AFETIVIDADE E DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: FUNDAMENTOS PARA UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NO CONTEXTO ESCOLAR CONTEMPORÂNEO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506240940


Flávia do Nascimento Cintra de Paula Silveira¹


RESUMO 

Este artigo discute a centralidade da afetividade e do desenvolvimento das habilidades socioemocionais na promoção de uma aprendizagem significativa no contexto escolar contemporâneo. Fundamentado em uma abordagem teórico-reflexiva, o texto articula contribuições da Psicologia do Desenvolvimento, da Neurociência, da Pedagogia e de documentos normativos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A análise evidencia que a afetividade é um eixo estruturante da mediação pedagógica, enquanto as competências socioemocionais se configuram como elementos essenciais para o desenvolvimento integral dos estudantes. Os dados e as pesquisas analisadas confirmam que a integração dessas dimensões favorece não apenas a construção do conhecimento, mas também a formação de sujeitos mais empáticos, resilientes e socialmente responsáveis. Reconhecem-se, contudo, os desafios impostos por modelos escolares tradicionais, por limitações estruturais e pela necessidade urgente de formação docente voltada para essas competências. O estudo conclui que práticas pedagógicas baseadas na afetividade e no desenvolvimento socioemocional são caminhos indispensáveis para uma educação mais humana, significativa e transformadora. 

Palavras-chave: Afetividade. Habilidades socioemocionais. Aprendizagem significativa. Desenvolvimento integral. 

METODOLOGIA 

Este artigo caracteriza-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza teórico-reflexiva, construída a partir de uma revisão bibliográfica fundamentada em autores clássicos e contemporâneos da Psicologia da Educação, da Neurociência, da Pedagogia e da Educação Socioemocional. O objetivo foi refletir, a partir de referenciais científicos, sobre a centralidade da afetividade e do desenvolvimento das habilidades socioemocionais na promoção de uma aprendizagem significativa no contexto escolar contemporâneo. Foram analisadas obras referenciais de autores como Vygotsky (1998), Wallon (2007), Piaget (1976), Ausubel (2003), Rogers (1975), Goleman (1995), Brackett (2019), Bisquerra (2009) e Barrett (2017), além de documentos normativos como a BNCC e relatórios da OCDE (2018) e da UNESCO (2021). O percurso metodológico baseou-se na análise, sistematização e articulação dos conceitos presentes na literatura, buscando compreender como os elementos afetivos e socioemocionais contribuem para a construção de uma aprendizagem significativa, bem como discutir os desafios e possibilidades da sua efetiva integração no cotidiano escolar. 

INTRODUÇÃO 

A educação, em sua essência, constitui-se como um processo profundamente humano, no qual ensinar e aprender vão muito além da simples transmissão de conteúdos, consolidando-se como uma experiência de construção de sentido, desenvolvimento integral e transformação social. No cenário contemporâneo, caracterizado por rápidas transformações tecnológicas, desafios socioemocionais e uma sobrecarga informacional sem precedentes, a escola é constantemente convocada a ressignificar suas práticas, seus objetivos e, sobretudo, a centralidade das relações humanas no processo de aprendizagem. 

Dentro dessa perspectiva, emergem, com crescente força, os debates que colocam a afetividade e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais no centro da discussão educacional. Por muito tempo, os processos educativos foram concebidos de maneira fragmentada, priorizando os aspectos cognitivos em detrimento das dimensões emocionais, afetivas e relacionais. Entretanto, avanços expressivos nas áreas da Psicologia da Educação, da Neurociência, da Pedagogia e da própria Educação Socioemocional demonstram, de forma incontestável, que a dicotomia entre razão e emoção não se sustenta à luz das evidências científicas contemporâneas. 

Autores como Vygotsky (1998) e Wallon (2007) foram pioneiros na defesa de que não há desenvolvimento cognitivo dissociado da afetividade. Vygotsky, ao destacar que as funções psicológicas superiores se desenvolvem nas interações sociais, mediadas pela cultura, pela linguagem e pelos vínculos afetivos, estabelece que a emoção não é um complemento do raciocínio, mas parte constitutiva dele. Wallon, por sua vez, reforça essa compreensão ao afirmar que a afetividade não apenas acompanha, mas organiza o desenvolvimento do sujeito, sendo condição necessária para a formação da inteligência e da construção do pensamento. 

Esse entendimento é ampliado quando analisado à luz das contribuições da Neurociência, especialmente nos trabalhos de António Damásio (2000) e Mary Helen Immordino-Yang (2016), que comprovam que emoção e cognição são processos absolutamente interdependentes no cérebro humano. As emoções, segundo esses autores, não apenas acompanham o raciocínio, mas o estruturam, influenciando diretamente a memória, a atenção, a tomada de decisão, a motivação e, consequentemente, os processos de aprendizagem. 

A essa compreensão soma-se a constatação, cada vez mais evidente, de que os desafios da educação contemporânea não se limitam ao domínio de conteúdos acadêmicos. Pelo contrário, exigem que a escola forme sujeitos capazes de compreender e regular suas próprias emoções, de se relacionar de forma empática, colaborativa e ética, e de enfrentar, com equilíbrio emocional, os desafios de uma sociedade marcada pela instabilidade, pela hipercompetitividade e pelo crescente adoecimento mental. 

É nesse contexto que se insere o debate sobre o desenvolvimento das competências socioemocionais, tema que ganha centralidade na produção acadêmica e nas políticas educacionais atuais. Daniel Goleman (1995) inaugura esse debate ao demonstrar que a inteligência emocional é fator determinante para o sucesso acadêmico, profissional e pessoal, uma vez que permite aos sujeitos gerir emoções, resolver conflitos e estabelecer relações saudáveis. Essa concepção é aprofundada nas pesquisas de Marc Brackett (2019), que, por meio do programa RULER, evidencia que o desenvolvimento socioemocional não ocorre de forma espontânea, mas exige planejamento, intencionalidade e sistematização por parte das instituições escolares. 

Além disso, a Teoria da Construção das Emoções, de Lisa Feldman Barrett (2017), amplia essa discussão ao demonstrar que as emoções não são respostas biológicas universais, mas construções cognitivas e culturais, moldadas pelas experiências, pela linguagem e pelos contextos nos quais os sujeitos estão inseridos. Esse entendimento fortalece ainda mais a tese de que a escola não é apenas um espaço de transmissão de saberes, mas um ambiente de produção ativa de experiências emocionais, com impacto direto no desenvolvimento integral dos estudantes. 

Rafael Bisquerra (2009) complementa esse debate ao afirmar que a educação emocional não é um adendo ou uma proposta paralela ao currículo, mas um de seus eixos estruturantes. Para o autor, trabalhar as competências socioemocionais no ambiente escolar significa, além de promover o desenvolvimento individual, construir uma cultura de paz, de empatia, de cooperação e de bem-estar coletivo, elementos indispensáveis para a formação cidadã no século XXI. 

Essa concepção, inicialmente fortalecida na literatura acadêmica, hoje se consolida nas diretrizes das políticas educacionais nacionais e internacionais. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) reconhece formalmente o desenvolvimento das competências socioemocionais como um dos pilares fundamentais da formação integral dos estudantes, alinhando-se às recomendações de organismos como a OCDE (2018) e a UNESCO (2021), que apontam que o desenvolvimento socioemocional é condição indispensável para a construção de sociedades mais justas, resilientes e colaborativas. 

Diante desse cenário, é possível afirmar, com base nas evidências teóricas e nas demandas contemporâneas, que não há aprendizagem significativa possível sem que haja um ambiente que favoreça as relações humanas, o acolhimento das emoções, a construção de vínculos afetivos e o desenvolvimento das competências socioemocionais. A afetividade não é um adorno das relações pedagógicas, mas sim sua base estruturante, que fortalece tanto os processos de construção do conhecimento quanto a formação integral dos sujeitos. 

Assim, este artigo tem como objetivo discutir, de forma teórico-reflexiva, os fundamentos da afetividade e do desenvolvimento das habilidades socioemocionais no contexto escolar contemporâneo, analisando como essas dimensões impactam a construção de uma aprendizagem significativa. Para isso, serão apresentados os fundamentos teóricos que sustentam essa discussão, os desafios encontrados na efetiva implementação dessas práticas e, sobretudo, as possibilidades que se abrem para uma prática pedagógica que seja, simultaneamente, significativa, humanizadora e transformadora. 

DESENVOLVIMENTO 

1. A afetividade como pilar da mediação pedagógica 

Historicamente, a afetividade foi, durante muito tempo, considerada uma dimensão secundária nos processos educativos, frequentemente associada ao campo das emoções, tratada como algo subjetivo e desvinculado dos processos cognitivos. Contudo, o avanço das pesquisas nas áreas da Psicologia da Educação, da Neurociência e da Pedagogia demonstrou, de forma contundente, que essa separação é artificial e não se sustenta frente às evidências produzidas pelas ciências humanas e sociais. 

Nesse contexto, destaca-se a contribuição de Vygotsky (1998), que já defendia que o desenvolvimento cognitivo não ocorre de forma isolada, mas é fruto de interações sociais, mediadas pela linguagem, pela cultura e, sobretudo, pelos vínculos afetivos. Para o autor, não há como dissociar emoção e cognição, uma vez que as funções psicológicas superiores se constroem no interior de relações sociais permeadas pela afetividade, evidenciando que o desenvolvimento humano é, simultaneamente, um processo social, emocional e intelectual. 

Essa compreensão dialoga diretamente com os estudos de Henri Wallon (2007), que aprofunda esse entendimento ao afirmar que a afetividade não apenas acompanha o desenvolvimento cognitivo, mas também o estrutura desde os primeiros anos de vida. Para o autor, a emoção tem um papel organizador e regulador do desenvolvimento infantil, funcionando como eixo central das experiências que o sujeito estabelece com o mundo. Wallon, ao enfatizar que a afetividade antecede e sustenta a formação da razão, reforça que a mediação pedagógica, para ser efetiva, precisa considerar a dimensão emocional como condição indispensável para que a aprendizagem ocorra. 

Essa tese é corroborada e complementada pela perspectiva construtivista de Jean Piaget (1976), que, embora enfatize a importância da interação ativa do sujeito com o meio para a construção do conhecimento, reconhece que essa interação é movida por uma energia afetiva. Piaget destaca que é a afetividade que impulsiona a curiosidade, o desejo de conhecer, o interesse e a motivação, elementos indispensáveis para que se produza o desequilíbrio necessário às estruturas cognitivas e, consequentemente, para que a aprendizagem aconteça de forma significativa. 

Avançando nesse raciocínio, David Ausubel (2003), por meio da Teoria da Aprendizagem Significativa, oferece uma contribuição decisiva ao afirmar que a disposição do estudante para aprender está diretamente relacionada não apenas ao grau de familiaridade com os conteúdos, mas também à qualidade das experiências afetivas anteriores. Sua teoria reforça que, sem vínculo, sem segurança emocional e sem motivação, não há possibilidade de que o novo conhecimento se ancore de forma efetiva nos esquemas prévios do aprendiz. Aqui, a afetividade se revela não apenas como facilitadora, mas como condição estruturante do próprio processo de construção do conhecimento. 

Na mesma direção, Carl Rogers (1975) amplia essa discussão ao introduzir uma perspectiva centrada na pessoa, na qual a relação pedagógica precisa se fundamentar em pilares como empatia, escuta ativa e aceitação incondicional. Segundo o autor, a aprendizagem ocorre de maneira mais efetiva quando o estudante se sente acolhido, respeitado e valorizado em sua singularidade. Para Rogers, um ambiente de segurança emocional não apenas favorece a aquisição de novos conhecimentos, mas também promove o desenvolvimento de sujeitos mais autônomos, criativos, reflexivos e socialmente engajados. 

O diálogo entre essas perspectivas da Psicologia da Educação ganha ainda mais consistência quando confrontado com as evidências produzidas pela Neurociência, especialmente nas pesquisas de António Damásio (2000) e Mary Helen Immordino-Yang (2016). Esses autores demonstram, de maneira incontestável, que emoção e cognição são processos profundamente integrados no funcionamento do cérebro humano. As emoções não apenas acompanham o pensamento, mas o organizam, estruturam e direcionam, influenciando diretamente processos como a atenção, a memória, a tomada de decisão e, consequentemente, as aprendizagens. Assim, longe de serem elementos periféricos, as emoções constituem a própria arquitetura do raciocínio e da construção de sentido. 

Ao somar a esse debate as reflexões de Boris Cyrulnik (2009) sobre resiliência, observa-se uma ampliação ainda mais significativa do entendimento sobre o papel da afetividade no desenvolvimento humano. Cyrulnik reforça que vínculos afetivos seguros são fundamentais não apenas para a saúde emocional, mas também para o desenvolvimento cognitivo e social. No ambiente escolar, isso significa que professores que promovem relações pautadas na empatia, no cuidado e no acolhimento estão, na prática, criando condições indispensáveis para que os estudantes aprendam de maneira mais significativa, desenvolvam autonomia, fortaleçam sua autoestima e construam competências emocionais e sociais essenciais para a vida. 

Diante desse panorama, torna-se evidente que a afetividade não pode, de forma alguma, ser tratada como um elemento acessório ou secundário na prática pedagógica. Ao contrário, ela deve ser reconhecida como um pilar estruturante da mediação docente e da própria experiência de aprendizagem. É no encontro entre sujeitos, na construção dos vínculos, no acolhimento das emoções e no reconhecimento da alteridade que se estabelece a verdadeira condição para uma aprendizagem que seja, de fato, significativa, contextualizada, humanizadora e transformadora. 

2. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais na aprendizagem significativa 

Ao compreender a afetividade como base estruturante da mediação pedagógica, conforme discutido anteriormente, torna-se evidente que seu desdobramento natural se concretiza no desenvolvimento das competências socioemocionais. Se a afetividade representa o alicerce da relação pedagógica, as habilidades socioemocionais configuram-se como os instrumentos que sustentam a construção de uma aprendizagem verdadeiramente significativa, especialmente no contexto de um mundo contemporâneo dinâmico, complexo e profundamente desafiador do ponto de vista emocional, social e educacional. 

Essa compreensão é inaugurada, de forma decisiva, pelos estudos de Daniel Goleman (1995), que rompe com as visões tradicionais centradas exclusivamente na inteligência cognitiva ao introduzir o conceito de inteligência emocional. Para o autor, competências como empatia, autorregulação, autocontrole, motivação e habilidades sociais são tão determinantes quanto — ou até mais — do que as habilidades intelectuais para o desenvolvimento pessoal, acadêmico e profissional. Sua obra evidencia que a capacidade de gerir emoções, estabelecer relações saudáveis e resolver conflitos impacta diretamente não apenas o bem-estar individual, mas também os processos de aprendizagem e de desenvolvimento social. 

No entanto, como o próprio Goleman sugere, reconhecer a importância das competências emocionais não é suficiente. É a partir desse ponto que Marc Brackett (2019) aprofunda o debate ao demonstrar, com base em evidências empíricas robustas, que o desenvolvimento das habilidades socioemocionais não ocorre de maneira espontânea, mas exige uma atuação pedagógica intencional, sistemática e contínua. O programa RULER, desenvolvido por ele, materializa essa concepção ao mostrar que quando as emoções são reconhecidas, nomeadas, compreendidas e gerenciadas no ambiente escolar, os impactos são profundos refletindo em melhorias no desempenho acadêmico, no fortalecimento do bem-estar emocional, na construção de vínculos afetivos e na qualidade da convivência. 

Essa perspectiva conecta-se diretamente às reflexões de Lisa Feldman Barrett (2017), que amplia o entendimento sobre a natureza das emoções ao defender, por meio de sua Teoria da Construção das Emoções, que estas não são respostas biológicas universais, mas sim construções cognitivas, moldadas pela linguagem, pela cultura e pelas experiências pessoais e coletivas. Barrett reforça que o ambiente escolar não apenas influencia, mas efetivamente produz experiências emocionais que impactam o desenvolvimento dos sujeitos. Isso significa que a escola, ao atuar sobre os processos emocionais, tem o poder de transformar tanto a trajetória acadêmica quanto a formação identitária dos estudantes, contribuindo para a construção de sujeitos emocionalmente mais saudáveis, resilientes e socialmente competentes. 

Esse entendimento dialoga de forma direta e complementar com os estudos de Rafael Bisquerra (2009), que defende que a educação emocional não pode ser tratada como um apêndice do currículo escolar, mas como um de seus eixos estruturantes. Para o autor, promover o desenvolvimento das competências socioemocionais significa, além de favorecer o desenvolvimento individual, contribuir de maneira efetiva para a construção de ambientes escolares mais cooperativos, empáticos e emocionalmente regulados, capazes de fortalecer não apenas a aprendizagem, mas também a cultura da paz, a cidadania ativa e o bem-estar coletivo. Bisquerra reforça que esse processo só é possível quando a educação emocional é conduzida de forma intencional, sistemática e transversal, permeando todas as dimensões da prática pedagógica. 

Essa concepção, inicialmente desenvolvida no campo acadêmico, encontra hoje respaldo formal nas diretrizes educacionais contemporâneas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) explicita, de maneira pioneira, o desenvolvimento das competências socioemocionais como um dos pilares fundamentais da formação integral dos estudantes brasileiros. Esse movimento está plenamente alinhado às recomendações de organismos internacionais, como a OCDE (2018) e a UNESCO (2021), que reafirmam que a educação do século XXI precisa ir além da mera transmissão de conteúdos acadêmicos, incorporando, de forma efetiva e intencional, o desenvolvimento das competências emocionais, sociais, culturais e éticas, indispensáveis à construção de sociedades mais resilientes, cooperativas e comprometidas com a justiça social. 

Ao articular as contribuições de Goleman, Brackett, Barrett e Bisquerra, percebe-se a construção de um arcabouço teórico robusto e absolutamente coerente, que não apenas legítima, mas exige que as competências socioemocionais sejam tratadas como componentes centrais dos processos educativos contemporâneos. Desenvolver tais competências não é mais uma escolha metodológica, mas uma responsabilidade ética, social e pedagógica da escola, que, ao assumir esse compromisso, contribui de maneira decisiva para a formação de sujeitos capazes de compreender, gerenciar e expressar suas próprias emoções, de se relacionar de maneira empática e colaborativa e, sobretudo, de atuar como agentes transformadores na construção de uma sociedade mais justa, ética, solidária e humanizada. 

3. Desafios e possibilidades para a prática pedagógica contemporânea 

Ao consolidar a compreensão sobre a centralidade da afetividade e do desenvolvimento das habilidades socioemocionais na promoção de uma aprendizagem significativa, torna-se necessário refletir sobre os desafios e, simultaneamente, as possibilidades que permeiam a efetiva implementação dessas dimensões na prática pedagógica. Embora haja, atualmente, um consenso teórico e normativo sobre a importância desses elementos, sua operacionalização no cotidiano escolar encontra entraves que não podem ser ignorados. 

Um dos primeiros desafios a ser considerado está relacionado ao próprio modelo de escola tradicional, ainda fortemente ancorado na lógica da transmissão de conteúdos, na fragmentação dos saberes e na priorização da dimensão cognitiva em detrimento das experiências subjetivas e relacionais. Essa estrutura escolar, como bem discute Freire (1996), desumaniza o processo educativo ao tratar os sujeitos como meros receptáculos de informações, esvaziando o sentido da aprendizagem e rompendo com sua essência libertadora e transformadora. 

Essa crítica dialoga diretamente com as reflexões de Bauman (2004), que descreve a sociedade contemporânea como uma modernidade líquida, marcada por relações frágeis, vínculos efêmeros e uma crescente precarização das interações humanas. Esse contexto social impacta profundamente a escola, que, muitas vezes, reproduz essa lógica, dificultando a construção de ambientes afetivamente seguros, empáticos e colaborativos. A essa análise soma-se a visão de Byung-Chul Han (2021), que, ao refletir sobre a sociedade do cansaço, aponta que vivemos sob o peso de uma cultura hiperprodutiva, competitiva e autocentrada, que gera sujeitos emocionalmente sobrecarregados, ansiosos, exaustos e desconectados de si mesmos e dos outros. É nesse cenário que a escola se insere, frequentemente sem os recursos e as formações necessárias para enfrentar tais desafios. 

Além disso, torna-se evidente que a formação inicial e continuada dos professores, na maioria das vezes, não contempla de forma suficiente os aspectos relacionados à educação emocional, à construção de vínculos e à gestão das relações afetivas no ambiente escolar. Muitos docentes reconhecem a importância da afetividade e do desenvolvimento socioemocional, mas sentem-se inseguros e despreparados para traduzir esse reconhecimento em práticas pedagógicas efetivas. Este cenário é agravado pelas condições estruturais do sistema educacional, que incluem salas de aula superlotadas, escassez de recursos, excesso de demandas burocráticas, jornadas exaustivas e desvalorização profissional, fatores que impactam diretamente a saúde mental dos educadores e comprometem sua capacidade de cuidar das próprias emoções e, consequentemente, das emoções de seus estudantes. 

Esse diagnóstico, embora crítico, não se apresenta como um ponto de estagnação, mas como uma convocação à transformação. É nesse sentido que as contribuições de Rafael Bisquerra (2009) se tornam especialmente pertinentes. O autor alerta que a educação emocional não pode ser tratada como uma atividade pontual, eventual ou isolada no currículo, mas deve ser estruturada como um processo contínuo, intencional e integrado às práticas pedagógicas. Sua defesa da transversalidade da educação emocional dialoga diretamente com as propostas de Marc Brackett (2019), que reforça que o desenvolvimento das competências socioemocionais só se torna efetivo quando incorporado de forma sistemática à cultura escolar, aos projetos pedagógicos e às relações interpessoais cotidianas. 

Esse entendimento se fortalece quando articulado às reflexões de Lisa Feldman Barrett (2017), cuja Teoria da Construção das Emoções rompe definitivamente com a concepção de que as emoções são respostas automáticas e universais. Ao defender que as emoções são construídas social e culturalmente, Barrett desloca a responsabilidade para os contextos de desenvolvimento, especialmente o ambiente escolar, que se torna um espaço privilegiado na produção — ou na negligência — das experiências emocionais dos sujeitos. Assim, a escola não é um espaço neutro, mas sim um agente ativo na construção das competências emocionais, cognitivas e sociais dos estudantes. 

Ao integrar essas reflexões, torna-se evidente que, embora os desafios sejam significativos, as possibilidades de transformação são igualmente expressivas e viáveis. As experiências bem-sucedidas em diferentes contextos educacionais, tanto no Brasil quanto internacionalmente, demonstram que quando há intencionalidade pedagógica, apoio institucional e formação adequada, é possível construir práticas educativas pautadas na afetividade, na escuta ativa, na empatia, na gestão das emoções e na promoção do bem-estar coletivo. Programas como o RULER, práticas restaurativas, círculos de construção de paz, rodas de conversa e metodologias ativas são exemplos concretos de que a transformação da escola não é apenas necessária, mas possível, desejável e urgente. 

Além disso, as diretrizes da OCDE (2018) e da UNESCO (2021) reforçam que o desenvolvimento das competências socioemocionais não é um luxo ou um modismo pedagógico, mas uma necessidade estruturante para a formação de sujeitos capazes de enfrentar os desafios do século XXI. Segundo esses organismos, investir na formação emocional e social dos estudantes é investir na construção de sociedades mais resilientes, colaborativas, empáticas e preparadas para lidar com as complexidades de um mundo interconectado e em constante transformação. 

Portanto, reconhecer os desafios não significa naturalizá-los ou aceitá-los como imutáveis, mas compreendê-los como pontos de partida para a construção de novas possibilidades. A efetiva integração da afetividade e do desenvolvimento das habilidades socioemocionais na prática pedagógica exige compromisso ético, responsabilidade social e uma profunda ressignificação dos processos educativos. Trata-se, sobretudo, de um movimento que transcende as metodologias e os conteúdos, reposicionando a escola como um espaço de desenvolvimento humano integral, de construção de vínculos, de acolhimento das emoções e de formação de sujeitos conscientes, empáticos, críticos e socialmente comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa, solidária e verdadeiramente humana. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A análise desenvolvida ao longo deste artigo evidencia, de forma inequívoca, que a afetividade e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais não são elementos acessórios na prática pedagógica, mas, sim, fundamentos estruturantes para a construção de uma aprendizagem significativa, humanizadora e transformadora. Mais do que uma exigência teórica, trata-se de uma necessidade concreta, capaz de responder aos desafios complexos impostos pelo cenário educacional contemporâneo e pela sociedade do século XXI. 

As contribuições teóricas de Vygotsky (1998), Wallon (2007), Piaget (1976), Ausubel (2003) e Rogers (1975) demonstram, de maneira consistente, que os processos cognitivos e emocionais não são dissociáveis. Ao contrário, são dimensões que se inter-relacionam profundamente, formando a base sobre a qual se constrói o desenvolvimento humano e, consequentemente, os processos de ensino e aprendizagem. Este entendimento é corroborado e fortalecido pelos avanços da Neurociência, que, por meio das pesquisas de Damásio (2000) e Immordino-Yang (2016), demonstra que emoção e cognição são sistemas integrados, indispensáveis ao funcionamento cerebral e ao próprio ato de aprender. 

Ao mesmo tempo, a discussão sobre o desenvolvimento das competências socioemocionais, sustentada por Goleman (1995), Brackett (2019), Barrett (2017) e Bisquerra (2009), aponta que a promoção dessas competências no ambiente escolar não é uma escolha metodológica, mas um compromisso ético, social e formativo. Nesse sentido, torna-se evidente que uma prática pedagógica que negligencie a dimensão socioemocional compromete não apenas a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem, mas também o desenvolvimento integral dos estudantes e sua preparação para uma vida social, profissional e emocionalmente saudável. 

Contudo, reconhecer essa necessidade não significa ignorar os desafios impostos à sua efetiva implementação. As análises desenvolvidas ao longo deste trabalho deixam claro que a lógica escolar tradicional, ainda centrada na transmissão de conteúdos e na fragmentação dos saberes, somada às precariedades estruturais, à formação docente insuficiente e às pressões próprias de uma sociedade marcada pela competitividade, pelo adoecimento emocional e pela lógica da hiperprodutividade, configura um cenário que demanda mudanças urgentes e profundas. 

Apesar desses desafios, as possibilidades são concretas, viáveis e extremamente promissoras. Experiências exitosas no Brasil e em outros países demonstram que a construção de uma prática pedagógica pautada na afetividade e no desenvolvimento das competências socioemocionais é não apenas possível, mas necessária, urgente e profundamente transformadora. Programas como o RULER, metodologias como as práticas restaurativas, os círculos de construção de paz, as rodas de conversa e a aprendizagem baseada em projetos, além de políticas públicas alinhadas às diretrizes da OCDE (2018) e da UNESCO (2021), apontam caminhos claros e sustentáveis para essa transformação. 

Diante desse cenário, torna-se evidente que promover a integração da afetividade e das competências socioemocionais no contexto escolar não é um luxo, nem tampouco um modismo pedagógico, mas uma exigência ética e uma urgência social. Trata-se de um compromisso com a formação de sujeitos autônomos, empáticos, críticos, colaborativos e emocionalmente preparados para lidar com os desafios e as complexidades de um mundo em constante transformação. 

Portanto, reafirma-se que a afetividade e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais constituem não apenas fundamentos pedagógicos, mas pilares para a construção de uma educação verdadeiramente significativa. Uma educação capaz de acolher as emoções, de valorizar as relações humanas, de promover o desenvolvimento integral dos sujeitos e de contribuir efetivamente para a construção de uma sociedade mais justa, empática, solidária e, sobretudo, mais humana. 

REFERÊNCIAS 

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¹Mestranda em Ciências da Educação pela Facultad Interamericana de Ciencias Sociales. Professora da Educação Básica na cidade de Indaiatuba/SP. E-mail: cintra.flavia@hotmail.com / ORCID: 0009-0004-1826-6859