REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202511141303
Glennea Rodrigues Moura¹
Katiuscia Cordeiro¹
Lucília Cardoso Fialho¹
Andreia Ayres Gabardo²
Resumo: Este artigo investiga a escuta ativa como prática ética na atuação do psicólogo jurídico, com base nos fundamentos da Psicologia Humanista. Partindo do conceito de escuta terapêutica ativa desenvolvido por Carl Rogers dentro da Abordagem Centrada na Pessoa, discute-se como essa escuta pode ser transposta ao contexto da Psicologia Jurídica, especialmente em situações de vulnerabilidade, sofrimento e conflito. Através de revisão teórica, examina-se a tensão entre a escuta ativa e o julgamento institucional, propondo a escuta como um ato de resistência ética e de reconhecimento da subjetividade, mesmo em contextos marcados por práticas normativas, como o judiciário. Conclui-se que a escuta ativa, quando alinhada a princípios ético-humanistas, contribui para uma atuação mais responsável, sensível e transformadora do psicólogo no campo jurídico.
Palavras-chave: Escuta ativa; Psicologia jurídica; Ética; Psicologia humanista; Carl Rogers; Julgamento.
1 INTRODUÇÃO
A escuta é um dos gestos mais fundamentais da experiência humana. Mais do que um simples ato de captar sons ou palavras, escutar implica em abrir espaço para o outro existir diante de nós, com sua história, seus conflitos, suas emoções e sua subjetividade.
No campo da Psicologia, especialmente na vertente humanista desenvolvida por Carl Rogers e Abraham Maslow, escutar é um ato terapêutico, ético e político. É, ao mesmo tempo, um reconhecimento da dignidade do outro e uma disposição de acolhê-lo sem julgamentos, num espaço de aceitação incondicional.
Contudo, quando transposta para o contexto da Psicologia Jurídica, a prática da escuta ativa enfrenta um cenário mais complexo. Neste campo, o psicólogo atua em instituições normativas, como o sistema judiciário, o Ministério Público ou instituições socioeducativas, onde há demandas por laudos, perícias, relatórios e avaliações que muitas vezes reduzem o sujeito a um conjunto de critérios técnicos e jurídicos.
A escuta, nesse ambiente, pode ser instrumentalizada: ouvir para avaliar, categorizar, tipificar e, por vezes, julgar. Surge, então, uma tensão essencial que este trabalho busca discutir: como sustentar uma escuta verdadeiramente ativa e ética em um espaço onde predomina o julgamento?
A Psicologia Jurídica exige do profissional não apenas conhecimento técnico, mas sensibilidade ética e capacidade crítica. O desafio é manter uma postura de escuta empática e humanizada diante de sujeitos que frequentemente vivem situações-limite, como vítimas de violência, pessoas em privação de liberdade, crianças em situação de vulnerabilidade, entre outros.
O risco da desumanização, da revitimização ou da neutralidade acrítica é constante. Neste cenário, a escuta ativa não pode ser compreendida apenas como uma ferramenta comunicacional, mas como uma postura existencial e política, que reivindica o direito do outro de ser ouvido em sua inteireza e não apenas como objeto de análise ou prova judicial.
Partindo dos fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), esta pesquisa propõe uma reflexão sobre o papel da escuta ativa no exercício da Psicologia Jurídica, resgatando suas raízes humanistas e éticas.
Busca-se compreender de que forma essa escuta, ainda que em um ambiente institucionalizado e normativo, pode operar como um dispositivo de resistência à lógica da despersonalização. A escuta, nesse sentido, torna-se um campo de disputa: entre o acolhimento e a avaliação, entre o ouvir e o julgar, entre o humano e o técnico.
Além disso, este artigo pretende estabelecer um diálogo entre os fundamentos da escuta na psicologia clínica humanista e as exigências do campo jurídico, identificando os limites, as possibilidades e os riscos da atuação do psicólogo quando chamado a escutar em nome da justiça.
Mais do que oferecer respostas fechadas, o objetivo é tensionar práticas, provocar reflexões e contribuir para uma Psicologia Jurídica mais sensível, ética e comprometida com os direitos humanos.
Dessa forma, a questão central que guia esta investigação é: como a escuta ativa, fundamentada nos princípios da Psicologia Humanista, pode ser aplicada como prática ética no contexto da Psicologia Jurídica, sem se reduzir a um instrumento de julgamento?
A resposta a essa pergunta se articula com a necessidade urgente de repensar o lugar do psicólogo jurídico na sociedade brasileira contemporânea, marcada por desigualdades, violências estruturais e um sistema de justiça que, muitas vezes, silencia aqueles que mais precisariam ser ouvidos.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A escuta ativa, no campo da Psicologia, representa uma das práticas mais profundas de reconhecimento da alteridade e de afirmação da dignidade humana. Muito além de uma técnica de comunicação ou de coleta de informações, escutar de forma ativa implica estar presente de maneira plena, empática e não julgadora diante da experiência do outro.
Essa compreensão da escuta foi sistematizada, principalmente, por Carl Rogers, um dos principais representantes da Psicologia Humanista, cuja Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) propõe uma mudança radical na forma de se conceber a relação terapêutica e, por extensão, todas as formas de relação de ajuda.
2.1 A Escuta Ativa na Abordagem Centrada na Pessoa
Segundo Rogers (2019), a escuta ativa é parte integrante de uma tríade de atitudes terapêuticas fundamentais: empatia, autenticidade (ou congruência) e aceitação incondicional. Esses elementos constituem as “condições necessárias e suficientes” para o crescimento psicológico e para a mudança pessoal.
Escutar ativamente, portanto, não é apenas “ouvir bem”, mas criar um ambiente relacional onde o outro se sinta verdadeiramente compreendido, respeitado e acolhido em sua experiência subjetiva, mesmo quando essa experiência é marcada por sofrimento, ambivalência ou conflito.
A escuta ativa, para Rogers, é uma forma de estar com o outro sem interpretações invasivas, sem conselhos autoritários e sem tentativas de “consertar” o sujeito. Trata-se de um processo de presença empática, no qual o profissional acompanha a vivência do cliente, facilitando seu processo de autocompreensão e reorganização interna.
Essa escuta envolve dimensões cognitivas (compreender o conteúdo do que é dito), afetivas (conectar-se aos sentimentos expressos) e existenciais (respeitar o ritmo, os valores e a liberdade do sujeito em seu processo de vir-a-ser).
Tais pressupostos dialogam com a filosofia humanista e existencialista contemporânea, inspirada na fenomenologia de Merleau-Ponty (2018), na noção de liberdade e responsabilidade em Sartre (2019) e na concepção de autorrealização revisitada por Maslow (2019).
Nessas perspectivas, o ser humano é compreendido como sujeito ativo e consciente, responsável por suas escolhas e em constante construção de si mesmo. A escuta ativa, portanto, torna-se uma expressão de respeito à liberdade e à dignidade humana, promovendo o desenvolvimento integral do indivíduo.
2.2 Escuta Ativa como Postura Ética e Política
Na abordagem humanista, escutar é também um ato ético, em contextos de vulnerabilidade social, como apontam autores como Da Silva et al. (2024) e Moura & Brandão (2024), a escuta se torna ainda mais relevante, pois é um gesto de resistência à invisibilização, à objetificação e à exclusão simbólica.
Dessa forma, a escuta ativa não é neutra. Ela se posiciona ao lado do sujeito, reconhecendo sua história e suas dores, e criando possibilidades de ressignificação. Escutar alguém que está em sofrimento ou em situação de injustiça é, portanto, um ato político no sentido mais profundo: é dar voz a quem foi silenciado, é legitimar experiências que muitas vezes são negadas pelo discurso dominante ou pela lógica institucional.
2.3 Escuta Ativa no Campo da Psicologia Jurídica
Quando levamos a escuta ativa para o campo da Psicologia Jurídica, deparamo-nos com um cenário repleto de desafios. Neste campo, o psicólogo muitas vezes é convocado a produzir pareceres, laudos, relatórios técnicos, pareceres psicológicos ou a realizar atendimentos em contextos de conflito e violência.
A linguagem jurídica, por sua natureza, tende a ser objetiva, classificatória e baseada em normas. Essa estrutura pode entrar em tensão com os princípios da escuta humanista, que valoriza a subjetividade, a ambiguidade e a complexidade da experiência humana.
O risco, nesse contexto, é que o psicólogo abandone sua escuta ética em nome da “imparcialidade técnica”, caindo em uma postura fria, distanciada ou até mesmo reprodutora de injustiças simbólicas. A escuta, nesse caso, é reduzida a um processo de coleta de informações com fins de julgamento e não de acolhimento.
Por isso, autores como De Macedo & Ramos (2020) propõem uma atuação mais sensível e humanizada na Psicologia Jurídica, na qual a escuta ativa seja recuperada como uma ferramenta ética para lidar com a complexidade das situações humanas que se apresentam nos processos judiciais.
Isso não significa que o psicólogo jurídico deva atuar como terapeuta, mas sim que sua escuta precisa considerar o sofrimento psíquico, o contexto social e os fatores subjetivos envolvidos, sem se limitar à linguagem jurídica ou ao tecnicismo.
Em processos que envolvem violência doméstica, abuso sexual, guarda de filhos, privação de liberdade ou situação de rua, por exemplo, a escuta ativa pode criar espaços de escuta qualificada onde as pessoas se sintam respeitadas e reconhecidas, mesmo em meio à dor e à vulnerabilidade. Como destaca diversos autores que a escuta, nesse contexto, pode operar como uma forma de cuidado e de reparação simbólica algo essencial em uma sociedade marcada por desigualdades profundas como a brasileira.
3 MATERIAL(IS) E MÉTODOS
3.1 Abordagem Metodológica
Este estudo adota uma abordagem qualitativa, fundamentada em uma revisão bibliográfica narrativa, com o objetivo de apresentar, contextualizar e discutir criticamente a produção científica e teórico-filosófica relacionada à prática da escuta ativa como instrumento ético na atuação da Psicologia Jurídica. Essa escolha metodológica permite desenvolver uma análise reflexiva sobre as tensões entre o escutar e o julgar no campo jurídico, reunindo contribuições das áreas da Psicologia Humanista, Psicologia Jurídica, ética profissional e filosofia existencial-fenomenológica.
A metodologia narrativa é apropriada para investigações cujo foco está na compreensão profunda de conceitos, práticas e implicações éticas, especialmente quando se busca integrar diferentes perspectivas teóricas e contextos de aplicação. Dessa forma, o presente estudo não visa à generalização estatística, mas à construção de uma leitura crítica e integrada sobre os sentidos e limites da escuta ativa no campo jurídico-psicológico.
3.2 Procedimentos de Levantamento Bibliográfico
A seleção do material bibliográfico foi realizada entre os meses de julho e setembro de 2025, com a utilização das bases de dados SciELO, BVS, LILACS, PubMed, Web of Science, Scopus, PsycINFO, Google Acadêmico e do Portal de Periódicos da CAPES. Foram também consultadas obras clássicas e contemporâneas de autores fundamentais para a abordagem centrada na pessoa, como Carl Rogers e Abraham Maslow, bem como textos de base fenomenológica e existencialista (Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty) e literatura especializada em Psicologia Jurídica.
A busca foi orientada por palavras-chave e descritores como: “escuta ativa”, “escuta terapêutica”, “psicologia jurídica”, “ética na psicologia”, “abordagem centrada na pessoa”, “acolhimento psicológico”, “Carl Rogers”, “fenomenologia”, “ética profissional” e termos equivalentes em português, inglês e espanhol.
Os critérios de inclusão foram: (a) publicações entre os anos de 2015 e 2024, com ênfase em artigos científicos, dissertações, teses e livros publicados em veículos acadêmicos reconhecidos; (b) textos que abordassem a prática da escuta no contexto da Psicologia Jurídica ou suas interfaces com a ética profissional, direitos humanos e subjetividade; (c) materiais disponíveis nos idiomas português, inglês ou espanhol.
Foram excluídas obras que abordassem a escuta apenas em contextos organizacionais, publicitários ou pedagógicos, sem articulação direta com a prática psicológica ou sem contribuição crítica relevante ao objeto de estudo.
3.3 Análise dos Textos
A análise dos materiais selecionados foi conduzida de forma qualitativa, descritiva e interpretativa, orientada pelos princípios da análise temática e da reflexão crítica. A leitura flutuante inicial permitiu a identificação de núcleos de sentido, recorrências e tensões presentes nos textos, os quais foram posteriormente organizados em três eixos principais:
(1) fundamentos ético-filosóficos da escuta ativa na Abordagem Centrada na Pessoa;
(2) desafios e possibilidades da escuta na atuação do psicólogo jurídico; e
(3) implicações éticas da prática da escuta em contextos institucionais marcados por julgamento e controle.
Os achados foram interpretados à luz dos referenciais teóricos contemporâneos que atualizam os princípios rogerianos para o contexto atual da Psicologia, especialmente as contribuições de Rogers (2019), Pereira (2022), Moura e Brandão (2024), Castro e Almeida (2022) e Freitas e Lima (2019).
Além desses referenciais, foram consideradas as normas e diretrizes nacionais da profissão, como o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, Resolução nº 10/2005, atualizada em 2022) e as Diretrizes para a Atuação da Psicologia Jurídica (CFP, 2019), que orientam a conduta ética e técnica do psicólogo nos contextos jurídicos e institucionais.
A análise buscou, portanto, integrar teoria, prática e ética profissional, compreendendo a escuta ativa como um fenômeno relacional, ético e político, situado nas interfaces entre subjetividade, instituição e justiça. Essa abordagem permitiu interpretar criticamente as contribuições dos autores e evidenciar como a escuta ativa pode se constituir como um instrumento de humanização e transformação social no exercício da Psicologia contemporânea.
Essa metodologia permitiu reunir um panorama crítico e contextualizado da prática da escuta ativa, problematizando seu papel como ferramenta ética no sistema de justiça e sua relevância para uma Psicologia Jurídica mais humanizada, respeitosa e comprometida com os direitos subjetivos e sociais dos sujeitos escutados.
4 RESULTADOS
A análise do corpus teórico selecionado permitiu identificar uma série de contribuições relevantes sobre a prática da escuta ativa, especialmente no contexto da Psicologia Humanista e sua interface com a atuação do psicólogo no campo jurídico.
A seguir, os resultados da revisão são organizados em três grandes eixos temáticos, que sintetizam os principais pontos discutidos na literatura: (1) a escuta ativa como fundamento ético na psicologia; (2) as tensões entre escutar e julgar na Psicologia Jurídica; e (3) as possibilidades da escuta ativa como prática humanizadora no sistema de justiça.
4.1 A Escuta Ativa como Fundamento Ético na Psicologia
A primeira constatação central da análise é que a escuta ativa, sob a ótica da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), transcende o caráter de técnica terapêutica ou de coleta de informações, assumindo uma dimensão ético-existencial.
Na literatura contemporânea, autores como Pereira (2022), Freitas e Lima (2019) e Gomes e Souza (2020) reforçam que a escuta ativa constitui uma postura depresença autêntica, sustentada por empatia, aceitação incondicional e congruência, pilares rogerianos atualizados para o contexto das relações humanas e institucionais do século XXI.
Escutar ativamente implica estar com o outro de maneira genuína, suspendendo julgamentos e validando sua experiência como legítima. Essa prática cria as condições para o desenvolvimento da aliança terapêutica e para a ampliação da consciência e autonomia do sujeito (BARBOSA & OLIVEIRA, 2018).
A escuta ativa, portanto, não é apenas um meio de obter informações, mas um ato de reconhecimento e de encontro humano, que possibilita reorganizar percepções e promover crescimento psicológico.
Pesquisas recentes apontam que, no contexto atual, marcado pela hiperconectividade e pela aceleração das interações sociais, a escuta empática e profunda representa uma forma de resistência ética à desatenção e à superficialidade das relações contemporâneas (NUNES, 2023; FERNANDES, 2020). Assim, a escuta ativa se reafirma como um dos principais fundamentos éticos da prática psicológica humanista.
4.2 As Tensões Entre Escutar e Julgar na Psicologia Jurídica
Um segundo conjunto de achados aponta para os desafios específicos que emergem quando a prática da escuta ativa é transposta para o campo da Psicologia Jurídica. Nesse contexto, o psicólogo atua inserido em uma lógica institucional marcada por normas, laudos, pareceres, perícias e decisões judiciais.
O segundo eixo identificado diz respeito aos desafios e dilemas éticos que emergem quando a prática da escuta ativa é transposta para o campo da Psicologia Jurídica.
Nesse contexto, o psicólogo está inserido em uma estrutura institucional orientada por normas, prazos e pela necessidade de produzir documentos técnicos como laudos e pareceres que possam subsidiar decisões judiciais (SANTOS & BRANCO, 2017; DA SILVA et al., 2024).
A literatura recente mostra que essa dinâmica pode tensionar os princípios humanistas, pois a escuta tende a ser instrumentalizada para a obtenção de informações objetivas, em detrimento da subjetividade do sujeito (CASTRO & ALMEIDA, 2022). Essa transformação da escuta em mera técnica de coleta de dados pode gerar riscos de desumanização e distanciamento ético da prática psicológica.
Autores contemporâneos, como Moura e Brandão (2024) e Costa e Araújo (2021), enfatizam que o profissional do campo jurídico enfrenta o desafio de equilibrar a exigência de neutralidade institucional com o compromisso ético do cuidado.
Em situações de vulnerabilidade como em casos envolvendo mulheres vítimas de violência, adolescentes em conflito com a lei ou famílias em disputa judicial a escuta ativa pode ser ameaçada pela lógica punitiva e pelo discurso normativo que reduz o sujeito à categoria de réu, vítima ou testemunha.
Portanto, o conflito entre escutar e julgar é constante: enquanto a ética da escuta busca reconhecer o sujeito em sua complexidade, o sistema judicial tende a enquadrar a experiência humana em categorias jurídicas, o que representa um desafio ético e técnico para o psicólogo jurídico (DA SILVA et al., 2024).
4.3 A Escuta Ativa como Prática Humanizadora no Sistema de Justiça
Apesar das tensões apresentadas, a revisão bibliográfica demonstra que a escuta ativa pode se consolidar como uma prática humanizadora no contexto jurídico, desde que o psicólogo atue orientado por uma ética do cuidado, da empatia e da responsabilidade social.
Estudos recentes (MOURA & BRANDÃO, 2024; CASTRO & ALMEIDA, 2022; COSTA & ARAÚJO, 2021) evidenciam que, mesmo em ambientes institucionais rígidos, é possível desenvolver práticas de escuta sensíveis e comprometidas com a subjetividade do outro. Psicólogos que atuam em mediações, audiências, abrigos e unidades socioeducativas relatam que a escuta ativa favorece o acolhimento, o fortalecimento do vínculo e a promoção da autonomia dos sujeitos atendidos.
Nessa perspectiva, a escuta ativa configura-se como uma forma de resistência à burocratização do cuidado e à pressa institucional, transformando o espaço jurídico em um ambiente mais humano e dialógico (FERNANDES, 2020).
Mais do que um instrumento técnico, ela representa uma ferramenta política e transformadora, capaz de ampliar o acesso à palavra e ao reconhecimento, sobretudo entre populações historicamente marginalizadas (NUNES, 2023).
Por fim, diversos autores destacam que a escuta ativa, quando inserida na atuação jurídica, contribui para práticas restaurativas e mediadoras de conflitos, favorecendo soluções mais equitativas e sustentáveis (PEREIRA, 2022; DA SILVA et al., 2024). Assim, escutar ativamente torna-se um ato de resistência e de justiça simbólica, reafirmando o compromisso da Psicologia com a dignidade humana e a transformação social.
5 DISCUSSÃO
A escuta ativa, enquanto prática ética, ocupa um papel central tanto na Psicologia Humanista quanto na Psicologia Jurídica, ainda que seu significado e aplicação variem conforme o contexto institucional e social em que se insere.
A partir das discussões teóricas contemporâneas, percebe-se que a escuta não se configura apenas como uma técnica de comunicação, mas como um ato ético e relacional, que envolve acolhimento, empatia e reconhecimento da alteridade (FREITAS & LIMA, 2019; PEREIRA, 2022).
5.1 A escuta ativa na Psicologia Humanista: um ato de encontro e reconhecimento
Na perspectiva da Psicologia Humanista, fundamentada nos princípios de Carl Rogers, a escuta ativa ultrapassa a mera compreensão cognitiva das palavras do sujeito. Trata-se de um ato de presença autêntica e empática, no qual o psicólogo se coloca disponível para compreender o outro em sua totalidade (ROGERS, 2019; GOMES & SOUZA, 2020).
A escuta humanista, portanto, valoriza a subjetividade e a singularidade da experiência individual, constituindo-se como um processo ético de reconhecimento e aceitação incondicional. Nesse contexto, o profissional atua como facilitador do autoconhecimento e da autorrealização, estimulando a autonomia do sujeito e sua capacidade de construir sentido para a própria existência (BARBOSA & OLIVEIRA, 2018).
Autores contemporâneos reforçam que, diante de uma sociedade marcada pela pressa, superficialidade e desatenção ao outro, a escuta ativa representa um ato de resistência ética e um gesto de cuidado humanizado (NUNES, 2023). Assim, o psicólogo humanista reafirma a dignidade e a singularidade de cada pessoa, combatendo processos de desumanização que se expressam nas relações cotidianas e institucionais.
5.2 Desafios da escuta ativa na Psicologia Jurídica: entre técnica e ética
Por outro lado, no contexto da Psicologia Jurídica, a escuta ativa enfrenta uma série de desafios que decorrem das demandas e limitações impostas pelas instituições judiciais. O psicólogo é frequentemente requisitado a produzir avaliações objetivas, laudos técnicos e pareceres que sirvam como instrumentos decisórios em processos legais.
Essa exigência pode colidir com os princípios humanistas da escuta, que priorizam o acolhimento e o respeito à complexidade subjetiva do sujeito (BRANCO & SILVA, 2017; DA SILVA et al., 2024).
Assim, a escuta ativa nesse campo pode ser reduzida a um procedimento instrumental, voltado para a extração de informações úteis à sentença judicial, deixando de lado as nuances da experiência humana e do sofrimento individual.
Essa transformação da escuta em instrumento técnico contribui para a burocratização do cuidado psicológico, que muitas vezes acaba por desumanizar o sujeito e inviabilizar uma intervenção verdadeiramente ética e transformadora (CASTRO et al., 2022).
5.3 Escuta ativa como prática de resistência e transformação social
De acordo com estudos contemporâneos, a escuta ativa pode constituir-se como uma prática de resistência e transformação social, especialmente quando aplicada em contextos de vulnerabilidade e exclusão (MOURA & BRANDÃO, 2024; COSTA & ARAÚJO, 2021).
Ao adotar uma postura empática e ética, o psicólogo pode dar visibilidade às vozes silenciadas como as de crianças, adolescentes em conflito com a lei, mulheres vítimas de violência e grupos socialmente marginalizados. Nesse sentido, a escuta ativa torna-se um instrumento de validação subjetiva e fortalecimento da cidadania, promovendo um espaço de reconhecimento e justiça simbólica (FERNANDES, 2020).
Portanto, a escuta ativa deve ser compreendida como mais do que uma técnica comunicacional: trata-se de uma prática política e ética que contribui para a construção de uma Psicologia comprometida com a dignidade humana, a equidade e a transformação social (PEREIRA, 2022; MOURA & BRANDÃO, 2024).
5.4 Contribuições teóricas e implicações para a formação profissional
A discussão também remete à necessidade de revisão e ampliação da formação dos profissionais de Psicologia que atuam no campo jurídico. É fundamental que os psicólogos desenvolvam competências não apenas técnicas, mas também éticas, críticas e humanísticas, capazes de sustentar uma escuta ativa que respeite a complexidade do sujeito e que dialogue com os desafios institucionais (BRANCO & SILVA, 2017).
Além disso, a articulação entre os referenciais teóricos da Psicologia Humanista (Rogers, Maslow, Vygotsky e Bronfenbrenner) e as diretrizes ético-jurídicas deve orientar uma prática que não se submeta exclusivamente às exigências burocráticas do sistema, mas que priorize o cuidado e a promoção da dignidade humana.
5.5 Limitações e perspectivas futuras
Por fim, destaca-se que, apesar das contribuições teóricas e práticas evidenciadas, a escuta ativa ainda enfrenta resistências institucionais e culturais que limitam sua aplicação plena. Estudos futuros podem aprofundar a investigação sobre estratégias específicas que psicólogos jurídicos possam utilizar para potencializar essa prática, bem como explorar os impactos concretos da escuta ativa na reabilitação e inclusão social dos sujeitos atendidos.
6 CONCLUSÃO
A escuta ativa configura-se como um elemento central e indispensável na atuação do psicólogo, especialmente no contexto da Psicologia Jurídica, onde se encontram desafios éticos e institucionais que podem restringir sua aplicação plena.
A partir da perspectiva humanista, a escuta vai além de uma técnica, representando um ato ético de acolhimento e reconhecimento da subjetividade do sujeito. No entanto, no ambiente jurídico, essa prática sofre influências da burocratização e da demanda por objetividade, o que pode limitar seu potencial transformador.
Ainda assim, a escuta ativa se mostra uma ferramenta poderosa de resistência e humanização, capaz de dar voz a sujeitos historicamente marginalizados e contribuir para a justiça social.
Portanto, é fundamental que a formação e a prática profissional promovam uma escuta ética, crítica e sensível às necessidades do indivíduo, alinhando técnica e humanidade para fortalecer o cuidado psicológico no sistema jurídico.
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¹Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário Uninassau – Palmas, Tocantins. E-mail: cordeiro.katiuscia3@gmail.com, glennea82@gmail.com, luciliacfialho@gmail.com
²Professora orientadora do trabalho, docente e coordenadora do curso de Psicologia da UNINASSAU de Palmas – TO. E-mail: deiaayres@gmail.com
