METODOLOGIAS ATIVAS COM REALIDADE AUMENTADA E VIRTUAL: POTENCIALIZANDO A APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO BÁSICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202511302306


Gisele Gonçalves de Sousa1; Francisco Webston Pereira da Silva2; Cassiana Maria Arruda Ferreira3; Thiones da Silva Miranda4; Rosely Clara Barbosa dos Santos5; Paulette Martins da Silva Dourado6; Osmar Leite de Oliveira7; Flávia Rodrigues da Silva8


RESUMO

O artigo discute como metodologias ativas mediadas por realidade aumentada e realidade virtual podem potencializar a aprendizagem na Educação Básica em um contexto marcado pela cultura digital e pelas orientações da Base Nacional Comum Curricular. A partir de pesquisa de caráter teórico-bibliográfico, são analisadas produções recentes que abordam metodologias ativas, tecnologias digitais na escola e experiências com realidade aumentada e virtual em diferentes componentes curriculares. Os resultados da análise indicam que a integração desses recursos em propostas como aprendizagem baseada em projetos, sala de aula invertida e sequências gamificadas tende a favorecer o engajamento, a participação e a compreensão de conceitos abstratos, especialmente em áreas que exigem visualização espacial e simulação de fenômenos complexos. Por outro lado, emergem desafios relacionados à infraestrutura tecnológica das escolas, às desigualdades de acesso, à formação docente e ao risco de uso tecnicista e descontextualizado das tecnologias. Argumenta-se que o uso pedagógico de realidade aumentada e virtual deve estar ancorado em objetivos de aprendizagem claros, em um projeto político-pedagógico consistente e em processos de formação continuada que apoiem o protagonismo discente e a autoria de professores e estudantes. Conclui-se que essas tecnologias emergentes podem contribuir para uma educação mais significativa e conectada à cultura digital, desde que articuladas a princípios de equidade, criticidade e inclusão. 

Palavras-chave: Metodologias ativas; Cultura digital; Educação Básica; Tecnologias digitais. 

ABSTRACT

This article discusses how active learning methodologies mediated by augmented reality and virtual reality can enhance learning in Basic Education, within a context shaped by digital culture and by the guidelines of the Brazilian National Common Curricular Base. Drawing on a theoretical and bibliographic study, it analyzes recent publications that address active methodologies, digital technologies in schools, and experiences with augmented and virtual reality in different school subjects. The analysis indicates that integrating these resources into project-based learning, flipped classroom approaches and gamified sequences tends to foster student engagement, participation and understanding of abstract concepts, especially in areas that require spatial visualization and simulation of complex phenomena. However, the literature also points to challenges related to school technological infrastructure, inequalities in access, teacher education and the risk of technicist and decontextualized uses of technology. The article argues that the pedagogical use of augmented and virtual reality must be grounded in clear learning objectives, in a coherent educational project and in continuing teacher education processes that support student protagonism and the authorship of both teachers and learners. It concludes that these emerging technologies can contribute to more meaningful education, aligned with digital culture, as long as they are articulated with principles of equity, critical thinking and inclusion.

 Keywords: Active methodologies; Digital culture; Basic education; Educational technologies.

RESUMEN

El artículo analiza cómo las metodologías activas mediadas por la realidad aumentada y la realidad virtual pueden potenciar el aprendizaje en la Educación Básica, en un contexto marcado por la cultura digital y por las orientaciones de la Base Nacional Común Curricular brasileña. A partir de una investigación de carácter teórico-bibliográfico, se examinan producciones recientes que abordan metodologías activas, tecnologías digitales en la escuela y experiencias con realidad aumentada y virtual en diferentes componentes curriculares. Los resultados del análisis muestran que la integración de estos recursos en propuestas como el aprendizaje basado en proyectos, la clase invertida y las secuencias gamificadas tiende a favorecer el compromiso, la participación y la comprensión de conceptos abstractos, especialmente en áreas que exigen visualización espacial y simulación de fenómenos complejos. Sin embargo, también se evidencian desafíos relacionados con la infraestructura tecnológica de las escuelas, las desigualdades de acceso, la formación del profesorado y el riesgo de un uso tecnicista y descontextualizado de las tecnologías. Se sostiene que el uso pedagógico de la realidad aumentada y virtual debe apoyarse en objetivos de aprendizaje claros, en un proyecto político-pedagógico coherente y en procesos de formación continua que fortalezcan el protagonismo del estudiantado y la autoría de docentes y alumnos. Se concluye que estas tecnologías emergentes pueden contribuir a una educación más significativa y conectada con la cultura digital, siempre que se articulen con principios de equidad, criticidad e inclusión. 

Palabras clave: Metodologías activas; Cultura digital; Educación básica; Tecnologías educativas.

INTRODUÇÃO 

A intensificação da cultura digital na sociedade contemporânea tem provocado transformações profundas nas formas de produzir conhecimento, comunicar e aprender. Na educação básica, essas mudanças tensionam modelos tradicionais de ensino, ainda fortemente centrados na exposição do professor e na memorização de conteúdos, e impulsionam a busca por propostas pedagógicas que favoreçam o protagonismo discente, a resolução de problemas e a aprendizagem colaborativa. As metodologias ativas, ao priorizarem o envolvimento dos estudantes em situações desafiadoras e em contextos significativos, aparecem como um caminho potente para responder às demandas da atualidade e às orientações da Base Nacional Comum Curricular, que destaca a cultura digital como uma competência geral a ser desenvolvida ao longo de toda a escolaridade. 

Nesse cenário, tecnologias emergentes como a realidade aumentada e a realidade virtual vêm sendo crescentemente incorporadas em propostas pedagógicas que buscam articular metodologias ativas com ambientes digitais interativos e imersivos. A realidade aumentada possibilita a sobreposição de elementos virtuais ao ambiente físico, por meio de dispositivos móveis ou óculos específicos, ampliando a percepção do estudante sobre fenômenos, objetos e processos que nem sempre são facilmente observáveis a olho nu. A realidade virtual, por sua vez, cria ambientes digitais tridimensionais, que podem simular laboratórios, espaços históricos, ambientes naturais e situações sociais, favorecendo a exploração, a experimentação e a tomada de decisão em contextos seguros e controlados. Estudos recentes indicam que tais recursos, quando integrados de forma planejada ao currículo, tendem a elevar o engajamento, a motivação e a compreensão conceitual dos estudantes da educação básica. 

Ao mesmo tempo, a literatura tem alertado para o risco de se estabelecer uma relação imediata e acrítica entre tecnologias digitais e inovação pedagógica. Pesquisas sobre metodologias ativas e tecnologias digitais defendem que o simples uso de recursos tecnológicos não caracteriza, por si só, uma abordagem ativa, pois metodologias e tecnologias são categorias distintas, ainda que complementares. As metodologias ativas dizem respeito, sobretudo, à organização intencional de situações de aprendizagem centradas no estudante, enquanto as tecnologias funcionam como ferramentas que podem potencializar ou enfraquecer tais metodologias, dependendo de como são apropriadas pelos sujeitos e pelas instituições. 

Nessa perspectiva, autores como Moran e Bacich destacam que o desafio das escolas não está apenas em “colocar tecnologia na sala de aula”, mas em reorganizar tempos, espaços, currículos e práticas didáticas, de modo que os estudantes assumam papel ativo na construção do conhecimento, participem de projetos interdisciplinares, investiguem problemas reais e utilizem as tecnologias digitais para pesquisar, criar, comunicar e colaborar. 

A realidade aumentada e a realidade virtual, quando articuladas a estratégias como aprendizagem baseada em projetos, sala de aula invertida, estudos de caso ou desafios gamificados, podem se tornar poderosos mediadores para esse tipo de reorganização pedagógica.

No contexto da educação básica brasileira, marcado por desigualdades históricas de acesso a recursos tecnológicos, por diferentes níveis de formação docente e por infraestruturas bastante heterogêneas entre redes e escolas, discutir o uso de realidade aumentada e virtual em metodologias ativas implica também problematizar condições materiais, políticas públicas e projetos formativos. A BNCC e documentos sobre tecnologias digitais na educação básica enfatizam a necessidade de promover letramento digital, uso ético e crítico das tecnologias e desenvolvimento de competências para o século XXI, o que demanda não apenas equipamentos, mas também apoio institucional, formação continuada de professores e projetos pedagógicos consistentes. 

Nos últimos anos, mapeamentos de literatura sobre realidade aumentada e virtual em contextos escolares têm apontado a predominância de experiências pontuais, muitas vezes desenvolvidas em parceria com universidades ou programas de pesquisa, e a concentração de estudos em áreas específicas do currículo, como ciências da natureza, matemática e geografia. Esses estudos, embora relevantes, ainda revelam certa fragilidade na sistematização das evidências sobre impactos na aprendizagem, na formação de professores e na redução de desigualdades, além de indicarem a necessidade de ampliar investigações em anos iniciais do ensino fundamental e em escolas públicas de diferentes regiões do país. 

Diante desse quadro, o presente artigo tem por objetivo analisar as potencialidades e desafios do uso de metodologias ativas mediadas por realidade aumentada e virtual na educação básica, discutindo em que medida essas tecnologias emergentes podem contribuir para a aprendizagem significativa, o desenvolvimento de competências gerais e específicas previstas na BNCC e a consolidação do protagonismo discente. Para tanto, realiza-se uma discussão de caráter teórico e bibliográfico, tomando como base a produção recente sobre metodologias ativas, tecnologias digitais na educação e experiências com realidade aumentada e virtual em escolas de educação básica, com foco na realidade brasileira, sem desconsiderar contribuições internacionais.

O texto organiza-se em três partes principais. Na primeira, apresenta-se uma discussão sobre metodologias ativas na educação básica e sua relação com a cultura digital e as orientações curriculares nacionais. Em seguida, analisam-se as características da realidade aumentada e da realidade virtual e as formas como têm sido integradas a propostas de metodologias ativas em diferentes componentes curriculares, destacando resultados de pesquisas e relatos de experiência. Por fim, discutem-se desafios, limites e possibilidades para a expansão dessas práticas na educação básica, culminando nas considerações finais, nas quais se apontam implicações para políticas, formação docente e futuras investigações.

Ao articular metodologias ativas com realidade aumentada e virtual, este artigo busca contribuir para o debate sobre tecnologias emergentes na educação, enfatizando que a inovação pedagógica não pode ser reduzida à introdução de dispositivos e aplicativos, mas supõe um projeto político pedagógico comprometido com uma educação básica mais equitativa, crítica e socialmente relevante. A intenção é oferecer subsídios teórico-práticos para gestores, professores e pesquisadores que desejam planejar experiências de aprendizagem mais interativas, exploratórias e significativas, em diálogo com as condições concretas das escolas brasileiras e com os direitos de aprendizagem previstos para todos os estudantes.

DESENVOLVIMENTO 

Metodologias ativas e protagonismo discente na educação básica

As metodologias ativas podem ser entendidas como um conjunto de abordagens didáticas que colocam o estudante no centro do processo de ensino e aprendizagem, convocando-o a participar de forma crítica, investigativa e colaborativa em situações planejadas pelo professor. Em vez de se restringirem à exposição oral, tais metodologias mobilizam estratégias como projetos, estudos de caso, resolução de problemas, debates, oficinas, rotação por estações, sala de aula invertida e jogos educativos, entre outras. A ênfase desloca-se da transmissão de conteúdos para a construção de sentidos, a partir de desafios contextualizados, do diálogo e da reflexão sobre a própria experiência. 

Moran destaca que a adoção de metodologias ativas implica repensar a organização dos tempos e espaços escolares, ampliar as oportunidades de participação dos estudantes e criar situações em que eles aprendam a pesquisar, argumentar, tomar decisões e cooperar. Em suas análises, o autor ressalta que a aprendizagem se torna mais profunda quando os estudantes se engajam em atividades que lhes fazem sentido, que dialogam com seus projetos de vida e que combinam momentos presenciais e on-line em diferentes modalidades de ensino híbrido. 

Bacich e Moran, ao organizarem obras sobre metodologias ativas e ensino híbrido, reforçam que a inovação pedagógica se relaciona à capacidade de integrar diferentes estratégias, linguagens e recursos, construindo trilhas de aprendizagem flexíveis, em que cada estudante possa avançar a partir de seu ritmo, interesses e necessidades. Nessa perspectiva, a educação básica é convidada a superar a lógica de aulas homogêneas, seriadas e centradas no professor, para abrir espaço a projetos interdisciplinares e situações de aprendizagem mais autorais, em que os estudantes sejam incentivados a investigar problemas do seu território, produzir mídias, apresentar resultados e avaliar coletivamente seus processos. 

Uma contribuição importante da literatura recente é a distinção clara entre metodologias ativas e tecnologias digitais. Ferrarini, Saheb e Torres mostram que, historicamente, muitas metodologias ativas surgiram antes mesmo da popularização das tecnologias digitais, o que evidencia que não há relação de dependência entre essas duas dimensões. O uso de recursos digitais não garante, necessariamente, que a aula será ativa, assim como é possível aplicar metodologias ativas com recursos analógicos. Por outro lado, os estudos indicam que as tecnologias digitais, quando adequadamente integradas ao planejamento didático, podem potencializar as metodologias ativas, ampliando as possibilidades de interação, colaboração e autoria. 

Na educação básica brasileira, a adoção de metodologias ativas dialoga diretamente com as competências gerais da BNCC, em especial aquelas que tratam do pensamento científico, do repertório cultural, da comunicação, da cultura digital, do trabalho e projeto de vida, da argumentação e da responsabilidade e cidadania. Ao planejar aulas que envolvem investigação, produção coletiva, uso crítico de mídias digitais e resolução de problemas do cotidiano dos estudantes, o professor contribui para o desenvolvimento dessas competências de forma integrada aos objetos de conhecimento de cada componente curricular. 

Cultura digital, BNCC e tecnologias emergentes na escola

A BNCC define a cultura digital como uma das dez competências gerais da educação básica, enfatizando que os estudantes devem ser capazes de compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética, em diferentes práticas sociais, incluindo as escolares. Essa formulação evidencia que o papel da escola não se limita a “usar computadores ou tablets”, mas envolve ensinar os estudantes a buscar informações confiáveis, produzir conteúdos, interagir em redes, proteger seus dados, respeitar direitos autorais e analisar criticamente os discursos e imagens que circulam no ambiente digital. 

Ao mesmo tempo, pesquisas sobre tecnologias digitais na educação básica apontam que o acesso a dispositivos e conectividade ainda é desigual entre escolas, redes e regiões, o que impacta diretamente as possibilidades de incorporar tecnologias emergentes como realidade aumentada e virtual ao cotidiano da sala de aula. Estudos de Lima e Ferrete indicam que, embora haja iniciativas pontuais bem-sucedidas de uso de tecnologias digitais para motivar estudantes e diversificar estratégias didáticas, persistem desafios relativos à infraestrutura, à formação continuada de professores e ao planejamento pedagógico, especialmente nas redes públicas. 

Nesse contexto, a discussão sobre tecnologias emergentes precisa estar vinculada a uma perspectiva de inclusão digital e de justiça social. Não se trata de introduzir recursos sofisticados apenas em escolas com melhores condições, aprofundando desigualdades, mas de construir políticas e projetos que considerem as realidades locais e que potencializem o que já existe, favorecendo experiências criativas e significativas mesmo em contextos de restrição de recursos. A realidade aumentada, por exemplo, pode ser explorada por meio de dispositivos móveis já presentes na comunidade escolar, desde que haja planejamento, mediação docente e critérios claros para o uso pedagógico.

Outra dimensão relevante é a da formação docente. Estudos sobre tecnologias digitais e metodologias ativas evidenciam que muitos professores se sentem inseguros para utilizar recursos digitais de forma mais autoral e crítica, ou tendem a reproduzir, com novas ferramentas, modelos tradicionais de aula, como o uso de slides apenas como suporte expositivo. Pesquisas recentes sugerem que processos formativos mais colaborativos, que envolvem experimentação, reflexão sobre a prática e articulação entre teoria e prática, têm maior potencial para promover mudanças efetivas nas práticas docentes, inclusive quanto ao uso de realidade aumentada e virtual em projetos interdisciplinares. 

Realidade aumentada em metodologias ativas na educação básica

A realidade aumentada consiste na integração de elementos virtuais, como imagens, textos, vídeos ou modelos tridimensionais, ao ambiente físico percebido pelo usuário, em tempo real. Na educação básica, isso significa, por exemplo, que os estudantes podem apontar a câmera de um dispositivo móvel para um livro, um cartaz, um mapa ou um objeto da escola e visualizar, sobrepostos, elementos digitais que enriquecem a compreensão daquele conteúdo. Pesquisas de mapeamento da literatura sobre uso de realidade aumentada na educação básica brasileira mostram um crescimento de experiências nos últimos anos, especialmente em áreas como ciências, matemática e geografia. 

Rezende e colaboradores, ao analisarem situações de aprendizagem com realidade aumentada na educação básica, destacam que os recursos mais recorrentes envolvem visualização de modelos tridimensionais de estruturas microscópicas, sistemas do corpo humano, elementos químicos e fenômenos físicos, além de simulações de processos históricos e geográficos. Os autores apontam que essas experiências tendem a favorecer a aprendizagem quando articuladas a problemas concretos, perguntas investigativas e atividades colaborativas, integrando momentos de exploração livre e de sistematização orientada pelo professor. 

Lopes e coautores, em revisão sistemática sobre inovações educacionais com uso de realidade aumentada, reforçam que a maioria dos estudos reporta aumento de motivação, curiosidade e participação dos estudantes, bem como indícios de melhoria na compreensão conceitual, sobretudo quando o recurso é associado a metodologias ativas, como aprendizagem baseada em projetos, jogos educativos e desafios investigativos. No entanto, a revisão evidencia também limitações metodológicas em parte dos estudos, como amostras reduzidas e pouca análise de resultados em longo prazo, o que indica a necessidade de aprofundar as investigações sobre impactos na aprendizagem. 

Outro conjunto de trabalhos tem se dedicado a mapear especificamente atividades de realidade aumentada em ciências da natureza, destacando a possibilidade de aproximar os estudantes de fenômenos que não podem ser observados diretamente, como estruturas moleculares, camadas da Terra ou relações astronômicas. Em revisões sistemáticas, são descritas propostas em que os estudantes investigam questões científicas a partir da manipulação de modelos tridimensionais, da realização de experimentos simulados e da construção de explicações em grupo, o que favorece uma abordagem investigativa do ensino de ciências na educação básica. 

Além de recursos desenvolvidos por grupos de pesquisa, há experiências que relatam a criação de aplicativos de realidade aumentada no próprio contexto escolar, envolvendo estudantes do ensino fundamental e médio em projetos de autoria tecnológica. Em iniciativas dessa natureza, os estudantes participam do planejamento do aplicativo, definem quais conteúdos serão representados em RA, produzem materiais multimídia e testam o recurso com colegas, o que potencializa a aprendizagem tanto dos conceitos curriculares quanto de habilidades relacionadas à produção digital, ao trabalho em equipe e à resolução de problemas. 

Realidade virtual, imersão e aprendizagem significativa

A realidade virtual, diferentemente da realidade aumentada, cria ambientes digitais imersivos em que o usuário se vê totalmente envolvido por elementos virtuais, geralmente por meio de óculos específicos e fones de ouvido, embora também existam experiências acessadas por telas convencionais. Na educação básica, a realidade virtual tem sido explorada, por exemplo, para simular planetários, laboratórios de ciências, visitas a museus, viagens por ambientes históricos e exploração de ecossistemas, entre outras possibilidades. Pesquisas indicam que a sensação de presença e imersão proporcionada pela realidade virtual pode favorecer a concentração, o engajamento e a aprendizagem significativa, desde que o uso seja acompanhado de atividades reflexivas e de mediação docente. 

Estudos realizados com estudantes do ensino fundamental mostram que o uso de realidade virtual para o ensino de astronomia, em simulações de planetários, permite que os estudantes visualizem movimentos aparentes do céu, reconheçam constelações e compreendam relações entre rotação e translação da Terra de forma mais concreta e interativa. Nessas experiências, a realidade virtual é articulada a sequências didáticas que incluem momentos de discussão em sala, registros escritos e elaboração de modelos físicos, evitando que a tecnologia seja utilizada apenas como entretenimento. 

Outra vertente de pesquisas envolve o uso combinado de realidade virtual e aumentada em propostas gamificadas, nas quais os estudantes cumprem missões, solucionam enigmas ou realizam experimentos em ambientes virtuais, acumulando pontos e feedbacks instantâneos. Trabalhos recentes em educação básica sugerem que tais propostas podem contribuir para desenvolver competências como colaboração, pensamento crítico e criatividade, além de favorecer a compreensão de conceitos abstratos, desde que os objetivos de aprendizagem estejam claramente definidos e que a gamificação não se sobreponha ao conteúdo. 

Evidências de aprendizagem e desafios na educação básica brasileira

A literatura recente indica que o uso de realidade aumentada e virtual em metodologias ativas na educação básica está associado a ganhos em engajamento, motivação e participação dos estudantes. Em muitos relatos de experiência, os docentes destacam que turmas usualmente dispersas passam a demonstrar maior curiosidade, fazem mais perguntas e se envolvem ativamente nas tarefas propostas. Avaliações formativas apontam melhor compreensão de conceitos complexos, especialmente em temas que envolvem visualização espacial, fenômenos microscópicos ou processos dinâmicos de difícil observação direta. 

Por outro lado, os estudos também apontam desafios importantes. Um dos mais recorrentes refere-se à limitação de infraestrutura tecnológica em escolas públicas, que muitas vezes não dispõem de laboratórios de informática atualizados, rede Wi-Fi adequada ou número suficiente de dispositivos para atender às turmas. Nessas condições, professores e equipes gestoras precisam buscar soluções criativas, como o uso de poucos dispositivos em estações de trabalho, o planejamento de atividades em pequenos grupos ou parcerias com universidades e instituições parceiras. 

Outro desafio se relaciona à formação docente. Nem todos os professores se sentem confortáveis para utilizar realidade aumentada ou virtual em suas aulas, seja por desconhecimento das tecnologias, seja por insegurança diante de possíveis problemas técnicos ou de gestão da turma em ambientes imersivos. Pesquisas sobre formação continuada indicam que oficinas pontuais, focadas apenas na demonstração de ferramentas, tendem a ter impacto limitado. Formações mais efetivas combinam momentos de estudo teórico, análise de experiências reais, planejamento colaborativo de sequências didáticas e acompanhamento da implementação em sala de aula, com espaço para reflexão sobre dificuldades e ajustes. 

Além disso, alguns trabalhos problematizam o risco de se adotar uma perspectiva tecnicista ou descontextualizada, em que a realidade aumentada e a realidade virtual são introduzidas como novidades sedutoras, sem conexão com o currículo, com as necessidades dos estudantes ou com questões sociais mais amplas. Nesses casos, a tecnologia pode ser utilizada apenas como demonstração ou entretenimento, reforçando práticas transmissivas e pouco dialógicas. A literatura enfatiza que o uso pedagógico de RA e RV deve estar ancorado em objetivos de aprendizagem claros, em metodologias ativas consistentes e em uma concepção de educação que valorize o pensamento crítico, a criatividade, a colaboração e o compromisso ético com a realidade. 

Integração entre RA, RV e metodologias ativas: possibilidades pedagógicas

Quando articuladas a metodologias ativas, a realidade aumentada e a realidade virtual ampliam significativamente o repertório de possibilidades pedagógicas na educação básica. Em projetos de aprendizagem baseada em problemas, por exemplo, os estudantes podem investigar questões do território, como impactos ambientais, ocupação urbana ou patrimônio cultural, utilizando RA para sobrepor informações históricas, mapas, fotos antigas e dados estatísticos ao espaço físico da escola ou do bairro. Em paralelo, podem explorar ambientes virtuais que simulem cenários futuros ou outras realidades, debatendo alternativas e propondo soluções.

Na sala de aula invertida, a realidade aumentada pode ser utilizada para disponibilizar conteúdos introdutórios em casa, por meio de objetos físicos ou impressos que, ao serem visualizados por dispositivos móveis, revelam vídeos, animações ou textos explicativos. O tempo presencial, por sua vez, é dedicado a atividades em grupos, experimentações e projetos, em que o professor atua como mediador, ajudando os estudantes a relacionar as experiências imersivas a conceitos científicos, históricos ou matemáticos mais amplos. 

Em propostas gamificadas, a combinação de RA e RV pode criar narrativas em que os estudantes assumem papéis, recebem missões e precisam mobilizar conhecimentos de diferentes áreas para avançar. Por exemplo, em um jogo sobre sustentabilidade, os estudantes podem navegar por um ambiente virtual que representa uma cidade, identificar problemas como poluição, desperdício de recursos ou falta de áreas verdes e, em seguida, realizar atividades em RA no espaço da escola, propondo e testando intervenções. A pontuação e os feedbacks podem ser articulados a rubricas de avaliação formativa, que considerem não apenas o acerto de respostas, mas também a capacidade de justificar escolhas, trabalhar em equipe e comunicar resultados. 

A integração entre RA, RV e metodologias ativas também favorece a interdisciplinaridade. Um mesmo projeto pode envolver, por exemplo, matemática, ciências, geografia, língua portuguesa e artes, ao combinar coleta e análise de dados, produção de textos, criação de modelos tridimensionais, interpretação de mapas e discussão de questões éticas associadas ao uso das tecnologias. Essa abordagem dialoga com a proposta de competências gerais da BNCC, que incentiva a articulação entre diferentes áreas do conhecimento e a valorização de projetos de vida dos estudantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada ao longo deste artigo permite afirmar que as metodologias ativas mediadas por realidade aumentada e virtual constituem um campo promissor para a inovação pedagógica na educação básica, desde que compreendidas como parte de um projeto educativo mais amplo, orientado pelo protagonismo discente, pela aprendizagem significativa e pelo compromisso com a equidade. As experiências mapeadas na literatura evidenciam que tais tecnologias emergentes podem potencializar o engajamento, a curiosidade e a participação dos estudantes, especialmente em conteúdos que exigem visualização espacial, simulação de fenômenos complexos ou exploração de contextos distantes da realidade imediata das turmas.

Ao mesmo tempo, os estudos analisados reforçam que a mera introdução de dispositivos e aplicativos de realidade aumentada ou virtual não garante, por si só, a adoção de metodologias ativas nem a melhoria da aprendizagem. Metodologias e tecnologias pertencem a planos distintos. As primeiras dizem respeito à forma como o professor organiza situações de ensino e aprendizagem, à distribuição de papéis entre estudantes e docentes, à natureza das tarefas propostas e aos critérios de avaliação. As segundas, por sua vez, correspondem a ferramentas que podem apoiar ou dificultar essa organização, dependendo das concepções pedagógicas que as orientam. Quando a tecnologia é usada apenas para reforçar práticas expositivas ou exercícios repetitivos, sua contribuição tende a ser limitada, ainda que ofereça recursos esteticamente atraentes.

Outro ponto central diz respeito às condições concretas de implementação de propostas com RA e RV na educação básica brasileira. Questões como infraestrutura tecnológica, conectividade, disponibilidade de dispositivos, apoio da gestão escolar e formação continuada de professores são determinantes para a viabilidade e a sustentabilidade dessas práticas. Em muitas redes públicas, o acesso a laboratórios atualizados e a óculos de realidade virtual ainda é restrito. Nesse cenário, a utilização de dispositivos móveis já presentes na comunidade escolar, o planejamento de atividades em pequenos grupos e a construção de parcerias com universidades, secretarias de educação e instituições culturais podem constituir caminhos para viabilizar experiências significativas, mesmo em contextos de limitações materiais.

A formação docente emerge, assim, como eixo estruturante de qualquer proposta que pretenda integrar metodologias ativas, realidade aumentada e virtual na educação básica. É fundamental que os professores tenham oportunidades de experimentar essas tecnologias em situações de aprendizagem nas quais eles próprios atuem como estudantes, reflitam sobre o potencial e os limites de cada recurso, planejem coletivamente sequências didáticas, implementem-nas em suas turmas e avaliem resultados em diálogo com colegas e formadores. Processos formativos dessa natureza contribuem para que o uso de RA e RV deixe de ser percebido como algo distante ou apenas técnico e passe a ser apropriado como instrumento de mediação pedagógica, vinculado a objetivos de aprendizagem e a projetos de formação humana.

As discussões realizadas também apontam a importância de articular o uso de realidade aumentada e virtual às orientações da BNCC, em especial à competência geral de cultura digital e às competências específicas de cada área do conhecimento. Ao planejar propostas em que os estudantes utilizam RA e RV para investigar problemas, produzir conteúdos, debater questões éticas e criar soluções para desafios reais, os professores colaboram para o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao pensamento crítico, à criatividade, à comunicação, à colaboração e à responsabilidade social. Dessa forma, as tecnologias emergentes deixam de ser vistas apenas como novidades tecnológicas e passam a ser compreendidas como meios para concretizar direitos de aprendizagem e promover uma educação básica mais relevante e conectada ao mundo contemporâneo.

Finalmente, destaca-se a necessidade de ampliar pesquisas empíricas sobre o uso de metodologias ativas com realidade aumentada e virtual na educação básica, com desenhos metodológicos mais robustos, que considerem diferentes contextos, etapas de ensino, componentes curriculares e perfis de estudantes. Estudos de longa duração, que acompanhem turmas ao longo de anos, podem oferecer evidências mais consistentes sobre impactos na aprendizagem, no engajamento, na inclusão e na redução de desigualdades. Investigações que deem voz a estudantes e professores, analisando suas percepções, expectativas e resistências, também são fundamentais para compreender os sentidos que atribuem às práticas com RA e RV e para orientar políticas e programas de formação mais sensíveis às realidades das escolas.

Em síntese, metodologias ativas com realidade aumentada e virtual têm o potencial de contribuir de maneira significativa para a aprendizagem na educação básica, desde que inseridas em um projeto pedagógico crítico, democrático e comprometido com a formação integral dos estudantes. A efetivação desse potencial depende da articulação entre políticas públicas, investimentos em infraestrutura, programas de formação docente e iniciativas escolares que valorizem a autoria, a colaboração e a reflexão sobre o uso das tecnologias emergentes.  

REFERÊNCIAS 

BACICH, L.; MORAN, J. (org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. (org.). Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.

FERRARINI, R.; SAHEB, D.; TORRES, P. L. Metodologias ativas e tecnologias digitais: aproximações e distinções. Revista Educação em Questão, Natal, v. 57, n. 52, p. 1-30, 2019.

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 8. ed. Campinas: Papirus, 2012.

LIMA, I. P.; FERRETE, A. A. S. S. Tecnologias digitais de informação e comunicação na educação básica. Revista Humanidades & Inovação, Palmas, v. 8, n. 42, p. 282-293, 2021.

SANTOS, S. M. A. V. et al. Tecnologias digitais e metodologias ativas na educação. Caderno Pedagógico, Curitiba, v. 21, n. 5, p. 1-22, 2024.

LOPES, L. M. D. et al. Inovações educacionais com o uso da realidade aumentada: uma revisão sistemática. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 35, e197403, 2019.

LIMA, W. V. C. et al. Uma revisão sistemática da literatura sobre atividades educacionais de realidade aumentada do ensino de Ciências da Natureza. Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, La Plata, n. 29, p. 9-19, 2020.

SIEDLER, M. S. et al. MoleculAR: um aplicativo baseado em realidade aumentada destinado ao ensino de ligações químicas. Educitec – Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, Manaus, v. 8, e200622, 2022.

RITTA, Â. S.; PIOVESAN, S. D.; SIEDLER, M. S. O uso da realidade virtual para ensino de astronomia: desenvolvimento e aplicação de um software para simulação de planetário. Educitec – Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, Manaus, v. 6, e096420, 2020.

VIEIRA, A. C. G. O. et al. Desenvolvimento de um aplicativo de realidade aumentada para o auxílio do ensino de biologia no ensino fundamental e médio. Revista da META, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 260-265, 2016.

MAZON, J. et al. Curso RAFEC – realidade aumentada facilitando o ensino das ciências: uma nova possibilidade ao professor. RECIMA21 – Revista Científica Multidisciplinar, v. 3, n. 8, p. e381797, 2022.

CANTO, P. V. L.; PINTO, Y. V. C.; MIRANDA, F. O. Biotec Ar: software de realidade aumentada aplicada ao ensino de ciências naturais e biologia. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 9, n. 7, p. 22928-22937, 2023.

SANTOS, A. E. A. dos et al. Realidade virtual e aumentada: aplicativos facilitadores do ensino-aprendizagem. Caderno Pedagógico, Curitiba, v. 21, n. 9, p. e7453, 2024.


1Licenciada em História. Licenciada em Pedagogia. Pós-graduação em Formação de Professores – História Cultural e Educação. Pós-graduação em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação.

2Licenciado em História. Pós-graduado em Design Instrucional. Mestrando em Tecnologias Emergentes em Educação.

3Licenciada em Pedagogia. Pós-graduada em Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia e Educação Especial e Análise do Comportamento Aplicada – ABA. MBA em Empreendedorismo da Educação. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação.

4Graduado em Sistemas de Informação. Licenciado em Matemática. Pós graduado em Metodologia do ensino da Matemática e Física. Licenciado em Pedagogia. Mestrando em Tecnologia Emergentes em Educação.

5Licenciada em História e Pedagogia. Pós graduada em Psicopedagogia. Especialização em Metodologia de Ensino e Pesquisa na Educação em Educação Ambiental e Sanitária. Mestranda em Tecnologias Emergentes Em Educação.

6Graduada em Licenciatura Plena em Matemática pela UFMT. Pós graduada em Propostas pedagógicas para a Educação Infantil e Ensino Fundamental pelo Cesur. Técnica em Secretaria Escolar pelo IFMT. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação.

7Licenciado em Pedagogia.  Licenciado em Matemática. Pos-graduado em Psicopedagogia.  Pos-graduado em Gestão e Organização do Trabalho Pedagógico. Mestrando em Tecnologias Emergentes em Educação.

8Graduada em Ciências Biológicas. Especialização em Propostas Pedagógicas para Educação Infantil e Ensino Fundamental. Mestrando em Tecnologias Emergentes em Educação.