ESTRATÉGIAS DE AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL PARA ESTUDANTES COM TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202512180945


Maria Inês Ferreira da Silva1; Sidioney Miguel de Souza2; Leticia Gomes de Oliveira3; Lizandra Lima Santos4; Paulo Sergio Bezerra Nascimento5; Guajarina do Socorro Carmo de Sousa Camarão6; Weverson Souza da Costa7; Graciete Nascimento Barbosa8; Fabrício José Pena Lima9; Maria do Socorro da Cruz Brito10


RESUMO

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH – afeta significativamente o desempenho acadêmico e socioemocional de crianças e adolescentes, exigindo intervenções intencionais que promovam o desenvolvimento de habilidades de autorregulação emocional. O presente artigo analisa estratégias pedagógicas e psicossociais capazes de favorecer a autonomia emocional e a melhoria dos processos de aprendizagem no contexto escolar. Utiliza-se abordagem qualitativa, com revisão bibliográfica de autores como Barkley, Goldstein, Del Prette e Vygotsky. Os resultados evidenciam que práticas como mindfulness, rotinas estruturadas, reforço positivo, comunicação assertiva, mediação docente e recursos multissensoriais contribuem para o controle emocional e a redução de comportamentos impulsivos. Conclui-se que a escola, ao adotar metodologias inclusivas e estratégias de regulação emocional, fortalece habilidades executivas essenciais ao percurso escolar do estudante com TDAH. 

Palavras-chave: Aprendizagem; Autorregulação emocional; Educação Inclusiva; Estratégias Pedagógicas; TDAH.

INTRODUÇÃO

A presença de estudantes com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH – no ambiente escolar exige a construção de práticas pedagógicas sensíveis às necessidades sócioemocionais e cognitivas desse público. O TDAH é caracterizado por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade que interferem no funcionamento diário e no desenvolvimento. Como destaca Barkley (2018, p. 25), “o TDAH não é apenas um transtorno de comportamento, mas também um transtorno da autorregulação”. Assim, compreender a autorregulação emocional torna-se fundamental para apoiar o desenvolvimento integral dos estudantes.

Para tanto, objetivou-se analisar estratégias de autorregulação emocional aplicáveis ao contexto escolar para estudantes com TDAH, evidenciando sua relevância para o processo de aprendizagem e inclusão. E concedendo um norte, buscou-se como objetivos específicos: identificar conceitos teóricos relacionados à autorregulação emocional e ao TDAH; apresentar estratégias pedagógicas, sócioemocionais e ambientais que favoreçam a autorregulação; discutir a importância da atuação do professor, da escola e da família no desenvolvimento dessas habilidades.

Este estudo se justifica pela necessidade de promover ambientes inclusivos é prioridade nas políticas educacionais brasileiras. Entretanto, ainda há lacunas na formação docente e no planejamento escolar, especialmente no que se refere ao manejo das emoções e comportamentos de estudantes com TDAH. Goldstein (2014) destaca que “uma intervenção eficaz deve integrar aspectos emocionais, comportamentais e instrucionais”. Desse modo, este artigo se justifica por fornecer contribuições teórico-práticas para apoiar a prática docente e favorecer experiências educacionais mais equilibradas.

A pesquisa possui como problema de pesquisa o seguinte questionamento: Quais estratégias de autorregulação emocional podem contribuir para o desenvolvimento socioemocional e acadêmico de estudantes com TDAH no ambiente escolar? E como pressuposto de resposta ao problema tem-se: que as estratégias estruturadas, em associação com práticas sócioemocionais, contribui significativamente para o desenvolvimento da autorregulação emocional, reduzindo impactos do TDAH sobre a aprendizagem.

A metodologia utilizada trata-se de qualitativa, de caráter bibliográfico, baseada em análise de obras referenciais sobre TDAH, desenvolvimento infantil, educação inclusiva e autorregulação emocional. A metodologia envolve seleção, leitura e interpretação de materiais acadêmicos, a partir de autores clássicos e contemporâneos. O artigo está estruturado em três capítulos. O primeiro apresenta fundamentos teóricos sobre o TDAH e autorregulação. O segundo discute estratégias de autorregulação emocional e suas aplicações escolares. O terceiro analisa o papel da escola, do professor e da família na promoção dessas estratégias. Ao final, apresentam-se as considerações finais e as referências utilizadas.

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE E AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH constituiu-se como um dos quadros neuropsiquiátricos mais estudados nas últimas décadas, dada sua prevalência significativa e os impactos que provoca no desenvolvimento, na aprendizagem e nas relações socioemocionais. Embora o diagnóstico do TDAH tenha surgido formalmente nos sistemas classificatórios do século XX, suas primeiras descrições clínicas remontam ao início do século XIX, quando médicos já observavam crianças com inquietação intensa, impulsividade e dificuldades persistentes de concentração. Russel A. Barkley (2002), um dos maiores estudiosos contemporâneos do tema, sustenta que “o TDAH é, fundamentalmente, um transtorno do desenvolvimento das funções executivas, que se manifestam no autocontrole e na capacidade de inibir respostas” (p. 45). Essa compreensão amplia o foco tradicional centrado apenas na desatenção e hiperatividade, introduzindo uma perspectiva neuropsicológica que articula cognição, comportamento e autorregulação emocional.

A concepção fenomenológica do transtorno, entretanto, não se esgota na dimensão neurobiológica. Embora estudos de neuroimagem apontem diferenças na ativação do córtex pré-frontal e circuitos dopaminérgicos, há um consenso crescente de que o comportamento de crianças e adultos com TDAH emerge da interação complexa entre fatores biológicos, ambientais e socioemocionais. A literatura clássica já sugeria a importância dessa interação. William James (1980), muito antes da formulação diagnóstica atual, afirmava que “a atenção é a tomada de posse, pela mente, de um objeto entre vários possíveis”, e sua dificuldade implica “instabilidade emocional e falhas no direcionamento da ação” (p. 403). A abordagem contemporânea ressignifica essa observação, entendendo que a atenção, a impulsividade e a hiperatividade são dimensões que atravessam processos de autorregulação.

A autorregulação emocional, por sua vez, constitui-se como a capacidade de monitorar, avaliar e modificar estados afetivos em função das demandas do ambiente. Para Thompson (1994), trata-se de um “conjunto de processos intrínsecos e extrínsecos responsáveis por iniciar, modular e organizar as reações emocionais” (p. 27), permitindo, assim, que o sujeito desenvolva competência social, estabilidade psicológica e adaptabilidade. No contexto do TDAH, essa habilidade é frequentemente prejudicada. Barkley (2015) explica que:

A autorregulação é uma das funções executivas mais afetadas no TDAH, e sua deficiência compromete não apenas o comportamento observável, mas também a capacidade do indivíduo de manejar frustrações, controlar emoções intensas e sustentar comportamentos dirigidos a objetivos. Crianças com TDAH não falham apenas em se concentrar; falham em gerir os próprios estados internos, o que repercute diretamente nos processos de aprendizagem e socialização” (BARKLEY, 2015, p. 89).

Essa compreensão destaca que o TDAH não pode ser reduzido a um transtorno de atenção, mas resolve dimensões emocionais e regulatórias que repercutem profundamente na vida cotidiana. A desregulação emocional é reconhecida, hoje, como um dos preditores de maior sofrimento e prejuízo funcional, sobretudo na adolescência e na vida adulta.

A literatura contemporânea reforça a ideia de que o TDAH apresenta três conjuntos principais de sintomas – desatenção, hiperatividade e impulsividade – , mas destaca que esses sintomas afetam diretamente a capacidade de planejamento, organização, tomada de decisão e controle emocional. Segundo o DSM-5 (APA, 2014), a desatenção manifesta-se por lapsos frequentes, esquecimento de tarefas, dificuldade de seguir instruções e tendência a distrações externas. A hiperatividade envolve inquietação motora, dificuldade de permanecer sentado e sensação interna de agitação. Já a impulsividade traduz-se em respostas precipitadas, interrupção frequente de conversas e dificuldade em esperar turnos. Cada um desses fatores se relaciona, de forma direta ou indireta, com déficits de autorregulação.

Além disso, autores como Brown (2013) indicam que o TDAH constitui um transtorno heterogêneo, com graus variados de impacto, o que evidencia a necessidade de compreender o sujeito em sua singularidade. Em sua análise sobre o modelo das seis funções executivas, Brown destaca que “as dificuldades de ativação, foco, esforço, emoção, memória e ação formam um conjunto integrado de desafios para indivíduos com TDAH” (p. 18). Essa visão amplia o conceito de autorregulação emocional, pois a emoção, para Brown, é uma função executiva intrínseca, e não um fator externo ao funcionamento cognitivo.

O diálogo entre TDAH e autorregulação emocional também se sustenta na perspectiva socioconstrutivista. Vygotsky (1934,1998), ao discutir a relação entre pensamento e linguagem, afirma que “a regulação voluntária emerge das interações sociais internalizadas”, indicando que a capacidade de controlar impulsos e emoções depende do desenvolvimento de ferramentas simbólicas mediadas pelo outro. Embora Vygotsky não tenha tratado especificamente do TDAH, essa abordagem tem sido mobilizada por pesquisadores contemporâneos para compreender como crianças com o transtorno se beneficiam de ambientes estruturados, práticas pedagógicas mediadas e estratégias de suporte emocional.

Estudos recentes reforçam que déficits emocionais no TDAH não decorrem apenas de comportamentos desadaptados, mas de dificuldades estruturais nos processos de inibição e monitoramento. Segundo Shaw et al. (2012), pesquisas longitudinais demonstram que crianças com TDAH apresentam trajetórias de desenvolvimento cortical mais lentas, especialmente em regiões associadas ao controle emocional. Assim, pode-se afirmar, de maneira indireta, que a desregulação emocional não é um traço secundário, mas um componente central do transtorno.

Nesse sentido, compreender a autorregulação emocional como eixo fundamental do TDAH permite construir intervenções pedagógicas, familiares e clínicas mais eficazes. A escola, por exemplo, configura-se como um espaço privilegiado para o desenvolvimento de habilidades regulatórias, especialmente porque o ambiente escolar demanda atenção sustentada, controle de impulsividade e interação social constante. Conforme argumenta Denham (2006), “a competência emocional é um dos pilares da adaptação escolar”, e sua ausência pode comprometer o desempenho acadêmico e as relações interpessoais. O autor reforça que as habilidades emocionais precisam ser estimuladas de modo intencional, pois influenciam diretamente o engajamento do estudante.

Autores contemporâneos também destacam que a autorregulação emocional está profundamente relacionada à motivação, ao senso de autoeficácia e à capacidade de tolerar frustrações. Para Bandura (1997), a autorregulação envolve monitoramento interno, avaliação das próprias ações e capacidade de ajustar comportamentos a metas pessoais. Esse entendimento é essencial para o TDAH, uma vez que estudantes com o transtorno tendem a apresentar flutuações motivacionais e maior sensibilidade a críticas, o que afeta o engajamento acadêmico.

Em síntese, o TDAH é um transtorno multifacetado que envolve aspectos neurobiológicos, comportamentais, cognitivos e emocionais, repercutindo diretamente na capacidade de autorregulação emocional. As características clássicas do transtorno – desatenção, hiperatividade e impulsividade – integram-se a déficits nas funções executivas e na regulação das emoções, resultando em desafios significativos para o sujeito. A compreensão dessa relação, sustentada por referenciais clássicos como James e Vygotsky e aprofundada por estudos contemporâneos de Barkley, Brown e Thompson, evidencia que o manejo do TDAH requer estratégias integradas de intervenção, que contemplem tanto a dimensão cognitiva quanto a emocional. Assim, o fortalecimento da autorregulação emocional emerge como um caminho promissor para promover desenvolvimento, bem-estar e inclusão educacional de crianças e adultos com TDAH.

ESTRATÉGIAS DE AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL PARA ESTUDANTES COM TDAH

A autorregulação emocional constitui uma dimensão fundamental do desenvolvimento humano e assume importância ainda maior quando se trata de estudantes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH repercute diretamente na capacidade de gerir emoções, tolerar frustrações, organizar comportamentos e manter o foco em tarefas acadêmicas. Barkley (2015) sustenta que “o TDAH é essencialmente um transtorno de autorregulação, que afeta não apenas a cognição e o comportamento, mas também os processos emocionais” (p. 89), indicando que estratégias regulatórias devem constituir eixo central nas práticas educativas. Assim, a escola, enquanto espaço social e formativo, torna-se responsável por instituir ambientes estruturados e estratégias pedagógicas capazes de fortalecer a autonomia, a estabilidade emocional e o engajamento acadêmico desses estudantes. A seguir, apresentam-se estratégias fundamentadas cientificamente, articulando aspectos pedagógicos, psicológicos e neuroeducacionais.

Mindfulness e Respiração Consciente

As práticas de mindfulness e respiração consciente têm se consolidado como instrumentos eficazes para promover autorregulação emocional, especialmente entre crianças e adolescentes com TDAH. Estudos indicam que essas práticas favorecem a atenção plena ao momento presente, reduzem impulsividade e auxiliam no controle de emoções intensas. Segundo Kabat-Zinn (2005), “mindfulness significa prestar atenção de maneira intencional, no momento presente e sem julgamentos” (p. 12), o que permite ao estudante desenvolver consciência emocional e diminuir reações automáticas.

No caso do TDAH, práticas de respiração profunda – como inspiração em quatro tempos, retenção breve e expiração prolongada – ajudam a reduzir a hiperexcitação fisiológica que frequentemente precede explosões emocionais ou comportamentos impulsivos. Pesquisas contemporâneas demonstram que, após oito semanas de intervenção baseada em mindfulness, estudantes com TDAH apresentaram melhora significativa em impulsividade e controle emocional (ZYLOWSKA et al, 2008). Assim, incorporar momentos curtos de atenção plena antes de atividade complexa ou após situações conflituosas contribui para reorganizar o estado interno e favorecer o engajamento.

Rotinas Estruturadas e Previsíveis

A previsibilidade constitui elemento essencial para o desenvolvimento da autorregulação emocional em estudantes com TDAH, uma vez que reduz a ansiedade, favorece o planejamento e diminui comportamentos impulsivos. Brown (2013) afirma que estudantes com TDAH apresentam dificuldade em iniciar tarefas, organizar-se e antecipar demandas, e por isso “se beneficiam enormemente de rotinas claras, sequências visuais e ambientes estáveis” (p. 44). A estrutura funciona como suporte externo que, gradualmente, é internalizado como mecanismo regulatório.

Rotinas bem definidas, horários fixos e explicitação clara das etapas das atividades permitem que o estudante compreenda o que se espera dele e se prepare previamente. Além disso, o uso de agendas visuais, quadro de tarefas e checklists auxilia na organização mental, diminuindo frustrações decorrentes de imprevistos. Em sala de aula, transições entre atividades podem ser sinalizadas com antecedência, incluindo lembretes verbais ou visuais, evitando que mudanças bruscas desencadeiem comportamentos desregulados. A previsibilidade cria um ambiente emocionalmente seguro, favorecendo o autocontrole e a autonomia.

Reforço Positivo e Contrato Comportamental

O reforço positivo constitui uma das estratégias mais eficazes para estimular comportamentos autorregulados em estudantes com TDAH, sobretudo porque esses estudantes costumam experimentar um histórico de críticas e punições. Como explica Skinner (1974), “o comportamento que é reforçado tende a ser repetido”, e, no contexto escolar, reforços positivos como elogios específicos, reconhecimento de esforços ou recompensas simbólicas podem fortalecer ações desejáveis. A validação de pequenas conquistas atua diretamente no desenvolvimento da autoestima e da motivação.

Os contratos comportamentais, por sua vez, estabelecem acordos claros entre professor e aluno sobre metas, responsabilidades e recompensas. Esses contratos ajudam a delimitar expectativas e possibilitam o monitoramento do progresso. Segundo Barkley (2015), contratos bem elaborados “aumentam a responsabilidade, tornam o comportamento mais previsível e ajudam a criança a visualizar consequências positivas de suas escolhas” (p. 142). A combinação de reforço positivo e contrato comportamental promove consciência autorregulatória, melhora o autocontrole e fortalece o vínculo pedagógico.

Comunicação Assertiva e Resolução de Conflitos

A comunicação assertiva é instrumento fundamental para promover a autorregulação emocional, pois reduz mal-entendidos, diminui tensões e fortalece habilidades sócioemocionais. Estudantes com TDAH apresentam, muitas vezes, dificuldades em interpretar sinais sociais, controlar impulsos verbais e expressar sentimentos adequadamente, o que pode gerar conflitos frequentes. Vygotsky (1934/1988) destaca que o desenvolvimento da autorregulação decorre da internalização de interações sociais orientadas, e por isso o professor desempenha papel de mediador essencial.

Ensinar métodos de resolução de conflitos, como identificar o problema, ouvir o outro, propor soluções e negociar alternativas, favorece comportamentos mais reflexivos e menos impulsivos. A assertividade auxilia o estudante a comunicar sentimentos sem agressividade, diminuindo explosões emocionais. Quando o professor demonstra escuta ativa, valida emoções e orienta respostas mais equilibradas, contribui para que o estudante desenvolva repertório emocional e social.

Intervenções Multissensoriais

Intervenções multissensoriais – que envolvem estímulos visuais, auditivos, táteis e cinestésicos – contribuem significativamente para a autorregulação, especialmente porque estudantes com TDAH respondem melhor a ambientes com variedade sensorial organizada. Shaw et al (2012) demonstram que atividades envolvendo manipulação, movimento controlado e estímulos sensoriais moderados ativam áreas neurais associadas à atenção e ao controle emocional.

Materiais como texturas calmantes, objetos de manipulação silenciosa, luz ambiente reduzida e recursos visuais estruturados ajudam a reorganizar o nível de excitação emocional. Essas intervenções, quando utilizadas com intencionalidade, reduzem a agitação interna e favorecem o foco. É essencial, entretanto, que os estímulos sejam moderados, evitando sobrecarga sensorial que possa intensificar a desregulação emocional.

Pausas Programadas e Movimento Corporal

O movimento corporal tem papel direto no controle emocional, especialmente entre estudantes com TDAH, que apresentam maior necessidade de descarga motora. Pausas programadas ao longo das atividades – de um a dois minutos – permitem reorganizar o estado fisiológico, prevenir impulsividade e melhorar o desempenho acadêmico. Conforme Denham (2006), “a gestão das emoções depende também da capacidade de reorganizar o corpo em momentos de tensão”, destacando a relevância de práticas motoras. 

Alongamentos breves, caminhadas curtas, exercícios de propriocepção e atividades respiratórias auxiliam na estabilização emocional e contribuem para que o estudante retorne às tarefas com maior foco. Ao incorporar pausas planejadas, o professor evita comportamentos disruptivos espontâneos, transformando a movimentação em ferramenta regulatória.  

Estratégias de Autorreflexão

A autorreflexão ajuda o estudante com TDAH a identificar gatilhos emocionais, reconhecer padrões de comportamento e desenvolver consciência sobre suas próprias reações. Técnicas como diários reflexivos, escalas de humor, autoavaliação e conversa mediada estimulam o processamento interno e fortalecem a autorregulação. Bandura (1997) declara que “a autorregulação envolve auto-observação, julgamento interno e reações autorreforçadoras” (p. 247), indicando que o cultivo da reflexão é indispensável para o autocontrole.

No ambiente escolar, o professor pode propor breves momentos de avaliação emocional ao final de atividades, incentivando o estudante a refletir sobre o que funcionou, o que gerou desconforto e quais estratégias poderiam ser utilizadas em situações futuras. A prática reflexiva desenvolve autonomia emocional e consciência crítica, contribuindo para respostas mais equilibradas em situações de conflito ou desafio.

O PAPEL DA ESCOLA, DO PROFESSOR E DA FAMÍLIA

A autorregulação emocional constitui um dos elementos mais significativos para o desenvolvimento integral de estudantes com TDAH, uma vez que envolve processos cognitivos, afetivos e comportamentais que sustentam a capacidade de reconhecer, modular e expressar emoções de maneira funcional. No contexto escolar, esses desafios se intensificam devido à complexidade das demandas acadêmicas, sociais e relacionais. A literatura aponta que crianças com TDAH, especialmente aquelas com maior impulsividade, “tendem a apresentar dificuldades mais evidentes na modulação de respostas emocionais, o que impacta diretamente sua integração social e seu desempenho escolar” (BARKLEY, 2015, p. 89). Compreender o papel da escola, do professor e da família no processo de construção da autorregulação emocional não se limita, portanto, ao cumprimento de funções institucionais, mas envolve práticas interativas, relações afetivas e ações colaborativas que sustentam o desenvolvimento global dos estudantes.

É nesse sentido que Vygotsky (1991) destaca que o desenvolvimento humano é mediado social e culturalmente, sendo a aprendizagem um processo essencialmente interativo. Como afirma o autor: “toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro, no nível social; e, depois, no nível individual” (VYGOTSKY, 1991, p. 67). Assim, o suporte oferecido pela escola, pelo professor e pela família constitui um ambiente regulatório compartilhado, capaz de influenciar diretamente o modo como estudantes com TDAH interpretam e respondem emocionalmente às suas experiências cotidianas. Ao articular essas instâncias, cria-se uma rede de apoio que favorece comportamentos autorregulados e estratégias mais sofisticadas de enfrentamento emocional.

A mediação pedagógica: o professor como estabelecedor de vínculos afetivos modelo de comportamentos regulados e promotor de interações colaborativas

O professor ocupa uma posição central na construção da autorregulação emocional de alunos com TDAH, pois atua como mediador simbólico e afetivo das relações estabelecidas em sala de aula. Nesse sentido, a literatura enfatiza que o vínculo afetivo constitui base segura para o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais. Conforme afirma Wallon (1975), “a afetividade é o primeiro grande organizador da vida psíquica e influencia diretamente o comportamento e a inteligência” (p. 34). Quando o professor estabelece relações empáticas, acolhedoras e consistentes, cria um ambiente que potencializa a aprendizagem e reduz a reatividade emocional tão característica do TDAH.

Além de estabelecer vínculos, o professor também funciona como modelo de comportamentos regulados, uma vez que estudantes de autorregulação tendem a aprender estratégias emocionais por observação. Bandura (1986) afirma que “a aprendizagem ocorre em grande parte pela observação de modelos e pela consequente internalização de padrões de conduta” (p. 47), indicando que a postura emocional do docente contribui decisivamente para que a criança compreenda como lidar com frustrações, conflitos e demandas acadêmicas. Em outras palavras, a capacidade do professor de manter a calma, nomear emoções e utilizar estratégias de resolução de problemas é internalizada pelos alunos, transformando-se em repertórios emocionais.

Outro aspecto fundamental da mediação pedagógica é a promoção de interações colaborativas entre os alunos. Essas interações, quando bem estruturadas, estimulam comportamentos pró-sociais, cooperação e comunicação emocional eficaz. Estudos recentes destacam que práticas colaborativas “reduzem comportamentos disruptivos e fortalecem a capacidade de autorregulação, sobretudo em crianças com TDAH” (MIRANDA; PRESENTACIÓN; SORIANO, 2018, p. 112). Nesse sentido, as autoras afirmam:

O trabalho cooperativo não apenas melhora o clima escolar, como também favorece o desenvolvimento de habilidades sócioemocionais, proporcionando às crianças com TDAH oportunidades reais de praticarem a escuta ativa, o respeito às regras e a regulação emocional em situações de interação grupal” (MIRANDA; PRESENTACIÓN; SORIANO, 2018, p. 113).

Assim, o professor, por meio da mediação pedagógica afetiva, reguladora e colaborativa, contribui para a construção de ambientes de aprendizagem emocionalmente seguros e estimulantes para alunos com TDAH. 

A escola como ambiente regulador

A escola, entendida como instituição social e cultural, desempenha um papel estruturante no desenvolvimento da autorregulação emocional. Isso ocorre porque o ambiente escolar organiza rotinas, espaços e interações que podem favorecer a estabilidade emocional das crianças, especialmente daquelas com TDAH. Para Barkley (2015), a previsibilidade do ambiente e a clareza das normas funcionam como reguladores externos essenciais: “crianças com TDAH dependem mais de estruturas externas para a organização de seu comportamento e de suas emoções” (p. 102). Dessa forma, o ambiente escolar deve oferecer uma rotina clara, regras consistentes e estratégias de suporte emocional.

Além da previsibilidade, a escola deve promover práticas institucionais que valorizem a inclusão, o acolhimento e o desenvolvimento socioemocional. A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) reforça que as competências sócioemocionais fazem parte do conjunto de aprendizagens essenciais, indicando que escolas precisam desenvolver ações integradas que contemplem a gestão emocional, a empatia, a resolução de conflitos e a autonomia. Essa perspectiva dialoga diretamente com as necessidades de alunos com TDAH, que frequentemente dependem de apoio institucional para enfrentar desafios relacionados ao controle emocional e à impulsividade.

Sob essa lógica, a escola deve ser compreendida como um ambiente regulador, capaz de oferecer suporte integrado por meio da atuação conjunta de professores, equipe pedagógica, psicólogos e demais profissionais. Conforme defende Del Prette & Del Prette (2017), a escola “constitui um dos mais importantes contextos de aprendizagem das habilidades sociais e emocionais, sendo indispensáveis para a formação integral dos estudantes” (p. 56). Esse sentimento reforça a necessidade de estratégias coletivas, como projetos de educação emocional, grupos de apoio, programas de convivência e ações de mediação de conflitos.

Além disso, um ambiente regulador é aquele que respeita a singularidade dos estudantes, reconhecendo que o TDAH não é um padrão único, mas uma manifestação multifacetada. Essa compreensão evita práticas homogêneas e promove intervenções diferenciadas, garantindo o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento emocional.

A parceria com a família

A família é o núcleo primário de socialização e, portanto, exerce influência direta sobre o desenvolvimento emocional da criança. A parceria entre escola e família constitui elemento indispensável para promover a autorregulação emocional de estudantes com TDAH, uma vez que possibilita a construção de estratégias consistentes e coerentes entre os dois ambientes. Segundo Bronfenbrenner (1996), o desenvolvimento humano se dá em sistemas interconectados, sendo o microssistema familiar e o escolar dois dos mais importantes. Para o autor, “quando as interações entre microssistemas são harmoniosas, o desenvolvimento infantil é favorecido” (BRONFENBRENNER, 1996, p. 41).

No caso do TDAH, essa harmonia se manifesta por meio de troca constantes, compartilhamento de informações, alinhamento de expectativas e definição conjunta de estratégias. Estudos evidenciam que famílias que compreendem o transtorno e recebem suporte orientado demonstram maior capacidade de desenvolver práticas educativas positivas e reguladoras. Como afirmam Rohde e Biederman (2019), “o suporte parental exerce impacto significativo na evolução emocional e comportamental de crianças com TDAH” (p. 78).

A família também atua como modelo de autorregulação, tal como o professor. A forma como adultos lidam com conflitos, frustrações e rotinas influencia diretamente o repertório emocional da criança. A construção de um ambiente doméstico previsível, afetivo e organizado contribui para reduzir níveis de estresse e melhorar a capacidade regulatória dos estudantes. Dessa forma, Barkley (2015) destaca:

Não se trata apenas de orientar os pais sobre técnicas comportamentais, mas de auxiliá-los a compreender como seu próprio comportamento emocional impacta a criança com TDAH. Pais emocionalmente regulados tendem a oferecer respostas mais consistentes, ambientes mais estáveis e modelos mais eficazes de autorregulação (BARKLEY, 2015, p. 134).

A parceria família-escola, portanto, deve ser constante, dialógica e centrada na criança. Quando esses dois contextos articulam suas ações, criam um sistema de suporte ampliado, que potencializa o desenvolvimento socioemocional e acadêmico do estudante com TDAH.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises desenvolvidas ao longo deste artigo permitiram confirmar que a autorregulação emocional constitui eixo estruturante para o desenvolvimento acadêmico e socioemocional de estudantes com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH. Ao retornar os objetivos propostos – identificar fundamentos teóricos sobre TDAH e autorregulação, apresentar estratégias pedagógicas e socioemocionais e discutir a corresponsabilidade entre escola, professor e família – constata-se que todos foram alcançados de modo coerente, articulado e fundamentado tanto em autores clássicos quanto em referenciais contemporâneos da psicologia, neurociência e educação. As discussões evidenciaram que o TDAH ultrapassa a compreensão tradicional centrada em desatenção, hiperatividade e impulsividade, revelando-se como um transtorno de base neurobiológica que impacta diretamente as funções executivas e os processos de regulação emocional, conforme defendido por Barkley (2015).

Ao explorar a relação entre funcionamento neuropsicológico e autorregulação emocional, verificou-se que estudantes com TDAH enfrentam desafios que se manifestam na dificuldade de inibir impulsos, tolerar frustrações, reorganizar estados internos e manter foco diante de demandas acadêmicas complexas. Essa constatação confirma a hipótese inicial deste estudo. a literatura revisada reforça que a desregulação emocional, frequentemente invisibilizada nos diagnósticos e intervenções tradicionais, compõe o núcleo central do transtorno, demandando abordagens pedagógicas e ambientais que contemplem a formação integral do estudante.

As estratégias apresentadas – mindfulness, rotinas estruturadas, reforço positivo, comunicação assertiva, intervenção multissensorial, pausas motoras e práticas de autorreflexão – demonstram relevância teórica e aplicabilidade prática no contexto escolar. Estudos de Zylowska et al. (2008), Brown (2013), Kabat-Zinn (2005) e Denham (2006) reforçam que metodologias que integram corpo, emoção e cognição produzem efeitos positivos na redução de comportamentos impulsivos, no aumento da atenção sustentada e no fortalecimento da autonomia. A escola emerge, assim, como ambiente regulador, capaz de mediar experiências, organizar rotinas, oferecer segurança emocional e possibilitar a internalização gradual de estratégias autorregulatórias.

O professor, figura fundamental nesse processo, atua como mediador afetivo, modelo de comportamentos regulados e promotor de interações colaborativas. A literatura socioconstrutivista, representada por Vygotsky (1991), sustenta que a regulação voluntária nasce das interações sociais significativas, reafirmando o papel do docente como facilitador do desenvolvimento emocional. Quando o professor valida emoções, estabelece vínculos e estrutura a rotina pedagógica de forma clara e previsível, contribui diretamente para a construção de competências emocionais essenciais.

A família, por sua vez, mostrou-se indispensável para a continuidade das estratégias de autorregulação fora do contexto escolar. A parceria entre escola e família amplia a coerência das intervenções, reduz comportamentos desadaptativos e fortalece a autoestima do estudante. A conclusão  é que uma atuação isolada – seja da escola, do professor ou da família – não é suficiente para garantir mudanças duradouras. É a cooperação entre esses três eixos que sustenta um ambiente emocionalmente seguro e pedagogicamente eficaz.

Assim, reafirma-se que o desenvolvimento da autorregulação emocional em estudantes com TDAH não é apenas possível, mas essencial para a inclusão, para o sucesso acadêmico e para a promoção do bem-estar. Este estudo contribui, portanto, para ampliar o olhar sobre as necessidades desse público, oferecendo bases teóricas e estratégias aplicáveis que podem orientar práticas pedagógicas mais sensíveis, humanas e intencionais. Não se pretende encerrar as discussões sobre o tema, mas estimular novas pesquisas e reflexões que aprofundem as relações entre TDAH, emocionalidade e educação inclusiva, fortalecendo o compromisso coletivo com uma escola que acolhe, compreende e transforma. 

REFERÊNCIAS

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