywords: Digital competences; Teacher education; Emerging technologies; Basic education; Digital culture.

RESUMEN

El artículo analiza cómo la integración de tecnologías emergentes en las aulas de la educación básica depende del desarrollo de competencias digitales docentes concebidas como un proceso continuo, situado y colaborativo. A partir de marcos internacionales y nacionales, como DigComp, DigCompEdu, la matriz brasileña de competencias digitales docentes y el Referencial de Saberes Digitais Docentes, se discuten convergencias y tensiones en la definición de competencia digital del profesorado. Se trata de una investigación bibliográfica y documental que revisa producciones recientes sobre formación de profesores, cultura digital y uso pedagógico de tecnologías emergentes, con énfasis en estudios desarrollados en el contexto brasileño después de la pandemia de covid-19. Se examinan los efectos de este período en la intensificación de las demandas de uso de tecnologías digitales y en los límites de las formaciones puntuales centradas solo en herramientas. En seguida, el artículo propone la organización de itinerarios formativos estructurados en ejes progresivos que van desde la apropiación básica de recursos digitales hasta el uso crítico, creativo y ético de tecnologías emergentes, incluyendo debates sobre datos, privacidad y equidad. Se concluye que los profesores conectados no son solo usuarios de plataformas, sino sujetos que articulan tecnologías emergentes con proyectos pedagógicos socialmente referenciados, apoyados por políticas públicas, infraestructura adecuada y redes de aprendizaje profesional. 

Palabras clave: Competencias digitales; Formación docente; Tecnologías emergentes; Educación básica; Cultura digital.

INTRODUÇÃO 

A presença das tecnologias digitais e das chamadas tecnologias emergentes, como inteligência artificial, realidade aumentada, realidade virtual, aprendizagem adaptativa e análise de dados educacionais, tem reconfigurado profundamente a experiência escolar na Educação Básica. A escola, que por muito tempo se organizou em torno do livro didático impresso, do quadro e de metodologias expositivas, passa a conviver com plataformas em nuvem, ambientes virtuais de aprendizagem, objetos de aprendizagem interativos, jogos digitais e sistemas de recomendação de conteúdos. Nesse cenário, a atuação docente deixa de se limitar ao domínio do conteúdo disciplinar e à gestão da sala de aula presencial para incluir também competências digitais que permitam articular, com intencionalidade pedagógica, currículos, metodologias ativas e tecnologias emergentes. Selwyn lembra que os debates sobre tecnologias na educação não podem ser ingênuos nem tecnodeterministas, porque envolvem disputas de sentido, interesses econômicos e efeitos sociais que ultrapassam a simples adoção de ferramentas.

No contexto brasileiro, a Base Nacional Comum Curricular atribui centralidade à cultura digital ao enunciá-la como uma das competências gerais, destacando o uso crítico, ético e criativo das tecnologias por estudantes e professores. A BNCC computação, aprovada como anexo em 2022, reforça essa perspectiva ao explicitar a necessidade de desenvolver pensamento computacional, compreensão do mundo digital e fluência em cultura digital desde os anos iniciais. Ao mesmo tempo, a BNC-Formação define que a formação inicial de professores deve contemplar o uso pedagógico das tecnologias digitais, articulando conhecimentos específicos, pedagógicos e tecnológicos, o que tende a deslocar a competência digital docente do campo opcional para o campo das exigências formativas mínimas.

Nesse quadro, diferentes documentos e pesquisas têm sublinhado que não basta garantir conectividade e equipamentos nas escolas. É necessário investir em itinerários de desenvolvimento de competências digitais docentes que considerem trajetórias, ritmos, contextos e identidades profissionais. Em vez de cursos pontuais centrados na ferramenta, defendem-se processos formativos continuados, baseados na reflexão sobre a prática, na resolução de problemas reais e na construção colaborativa de soluções pedagógicas com tecnologias digitais. O Referencial de Saberes Digitais Docentes, recentemente publicado pelo Ministério da Educação, organiza essas competências em dimensões que incluem ensino e aprendizagem com tecnologias digitais, cidadania digital e desenvolvimento profissional, sugerindo uma visão integrada e progressiva do desenvolvimento docente.

Ao mesmo tempo, pesquisas nacionais e internacionais mostram que o desenvolvimento dessas competências é profundamente desigual entre redes, escolas e docentes. Revisões sistemáticas da literatura, como as de Almeida, Santos e Carvalho e de Siqueira e Vasconcelos, indicam que muitos professores ainda se encontram em níveis iniciais de competência digital, com dificuldades que vão desde o manuseio de ferramentas básicas até o uso crítico e autoral de tecnologias para promover aprendizagem ativa, inclusão e equidade.

A pandemia de Covid-19 evidenciou, de forma contundente, essas desigualdades. Na passagem abrupta para o ensino remoto emergencial, diretores, coordenadores e professores tiveram de reconfigurar práticas em tempo recorde, muitas vezes sem suporte técnico ou pedagógico sistemático. Estudos sobre competências digitais docentes durante a pandemia mostram que a ausência de itinerários formativos estruturados produziu sobrecarga emocional, improvisações metodológicas e reforçou o uso instrumental das tecnologias, frequentemente restrito à transmissão de conteúdos via videoconferência ou aplicativos de mensagens.

Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo discutir itinerários de desenvolvimento de competências digitais docentes para a integração de tecnologias emergentes na sala de aula da Educação Básica. Pretende-se analisar referenciais internacionais e nacionais de competência digital, discutir resultados recentes de pesquisas sobre formação docente e uso de tecnologias emergentes e propor elementos para a organização de trajetórias formativas que apoiem professores da Educação Básica na construção de práticas pedagógicas conectadas, críticas e inclusivas. Parte-se do pressuposto de que o desenvolvimento de competências digitais docentes não se reduz a cursos de treinamento técnico, mas envolve processos identitários, éticos, políticos e colaborativos que reconfiguram modos de ensinar, aprender e participar da cultura digital.

O texto está organizado em três seções principais. Na introdução, foram apresentados o contexto e o problema de pesquisa. No desenvolvimento, discutem-se fundamentos teóricos e normativos sobre competência digital docente, a relação entre formação de professores e tecnologias emergentes e a proposição de itinerários de desenvolvimento de competências digitais. Por fim, nas considerações finais, sintetizam-se os principais argumentos e indicam-se desafios para políticas públicas, redes de ensino e projetos de formação docente comprometidos com uma educação básica mais conectada, equitativa e socialmente referenciada.

DESENVOLVIMENTO 

Cultura digital, escola e docência na Educação Básica

A expansão da cultura digital transformou profundamente as formas de comunicação, de produção de conhecimento e de participação social. Estudantes da Educação Básica convivem cotidianamente com plataformas de vídeo, redes sociais, jogos on-line, aplicativos de mensagens e diferentes dispositivos móveis. A escola, nesse contexto, deixa de ser o principal lugar de acesso à informação e passa a disputar com outras instâncias o sentido da aprendizagem. Isso implica reconhecer que ensinar hoje envolve mediar fluxos informacionais densos, gerir múltiplas linguagens, lidar com algoritmos e com economias da atenção e, ao mesmo tempo, criar espaços de problematização crítica das tecnologias.

Para os professores, esse cenário gera tanto oportunidades quanto tensões. De um lado, ampliam-se recursos para diversificar metodologias, personalizar percursos e promover autoria estudantil. De outro, intensificam-se cobranças por inovação, produtividade e disponibilidade permanente em ambientes digitais. Selwyn argumenta que tecnologias educacionais são frequentemente apresentadas como soluções inevitáveis para problemas complexos, o que pode gerar discursos de culpabilização dos docentes quando os resultados não aparecem, sem considerar condições estruturais, apoio institucional ou a própria racionalidade das políticas de reforma.

Nesse contexto, a noção de competência digital docente adquire centralidade. Em vez de esperar que professores sejam apenas consumidores de plataformas ou replicadores de metodologias prontas, diferentes referenciais defendem que eles desenvolvam capacidades para selecionar, adaptar, criar, avaliar e ressignificar tecnologias em diálogo com seus projetos pedagógicos, com o currículo e com a realidade dos estudantes. A questão deixa de ser se o professor utiliza tecnologia ou não e passa a ser como, para quê, com quem e com quais efeitos pedagógicos e sociais esse uso é construído.

Referenciais internacionais e nacionais de competência digital docente

Nas últimas décadas, diversos marcos conceituais foram elaborados para apoiar políticas e formações voltadas à competência digital de cidadãos e educadores. O DigComp, elaborado pela Comissão Europeia, organiza a competência digital em cinco áreas e vinte e uma competências, enfatizando o uso crítico, seguro e responsável das tecnologias em diferentes contextos de vida.A partir desse referencial, foi desenvolvido o DigCompEdu, que especifica competências digitais para educadores em seis áreas, articulando planejamento, ensino, avaliação, empoderamento de estudantes e desenvolvimento profissional.

No campo da formação de professores, o modelo TPACK, proposto por Mishra e Koehler, tornou-se uma referência importante ao explicitar a interseção entre conhecimentos pedagógicos, de conteúdo e tecnológicos. Ao destacar que a integração de tecnologias não pode ser pensada isoladamente do conteúdo e das estratégias de ensino, o modelo contribuiu para deslocar práticas que reduziam o uso de tecnologias a momentos periféricos ou meramente ilustrativos da aula.

No Brasil, o Centro de Inovação para a Educação Brasileira estruturou uma Matriz de Competências Digitais Docentes que propõe níveis progressivos de desenvolvimento e categorias como planejamento, prática pedagógica, avaliação e desenvolvimento profissional, articuladas a um instrumento de autodiagnóstico e a propostas de trilhas formativas.Mais recentemente, o Ministério da Educação publicou o Referencial de Saberes Digitais Docentes, que organiza dez saberes em três dimensões e os vincula à Estratégia Nacional de Escolas Conectadas e à BNCC, reforçando a ideia de que a competência digital docente é condição para a efetivação do direito à educação na sociedade conectada.

Esses referenciais convergem ao indicar que a competência digital docente não é apenas técnica. Envolve dimensões éticas, comunicacionais, criativas e políticas, como o cuidado com dados pessoais, o enfrentamento de desinformação, a promoção de acessibilidade, o respeito à diversidade cultural e linguística e o compromisso com a redução das desigualdades educacionais. Nesse sentido, itinerários formativos que se inspiram nessas matrizes tendem a valorizar o protagonismo docente na construção de práticas pedagógicas com tecnologias, em vez de produzir roteiros rígidos e prescritivos.

Pesquisas recentes sobre competências digitais de professores da Educação Básica

A produção acadêmica brasileira sobre competências digitais docentes cresceu expressivamente desde o período da pandemia de Covid-19. Revisões sistemáticas da literatura indicam que, entre 2019 e 2024, houve aumento de estudos sobre competências digitais de professores da Educação Básica, com destaque para pesquisas que investigam autoavaliações, dificuldades, potencialidades e efeitos de ações formativas. Almeida, Santos e Carvalho, por exemplo, analisaram artigos publicados em bases internacionais e nacionais e concluíram que predominam abordagens qualitativas interessadas em compreender avanços, limites e condições para o desenvolvimento dessas competências em contextos híbridos e remotos.

Siqueira e Vasconcelos, ao examinarem trabalhos internacionais, apontam que, embora exista consenso sobre a relevância da competência digital docente, ainda há divergências conceituais e metodológicas que impactam a forma de avaliá-la e de planejar formações. Enquanto alguns estudos enfatizam habilidades técnicas, outros priorizam dimensões pedagógicas e críticas, o que evidencia a necessidade de maior clareza sobre o que se espera que professores saibam e façam com tecnologias em sala de aula.

Além das revisões, pesquisas empíricas com professores em serviço revelam quadros heterogêneos. Em estudos sobre formação inicial de professores de inglês, Musskopf, Barbosa e Lucas identificam lacunas importantes na oferta de experiências sistemáticas com tecnologias digitais em cursos de licenciatura, o que repercute na segurança e na criatividade dos futuros docentes ao planejar aulas com recursos digitais.Outras investigações com professores da Educação Básica apontam que muitos se percebem em níveis intermediários ou iniciais de competência digital, sobretudo quando a análise inclui dimensões críticas, colaborativas e autorais do uso das tecnologias.

Silva e Minuzi, ao revisarem o uso do conceito de competência digital docente em diferentes trabalhos, ressaltam que a expressão vem sendo utilizada de maneiras variadas, ora como sinônimo de letramento digital, ora como um conjunto de habilidades relacionadas à gestão de plataformas, ora como um constructo mais amplo que articula conhecimentos, atitudes e valores. Essa polissemia, se não for explicitada, pode tornar pouco precisos os objetivos formativos e a avaliação dos percursos de desenvolvimento docente.

Pandemia, ensino remoto e aceleração dos debates sobre competência digital

A pandemia de Covid-19 funcionou como um catalisador para os debates sobre competências digitais docentes. Em período muito curto, professores precisaram migrar do ensino presencial para o ensino remoto emergencial, assumindo, muitas vezes, responsabilidade pela escolha e uso de plataformas, pela reorganização de conteúdos e pela comunicação com estudantes e famílias. Pesquisas como a de Sanchotene e colaboradores, realizada com docentes de redes municipais, mostram que boa parte dos professores avaliou suas competências digitais como limitadas, especialmente na criação de atividades interativas, na gestão do tempo on-line e na avaliação formativa mediada por tecnologias.

Estudos voltados a públicos específicos, como professores que atuam no atendimento educacional especializado, também evidenciam tensionamentos. Andrade e colegas apontam que muitos docentes precisaram adaptar rapidamente estratégias de acessibilidade, produzir materiais multimodais e coordenar atendimentos remotos com estudantes com deficiência, o que exigiu níveis elevados de flexibilidade, criatividade e domínio de recursos digitais.

Ao mesmo tempo, pesquisas sobre percepções de formação continuada em tecnologias digitais indicam que a pandemia intensificou a oferta de cursos on-line, mas nem sempre esses processos conseguiram dialogar com demandas concretas das escolas. Santos e colaboradores, ao analisarem professores da Educação Básica em diferentes redes, identificaram que muitos participaram de formações centradas em ferramentas específicas, com pouca ênfase no planejamento de projetos, na avaliação e na inclusão de estudantes em situação de vulnerabilidade. Esses resultados reforçam a necessidade de pensar itinerários formativos que não se limitem a respostas emergenciais a crises, mas que sejam estruturados, articulados com políticas de carreira e apoiados por condições de trabalho, tempo para estudo e espaços coletivos de reflexão nas escolas.

Itinerários formativos para o desenvolvimento de competências digitais docentes

A partir dos referenciais e pesquisas discutidos, é possível delinear alguns princípios para a organização de itinerários de desenvolvimento de competências digitais docentes na Educação Básica. Em primeiro lugar, trata-se de reconhecer que o desenvolvimento dessas competências é processual, situado e não linear. Professores podem apresentar níveis avançados em determinadas dimensões, como criação de recursos multimídia, e níveis iniciais em outras, como análise de dados educacionais ou curadoria de recursos abertos.

Um possível itinerário formativo pode articular, de forma progressiva, quatro grandes eixos. O primeiro eixo refere-se à apropriação básica de recursos e linguagens digitais, envolvendo desde o domínio de ambientes virtuais de aprendizagem até noções de letramento e cidadania digitais. O segundo eixo abrange o planejamento pedagógico com tecnologias, no qual professores exploram metodologias ativas, como sala de aula invertida, rotação por estações, aprendizagem baseada em projetos e em problemas, sempre articuladas às competências da BNCC e às necessidades dos estudantes. O terceiro eixo concentra-se na criação, autoria e remix de recursos digitais, incluindo objetos de aprendizagem interativos, vídeos, podcasts, narrativas multimodais e objetos de realidade aumentada. O quarto eixo centra-se na avaliação, monitoramento e análise de dados, bem como na reflexão crítica sobre impactos sociais, éticos e políticos das tecnologias emergentes.

Para que esses eixos se concretizem em itinerários efetivos, é fundamental incorporar a ideia de trilhas personalizadas, inspiradas em modelos como o DigCompEdu, que propõem níveis distintos de proficiência, desde iniciantes até pioneiros.Instrumentos de autodiagnóstico, como o desenvolvido pelo CIEB e o Autodiagnóstico de Saberes Digitais Docentes do MEC, podem apoiar professores na identificação de pontos fortes e necessidades de desenvolvimento, orientando escolhas de formações, projetos e parcerias.

Além disso, itinerários formativos precisam articular momentos de estudo teórico e de experimentação prática com espaços de documentação e compartilhamento de experiências, valorizando redes de aprendizagem docente. Pesquisas sobre redes de professores indicam que grupos presenciais ou virtuais, apoiados em plataformas colaborativas, favorecem o intercâmbio de materiais, a coautoria de projetos e a construção de identidades profissionais conectadas e solidárias.

Tecnologias emergentes na sala de aula: possibilidades e tensões

A “expressão tecnologias emergentes” abrange um conjunto heterogêneo de recursos e abordagens, que incluem inteligência artificial educacional, realidade aumentada e virtual, analytics e learning dashboards, robótica pedagógica, cultura maker e internet das coisas aplicada à educação. Esses recursos podem potencializar estratégias de aprendizagem ativa, personalização de percursos e exploração de contextos, desde que articulados a objetivos claros e a critérios éticos de uso.

Ambientes de realidade aumentada e virtual, por exemplo, permitem simular fenômenos científicos, visitar museus e espaços históricos, explorar visualizações em 3D ou construir narrativas imersivas. Quando integrados a projetos interdisciplinares, podem favorecer aprendizagem significativa, colaboração e desenvolvimento de competências socioemocionais. No entanto, seu uso exige que o professor planeje a experiência, defina questões orientadoras, organize momentos de reflexão e garanta acessibilidade para estudantes que não podem utilizar determinados dispositivos.

Soluções baseadas em inteligência artificial, como tutores inteligentes, chatbots, sistemas de recomendação de atividades e ferramentas de escrita assistida, têm sido apresentadas como promessas de personalização do ensino. Pesquisas em inteligência artificial na educação apontam potencial para oferecer feedback mais rápido, apoiar estratégias de recuperação de aprendizagem e ajustar níveis de desafio. Ao mesmo tempo, alertam para riscos de ampliação de desigualdades, vigilância excessiva, violação de privacidade e delegação de decisões pedagógicas a algoritmos opacos. Isso reforça a importância de que itinerários de competência digital docente incluam discussões sobre ética, governança de dados, transparência algorítmica e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados no contexto escolar.

A integração de tecnologias emergentes, portanto, não é neutra. Depende das concepções de ensino e aprendizagem, dos projetos políticos pedagógicos das escolas, das condições materiais e da participação dos estudantes na escolha e na avaliação das ferramentas utilizadas. Professores conectados não são aqueles que utilizam o maior número de dispositivos, mas os que conseguem articular, de forma crítica e criativa, tecnologias emergentes às experiências concretas dos estudantes, respeitando seus contextos culturais, territoriais e identitários.

Formação inicial, formação continuada e políticas públicas

A organização de itinerários de desenvolvimento de competências digitais docentes passa, necessariamente, pela articulação entre formação inicial, formação continuada e políticas de carreira. A BNC-Formação indica que cursos de licenciatura devem integrar, de modo transversal, o uso pedagógico das tecnologias digitais, o que implica revisar currículos, reformular práticas de estágio e criar oportunidades para que licenciandos planejem, executem e analisem atividades com tecnologias em contextos reais de escola.

No campo da formação continuada, estudos recentes apontam que ações mais efetivas tendem a ser aquelas que combinam momentos presenciais e on-line, desenvolvidos em parceria entre universidades, redes e escolas, com foco em problemas concretos da prática e com duração suficiente para promover mudança de concepções e de rotinas pedagógicas. Cabral e colaboradores destacam que formações pontuais e descontextualizadas têm baixo impacto, enquanto programas que oferecem acompanhamento, feedback e oportunidades de experimentação colaborativa contribuem para o fortalecimento das competências digitais e da identidade profissional docente.

Cavassani argumenta que a reflexão sobre tecnologias digitais e prática pedagógica precisa considerar as condições reais de trabalho do professor, como carga horária, número de turmas, acesso à internet, suporte técnico e valorização institucional de iniciativas inovadoras. Itinerários formativos que desconsideram essas dimensões correm o risco de responsabilizar individualmente o docente por problemas que são estruturais, como a ausência de políticas consistentes de conectividade, a precarização das condições de trabalho e a subfinanciamento da escola pública.

Por fim, políticas públicas como a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, os programas de fomento à inovação e as iniciativas de plataformas públicas de formação podem dialogar com itinerários de competência digital docente ao oferecer infraestrutura, recursos educacionais abertos, trilhas formativas e mecanismos de reconhecimento de percursos. A articulação entre esses programas, as matrizes de competência digital e os projetos pedagógicos das escolas é decisiva para que a cultura digital se torne parte orgânica da experiência escolar, e não apenas um conjunto de projetos isolados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão desenvolvida ao longo do texto permite afirmar que a integração de tecnologias emergentes na sala de aula da Educação Básica depende, de maneira decisiva, de itinerários de desenvolvimento de competências digitais docentes concebidos como processos contínuos, situados e colaborativos. Referenciais internacionais e nacionais, como DigComp, DigCompEdu, a matriz do CIEB e o Referencial de Saberes Digitais Docentes, oferecem mapas importantes, mas não substituem a necessidade de construção coletiva de trilhas formativas que façam sentido para professores de diferentes etapas, áreas e redes.

Os estudos analisados mostram que há um descompasso entre as expectativas normativas e as condições concretas de desenvolvimento de competências digitais. De um lado, documentos oficiais e discursos de inovação atribuem aos professores o papel de protagonistas na integração de tecnologias emergentes, enfatizando a necessidade de práticas ativas, personalizadas e centradas no estudante. De outro, muitos docentes relatam percursos formativos fragmentados, apoio técnico limitado e pressão por resultados rápidos, especialmente em contextos marcados por desigualdades de conectividade, renda e acesso a equipamentos.

Nesse cenário, o conceito de professores conectados, assumido no título do artigo, não pode ser reduzido à presença em redes sociais ou ao domínio de plataformas. Trata-se de pensar docentes que se conectam a redes de aprendizagem profissional, a comunidades de prática, a fontes confiáveis de informação e a movimentos que defendem o direito à educação de qualidade na sociedade digital. Professores conectados são aqueles que se apropriam de tecnologias emergentes de forma crítica, criativa e ética, articulando-as a projetos pedagógicos socialmente referenciados, atentos às realidades de seus estudantes e às desigualdades que marcam o acesso e o uso de recursos digitais.

A proposta de itinerários de desenvolvimento de competências digitais docentes apresentada ao longo do texto busca contribuir para esse horizonte. Ao organizar eixos progressivos que vão da apropriação básica ao uso crítico e autoral, enfatizando o papel de instrumentos de autodiagnóstico, de formações articuladas a problemas da prática, de redes de aprendizagem docente e de políticas públicas integradas, pretende-se indicar caminhos possíveis para que as tecnologias emergentes deixem de ser apenas promessas e se tornem efetivamente mediadoras da aprendizagem, da participação e da justiça social na Educação Básica.

Ainda assim, persistem desafios importantes. Entre eles, destacam-se a necessidade de aprofundar pesquisas que envolvam escuta sistemática de professores e estudantes sobre experiências com tecnologias emergentes, a ampliação de programas de formação continuada em escala nacional, com qualidade e foco na equidade, e o fortalecimento de processos de participação de escolas e comunidades na definição de prioridades e critérios para a adoção de tecnologias nas redes de ensino. Em síntese, integrar tecnologias emergentes na sala de aula significa disputar projetos de sociedade e de educação. Itinerários de competência digital docente só farão sentido se estiverem alinhados a um compromisso coletivo com a garantia do direito à aprendizagem, com a democratização do acesso à cultura digital e com a defesa de uma escola pública conectada, crítica e inclusiva.  

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1Licenciada em História e Pedagogia. Pós graduada em Psicopedagogia. Especialização em Metodologia de Ensino e Pesquisa na Educação em Educação Ambiental e Sanitária. Mestranda em Tecnologias Emergentes Em Educação.

2Graduada em Ciências Biológicas. Especialização em Propostas Pedagógicas para Educação Infantil e Ensino Fundamental. Mestrando em Tecnologias Emergentes em Educação.

3Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especializada em Psicopedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University.

4Graduação em Pedagogia. Pós graduação em Psicopedagogia Educacional e Clínica e Neuropsicopedagogia Institucional e Clínica. Mestrando em tecnologias emergentes em Educação.

5Licenciado em matemática. Licenciado em educação especial. Graduando em engenharia civil. Graduando em engenharia de produção. Pós graduado em física. Pós graduado em geologia. MBA em gerenciamento de projetos. MBA em governança corporativa. Pós graduado em docência em ensino superior. Pós graduado em novas tecnologias educacionais. Pós graduando em engenharia de software. Mestrando em tecnologias emergentes em educação

6Licenciada em Pedagogia. Pós graduada em Educação infantil e séries iniciais. Mestrando em Tecnologia Emergentes da Educação.

7Licenciada em Pedagogia e Normal Superior. Professora de Séries Iniciais na Escola Estadual e Municipal. Possui Pós- Graduação com ênfase em Práticas Inclusivas. Pós-graduação em Psicomotricidade e Mestrando Tecnologias Emergentes em Educação.

8Bacharel em Administração Pública e de Empresas. Licenciatura Plena em Matemática. Especialização em Educação Matemática. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação.