JUDICIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS AO SUS À LUZ DA SÚMULA VINCULANTE 61 DO STF

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506260958


Ludmila Ribeiro Pimentel1


Resumo

As demandas envolvendo o fornecimento de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido um desafio constante para o Poder Judiciário e para os entes federativos. Este artigo analisa as recentes diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Súmula Vinculante 61 e dos Temas 6 e 1234 da Repercussão Geral, que alteraram significativamente a dinâmica da concessão judicial desses fármacos. A análise enfatiza a nova distribuição do ônus probatório, a obrigatoriedade da consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) e a insuficiência da mera prescrição médica como fundamento para o deferimento do pedido judicial, destacando a necessidade de comprovação sólida da eficácia e imprescindibilidade do tratamento por parte do autor da ação.

Palavras-chave: Judicialização da saúde. Medicamentos não incorporados. SUS. Súmula Vinculante 61. Tema 6 STF. Tema 1234 STF. NATJUS.

1 INTRODUÇÃO

Embora garantido constitucionalmente, o direito à saúde tem sido frequentemente objeto de judicialização, especialmente no que se refere ao acesso a medicamentos que não constam nas listas oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS). A crescente demanda por intervenções judiciais para obtenção de medicamentos não incorporados ao SUS tem gerado debates sobre a autonomia do Poder Judiciário em face das políticas públicas de saúde e a sustentabilidade do sistema.

É bem verdade que as decisões judiciais tendiam a ser favoráveis ao fornecimento de medicamentos se baseando primordialmente na prescrição médica apresentada pelo paciente, sem uma análise aprofundada das evidências científicas, da existência de alternativas terapêuticas no SUS ou do impacto orçamentário para o ente público demandado. Contudo, essa prática tem sido revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao que parece, tem buscado harmonizar o direito individual à saúde com a necessidade de gestão eficiente e equitativa dos recursos públicos.

Neste esteio, a edição recente da Súmula Vinculante 61 pelo STF, que determina que a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado ao SUS, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE566.471), representa um marco importante. Paralelamente, o julgamento do Tema 1234 (RE1.366.243/SC) corrobora esse entendimento, estabelecendo diretrizes adicionais para a atuação do Judiciário em demandas de saúde.

Este artigo propõe-se a analisar os requisitos estabelecidos por esses importantes precedentes do STF para demonstrar como a nova interpretação impõe um ônus probatório mais rigoroso ao autor da ação. Será enfatizado que, a partir dessas decisões, a simples prescrição médica não é mais suficiente para embasar uma condenação judicial, tornando-se obrigatória a consulta a pareceres técnicos, como os emitidos pelo Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento e a efetividade da medida pleiteada, bem como a necessidade de comprovação da ineficácia das alternativas oferecidas pelo SUS e na apresentação de evidências científicas de alto nível que respaldem a segurança e eficácia do fármaco pleiteado, conforme exigido pelos Temas 6 e 1234 do STF.

2 A JUDICIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS E A INTERVENÇÃO DO STF

A Constituição Federal de 1988 elevou o direito à saúde ao status de direito fundamental, inserindo-o no capítulo dos direitos sociais, que, por sua vez, estão abrigados no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Isso implica que esses direitos, incluindo o da saúde, estão sob a égide do artigo 5º, §1º, da Constituição, que prevê a aplicação imediata das normas que os definem.

Contudo, essa aplicabilidade imediata não impõe ao Poder Público a obrigação de garantir tais direitos de forma ilimitada. É aqui que entra a teoria da reserva do possível, que sugere que certas obrigações do Estado são condicionadas aos recursos e capacidades que a sociedade pode razoavelmente exigir. Em outras palavras, nem todas as prestações podem ser garantidas de forma irrestrita, estando sujeitas àquilo que o Estado pode, de fato, prover.

A judicialização da saúde é, em sua essência, um reflexo da tensão entre o direito fundamental à saúde e a limitação dos recursos públicos. O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 determina que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, estabelecendo uma obrigação solidária para a União, Estados e Municípios de assegurar o acesso universal e igualitário a ações e serviços de saúde. No entanto, a forma como esse preceito é interpretado e implementado, especialmente no que diz respeito a medicamentos não padronizados, tem resultado em um número considerável de processos judiciais.

2.1. O Cenário Anterior à Jurisprudência Qualificada do STF

Antes dos recentes posicionamentos do Supremo Tribunal Federal, a prática judicial frequentemente se inclinava a deferir pedidos de medicamentos com base unicamente na prescrição médica. A presunção de veracidade e a urgência do direito à saúde muitas vezes suplantavam a análise aprofundada da necessidade, da eficácia comparativa e da adequação do fármaco pleiteado em relação às opções já disponíveis no SUS. Essa abordagem, embora bem-intencionada em salvaguardar o direito individual, gerou distorções e impactos negativos, traduzidos na desorganização da Política Pública de Saúde e na drenagem de recursos.

A concessão indiscriminada de medicamentos fora da lista do SUS desconsiderava os processos de avaliação de tecnologias em saúde (ATS) realizados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), que visam incorporar tecnologias baseadas em evidências científicas, custo-efetividade e impacto orçamentário.

O acesso a medicamentos caros e não padronizados ficava restrito àqueles que tinham acesso ao sistema judicial, criando uma via paralela e desvirtuando o princípio da universalidade e igualdade de acesso ao SUS.

O orçamento limitado da saúde era desviado para o custeio de tratamentos individuais, muitas vezes de alto custo e sem evidência científica robusta para aquela condição específica, comprometendo a oferta de serviços e medicamentos essenciais para a coletividade.

2.2. A Virada Jurisprudencial: Súmula Vinculante 61 e os Temas 6 e 1234 do STF

Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal iniciou um processo de qualificação da judicialização da saúde. A Súmula Vinculante 61 é o ponto de partida dessa nova era, ao dispor que: “A concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471)”.

Por ser precedente vinculante, nos termos do art. 927 do CPC, a decisão judicial deve obrigatoriamente observar os recentes parâmetros do Tema 6.

Em 20/09/2024, no julgamento do RE 566.471/RN, paradigma do Tema 6, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou as teses da repercussão geral em que entendeu ser possível a concessão judicial de medicamentos em casos excepcionais, desde que observada uma série de critérios e requisitos.

Na tese fixada, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu requisitos e determinou que, sob pena de nulidade da decisão judicial, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação.

TEMA 6 STF – Tese: 1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo. 2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou metaanálise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. 3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente: (a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo; (b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e (c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.

Da análise do Tema 6, depreende-se os seguintes requisitos essenciais para a concessão judicial de medicamentos não incorporados: (a) registro na ANVISA; (b) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa; (c) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec; (d) comprovação da necessidade e ineficácia das alternativas do SUS; (e) Evidências Científicas da Eficácia e Segurança; (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento; e (g) prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS).

O registro na ANVISA é o primeiro e fundamental requisito. A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) torna a concessão judicial excepcionalíssima, admitida apenas em casos de comprovada urgência e inexistência de alternativa terapêutica, e desde que o medicamento possua comprovação científica internacional de eficácia e segurança.

Já a comprovação da necessidade e ineficácia das alternativas do SUS exige que o paciente demonstre, por meio de laudo médico circunstanciado, que o medicamento pleiteado é indispensável para o seu tratamento e que as opções terapêuticas já oferecidas e incorporadas ao SUS são ineficazes ou inadequadas para o seu caso específico. Não basta a mera preferência do paciente ou do médico.

Independentemente do relatório médico e eficácia do tratamento prescrito, deve o juízo também manifestar quanto à ilegalidade da não incorporação, analisando se o autor logrou comprová-la.

Além disso, o medicamento pleiteado deve possuir eficácia e segurança comprovadas por evidências científicas sólidas e de alta qualidade. Isso significa que a decisão judicial não pode se basear apenas em opiniões pessoais ou em estudos preliminares, mas em dados robustos de pesquisa clínica.

Ainda, restou fixado que deve haver prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação.

O NATJUS, composto por profissionais de saúde com conhecimento técnico, tem a função de emitir pareceres imparciais sobre a eficácia, segurança e custo-efetividade dos medicamentos, além de informar sobre a disponibilidade de alternativas no SUS. Quando a Nota Técnica não reconhece evidências suficientes para justificar o fornecimento do medicamento, o juízo deve observar essa análise técnica.

Esse requisito representa uma mudança significativa no rumo que as demandas judiciais vinham tomando até então, já que a consulta não era obrigatória e, mesmo que houvesse a consulta ao NATJUS, o juízo não se vinculava à sua conclusão, decidindo, em muitos casos, pela concessão do medicamento somente com base na prescrição médica, mesmo com a conclusão desfavorável do Núcleo de Apoio Técnico.

Com o novo posicionamento do STF, a prescrição médica, por si só, deixou de ser o único elemento probatório suficiente para a concessão do medicamento. Ela é, sem dúvida, um requisito essencial para iniciar o pleito, mas precisa ser corroborada por outros elementos de prova, especialmente pelas evidências científicas e pelos pareceres técnicos do NATJUS que atestem a imprescindibilidade e a ineficácia das alternativas padronizadas.

A análise do caso concreto, à luz desses requisitos, impõe que o magistrado não julgue favoravelmente a pretensão somente com base na prescrição. O juízo deve aprofundar-se na análise das provas, considerando o parecer do NATJUS como um subsídio técnico fundamental para a sua decisão. Se o parecer técnico aponta para a ausência de evidências fortes da eficácia para a condição específica ou para a existência de alternativas no SUS, o juízo deve ponderar essas informações com o ônus probatório que recai sobre o autor.

O Tema 1234 da Repercussão Geral (RE 1.366.243/SC) também representou um avanço significativo na qualificação da judicialização, ao consolidar e detalhar os requisitos para o fornecimento de medicamentos não incorporados. Mais importante ainda, o STF, nesse julgamento, reafirmou a tese de que cabe ao autor da ação (paciente) o ônus da prova de todos os requisitos indispensáveis à concessão do medicamento.

A partir do Tema 1234, um ponto crucial se refere ao ônus da prova do autor. Inverte-se a lógica anterior, onde o ente público muitas vezes tinha que provar a ineficácia ou desnecessidade do medicamento. Agora, é o paciente quem deve apresentar provas robustas de que o medicamento não incorporado é a única alternativa eficaz e segura para o seu tratamento, após esgotadas as opções do SUS. Isso inclui a apresentação de estudos científicos que corroborem a eficácia do fármaco para a patologia em questão.

O Tema 1234 reafirmou que deve haver a comprovação da hipossuficiência financeira do paciente para arcar com os custos do tratamento, sendo esse um requisito que visa assegurar o caráter subsidiário da atuação estatal nesses casos, evitando que o SUS seja demandado por aqueles que possuem condições de custear o tratamento.

Para além, o Tema 1234 ainda reflete a preocupação com a repartição de competências e a responsabilidade federativa na prestação dos serviços de saúde, buscando a efetividade da medida e a sustentabilidade do sistema como um todo, fixando diretrizes para a atuação do Judiciário a partir das discussões entre União, estados e municípios, visando facilitar a gestão e o acompanhamento dos pedidos de fornecimento de medicamentos.

No que se refere à competência, o Tema 1234 estabeleceu, como regra geral, para as demandas relativas a medicamentos não incorporados, mas com registro na ANVISA, o trâmite perante a Justiça Federal (art. 109, I da CF), com a inclusão da União, quando o valor do tratamento anual for igual ou superior a 210 salários mínimos. Mantendo-se o custo anual unitário do medicamento entre sete e 210 salários mínimos, os casos permanecem na Justiça Estadual.

A tese estabeleceu no item 3.3 que “As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão”.

Com efeito, como sabido, existe uma hierarquização no Sistema Único de Saúde, ou seja, o atendimento primário/básico é prestado pelos municípios e os demais atendimentos de média e alta complexidade são de responsabilidade do Estado e da União, da mesma forma que, não sendo possível o atendimento e ou fornecimento de medicamentos ou equipamentos médicos por um ente, cabe ao outro com maior responsabilidade e estrutura fazê-lo.

Deste modo, embora exista obrigação comum dos entes públicos de cuidarem da saúde da população, as normas que regulam a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.080/1990 (Lei do SUS) pormenorizam as responsabilidades de cada um dos entes públicos, devendo-se respeitar o regramento administrativo de distribuição de atribuições no ajuizamento de demandas relacionadas ao direito à saúde.

A nova postura do STF busca, portanto, equilibrar o direito individual à saúde com os princípios da universalidade, equidade e sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), incentivando decisões judiciais mais informadas e alinhadas às melhores práticas de gestão da saúde pública.

A jurisprudência pátria recente já está se inclinando à nova tese estabelecida pelo STF, no sentido de que, não cumpridos os requisitos definidos nos Temas 6 e 1234 do STF, não há como determinar o fornecimento do medicamento, sobretudo em sede liminar. Vejamos:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – DIREITO À SAÚDE – TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – TEMA 1234 E TEMA 6 DO STF – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – MODULAÇÃO DE EFEITOS – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AO SUS – CANABIDIOL –REQUISITOS PARA DISPENSAÇÃO NÃO PREENCHIDOS – CONITEC – MANIFESTAÇÃO PELA NÃO INCORPORAÇÃO NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE – ÓRGÃO COMPETENTE – ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO – NÃO DEMONSTRAÇÃO – FINANCIAMENTO DE TODA E QUALQUER PRESTAÇÃO DE SAÚDE – IMPOSSIBILIDADE – FORNECIMENTO INDEVIDO – REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS 1. “O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366 .243)” – Súmula Vinculante 60. 2. Segundo definido pelo STF no julgamento do Tema 1234, às ações ajuizadas antes da publicação da ata de julgamento, ocorrida em 19.09 .2024, deverão sujeitar-se aos efeitos da cautelar deferida no âmbito do mesmo Tema, “mantendo-se onde estiverem tramitando sem deslocamento de competência”. Descabimento de inclusão da União na lide, e da remessa dos autos à Justiça Federal. 3. O item 2 .1 do Tema 1234 define como “não incorporados” os medicamentos “que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico”. O fármaco a base de canabidiol não consta da política pública do SUS, sendo considerado não incorporado. 4. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Lei 8 .080/1990, art. 19-Q). 5. Tendo, a Conitec, avaliado as evidências científicas sobre eficácia, segurança, custo-efetividade e impacto orçamentário do medicamento canabidiol para o tratamento de epilepsia, e concluído, em Relatório de Recomendação, por sua não incorporação para dispensação na rede pública, não pode o Poder Judiciário substituir-se ao administrador, sem qualquer fundamento ou indicação de ilegalidade perpetrada, e determinar o seu fornecimento (itens 4 a 4 .2 do Tema 1234 e item b do Tema 06 do STF). 6. Cabe ao julgador, para inobservar a política pública adotada, justificar a sua decisão em eventual falha praticada pelo órgão administrativo competente, e, o que se faz também essencial: considerar os parâmetros e limites definidos pela LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, notadamente as disposições contidas em seus artigos 20 a 24, que se referem à necessidade de avaliação das consequências práticas da decisão, e aos critérios a serem observados quando do controle da atuação administrativa. 7. Para a concessão de medicamento não incorporado ao SUS, não basta a apresentação de relatório médico que ateste a necessidade do fármaco, incumbindo à parte autora o ônus de comprovar, à luz da Medicina Baseada em Evidências, a segurança e eficácia do fármaco, bem como existência de evidências científicas de alto nível – ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise – que respaldem a imprescindibilidade da medicação (itens 4.3 e 4.4 do Tema 1234 e item d do Tema 06 do STF). Requisitos não preenchidos. 8. Recurso desprovido.

TJ-MG – Agravo de Instrumento: 44577504720248130000, Relator.: Des.(a) Áurea Brasil, Data de Julgamento: 20/02/2025, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/02/2025.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA – MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS ÀS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS – Decisão que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência – Reforma – Aderência ao enunciado Vinculante 61 – Ausência da demonstração da probabilidade do direito, requisito autorizador para concessão da medida, conforme Tema nº 6 do STF e art. 300, “caput”, do CPC – Decisão reformada. – Recurso provido.

TJ-SP – Agravo de Instrumento: 30111993120248260000 São Paulo, Relator.: Spoladore Dominguez, Data de Julgamento: 19/02/2025, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 20/02/2025.

3 CONCLUSÃO

A judicialização de medicamentos não incorporados ao SUS, um fenômeno complexo e multifacetado, tem sido profundamente reorientada pelas diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal. A Súmula Vinculante 61, em seu espírito de contenção, e, mais notadamente, os Temas 6 e 1234 da Repercussão Geral, representam marcos decisivos. O STF, ao refinar seu entendimento, buscou promover um equilíbrio entre o direito fundamental à saúde e os princípios da universalidade, equidade e sustentabilidade do Sistema Único de Saúde.

O novo cenário jurídico exige uma postura proativa do demandante, que não pode mais se restringir à simples apresentação de uma prescrição médica. A comprovação irrefutável da imprescindibilidade do fármaco não padronizado, aliada à demonstração da ineficácia das alternativas terapêuticas já disponíveis no SUS, tornou-se um requisito inafastável para o êxito das ações judiciais. 

Neste contexto, o papel do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) assume relevância ímpar. Os pareceres técnicos emitidos pelo NATJUS fornecem uma base científica fundamental para a decisão judicial, auxiliando o magistrado na análise da evidência e da adequação do tratamento. Um parecer desfavorável do NATJUS, por exemplo, que aponte a ausência de sólidas evidências de eficácia ou a existência de alternativas acessíveis, impõe um ônus probatório ainda maior ao autor, que precisará contrapor tais informações com elementos ainda mais persuasivos.

Em suma, a recente jurisprudência do STF indica um avanço na perspectiva da judicialização da saúde. A Suprema Corte não só enfatiza a importância de decisões judiciais fundamentadas tecnicamente, mas também promove a corresponsabilidade entre os entes federativos, buscando a efetividade do direito à saúde sem desconsiderar os limites e a capacidade de organização do SUS. Essa evolução representa um passo importante para garantir que o acesso a medicamentos seja orientado não apenas pela urgência individual, mas também pela sustentabilidade do sistema e pela equidade no atendimento à coletividade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. STF. Recurso Extraordinário 1366243 Tema 1.234. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6335939. Acesso em: 18 de junho de 2025.

BRASIL. STF. Recurso Extraordinário 566471 – Tema 6. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2565078. Acesso em: 18 de junho de 2025.

BRASIL. STF. Súmula vinculante 61. Brasília, DF: STF, [2024]. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=9296. Acesso em: 18 de junho de 2025.


1Advogada e Procuradora Municipal. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)