REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202511092102
Gracimar Loiola de Lima1
Resumo
O estudo analisa como a pesca de peixes ornamentais — prática cultural e econômica essencial em Barcelos (AM) — pode ser abordada como tema transversal no Ensino de Ciências para fortalecer a educação ambiental. De abordagem mista e caráter exploratório, a pesquisa foi realizada na Escola Estadual São Francisco de Sales (jul/2021–mai/2022) com três professoras, trinta estudantes do 9.º ano e quatro piabeiros. Utilizaram-se questionários, entrevistas, observação e análise documental; os dados qualitativos foram tratados segundo Creswell e os quantitativos por estatística descritiva. Os resultados apontam: (1) ausência de políticas escolares sistemáticas sobre diversidade cultural e pesca ornamental; (2) relatos de piabeiros sobre desvalorização econômica, falta de regulação e escassez de espécies como Cardinal e Acará-Disco; e (3) impacto positivo de oficinas e palestras no engajamento discente com práticas sustentáveis. Conclui-se que a integração dos saberes tradicionais dos piabeiros ao currículo, por meio de projetos interdisciplinares e eventos culturais como o FESPOB, promove consciência ambiental crítica e aproxima a escola da realidade amazônica, constituindo referência para outras comunidades ribeirinhas.
Palavras-chave: Ensino de ciências; temas transversais; piabeiros.
Abstract
This study examines how ornamental fishery—an essential cultural and economic practice in Barcelos (AM)—can be used as a cross-curricular theme in Science Education to strengthen environmental awareness. Using a mixed-methods and exploratory design, the research was conducted at São Francisco de Sales State School (July 2021–May 2022) with three Science teachers, thirty 9th-grade students, and four ornamental fishers (piabeiros). Data were collected through semi-structured questionnaires, interviews, field observations, and document analysis. Qualitative data followed Creswell’s analytical spiral, while quantitative data received descriptive statistical treatment. The findings indicate: (1) a lack of systematic institutional actions on cultural diversity and ornamental fishing, despite teachers’ individual initiatives; (2) fishers’ reports of economic undervaluation, lack of fishing calendars, and limited government support as key factors in the scarcity of species such as Cardinal and Acará-Discus; and (3) positive effects of workshops and lectures on students’ recognition of the socio-environmental value of the practice, fostering engagement in sustainable actions. The study concludes that integrating traditional piabeiro knowledge into the curriculum through interdisciplinary projects and cultural events like FESPOB enhances critical environmental awareness and connects schooling to Amazonian realities, offering a replicable model for other riverine communities.
.Keywords: Science education; cross-curricular themes; piabeiros.
INTRODUÇÃO
Os rios da região de Barcelos-AM sustenta, há décadas, uma cadeia sociocultural e econômica marcada pela captura de peixes ornamentais. Ao mesmo tempo em que essa prática gera renda e identidade local, sinais recorrentes de escassez vêm colocando em risco não apenas o ecossistema, mas também a principal fonte de trabalho de muitos piabeiros, como são chamados pescadores especializados nesse extrativismo. Diante desse quadro, a escola torna-se um espaço estratégico para discutir a exploração sustentável dos recursos hídricos e, sobretudo, para aproximar o currículo da realidade vivida pelos estudantes.
Este artigo parte da convicção de que trabalhar a temática da pesca ornamental como tema transversal no Ensino de Ciências favorece aprendizagens contextualizadas e críticas. A transversalidade, ao romper com a lógica fragmentada dos conteúdos, permite articular conceitos de ecologia, economia e cultura, instigando os alunos a problematizar práticas locais sob a lente da sustentabilidade (Santana, 2024). Assim, estudar a “economia do peixe” de Barcelos ultrapassa a mera descrição biológica das espécies e alcança dimensões sociais, históricas e ambientais do território amazônico.
Com base nessa perspectiva, investigamos o seguinte problema: quais fatores ameaçam a disponibilidade dos peixes ornamentais em Barcelos-AM e de que modo esses fatores podem ser explorados pedagogicamente para promover a educação ambiental? Para respondê-lo, delineamos três objetivos específicos: (i) identificar riscos associados à captura e ao manejo de Cardinal e Acará-Disco; (ii) analisar percepções de professores e estudantes do 9.º ano sobre esses riscos; e (iii) propor estratégias didáticas que integrem o conhecimento empírico dos piabeiros ao currículo de Ciências.
A pesquisa adotou abordagem mista a partir de (Alvarenga, 2010), de natureza exploratória, realizada entre julho de 2021 e maio de 2022 na Escola Estadual São Francisco de Sales. Aplicamos questionários semiestruturados e entrevistas a docentes, discentes e gestores, complementados por registros de campo sobre práticas de pesca e mercados locais. Essa triangulação de dados buscou evidenciar tanto os fatores ecológicos (períodos de reprodução e pressão de captura) quanto às variáveis socioeconômicas que influenciam a atividade.
As análises realizadas evidenciam, de um lado, a necessidade premente de regulamentar o manejo sustentável dos recursos pesqueiros e de ampliar as alternativas econômicas dos pescadores; de outro, ressaltam o expressivo potencial educativo de projetos que aproximam os estudantes das realidades amazônicas, favorecendo o diálogo entre saberes tradicionais e conhecimento científico. Observa se que práticas pedagógicas contextualizadas, quando enraizadas na cultura e no território, fortalecem o protagonismo docente e estimulam a participação estudantil em ações voltadas à sustentabilidade. Por fim, delineiam-se possibilidades de intervenção curricular que integram políticas públicas de conservação e iniciativas comunitárias, reafirmando o papel da escola como espaço estratégico na construção de uma cultura de responsabilidade socioambiental.
Ao trazer a temática da pesca ornamental para o contexto escolar, este estudo propõe uma formação cidadã crítica e comprometida com a sustentabilidade, articulando dimensões científicas, culturais e econômicas. Essa perspectiva amplia o alcance da educação ambiental ao reconhecer os saberes dos piabeiros como patrimônio imaterial da Amazônia e como recurso pedagógico de grande relevância para o ensino de Ciências. Assim, compreende-se que as reflexões e práticas aqui apresentadas transcendem o caso de Barcelos, oferecendo aportes teóricos e metodológicos a outras comunidades amazônicas que buscam equilibrar conservação ambiental e desenvolvimento social.
METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida na Escola Estadual São Francisco de Sales, em Barcelos (AM), no período de julho de 2021 a maio de 2022, com base em um delineamento exploratório de abordagem mista que integrou procedimentos de estatística descritiva e análise qualitativa de conteúdo. A amostra, selecionada intencionalmente, foi composta por três docentes de Ciências do 9º ano, trinta estudantes da mesma série e quatro pescadores especializados na captura de peixes ornamentais — os piabeiros —, contando ainda com o apoio logístico da coordenação pedagógica. Para a produção dos dados, utilizaram-se questionários semiestruturados (com itens abertos e fechados) validados por especialista, roteiros de entrevista gravados, fichas de observação para registro das atividades em sala de aula e nas oficinas, bem como documentos institucionais que contextualizam historicamente a pesca ornamental e as práticas educativas da escola.
A coleta de dados desenvolveu-se em três etapas complementares e articuladas. Na primeira, foram aplicados questionários a professores e estudantes, buscando mapear percepções sobre a pesca ornamental e sua relação com a educação ambiental. Na segunda, realizaram-se entrevistas presenciais com trabalhadores da cadeia produtiva — os piabeiros — nas margens do rio Negro, a fim de compreender seus saberes, práticas e desafios socioeconômicos. Na terceira, organizaram-se oficinas e palestras que promoviam o diálogo entre o conhecimento científico e os saberes tradicionais, integrando-os ao currículo de Ciências.
As respostas fechadas foram sistematizadas no software Excel, permitindo o cálculo de frequências absolutas e relativas, enquanto os depoimentos, respostas abertas e notas de campo passaram por leitura flutuante, codificação e categorização temática. Em seguida, procedeu-se à triangulação das fontes, garantindo maior consistência e credibilidade aos resultados. Todo o processo foi conduzido conforme os princípios éticos da Declaração de Helsinque, com autorização formal da direção escolar e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por todos os participantes, assegurando sigilo e anonimato quando solicitado.
No desenho metodológico escolhemos um enfoque qualitativo, por ser o caminho mais adequado para captar os sentidos que os participantes atribuem aos fatos a partir de suas vivências. Esse enfoque permite analisar discursos em profundidade, alinhando-os às situações concretas em que surgem. Para estruturar a análise, realizamos uma revisão sistemática orientada pela espiral analítica descrita por Creswell (2014). Nesse percurso, o pesquisador progride de forma cíclica e reflexiva por três movimentos principais: (i) reunir e organizar o material empírico, (ii) atribuir códigos e agrupar categorias, e (iii) interpretar os achados e apresentá-los de modo claro e fundamentado.
Assim, na primeira fase (reunir e organizar o material empírico), logo após o trabalho de campo, todo os dados gerados como gravações de entrevistas com piabeiros, questionários preenchidos por professores e estudantes, notas de observação em sala, registros fotográficos das oficinas e documentos institucionais da escola, foi digitalizado e catalogado. As gravações foram transcritas e armazenadas em um repositório na nuvem, nomeadas com data, local e perfil do entrevistado (ex.: “Entrevista_Piabeiro01_08-2021”). Os questionários fechados foram lançados em planilhas do Excel, enquanto as respostas abertas foram copiadas para um editor de texto com numeração de linha, facilitando a futura referência cruzada. Para manter a rastreabilidade, cada evidência recebeu um código alfanumérico (por exemplo, “QF-E2” para o segundo questionário fechado de estudante), compilado em um quadro-resumo que indicava fonte, tipo de dado e status de verificação.
Na fase 2, referente à atribuição de códigos e formação de categorias, com o corpus devidamente organizado, iniciou-se a codificação aberta, caracterizada por uma leitura minuciosa e exploratória dos dados. Cada trecho foi identificado e rotulado com códigos provisórios que sintetizam ideias recorrentes, tais como “pressão de pesca”, “orgulho cultural”, “metodologia expositiva” e “aprendizagem significativa”. Em um segundo momento, durante a codificação axial, esses rótulos foram comparados, refinados e agrupados em eixos temáticos mais amplos, dos quais emergiram três categorias centrais: (i) Percepções docentes sobre temas transversais e cultura local; (ii) Percepções dos piabeiros sobre cultura ribeirinha e escassez da pesca ornamental; e (iii) Vivências culturais dos discentes no FESPOB.
Na terceira e última fase — interpretação e representação dos achados — , as categorias consolidadas foram confrontadas com os dados quantitativos e com a literatura especializada sobre ensino de Ciências e sustentabilidade amazônica. Essa triangulação teórico-empírica possibilitou identificar convergências, tensões e singularidades nos discursos analisados, ampliando a compreensão sobre as interfaces entre educação, cultura ribeirinha e práticas sustentáveis. As discussões decorrentes dessa análise são apresentadas a seguir, de forma articulada às três categorias emergentes.
PERCEPÇÕES DOCENTES SOBRE TEMAS TRANSVERSAIS E CULTURA LOCAL
Gráfico 1 – Temas transversais a diversidade cultural

De acordo com os depoimentos das professoras, ao serem questionadas sobre a presença de temas transversais relacionados à diversidade cultural no currículo escolar, as respostas revelaram percepções distintas. Das três participantes, apenas uma afirmou que não há uma prática institucionalizada voltada à valorização da diversidade cultural, ressaltando que essa abordagem ocorre de forma isolada, a partir da iniciativa individual de alguns docentes, e que ainda falta um planejamento coletivo e interdisciplinar que envolva toda a escola (Ávila, 2017). As demais docentes relataram que buscam integrar a realidade sociocultural dos alunos às suas práticas pedagógicas, trabalhando textos e atividades que abordam elementos da cultura local, como a pesca ornamental de espécies emblemáticas da região, a exemplo do Acará-Disco e do Cardinal. Segundo elas, os próprios estudantes demonstram interesse e frequentemente solicitam aulas mais contextualizadas e diversificadas, o que reforça a importância de uma abordagem curricular que valorize os saberes amazônicos e promova o diálogo entre ciência, cultura e território.
Os PCNs (Brasil, 1998) afirmam que a diversidade cultural, é um dos temas transversais, que se refere ao conhecimento e a valorização das diferenças étnicas e culturais que caracterizam cada grupo no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais que evidenciam discriminação. Ele propõe uma concepção cujos objetivos são o respeito pela diversidade étnica e cultural, o entendimento das desigualdades socioeconômicas e a necessidade de modificação do quadro de discriminação e preconceito, oferecendo aos alunos condições de conhecer nosso país como ele realmente é multifacetado. É um tema transversal que a:
[…] pluralidade vive-se, ensina-se e aprende-se. É um trabalho de constatação, no qual o envolvimento de todos se dá pelo respeito e pela própria constatação de que sem o outro, nada se sabe sobre ele, a não ser o que a própria imaginação fornece (Brasil, 1998, p. 141).
Assim, partimos para sabermos a relação da instituição com a comunidade e alunos sobre a conscientização da escola em relação a importância dos peixes ornamentais. O resultado se encontra no Gráfico 2.
Gráfico 2 – A escola destacando a importância dos peixes ornamentais para Barcelos

Quando indagadas acerca da realização de ações ou eventos de sensibilização voltados a estudantes, familiares e à comunidade local sobre a relevância dos peixes ornamentais para o município de Barcelos, todas as docentes relataram a inexistência de iniciativas institucionais sistemáticas. Segundo elas, a falta de articulação entre os diferentes segmentos da escola tem limitado o desenvolvimento de práticas coletivas, fazendo com que o tema seja trabalhado apenas de modo pontual e fragmentado, restrito ao espaço da sala de aula. As participantes ressaltaram, contudo, a necessidade de implementar projetos culturais integrados, capazes de envolver a comunidade e promover o diálogo entre o conhecimento científico e os saberes tradicionais dos piabeiros, considerando que muitos alunos pertencem a famílias historicamente envolvidas com a captura e o comércio de peixes ornamentais.
Os depoimentos também evidenciam que os discentes apresentam um nível satisfatório de conhecimento acerca dos peixes ornamentais, reconhecendo sua importância ecológica, econômica e sociocultural para Barcelos-AM. Todavia, observam-se lacunas conceituais significativas relacionadas à distinção entre as espécies de valor ornamental e aquelas sem potencial de comercialização, bem como à compreensão das normas legais e ecológicas que regem sua exploração sustentável. Parte dos estudantes acredita que qualquer peixe de pequeno porte e coloração vibrante pode ser utilizado para fins ornamentais, o que reforça a necessidade de intervenções educativas que articulem conservação ambiental, uso sustentável e legislação vigente, apoiadas em estudos ecológicos que subsidiem práticas de manejo responsáveis (Anjos; Siqueira; Amorim, 2007).
O Gráfico 3 apresentado a seguir sintetiza as principais temáticas e abordagens pedagógicas mencionadas pelos docentes em relação à pesca ornamental, destacando os eixos culturais, ambientais e econômicos que estruturam suas práticas educativas.
Gráfico 3 – Aulas de Ciências com pautas de assuntos da realidade

Ao serem indagados se nas aulas de Ciências apresentam sempre em pautas assuntos da realidade local como por exemplo relacionados aos Peixes Ornamentais, duas das docentes disseram que sim pois destacam a importância da realidade local servindo como base e durante a entrevista um até cantou umas das primeiras músicas do Festival a do seu peixe ornamental, chamado de forma carinhosa por ela como “meu Peixinho Multicor”. Uma docente respondeu que somente as vezes quando os alunos citam nas aulas sobre assuntos de sua realidade, onde ele organiza uma roda de conversa e discutem sobre os assuntos.
No ensino de Ciências há uma necessidade de metodologias diferenciadas que considerem a diversidade de recursos disponíveis e a amplitude de conhecimentos científicos a serem abordados na escola principalmente que destaquem a realidade do aluno (BAGNO, 2001). Com isso, a escola precisa estruturar mais em sua prática pedagógica, trabalhos de pesquisa que mostrem o que os estudantes aprendem melhor quando participam ativamente dessas atividades de ensino sendo protagonistas de suas histórias (FERREIRA; KRUGER, 2009). Para que isso ocorra é necessária uma reestruturação nos processos de ensino e aprendizagem que vai desde uma mudança dos papéis: de professor (transmissor) e o aluno (receptor), até a utilização de novas metodologias que possibilitem o aluno a construir seu próprio conhecimento tendo o professor como mediador do processo.
Essa proposta de ensino deve ser tal que leve os alunos a construir seu conteúdo conceitual participando do processo de construção e dando oportunidade de aprenderem a argumentar e exercitar a razão, em vez de fornecer-lhes respostas definitivas ou impor-lhes seus próprios pontos de vista transmitindo uma visão fechada das ciências” (Carvalho, 2004, p. 1).
PERCEPÇÕES DOS PIABEIROS SOBRE CULTURA RIBEIRINHA E ESCASSEZ DA PESCA ORNAMENTAL
Através das observações foi possível perceber que existe uma presença marcante da cultura indígena no modo de vida do ribeirinho barcelense e que muitos desses traços culturais continuam vivos em diversas gerações.
Nas informações sociodemográficas relacionadas ao tempo de trabalho na profissão de Piabeiro, a maioria destacou que já atuam na Captura de Peixes Ornamentais a mais de 15 anos e que estão na profissão em decorrência da falta de outras opções. Também apresentaram nas respostas que não possuem estudos, que tiveram que trabalhar ainda crianças para ajudar no sustento de suas famílias e com isso a maioria nem foi alfabetizada.
Essa é uma realidade que a maioria enfrentou e muitas vezes deixavam seus lares para residirem às margens dos rios onde estavam fazendo a captura. Passavam até anos distantes de suas famílias, ou quando a família toda trabalhava na profissão já se mudavam para a área e abandonavam seus lares, prejudicando principalmente as crianças e os mais jovens que abandonaram os estudos. A Figura 6 e Figura 7 mostram o exemplo de uma família de piabeiros.
Figura 1 – Família de Piabeiro utilizando o rapixé

São povos que caminham pelos rios da Amazônia, vidas que se entrelaçam com esse espaço geográfico e social. São homens, mulheres, crianças e jovens que, na dança do cotidiano, inscrevem suas histórias e trajetórias.
Figura 2 – Piabeiros indo para a pesca

São culturas caboclas que, construídas por esses povos ribeirinhos que habitam o interior, às margens dos rios, lagos e igarapés, representam experiências e conhecimentos sobre formas de coexistência e utilização do meio local. São diferenças no modo de ser e viver, em uma realidade marcada pela dimensão do viver em comunidade, onde se constroem laços e traços próprios do convívio com o meio, na relação homem entre si e na natureza (BASTOS; SOUSA, 2021). Dessa forma, o Quadro 5 abaixo mostra a opinião de cada piabeiro entrevistado sobre os fatores que podem tornar esse manejo extinto.
Quadro 1 – Quais os fatores que ameaçam a escassez da captura do peixe ornamental do Município de Barcelos-AM?
| PIABEIROS | RESPOSTAS |
| P1 | A falta de apoio dos governantes. Teriam que investir mais nessa atividade, pois ainda tem famílias que precisam desses peixinhos para sobreviverem. |
| P2 | O valor que nós recebemos pelos peixes é muito barato, então temos que capturar a maior quantidade possível para aumentar a nossa renda, se não a gente passa fome. E com isso acaba com os peixes dos rios. |
| P3 | Na verdade, ainda tem muitos peixes, mas a captura acabou porque os estrangeiros levaram os nossos peixes e criaram em laboratórios e com isso não querem mais os nossos. |
| P4 | O que ameaça é o município não ter um calendário de capturas para seguirmos, respeitando o meio ambiente, como tem o período do defeso para outras espécies. |
| P5 | A falta de valorização de nós piabeiros, pois não temos uma associação estruturada. |
No segundo momento da pesquisa de campo se direcionou as questões para os Piabeiros, onde os entrevistados destacaram que os fatores que ameaçam a escassez da captura do peixe ornamental do Município de Barcelos-AM, estão ligados principalmente a falta de apoio dos governantes, a falta de valorização da profissão e do valor do peixe ornamental que é muito abaixo do que os empresários recebem e por causa desse valor acabam tendo que capturar mais peixes sem nenhum controle, causando a escassez.
É importante destacar sobre a escassez de peixes-ornamentais, que os piabeiros estão à frente de uma das atividades bastante difíceis, sem garantias de sustento econômico, correndo muitas vezes riscos de vidas enfrentando as intempéries da natureza, rodeados por desafios que vão desde a crise financeira ao esquecimento do Poder Público na valorização desta profissão, que muitas vezes dificulta o acesso a linhas de créditos e auxílios no Brasil. Além disso, eles precisam lidar com a escassez na captura e com as despesas dobradas ao navegarem pelos rios da região de Barcelos atrás das espécies e todos os obstáculos que permeiam a busca por alternativas a fim de garantirem suas rendas.
VIVÊNCIAS CULTURAIS DOS DISCENTES NO FESPOB
As atividades aplicadas aos alunos, levaram em consideração a contextualização do Peixes Ornamentais no enfoque cultural e levando em consideração a importância dos peixes Acará-Disco e Cardinal, representantes no Festival do Peixe Ornamental de Barcelos – FESPOB, por suas expressividades na exportação internacional.
O Festival do Peixe Ornamental de Barcelos – FESPOB foi criado em 01 de julho de 1994 e instituído pela Prefeitura Municipal de Barcelos através do Decreto 005/94, de autoria do Prefeito Valdeci Raposo e Silva, tornou-se o maior evento do povo barcelense. Com o objetivo de divulgar a cultura e os produtos regionais. É uma festa que atrai milhares de turistas e empresários, que visitam Barcelos e aquece a economia da cidade.
O Cardinal e o Acará-Disco, são as estrelas da Festa do Peixe Ornamental de Barcelos, já encantaram todo o Estado do Amazonas e o mundo, se tornando um evento de grande expressão cultural, levando no Festival do Peixe Ornamental a se tornar Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Amazonas. Hoje o município de Barcelos é conhecido mundialmente como a “A Cidade do Peixe Ornamental”, “A Capital Internacional da Pesca Esportiva” “Barça Beach” ou carinhosamente chamada de “Cidade Menina” apelidada por Jorginho do Peixe.
A primeira atividade aplicada aos alunos foi uma palestra com a participação de dois Piabeiros que trabalharam mais de 30 anos na Captura de Peixes Ornamentai na área do Médio Rio Negro, onde destacaram sobre a importância dos peixes na sua vida onde ressaltaram que devem o que possuem hoje a essa atividade pois ajudou bastante a sustentarem as suas famílias.
Teve um momento que mostraram os utensílios que utilizam no trabalho, destacando o rapiché na captura do Cardinal e o Puçá na captura do Acará-Disco. Contaram bastante histórias de vida, dos ocorridos na labuta, em alguns momentos se emocionaram e emocionaram os alunos fazendo-os chorar e em outros darem gargalhadas. Os alunos participaram da palestra ativamente fazendo perguntas e principalmente quando passaram para realidade atual sobre a escassez dos peixes ornamentais e por não ser mais ativa a captura pois os anos se passaram e diminuiu muito a exportação. Neste momento os Piabeiros destacaram que os empresários deixaram de exportar porque os peixes começaram a sumir de algumas áreas e também por estarem sendo reproduzidos de “forma industrial” (neste momento o aluno questionou “que forma industrial”) destacando que a as pesquisas avançaram e que os peixes já estavam sendo produzidos em laboratórios.
Os Piabeiros terminaram a palestra pedindo para os alunos cuidarem mais do Meio Ambiente, para preservarem mais e não poluírem, além de utilizarem também os recursos naturais com responsabilidades para que no futuro não se tenha um prejuízo maior do que já temos hoje. E que os Peixes Ornamentais sejam sempre lembrados como riqueza de Barcelos no passado como riqueza e fonte de economia e no presente como a riqueza cultural de Barcelos com o FESPOB.
No segundo momento houve a participação dos Grupos de Danças Cardinal e Acará-Disco que fizeram uma explanação sobre o FESPOB e sobre várias temáticas que já foram apresentadas nas edições do FESPOB. Levaram vários materiais e organizaram uma exposição onde os alunos puderam conhecer o verdadeiro sentido da criação do FESPOB que é de divulgar a cultura local e também servir de base no desenvolvimento de aptidões artísticas descobrindo talentos e formando profissionais.
A cultura popular de Barcelos-AM é o resultado de uma miscigenação de raças e gentes, crenças, lendas, mitos e religiões, sintetizada num processo secular, iniciado a partir das influências marcantes da cultura milenar das cinco grandes nações indígenas dos povos Aruaques, que povoaram o vasto território do extremo norte brasileiro no período pré-colonial (LIMA, 2017). Nela, evidencia-se de forma clara e harmoniosa a interação havida entre essa cultura original, única em sua essência puramente nativa, e as demais derivadas dos processos de colonização e mais recentemente, a partir da década de setenta, dos fluxos migratórios oriundos das mais diversas regiões brasileiras, ao longo dos diferentes períodos e ciclos históricos e econômicos da Amazônia.
O Festival do Peixe Ornamental de Barcelos – FESPOB é uma das maiores manifestações culturais da região Norte do Brasil, uma festa que nasceu para exaltar a lida do caboclo rio negrinho o Piabeiro (pescador) e para movimentar a cidade de Barcelos.
A cultura popular, segundo Gramsci (1968) tem a capacidade de, em seus vários níveis, unificar indivíduos, obtendo assim, uma unicidade cultural-social, uma vez que todo ato histórico deve ser realizado pelo homem coletivo. Nesses termo,
A produção cultural dos setores populares configura-se como uma produção coletiva, nascida e desenvolvida dentro de uma vida grupal. Grupal no sentido de uma vivência coletiva no decorrer da produção das suas manifestações culturais, de tal forma que podem ser claramente identificados fortes laços de solidariedade entre as pessoas envolvidas. Halbawachs (2013), por sua vez, analisa a permanência do grupo, que é algo mais do que uma reunião de indivíduos. A partir daí encontramos algumas características essenciais do grupo que se fundamenta antes de tudo, no sentido partilhado. O estar – junto é um dado fundamental, pois ele consiste numa espontaneidade vital que assegura a uma cultura sua força e sua solidez específicas. Em seguida essa fase de espontaneidade pode se artificializar, quer dizer se civilizar e produzir obras políticas, econômicas e artísticas (Gramsci, 1968).
O acerto dos estudos e conclusões dos historiadores citados são linearmente corroboradas pelas fusões sociais encontradas em todas as regiões da Amazônia Brasileira e, em alguns locais, a representação cênica e artística dessa cultura única, marcada pela influência determinante da floresta e seus mitos e crenças atrai, de forma crescente, a atenção das comunidades científicas, de historiadores e de turistas de todas as partes do planeta, emprestando a essas manifestações culturais puras em seus valores, obras e artes, uma valorização sociais e econômicas dantes inexistentes.
Essa nova dimensão, que soma o antigo ao moderno, o material ao imaterial, transcendendo a razão de sua existência apenas em si mesmo, como manifestação hermeticamente fechada dos valores culturais de indivíduos e grupos, em toda a sua gama, remete à construção de oportunidades de desenvolvimento social e econômico, sem prejuízo da manutenção da sua essência. Exemplo claro dessa assertiva é verificado a cada ano neste festival, que ao abrir para o mundo a magnitude e a beleza de sua cultura, descobriu e consolidou o mais importante instrumento desenvolvimentista e de preservação de seus valores e da natureza que a concebeu (Gramsci, 1968).
A similaridade da cultura de Barcelos-AM e a necessidade da sua preservação integral, nela considerada a importância e a valorização do uso racional e sustentado de sua natureza, de valor inestimável, veio a ensejar no ano de 1994 a primeira edição do Festival Peixe Ornamental de Barcelos-AM – FESPOB, catalisador de uma repercussão de alcance regional e internacional, construindo-o em fator gerador de uma nova e positiva variante, de natureza eminentemente socioeconômica.
Em vista do alcance e consolidação desses objetivos, que envolvem e beneficiam todo o conjunto da sociedade local e o ambiente natural que a envolve e permite o atendimento das demandas presentes e futuras gerações por cultura (Figura 3) e desenvolvimento sustentável.
Figura 3 – Apresentação do Grupo de Dança Cardinal

O Festival Peixe Ornamental de Barcelos-AM – FESPOB foi idealizado no ano de 1994 na Administração do Prefeito Vadeci Raposo e Silva, tendo como idealizadores além do Prefeito a Senhora Valdina Raposo, o Professor e Artista Plástico Guty Rapozo e o Músico e Compositor Jorginho do Peixe. Na sua primeira edição em janeiro de 2014 houve uma apresentação de um grupo de dança denominado “Balé Rio Negro” coreografado pelo professor Guty Rapozo e organizou um desfile para escolher na primeira Edição a Rainha do FESPOB intitulada como Garota Cardinal. Em sua segunda edição já se estruturou a participação de dois grupos de danças com a organização de duas comissões que escolheram os peixes Cardinal nas cores azul e vermelha e o Acará-Disco nas cores preta e amarela (Acervo FESPOB, 2008).
Na segunda Edição buscou-se o envolvimento da população e se colocar uma identidade cultural que levasse em consideração os principais peixes ornamentais da exportação. Com isso se criou dois grupos: Cardinal com as cores Azul e Vermelha e Acará-Disco com as cores preta e amarela. Os grupos foram estruturados com suas comissões e estruturando alguns itens – principalmente com a introdução de um ritmo que se tornasse futuramente a identidade do FESPOB. Foi quando se convidou o Cantor e compositor “Jorginho do Peixe” (hoje Vice- Prefeito) que criou as primeiras músicas para que os grupos começassem as competições (Acervo FESPOB, 2008).
O Cardinal, Figura 4, é um peixe ornamental mais exportado da Amazônia brasileira, responsável por quase 80% do volume anual de exportações, com suas cores de neon, o peixe cardinal encanta pela sua exuberância, tem seu habitat natural nas águas negras dos rios da região amazônica, a pesca do Cardinal é feita durante o dia, nos lagos, igarapés e afluentes do grande rio negro. Os instrumentos utilizados para a sua captura são: canoa, remo, rapixé e cacuri (ACERVO FESPOB, 2008).
Figura 4 – Peixe Cardinal

Nome científico deste Peixe Ornamental é Paracheirodon Axelrodi, é também conhecido como Tetra Cardinal, só existe na Bacia do Rio Negro nas águas bem vegetadas e sombreadas e habitam nos pacíficos, gostam de formar cardumes, sendo bastante sociáveis. Sua beleza é bastante excepcional, de cores vibrantes, tem alto valor comercial, e é considerado por especialistas aquaristas como uma das espécies mais bonitas da região Amazônica, sendo um dos mais populares nos aquários comunitários. Esta espécie é frequentemente confundida com o Neon Verdadeiro (Paracheirodon innesi) que raramente aparece nas lojas.
O Acará-Disco, Figura 5, é um peixe ornamental de cores exuberantes, bastante cobiçado pelo mercado internacional. É comum encontrá-lo nas águas do rio negro e seus afluentes, principalmente nos rios de água “branca”. É um dos peixes ornamentais de maior valor comercial. A captura do Acará-Disco é feita quase sempre durante a noite, os instrumentos utilizados para sua captura são: canoa, remo, lanterna e puçá.
Figura 5 – Peixe Acará Disco

O Acará-Disco (Symphysodon discus) é uma espécie de peixe ornamental originária da bacia do rio Amazonas, com ocorrência predominante em águas rasas de igarapés e afluentes, caracterizadas por elevada concentração de sais minerais e matéria orgânica, o que confere à água um aspecto escuro e ácido, típico dos ambientes de floresta inundada. Seu habitat natural é composto por troncos submersos, raízes e vegetação densa, que oferecem abrigo e favorecem o equilíbrio ecológico da espécie.
O Symphysodon discus é um peixe de comportamento gregário, vivendo em cardumes de aproximadamente vinte indivíduos, nos quais se estabelece uma hierarquia social bem definida. O exemplar de maior porte — que pode ser tanto macho quanto fêmea — assume a posição de dominância, seguido por subchefes em ordem decrescente de tamanho. Essa hierarquia determina o acesso aos alimentos e regula as interações dentro do grupo. Quando um indivíduo é confrontado por outro hierarquicamente superior, ele curva o corpo e expõe o ventre, em um gesto de submissão simbólica, sem ocorrência de agressão física. Tal comportamento evidencia uma estrutura social complexa, que contribui para a manutenção da coesão e do equilíbrio do cardume, constituindo um dos aspectos etológicos mais notáveis dessa espécie amazônica.
Este peixe, que também é um símbolo de um grupo de dança da reunião, Figura 6, é um dos mais belos. É achatado e redondo como um prato. A coloração geral varia de alaranjado até azul-esverdeado, com oito barras verticais. A cabeça, os opérculos e o dorso são cobertos de linhas irregulares de brilho intenso, que vão do cinza até o verde claro. As nadadeiras, dorsal e anal, que na base se confundem com o corpo, são cobertas pelas mesmas linhas. A nadadeira caudal é transparente. Dizem, sem nenhuma prova definitiva, que o macho é mais colorido que a fêmea. Sua alimentação é carnívora. A reprodução – ovíparo e cuida da prole. Atinge o tamanho de 20 cm.
Figura 6 – Peixe Símbolo Grupo de Dança Acará-Disco

A principal ameaça de escassez está na captura criminosa, destruição do habitat e tráfico. E ao serem coletados na natureza passam por um stress muito grande durante a viagem do seu habitat natural até os centros urbanos. Os peixes são capturados na natureza e transportados em péssimas condições onde grande parte morre devido às condições precárias de transporte e stress da longa viagem. Com a estruturação dos grupos (Figura 7) e o conhecimento dos dois símbolos Cardinal e Acará-Disco na segunda edição o músico e compositor Jorginho do Peixe criou duas canções, onde os grupos se organizam com coreografias e alegrias, fantasias e adereços para se apresentarem do lado do Prédio da Prefeitura Municipal. O Festival foi um sucesso e teve uma repercussão grandiosa que vários turistas já se programaram para no mês de janeiro visitarem Barcelos que se tornou a Capital dos Peixes Ornamentais.
Figura 7 – Apresentação dos Piabeiros do Grupo de Dança Cardinal

No FESPOB há uma divisão por itens na apresentação dos grupos de danças (Figura 8), e a Ala dos Piabeiros é um deles, que representa o personagem representando a Captura dos peixes Ornamentais Acará-Disco e Cardinal, onde são avaliados na coreografia e indumentárias, tendo a obrigação de apresentar na dança os utensílios utilizados na vida de Piabeiro. Do Peixe Cardinal eles levam o rapixé e do Peixe Acará-Disco levam o Puçá e a lanterna pois esse peixe é capturado a noite.
Figura 8 – Apresentação dos Piabeiros do Grupo de Dança Acará-Disco

Na terceira edição o Prefeito Valdeci Raposo e Silva, com o aumento de turistas na segunda edição, providenciou a construção do local apropriado para as apresentações dos Grupos de Danças Cardinal e Acará-Disco, e construiu o Piabodromo no ano de 1996. Com a construção do “Piabodromo” (Figura 9) trouxe uma visão mais ampliada da cultura no Município de Barcelos e também por auxiliar nos eventos culturais e esportivos servindo de base estrutural para todos os eventos.
Figura 9 – Piabodromo

A figura acima apresenta o local onde acontecem as apresentações dos peixes que é denominado Piabodromo, onde ocorre a disputa acirrada das duas agremiações folclóricas, uma arena com capacidade para receber cerca de oito mil pessoas. Nas arquibancadas ficam os torcedores chamados de “cardume” que são um show à parte.
O espaço é um dos maiores centros culturais e desportivos do Médio e Alto Rio Negro. Além das grandes noites do festival, o Piabodromo ao longo do ano inteiro é palco de grandes manifestações socioculturais e esportivas.
Figura 10 – Apresentação dos Itens Porta-Bandeira e Mestre Piabeiro do Cardinal e da Rainha do Acará-Disco

A partir desta da data de construção do Piabodromo em 1996 o FESPOB só cresceu, tendo alguns problemas com recursos para a realização de algumas edições, mas como a população abraçou a ideia essa grandiosa festa se tornou a principal da Região do Rio Negro e está entre as maiores da Região Norte (Acervo FESPOB, 2008).
Figura 11 – Apresentação da Ala de Cumprimento do Acará-Disco e a apoteose do Cardinal

Com o passar dos anos o Festival evoluiu e surgiram novos itens de julgamentos e servindo de oficina para produções artísticas e descobertas de grandes artistas locais. Tradicionalmente é realizado no último fim de semana do mês de janeiro, onde Acará-Disco e Cardinal são as duas agremiações que disputam o título de Rei das Águas.
Sobre a questão da escassez dos peixes ornamentais, os grupos destacaram aos alunos que durante as apresentações eles sempre em seus temas, nas letras das músicas e tem até uma ala que é representada pelas crianças a “Ala das Riquezas Naturais”, fazem uma alerta à população sobre a preservação do meio ambiente e sobre a falta de controle dos seres humanos ao utilizarem os recursos naturais sem responsabilidade, causando danos a vida. No final da explanação ocorreram as apresentações Culturais com a participação de alguns dos grupos de danças e os alunos que também conheciam as coreografias e as letras das músicas, dançaram e cantaram juntos.
CONCLUSÃO
Os achados deste estudo evidenciam a necessidade de aprofundar a compreensão e a reflexão sobre a transversalidade no ensino de Ciências na Escola Estadual São Francisco de Sales, no município de Barcelos (AM), com ênfase na temática da pesca ornamental. Essa constatação reforça a importância de reconhecer as potencialidades pedagógicas dessa prática tradicional como eixo articulador entre educação científica, cultura local e sustentabilidade ambiental.
A partir das vivências e saberes dos piabeiros de Barcelos, a pesquisa demonstra que a inserção da pesca ornamental como tema transversal no ensino de Ciências constitui um caminho promissor para promover, entre estudantes e docentes, a valorização do território amazônico, o fortalecimento da consciência ambiental e a articulação entre conhecimentos tradicionais e escolares. Tal abordagem contribui para uma formação crítica, contextualizada e comprometida com a preservação sociocultural e ecológica da Amazônia.
Com base nesses resultados, propõe-se que futuras investigações se aprofundem em duas frentes principais. A primeira diz respeito à escassez de espécies ornamentais, visando um diagnóstico mais preciso que possa subsidiar políticas públicas e estudos de manejo sustentável. A segunda refere-se à formação docente e às práticas pedagógicas adotadas no ensino de Ciências, com foco na implementação efetiva de metodologias interdisciplinares e de temas transversais. Tais investigações poderão contribuir para que a escola consolide um ensino mais contextualizado, crítico e socialmente relevante, capaz de fortalecer o vínculo entre ciência, cultura e comunidade.
Percebe-se dessa forma a importância de professores realizarem procedimentos que contemplem o real significado da realidade de seus discentes, com base numa articulação de conhecimentos contextualizados e aliados à prática no ensino de Ciências nas escolas que viabilizem a apreensão dos conteúdos da disciplina e das possíveis relações entre seus elementos constitutivos comparados com a realidade local.
Foi possível ainda perceber que a metodologia utilizada pelos professores nos planejamentos das aulas, exige pesquisas e reflexões mais aprofundadas a respeito da melhor maneira de ensinar e mediar o conhecimento em Científico, sobretudo, junto à realidade enfrentada com os problemas ambientais causados pela ação do homem.
Considerando-se que os procedimentos didáticos exigem experimentação e exploração de materiais e técnicas vinculadas à aquisição de conhecimento da realidade, possibilitando ao aluno a familiarização com as variadas linguagens culturais.
Os dados obtidos no trabalho são de considerável observação, mesmo com o processo educacional bastante estudado sobre os temas transversais, sente-se a necessidade de se levar cada vez mais variedade de oportunidades aos alunos de vivenciarem de perto a história da sua cidade. Este levantamento pode ser usado como subsídio a outros estudos e observações, auxiliando no processo de ensino e aprendizagem.
As palestras fizeram com que os discentes do 9º ano do Ensino Fundamental II conhecessem sobre a “Prática Extrativista do Peixe-Ornamental”, e adquirirem uma consciência ambiental acerca dos cuidados que devemos ter com o Meio Ambiente.
Com base nos resultados da pesquisa, constatou-se a relevância dos peixes ornamentais para o município de Barcelos-AM, tanto por seu papel educacional quanto por suas contribuições socioeconômicas e culturais à formação dos estudantes. As tradições ribeirinhas permanecem fortemente enraizadas no cotidiano dos barcelenses, mesmo diante dos impactos da modernização que já alcança a sede municipal e diversas comunidades rurais. Observou-se que, apesar da incorporação de novas técnicas, a pesca artesanal de peixes ornamentais ainda depende amplamente dos saberes empíricos e experiências acumuladas pelos piabeiros ao longo de gerações, configurando um patrimônio imaterial que continua vivo e transmitido por meio das práticas culturais locais.
Verificou-se também que, ao adotar metodologias pedagógicas baseadas na transversalidade, destacando a prática extrativista dos peixes ornamentais — especialmente das espécies Acará-Disco e Cardinal —, a escola possibilitou aos estudantes reconhecer e valorizar sua própria realidade sociocultural. Essa abordagem promoveu o orgulho identitário e o reconhecimento dos saberes tradicionais como parte legítima do conhecimento científico e do currículo escolar, fortalecendo o vínculo entre educação, cultura e sustentabilidade na Amazônia.
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1Secretaria de Educação do Amazonas (SEDUC/AM)
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