SAME-SEX ADOPTION
ADOPCIÓN HOMOAFECTIVA
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202511132042
Ana Carolina Savaglia de Camargo Preturlon1
Júlia Luísa de Souza2
RESUMO
O presente estudo aborda a adoção homoafetiva no Brasil, destacando sua relevância social e jurídica diante das transformações familiares contemporâneas. A pesquisa discute o direito de casais do mesmo sexo à adoção, enfatizando o princípio da igualdade e da dignidade humana garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Busca-se compreender como o sistema jurídico brasileiro tem se posicionado frente às demandas por reconhecimento da pluralidade familiar e à superação de preconceitos ainda existentes. Assim, o trabalho reforça que a orientação sexual não deve ser um fator de exclusão, mas sim um aspecto de respeito à diversidade e à formação de lares baseados no afeto e na responsabilidade.
Palavras-chave: Adoção, Homoafetividade, Direitos, Igualdade.
ABSTRACT
This study addresses same-sex adoption in Brazil, highlighting its social and legal relevance in light of contemporary family transformations. The research discusses the right of same-sex couples to adopt, emphasizing the principles of equality and human dignity guaranteed by the Federal Constitution and the Statute of Children and Adolescents. It seeks to understand how the Brazilian legal system has responded to demands for family diversity and the fight against persistent prejudice. The study reinforces that sexual orientation should not be a factor of exclusion but a demonstration of respect for diversity and the creation of families based on affection and responsibility.
Keywords: Adoption, Same-Sex Couples, Rights, Equality.
RESUMEN
El presente estudio analiza la adopción homoafectiva en Brasil, destacando su relevancia social y jurídica frente a las transformaciones familiares contemporáneas. La investigación aborda el derecho de las parejas del mismo sexo a adoptar, subrayando los principios de igualdad y dignidad humana garantizados por la Constitución Federal y el Estatuto del Niño y del Adolescente. Se busca comprender cómo el sistema jurídico brasileño ha respondido a las demandas de reconocimiento de la diversidad familiar y la superación de los prejuicios existentes. Así, se refuerza que la orientación sexual no debe ser un criterio de exclusión, sino un aspecto de respeto a la diversidad y a la formación de hogares basados en el afecto y la responsabilidad.
Palabras clave: Adopción, Homoafectividad, Derechos, Igualdad.
1 INTRODUÇÃO
A família, enquanto instituição social, passou por diversas transformações ao longo da história, deixando de ser compreendida apenas sob o modelo tradicional composto por pai, mãe e filhos, para abranger novas configurações baseadas no afeto, na solidariedade e na convivência harmônica. Nesse contexto, a adoção por casais homoafetivos emerge como uma importante pauta de discussão no campo jurídico e social, especialmente por representar uma ampliação do conceito de família e do direito à igualdade. O direito de constituir uma família é um princípio fundamental garantido pela Constituição Federal, e, portanto, não deve estar condicionado à orientação sexual dos indivíduos, mas sim à capacidade de oferecer amor, cuidado e segurança a uma criança ou adolescente.
A sociedade contemporânea tem reconhecido, ainda que de forma gradual, as diversas formas de vínculos familiares. Entretanto, o tema da adoção por casais do mesmo sexo ainda enfrenta resistências e preconceitos que se refletem em alguns setores sociais e jurídicos. A despeito dos avanços legais, como o reconhecimento da união estável homoafetiva e o direito de adoção assegurado sem distinção de gênero, persistem lacunas interpretativas e culturais que dificultam a efetivação plena desses direitos. A homossexualidade, muitas vezes, é alvo de discriminação, o que torna a luta por igualdade de direitos uma questão não apenas jurídica, mas também ética e social.
No campo jurídico, a adoção é tratada como uma medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), tendo como objetivo garantir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes. A legislação brasileira não impõe restrições quanto à orientação sexual dos adotantes, reconhecendo que o mais importante é a capacidade de proporcionar um ambiente saudável e afetuoso para o desenvolvimento integral do adotado. Dessa forma, a discussão sobre a adoção homoafetiva está diretamente relacionada à defesa dos direitos humanos e à promoção da igualdade, afastando qualquer tipo de discriminação ou exclusão.
A questão central que norteia este estudo é: os casais homoafetivos possuem, na prática, os mesmos direitos de adoção que os casais heterossexuais no Brasil? Essa indagação surge a partir da necessidade de compreender de que forma a legislação é aplicada, bem como identificar os desafios e avanços enfrentados por casais do mesmo sexo que desejam exercer o direito de adotar.
Justifica-se este estudo pela relevância social e jurídica do tema, uma vez que trata da efetivação dos direitos fundamentais e da superação de preconceitos que ainda persistem na sociedade. A adoção homoafetiva representa um avanço no reconhecimento da diversidade familiar e na consolidação de uma cultura de respeito à diferença. Além disso, ao abordar a perspectiva jurídica da adoção, busca-se contribuir para o fortalecimento das discussões sobre igualdade de direitos e inclusão social, incentivando uma visão mais justa e acolhedora sobre as novas configurações familiares.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é compreender os aspectos jurídicos e sociais que envolvem a adoção por casais homoafetivos no Brasil, discutindo o conceito de homossexualidade e suas implicações nas relações familiares, apresentando o direito de adoção conforme a legislação vigente e analisando os desafios e avanços vivenciados por casais do mesmo sexo no contexto jurídico e social do país.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A homossexualidade é uma questão altamente controversa, pois há uma série de critérios e comentários que foram feitos a esse respeito, alguns são a favor e outros contra; a verdade é aquilo, A homossexualidade é tão antiga quanto a própria humanidade. A intenção deste trabalho não é fazer uma exposição de cada um dos comentários feitos sobre o tema; no entanto, É de vital importância destacar alguns aspectos da homossexualidade ao longo da história. Desta forma e como referência para esta análise, podemos levar em consideração o que foi mencionado por Bonilla (2004) Garzón-Segura (2015) que a este respeito afirma:
Um dos preconceitos presentes na sociedade está relacionado à orientação sexual e gênero das pessoas, o que tem sido reforçado pela tipificação do papel sexual. Na sociedade estereótipos sexuais foram estabelecidos para produzir uma imagem de um grupo social e que exigem papéis específicos de acordo com o sexo de cada pessoa. Nesta ordem de ideias, ligada a crenças sociais ou psicológicas presentes em um determinado grupo, meninas, meninos e adolescentes quais são as formas adequadas de comportamento de acordo com o sexo e o papel que cada um deve cumprir na sociedade. (Bolaños; Morales, 2018, p. 400).
Com base nisso, pode-se determinar que a sociedade exerce uma espécie de juiz, este porquanto se espera que cada indivíduo que o compõe, haja com base no seu gênero e não na sua orientação sexual; uma vez que foi observado em várias ocasiões que há meninos, meninas e adolescentes que no desenvolvimento de seu crescimento físico e emocional, descobrem que possuem outros opções e gostos de natureza sexual diferentes dos tradicionais; no entanto, geralmente essas “opções e gostos” costumam ser censurados pela opinião pública.
Homens e mulheres devem cumprir a função específica que lhes é atribuída naturalmente, portanto, espera-se que seu comportamento e desenvolvimento social giram em torno do mesmo; então, se uma pessoa homossexual com seu comportamento vai contra a natureza e violentos tais papéis, é considerado antinatural ou errado (DÍAZ ÁLVAREZ, 2004).
Este critério é compartilhado por sociedades historicamente tradicionalistas, já que se espera que o indivíduo cumpra a função designada naturalmente e não aquela com a qual você se identifica. Agora você deve ter levando em consideração que todos gozam de igualdade perante a lei, independentemente de sua orientação ou preferências sexuais; o sexo deve ser considerado irrelevante do ponto de vista jurídico, já que a lei não trata do sexo (OLIVEIRA, 2009).
No entanto, na realidade, em várias culturas e sociedades em todo o mundo, existe uma marcada desigualdade e discriminação contra homossexuais, que foi denunciada em várias ocasiões de grupos e coletivos que dão suporte a essas também chamadas “minorias”, reclamações derivada da repressão, maus tratos, discriminação, intolerância e nos casos mais radicais a morte, situações que ocorrem somente por ter cometido o “crime” de ter uma orientação sexual diferente de heterossexual.
De acordo com Garcia:
A família mudou, assim como a sociedade da qual faz parte. Seus caminhos têm diversificado e se distanciar do modelo patriarcal tradicional. Também o avanço do A biotecnologia contribuiu para essa mudança. Assim, hoje existem famílias formadas por dois pais, mulheres e homens; famílias monoparentais (por viuvez, divórcio ou opção pessoal); famílias em cuja origem agiu um dos pais e “a sombra” de outro (óvulo ou esperma congelado); e famílias constituídas por dois pais do mesmo sexo. (Buil, García-Rubio, Lapastora e Rabasot, 2004, p. 83)
Fazendo uma análise mais ampla dos novos conceitos de família, devemos considerar Além disso, o vazio jurídico em que muitas crianças e adolescentes se encontram, uma vez que existem casos, em que os menores não tenham sido adotados por casais homossexuais, sejam crianças fatores biológicos de uma das duas pessoas que compõem o casal, daí o especial interesse em regulam a situação jurídica e o limbo jurídico em que vivem esses menores, circunstâncias.
2.1 DIFICULDADES DA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
A questão da adoção em si é uma questão bastante complexa, uma vez que não se desconhece que, nona maioria dos países do mundo, o procedimento que os casais heterossexuais devem realizar quem desejam acessar este direito, é titânico, uma vez que devem se submeter a exames extenuantes de idoneidade, reúna montes de documentação e arme-se com paciência, pois conseguir concluir todo o processo pode levar vários anos.Agora, visto da perspectiva de um casal homossexual, podemos simplesmente dizer que é impossível.
Existem vários argumentos contra a adoção por casais homossexuais, um dos mais frequente é a religião, pois existe o critério de que Deus criou o homem e a mulher, e não se pode aceitar que haja algo diferente disso; no entanto, não é um argumento legalmente válido, ao impor restrição à adoção por casal homossexual, porque a lei é feita para todos igualmente, sem discriminação de qualquer espécie, independentemente da religião que é professada (LÓPEZ SÁNCHEZ, 2006).
Outro dos argumentos mais recorrentes é que os casais não podem ser adotados homossexuais porque são pessoas que sofrem de uma “doença”, algum tipo de transtorno ou transtorno mental, emocional, etc., e que, portanto, representaria uma ameaça para a (s) criança (s)menores que adotam; visto que se considera que não seriam um modelo exemplar de pai ou mãe, uma vez que ensinariam a seus filhos que uma “aberração” como a homossexualidade é normal.
Como há uma variedade de critérios contra a adoção por casais homossexuais, foi possível determinar duas posições específicas, a primeira em que a homossexualidade como forma de orientação sexual, mas que deve ter várias proibições; e, a segunda em que só não compartilham que este tipo de casais (homossexuais), concordam ao casamento e à adoção. (LÓPEZ SÁNCHEZ, 2006). Da mesma forma, há um argumento mais, que tem sido usado em relação à oposição à adoção por casais homossexuais, é manifestar o problema que os menores adotados teriam na época de adquirir a própria identidade sexual, pois não é normal que uma pessoa tenha dois pais ou duas mães; é precisamente aqui que nasce esta oposição.
Enfatiza-se então que as crianças não teriam um modelo a seguir, seja o pai, seja o mãe; no entanto, esse argumento é fraco e não totalmente verdadeiro. Vamos tomar como referência a palavras de López Sánchez (2006) que afirma que “meninos e meninas vivem em um mundo com homens e mulheres.
Sempre houve um vazio jurídico, no que diz respeito à questão da adoção, na medida em que, repetidamente, a opinião pública recebeu mais valor do que a substância da questão, sempre foi deixando de lado o que é realmente importante, este é o melhor interesse das crianças, porque a questão social, religiosa e moral pesou mais, do que os direitos de um menino ou de uma menina, queele está na lista de espera para ser adotado. Existem várias investigações que foram conduzidas a nível mundial, no que diz respeito ao direito de adoção, uma tendência analítica marcante levou ao seguinte:
Atualmente, há um descompasso entre a realidade social e a legislação vigente. Muitas lésbicas e muitos gays têm filhos, de coabitação anterior, de inseminação artificial, auto-inseminação, adotada ou promovida. E muitos desses As crianças vivem com suas mães e pais biológicos e com seus parceiros do mesmo sexo. A realidade social segue um curso divergente em relação às normas vigentes. (Buil, García, Lapastora, Rabasot, 2004, p. 83)
Atualmente, há um descompasso entre a realidade social e a legislação vigente. Muitas lésbicas e muitos gays têm filhos, de coabitação anterior, de inseminação artificial, auto-inseminação, adotada ou promovida. E muitos desses As crianças vivem com suas mães e pais biológicos e com seus parceiros do mesmo sexo. A realidade social segue um curso divergente em relação às normas vigentes. (Buil, García, Lapastora, Rabasot, 2004, p. 83)
Desta forma, é imprescindível que a legislação se adapte a esta realidade e a regule, de forma à garantir os direitos de meninas, meninos e adolescentes, que já vivem em domicílios com esses características e, em vários casos, sem ser capaz de acessar direitos como herança, acesso aa identidade (visto que não é permitido o registro do sobrenome do outro pai / mãe), à previdência social, entre outros.
Por fim, tomemos como referência a conclusão a que eles a certamente chegaram (BOLAÑOS, MORALES, 2018) sobre a adoção homo parental:
Quando se trata de adoção, orientação sexual ou identidade de gênero não é uma condição fator determinante para definir a idoneidade das pessoas em adotar, pelo contrário, deve estudar cada caso específico em prol de garantir que a adoção responda ao interesse superior do menor, levando em consideração as características de cada indivíduo e de cada família adotiva potencial. (p. 416)
Desta forma, devemos deixar claro que a sociedade evoluiu, não é mais o mesmo que existia há vários anos, as políticas públicas, necessidades e direitos mudaram e com eles também deve mudar o pensamento humano, tolerância e respeito, são fatores indispensável para o pleno desenvolvimento de uma sociedade igualitária e solidária, ondeos direitos de todas as pessoas, sem que ninguém seja discriminado por causa de sua orientação sexual,religião, afiliação política ou identidade cultural.
3 METODOLOGIA
O presente estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica e qualitativa, baseada na análise de obras doutrinárias, artigos científicos, legislações e decisões judiciais que tratam do tema da adoção por casais homoafetivos no Brasil. A abordagem qualitativa foi escolhida por permitir uma reflexão mais profunda e interpretativa sobre os aspectos jurídicos, sociais e culturais que envolvem o reconhecimento da parentalidade homoafetiva.
A pesquisa bibliográfica consistiu na revisão de livros, revistas especializadas, dissertações e publicações acadêmicas de autores renomados do Direito e das Ciências Sociais, como Maria Berenice Dias, Celso Ribeiro Bastos e Luiz Fernando de Brito, entre outros. Além disso, foram consultadas fontes legais e jurisprudenciais, incluindo a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), a Lei nº 12.010/2009 (Nova Lei de Adoção) e decisões relevantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O estudo também utilizou métodos descritivos e analíticos, com o objetivo de compreender como a legislação e a jurisprudência têm evoluído diante das transformações sociais que envolvem as novas configurações familiares. Buscou-se identificar os principais desafios, avanços e lacunas existentes na regulamentação da adoção homoafetiva, bem como discutir a aplicação dos princípios constitucionais de igualdade, dignidade da pessoa humana e não discriminação.
Portanto, esta metodologia permitiu reunir informações teóricas e práticas capazes de fundamentar uma análise crítica e humanizada sobre o tema, contribuindo para o debate acadêmico e para a promoção de uma sociedade mais inclusiva e plural.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Constituição Federal do Brasil proíbe expressamente qualquer forma de discriminação em razão do sexo (art. 3º, IV). Embora o texto constitucional não mencione de forma explícita a orientação sexual, a interpretação jurídica contemporânea amplia esse entendimento para abranger também a proteção das relações homoafetivas. A homossexualidade, portanto, não é considerada crime no ordenamento jurídico brasileiro, com exceção das normas específicas aplicáveis às Forças Armadas, conforme previsto no Código Penal Militar.
Mesmo diante da ausência de dispositivos legais específicos que reconheçam as uniões homoafetivas, a Constituição protege a instituição familiar em sentido amplo, permitindo interpretações que acolham a formação de famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Essa ampliação do conceito de família representa um avanço significativo no âmbito da Justiça brasileira, ainda que a matéria permaneça cercada de controvérsias (Silva, 2008).
Durante muitos anos, a tendência predominante no Judiciário foi reconhecer os casais homossexuais apenas como uma “união de fato” ou “sociedade de fato”, o que conferia direitos patrimoniais, mas não o reconhecimento pleno de entidade familiar. Apesar de essa posição revelar um tratamento desigual em relação às uniões heterossexuais, permitiu alguns avanços, como o direito à partilha de bens e à pensão por morte em determinadas situações (Silva, 2008).
A partir de 2008, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a adotar uma postura mais inclusiva, ao admitir que as ações relacionadas a direitos decorrentes de relações homoafetivas fossem apreciadas pelas Varas de Família, e não apenas pelas Varas Cíveis. Essa mudança foi consolidada no julgamento do Recurso Especial nº 820.475/RJ, em que o Tribunal reconheceu que a valorização da união estável entre pessoas do mesmo sexo não encontra impedimento legal. Essa decisão marcou um importante precedente ao considerar que a ausência de menção explícita à homossexualidade nas leis não deveria ser interpretada como exclusão (Silva, 2008).
O Tribunal também reconheceu que o tema se refere a uma questão de fato ainda não regulamentada de forma específica pela legislação, o que justifica a aplicação da analogia jurídica. Assim, situações semelhantes às uniões heterossexuais poderiam ser tratadas sob os mesmos princípios legais, assegurando isonomia de direitos e deveres entre os casais (Silva, 2008).
Outro marco importante na discussão foi a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tratou da aplicação do artigo 1.723 do Código Civil — referente à união estável entre homem e mulher — às relações entre servidores públicos do mesmo sexo no Estado do Rio de Janeiro. Embora inicialmente restrita a um contexto específico, essa ação teve repercussão nacional, consolidando a compreensão de que a união homoafetiva é uma forma legítima de entidade familiar, com os mesmos efeitos jurídicos das uniões heterossexuais (Silva, 2008).
No campo legislativo, diversos projetos de lei buscaram regulamentar as uniões homoafetivas e combater a discriminação por orientação sexual, como o Projeto de Lei nº 1.151/1995, o Projeto de Lei nº 2.285/2007 (Estatuto da Família) e a Proposta de Emenda Constitucional nº 67/1999, que propunha a inclusão da “orientação sexual” como categoria expressamente protegida contra a discriminação. No entanto, até o momento, nenhum desses projetos foi aprovado (Diaz, 2001).
No âmbito doutrinário, Maria Berenice Dias, jurista e ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é uma das principais defensoras do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares. Para a autora, há uma lacuna constitucional que perpetua a desigualdade de tratamento entre casais heterossexuais e homossexuais. Ela argumenta que a não equiparação jurídica dessas relações viola os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito (Dias, 2001).
Por outro lado, autores de visão mais conservadora, como Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, sustentam que as uniões homoafetivas não se enquadram no conceito de família adotado pela Constituição Federal, defendendo uma interpretação restritiva que mantém o modelo tradicional baseado na união entre homem e mulher (Dias, 2001).
Dessa forma, observa-se que a discussão sobre a adoção e o reconhecimento das uniões homoafetivas no Brasil reflete uma transformação social e jurídica em curso. O avanço das decisões judiciais e o debate doutrinário evidenciam uma busca constante pela efetivação dos direitos fundamentais, pela igualdade e pelo respeito à diversidade, elementos essenciais para a consolidação de uma sociedade mais justa e inclusiva.
A adoção no Brasil é regulamentada pela Lei Federal nº 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece normas para a proteção integral da criança e do adolescente. No entanto, o ECA não faz menção expressa à adoção por pessoas ou casais homossexuais, o que gera lacunas interpretativas e espaço para diferentes entendimentos no âmbito judicial. O principal critério estabelecido pela legislação é o princípio do melhor interesse da criança, ou seja, a adoção deve representar “vantagens reais” para o adotando, priorizando seu bem-estar físico, psicológico e social.
A lei também exige o consentimento dos pais biológicos ou responsáveis legais e da própria criança, caso tenha mais de 12 anos. Em relação à adoção por casais homoafetivos, a principal barreira identificada decorre da exigência legal de que a adoção conjunta só pode ocorrer entre pessoas casadas ou que mantenham união estável. Assim, a viabilidade da adoção por casais do mesmo sexo depende do reconhecimento judicial da união homoafetiva como uma união estável — o que, até a regulamentação do casamento civil igualitário em 2013, não era formalmente previsto na legislação (Brito, 2000).
Apesar das limitações legais, a adoção individual por pessoas homossexuais nunca foi proibida no Brasil. O fato de o adotante não precisar declarar sua orientação sexual no processo de habilitação contribuiu para que diversas adoções fossem deferidas sem entraves. Conforme aponta Brito (2000), a avaliação psicossocial realizada pelos tribunais se baseia em critérios de afeto, estabilidade emocional e capacidade financeira, independentemente da orientação sexual do requerente. Em alguns casos, a homossexualidade do adotante foi levada ao conhecimento do juiz, cabendo a este a decisão conforme seu entendimento e a análise do caso concreto.
Um exemplo significativo ocorreu no Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, que afirmou em comunicado oficial: “A lei não prevê a adoção por homossexuais; nesse caso, a autorização fica a critério do juiz responsável pelo processo” (Brito, 2000). Tal posicionamento demonstra a ausência de uniformidade nos julgamentos, resultando em decisões distintas entre diferentes tribunais.
A psicóloga Ana Luiza Castro, da 1ª Vara da Comarca de Porto Alegre (RS), relatou que muitos casais homoafetivos evitam declarar sua relação nos processos de adoção, temendo a negativa judicial. Apesar disso, há casos emblemáticos que consolidaram precedentes importantes. Em 2005, na Comarca de Catanduva (SP), o juiz Júlio Cesar Spoladore Domingos concedeu adoção conjunta a dois homens. No mesmo ano, o Tribunal de Justiça da Comarca de Bagé (RS) também autorizou a adoção de duas crianças por um casal de mulheres, decisão mantida após recurso apresentado pelo Ministério Público (Malheiros, 2005).
O desembargador José Daltoe Cezar, da 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, afirmou que, desde que o casal homoafetivo atenda aos mesmos critérios socioeconômicos e psicológicos exigidos aos heterossexuais, o pedido de adoção deve ser aceito. Segundo o magistrado, a jurisprudência local já consolidou o entendimento de que a orientação sexual dos adotantes não pode ser fator de impedimento (Uziel, 2004). A Procuradora Distrital do mesmo tribunal reforçou esse posicionamento ao declarar que continuará emitindo pareceres favoráveis, desde que os requisitos legais sejam cumpridos.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também declarou não possuir restrições quanto ao credenciamento de casais homoafetivos no Registro Nacional de Adoção, assegurando que o sistema não faz distinção de orientação sexual entre os pretendentes (Bastos, 1998). Essa neutralidade institucional representa um importante avanço na promoção da igualdade de direitos.
No campo legislativo, o Projeto de Lei Nacional de Adoção chegou a prever expressamente a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo. Entretanto, para viabilizar sua aprovação na Câmara dos Deputados, em 2008, a parte do texto que autorizava explicitamente a adoção homoafetiva foi retirada. Mesmo assim, os tribunais já vinham reconhecendo esse direito na prática, aplicando o princípio da igualdade e do melhor interesse da criança (Bastos, 1998).
Esses casos demonstram que, embora o Brasil ainda enfrente resistência cultural e lacunas legais no reconhecimento pleno da adoção por casais homoafetivos, o avanço jurisprudencial tem sido essencial para a garantia da justiça e da equidade. A atuação de magistrados, psicólogos e assistentes sociais com base em critérios técnicos e humanitários tem contribuído para a consolidação de um novo paradigma familiar, pautado no afeto, na responsabilidade e na dignidade humana.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo permitiu compreender a evolução do reconhecimento jurídico da adoção por casais homoafetivos no Brasil, destacando avanços significativos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Observou-se que, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não mencione expressamente a adoção por pessoas do mesmo sexo, o princípio do melhor interesse da criança tem orientado as decisões judiciais, promovendo uma interpretação mais inclusiva e humanizada da lei.
Os resultados demonstraram que, apesar das lacunas legislativas e dos resquícios de preconceito social, o Poder Judiciário brasileiro tem se mostrado sensível às transformações sociais e à diversidade familiar, reconhecendo que a orientação sexual dos adotantes não interfere na capacidade de oferecer um lar afetuoso, seguro e estruturado. Casos emblemáticos julgados em diferentes estados reforçam que o vínculo afetivo e a responsabilidade são os verdadeiros fundamentos da parentalidade.
Assim, conclui-se que a adoção homoafetiva representa um avanço jurídico e social que consolida o respeito à dignidade humana e à igualdade de direitos. O reconhecimento legal dessas famílias contribui para a efetivação dos princípios constitucionais de justiça, liberdade e não discriminação, reafirmando que o direito à convivência familiar deve ser assegurado a todas as crianças e adolescentes, independentemente da orientação sexual de seus pais.
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1Formação acadêmica mais alta com a área Direito. Instituição de formação: Universidade Presbiteriano Mackenzie. E-mail: anac.preturlon@gmail.com
2Formação acadêmica mais alta com a área Direito. Instituição de formação: Universidade Presbiteriano Mackenzie, E-mail: julia.luisa1005@gmail.com
