ASSOCIAÇÃO DOS CATADORES E CATADORAS DE MATERIAIS RECICLADOS DE AÇAILÂNDIA/MA – ASCAMAREA: UM ESTUDO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202507051458


Jarete Silva Ribeiro; Tamyris Silva Ribeiro Leal; Selene da Conceição Sena; Maria Naiara Silva Delgado; Bruno Lucio Meneses Nascimento; Luzileide dos Santos Silva; Francisca Janiara Silva Delgado; Jaqueline Santos de Oliveira Leal


RESUMO

Este artigo investiga o trabalho da ASCAMAREA em Açailândia/MA, desde a seleção de recicláveis no lixão até a venda. Através de observação e entrevistas, a pesquisa revela a essencialidade do trabalho dos catadores na reciclagem local, apesar das dificuldades e da dependência de atravessadores que prejudicam sua renda. A organização da ASCAMAREA demonstra ser um ponto forte. Conclui-se que é urgente valorizar e melhorar as condições de trabalho e comercialização para esses agentes da economia circular.

Palavras-chave: Agentes ambientais 1, reciclagem 2, dignidade 3, preservação ambiental 4

ABSTRACT

This article studies the work of ASCAMAREA in Açailândia/MA, from the selection of recyclable materials in the landfill to their sale. Through observation and interviews, the research reveals the essential nature of the waste pickers’ work in local recycling, despite the difficulties and the dependence on intermediaries who harm their income. The organization of ASCAMAREA proves to be a strength. In conclusion, it is urgent to value and improve the working and marketing conditions for these actors in the circular economy.

Key Words: Environmental agents 1, recycling 2, dignity 3, environmental preservation 4

Introdução

Em um contexto nacional de expressiva geração de resíduos sólidos e modesta taxa de reciclagem (ABRELPE, 2022), onde o trabalho de catadores e cooperativas é fundamental para impulsionar a economia circular (Dias, Vallin, Alves, 2022), a pesquisa busca aprofundar a compreensão de como a figura do atravessador influencia a dinâmica de comercialização para uma associação específica com o perfil de baixa escolaridade e autodeclaração negra ou parda (Atlas Brasileiro da Reciclagem, 2023).

Considerando o potencial de impacto social e inovação de organizações de catadores, que estabelecem inclusive laços crescentes com o setor privado (MundoCoop, 2024), a problemática se concentra em identificar e analisar os obstáculos impostos pelo atravessador que impedem a ASCAMAREA de alcançar uma valorização mais justa de seu trabalho e dos recursos por eles recuperados. A pesquisa busca, portanto, compreender as consequências dessa relação nas condições de trabalho e na renda dos catadores de Açailândia, visando fornecer subsídios para futuras intervenções que fortaleçam sua autonomia e reconhecimento econômico.

Objetivo Geral

 Analisar a dinâmica da comercialização de materiais recicláveis pela Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis de Açailândia/MA (ASCAMAREA), com foco nos desafios impostos pela figura do atravessador, e reconhecer e valorizar a forma mais justa de exercer o trabalho que gera a renda desses agentes ambientais.

Objetivos Específicos

I. Analisar a dinâmica da comercialização de materiais recicláveis da ASCAMAREA, identificando o papel dos atravessadores, os fluxos de materiais e os preços praticados, com foco na valorização do trabalho dos catadores.

II. Avaliar o impacto da relação com os atravessadores nas condições de trabalho dos catadores da ASCAMAREA, considerando aspectos como jornada, segurança, acesso a equipamentos e infraestrutura.

III. Analisar a influência da figura do atravessador na renda dos catadores associados à ASCAMAREA, quantificando as margens de lucro e identificando possíveis perdas financeiras decorrentes dessa intermediação.

Materiais e métodos

A metodologia deste estudo integrou a revisão bibliográfica, conforme explicitado por Andrade (2010), e a pesquisa exploratória (GIL, 2007), ambas sob uma abordagem qualitativa (GODOY, 1995; MINAYO, 2001), para uma compreensão aprofundada da realidade investigada. Inicialmente, a pesquisa bibliográfica forneceu o embasamento teórico sobre o cenário da reciclagem e o papel dos catadores. Em um segundo momento, a pesquisa de campo constituiu uma etapa crucial, com a imersão no cotidiano do lixão de Açailândia/MA, utilizando a técnica de observação participante (ANGROSINO, 2009; SPRADLEY, 1980). Durante essa fase, foram realizadas entrevistas direcionadas aos catadores e catadoras da ASCAMAREA, buscando captar suas experiências e perspectivas sobre a comercialização dos materiais recicláveis e a influência dos atravessadores. Adicionalmente, o acompanhamento no local das atividades dos catadores ao longo de um dia completo permitiu uma observação participante detalhada de seu trabalho, desde a coleta até a negociação dos materiais, enriquecendo a análise com dados contextuais e vivenciais essenciais para os objetivos desta pesquisa.

A Lei nº 12.305/2010, institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), representa um marco legal fundamental para a gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos no Brasil. Seu objetivo principal é organizar a forma como a sociedade lida com o lixo, desde a sua geração até a destinação final, buscando a sustentabilidade ambiental, econômica e social. A aplicabilidade da lei se torna crucial no município de Açailândia, Maranhão, dada a fundamental necessidade de implementar medidas eficazes para prevenir a geração de resíduos e mitigar seus impactos negativos sobre o meio ambiente e a saúde da população local.

Na perspectiva abrangente da lei, que integra as dimensões ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública na análise dos resíduos, há um incentivo claro à reutilização e à reciclagem, convertendo o que seria descartado em valiosos recursos.

Nesse contexto, a ASCAMAREA, em conjunto com o Ministério Público local e o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán – CDVDH/CB, reivindica ao Poder Público Municipal de Açailândia, a efetiva aplicação da Lei nº 12.305/2010 em Açailândia. O objetivo primordial é garantir que o trabalho dos catadores e catadoras seja desenvolvido de forma digna e humanizada.

No decorrer desta pesquisa, acompanhamos a rotina laboral dos agentes ambientais da ASCAMAREA, que ainda exercem suas atividades a céu aberto no lixão de Açailândia, Maranhão, situado a 7 quilômetros do centro da cidade.

Associação é formada por 56 (cinquenta e seis) catadores e catadoras de material reciclado e voluntariamente atua para melhoria da gestão ambiental no munícipio de Açailândia/MA, buscando condições de trabalho de forma digna e humanizada. A criação da associação de agentes ambientais gerou um impacto positivo imediato, evidenciado pela conquista de um ônibus junto à prefeitura municipal. Essa organização possibilitou o transporte regular dos trabalhadores, desde suas residências até o lixão e vice-versa. Essa vitória representa um marco significativo, considerando que, desde 1988, os catadores e catadoras realizavam esse percurso a pé, uma realidade que perdurou até a obtenção desse transporte em 2023.

Os agentes de preservação ambiental iniciam sua jornada às 5h da manhã, levando consigo garrafões de água para hidratação e suas refeições. Para se protegerem do sol intenso, utilizam roupas compridas e bonés. No lixão, contam com barracões, construídos por eles mesmo e com materiais que tiram do lixão, que servem como ponto de apoio ao longo do dia, proporcionando um espaço para descanso, refeições e armazenamento dos materiais recicláveis selecionados para venda.

Os caminhões de coleta urbana despejam todos os tipos de resíduos em um único local no lixão. Logo após a partida dos veículos, os catadores e catadoras iniciam a seleção dos materiais aproveitáveis. Utilizando ganchos, perfuram os sacos de lixo e extraem os itens com potencial de venda. Esses materiais são acondicionados em grandes sacos, conhecidos como “big bags”, que, após serem cheios, são arrastados até os barracões. Nesses espaços, os trabalhadores realizam a triagem detalhada, separando os materiais por tipo: três categorias de plástico (filme, garrafas PET e branco), além de ferro, aço, alumínio e cobre.

A ASCAMAREA enfrenta dificuldades para expandir a comercialização de outros materiais devido à falta de espaço adequado para triagem. Adicionalmente, a coleta de alguns materiais por garis antes de chegarem ao lixão prejudica a potencial renda dos agentes ambientais.

A venda do material selecionado pelos agentes de preservação ambiental é feita por atravessadores, que no contexto de um lixão é a de intermediário comercial entre os agentes ambientais (catadores/as) e os compradores finais dos materiais recicláveis (como depósitos de reciclagem, ferros-velhos ou indústrias).

É importante ressaltar que a figura do atravessador, embora facilite a comercialização inicial para os catadores e catadoras, frequentemente é associada a práticas que desvalorizam o trabalho dos agentes ambientais. Ao pagar preços baixos, eles acabam ficando com uma parcela significativa do lucro da reciclagem, enquanto os catadores, que realizam o trabalho árduo da coleta e separação em condições insalubres, recebem uma remuneração menor.

A Lei nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) busca alternativas para fortalecer a organização dos catadores em cooperativas e associações, visando eliminar ou reduzir a dependência desses trabalhadores em relação aos atravessadores e garantir uma remuneração mais justa pelo seu trabalho.

Durante os intervalos para almoço e lanches, os agentes ambientais fazem suas refeições nos barracões. Ao final da jornada, às 17h00, o ônibus providenciado pela associação chega para transportá-los de volta para suas residências.

Resultados e discussão

Diante do relato da aplicação da pesquisa, identificou-se que a ASCAMAREA, atuante diretamente no lixão de Açailândia, Maranhão, enfrenta uma série de problemas complexos e interconectados que afetam tanto a dignidade de seus trabalhadores quanto a eficiência de seu trabalho e seu potencial de renda. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, estabelece que “O trabalho, em todas as suas formas, deve garantir a dignidade do trabalhador”. Contudo, a ASCAMAREA vivencia problemas que contrariam essa disposição constitucional. Alguns dos principais problemas incluem:

– Condições de Trabalho Insalubres e Perigosas: Trabalhar em um lixão expõe os agentes ambientais a riscos significativos à saúde, incluindo contato com materiais tóxicos, proliferação de vetores de doenças (moscas, ratos, etc.), risco de acidentes com objetos cortantes e perfurantes, além da exposição a gases e poeira nociva.

– Falta de Infraestrutura Adequada: A ausência de espaços apropriados para triagem dificulta a organização e a valorização dos materiais recicláveis. A falta de instalações sanitárias adequadas e de áreas de descanso salubres também impacta o bem-estar dos trabalhadores.

– Renda Instável e Baixa: A dependência da venda para atravessadores, que pagam preços inferiores aos de mercado, resulta em uma renda instável e geralmente baixa para os agentes ambientais, dificultando sua subsistência e a melhoria de suas condições de vida.

– Concorrência com a Coleta Informal: A coleta de materiais recicláveis por garis antes que cheguem ao lixão reduz a quantidade e a qualidade dos materiais disponíveis para a ASCAMAREA, impactando diretamente sua capacidade de geração de renda.

– Logística e Transporte: Mesmo com a conquista do ônibus para o transporte dos trabalhadores, a logística de movimentação e transporte dos materiais recicláveis coletados e triados pode ser um desafio, especialmente com a falta de espaço adequado para armazenamento e carregamento.

– Estigma Social e Falta de Reconhecimento: Os catadores e catadoras muitas vezes enfrentam estigma social e falta de reconhecimento pela importância de seu trabalho para a limpeza urbana e a reciclagem, o que pode afetar sua autoestima e suas oportunidades.

– Implementação Incompleta da PNRS: A não efetivação plena da Política Nacional de Resíduos Sólidos no município impede que a ASCAMAREA se beneficie de mecanismos que poderiam fortalecer sua atuação, como o apoio à formalização, o acesso a recursos e a integração em sistemas de coleta seletiva mais estruturados.

– Falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) Adequados: Embora utilizem algumas proteções, pode haver deficiências na qualidade ou na disponibilidade de EPIs adequados para todos os riscos presentes no lixão.

– Organização e Gestão da Associação: A própria gestão e organização interna da ASCAMAREA podem enfrentar desafios, como a necessidade de capacitação em gestão, acesso a recursos financeiros para investimentos e a sustentabilidade da associação a longo prazo.

Em resumo, a ASCAMAREA lida com uma complexa teia de problemas que envolvem questões de saúde, segurança, economia, infraestrutura, reconhecimento social e a própria efetividade das políticas públicas de gestão de resíduos. Superar esses desafios é crucial para garantir um trabalho mais digno e sustentável para os agentes ambientais e para promover uma gestão de resíduos mais eficiente em Açailândia.

Conclusões

Em suma, a experiência da ASCAMAREA no lixão de Açailândia, Maranhão, ilustra vividamente os desafios enfrentados por agentes ambientais em contextos de gestão de resíduos precária. As condições de trabalho insalubres, renda instável influenciada pela figura do atravessador e obstáculos para otimizar a triagem e comercialização dos materiais recicláveis. A persistência da coleta informal por terceiros agrava a situação, subtraindo recursos que poderiam fortalecer a renda desses trabalhadores.

A efetiva aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos em Açailândia emerge como um fator crucial para transformar essa realidade. A implementação de infraestrutura adequada para triagem, o apoio à formalização e ao fortalecimento da ASCAMAREA, a promoção de sistemas de coleta seletiva inclusivos e a fiscalização para coibir práticas que prejudicam a renda dos catadores são passos essenciais para estruturação da associação.

A ASCAMAREA demonstra resiliência na busca por trabalho digno e sustentável. O apoio contínuo do poder público e da sociedade é essencial para valorizar seu papel na gestão de resíduos em Açailândia, promovendo justiça social e eficiência ambiental.

Referências bibliográficas

ANDRADE, M. M. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalhos na graduação. São Paulo, SP: Atlas, 2010, p. 25.

ANGROSINO, Michael V. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2009. (Coleção Pesquisa Qualitativa).

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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

SPRADLEY, James P. Participant observation. Orlando: Harcourt Brace Jovanovich College Publishers, 1980.