A PRÁTICA ESCOLAR INCLUSIVA COMO GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202508312119


Oscarina Alves de Lima1
Fábio Coelho Pinto2


RESUMO 

O presente artigo tem como objetivo discutir a educação inclusiva como uma prática escolar capaz de garantir os direitos fundamentais, especialmente no que se refere ao acesso, permanência, participação e aprendizagem de todos os estudantes, com ênfase nos sujeitos historicamente marginalizados, como pessoas com deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Com base em uma abordagem teórico-analítica, o texto examina os fundamentos legais, pedagógicos e ético-políticos que sustentam a educação inclusiva como um princípio estruturante de uma escola democrática e comprometida com a equidade. Argumenta-se que a efetivação da inclusão no cotidiano escolar exige transformações profundas nos modelos pedagógicos tradicionais, ainda marcados por lógicas excludentes, homogeneizadoras e medicalizantes. A prática inclusiva demanda a valorização da diversidade como elemento constitutivo do processo educativo e pressupõe formação docente crítica, gestão escolar participativa, acessibilidade plena, trabalho colaborativo e reconfiguração do projeto político-pedagógico. São analisados os principais desafios enfrentados pelas escolas, como a precariedade da formação docente, a ausência de recursos materiais e humanos, as barreiras atitudinais e a resistência institucional. Em contrapartida, também são apresentadas possibilidades e experiências exitosas que demonstram a viabilidade da inclusão como um projeto político e pedagógico realizável. Conclui-se que a educação inclusiva vai além do cumprimento de uma obrigação legal: ela representa um compromisso ético com a dignidade humana é um instrumento potente para a construção de uma sociedade mais justa, plural e solidária, na qual os direitos fundamentais sejam efetivamente garantidos a todos.

Palavras-Chaves: Educação inclusiva. Direitos fundamentais. Diversidade. Prática pedagógica. Formação docente. Justiça social.

ABSTRACT

This article aims to discuss inclusive education as a school practice capable of ensuring fundamental rights, particularly regarding access, retention, participation, and learning for all students, with emphasis on historically marginalized groups such as persons with disabilities, developmental disorders, and gifted students. Based on a theoretical-analytical approach, the paper examines the legal, pedagogical, and ethical-political foundations that support inclusive education as a structuring principle of a democratic school committed to equity. It is argued that the effective implementation of inclusion in school settings requires profound transformations in traditional pedagogical models, which are still marked by exclusionary, homogenizing, and medicalizing logics. Inclusive practice demands the recognition of diversity as a constitutive element of the educational process and requires critical teacher education, participatory school management, full accessibility, collaborative work, and a reconfiguration of the school’s political-pedagogical project. The main challenges faced by schools are analyzed, such as insufficient teacher training, lack of material and human resources, attitudinal barriers, and institutional resistance. On the other hand, successful experiences are also presented, demonstrating the feasibility of inclusion as a viable political and pedagogical project. It is concluded that inclusive education goes beyond fulfilling a legal requirement: it represents an ethical commitment to human dignity and a powerful instrument for building a more just, pluralistic, and supportive society, in which fundamental rights are effectively guaranteed for all.

Keywords: Inclusive education. Fundamental rights. Diversity. Pedagogical practice. Teacher education. Social justice.

1. INTRODUÇÃO 

A educação é amplamente reconhecida como um direito humano fundamental e um dos principais instrumentos de promoção da cidadania, da igualdade social e do desenvolvimento humano. Ela está assegurada em diversos dispositivos legais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que em seu artigo 26 estabelece o direito universal à educação; a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989); e, mais especificamente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), que enfatiza a importância de sistemas educacionais inclusivos em todos os níveis. 

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 205 e 206, afirma que a educação é direito de todos e deve ser oferecida com base nos princípios da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, o que reforça a centralidade da educação na efetivação de outros direitos fundamentais.

Apesar do arcabouço normativo e dos avanços nas políticas públicas educacionais nas últimas décadas, a concretização do direito à educação em sua dimensão plena ainda encontra diversos obstáculos. Milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos permanecem à margem de uma educação de qualidade, especialmente aqueles pertencentes a grupos historicamente vulnerabilizados, como pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, entre outros. Essa exclusão, muitas vezes estrutural e sistêmica, evidencia que a universalização do acesso formal à escola não garante, por si só, a equidade no processo educativo nem a efetivação da aprendizagem como direito.

Nesse cenário, a educação inclusiva desponta como uma proposta político-pedagógica essencial à promoção da justiça social. Mais do que um modelo de atendimento específico, ela constitui uma perspectiva ética e organizacional que exige o redesenho dos sistemas escolares, com base no reconhecimento e valorização da diversidade humana. Ao contrário de práticas meramente integradoras, que mantêm os sujeitos nos moldes tradicionais da escola sem alterações estruturais, a educação inclusiva propõe transformações nos currículos, nas metodologias, nas avaliações, na formação docente e na cultura escolar como um todo, de modo a remover as múltiplas barreiras à participação plena de todos os estudantes.

Compreendida dessa forma, a educação inclusiva se vincula diretamente à garantia dos direitos fundamentais, pois reafirma a dignidade da pessoa humana, o direito à igualdade de oportunidades e o princípio da não discriminação, sendo, portanto, indissociável da construção de uma sociedade democrática. Nesse sentido, a escola, ao adotar práticas inclusivas, não apenas cumpre seu papel legal e social, mas também se constitui como espaço privilegiado para o exercício dos direitos humanos e da cidadania ativa.

Diante disso, este artigo tem como objetivo discutir como a educação inclusiva, entendida enquanto prática escolar estruturante e não meramente acessória, pode ser efetivamente mobilizada como mecanismo de garantia dos direitos fundamentais. Parte-se da premissa de que a inclusão não é um atributo individual do estudante, mas uma responsabilidade coletiva da instituição escolar e da sociedade como um todo, devendo ser sustentada por políticas públicas consistentes, formação profissional contínua e compromisso ético-político com a equidade educacional.

2. METODOLOGIA

Este artigo adota uma abordagem qualitativa, de natureza teórico-analítica, visando compreender e discutir os fundamentos, desafios e possibilidades da educação inclusiva como prática escolar que assegura os direitos fundamentais. A metodologia escolhida baseia-se em uma revisão bibliográfica crítica, que contempla a análise e a sistematização de produções científicas, legislações, documentos oficiais e referências teóricas relevantes na área da educação inclusiva, direitos humanos e políticas públicas educacionais.

A revisão bibliográfica seguiu critérios rigorosos de seleção, privilegiando autores reconhecidos e trabalhos publicados em periódicos acadêmicos, livros e relatórios institucionais das últimas duas décadas, garantindo a atualidade e a relevância das discussões. Foram considerados textos que abordam aspectos legais, pedagógicos, éticos e políticos da inclusão, bem como estudos de casos e pesquisas empíricas que ilustram a implementação prática das políticas inclusivas no contexto escolar brasileiro.

A análise dos dados bibliográficos ocorreu a partir de técnicas de leitura interpretativa e análise crítica do discurso, buscando identificar convergências, divergências e lacunas no campo, além de articular os conceitos para fundamentar a argumentação do artigo. Essa abordagem possibilitou uma reflexão aprofundada sobre as condições necessárias para a efetivação da educação inclusiva, suas implicações para a garantia dos direitos fundamentais e os desafios enfrentados no cotidiano das escolas.

Dessa forma, a metodologia adotada não se limita à descrição dos fenômenos, mas propõe uma interlocução crítica entre teoria e prática, visando subsidiar políticas educacionais e práticas pedagógicas que promovam a equidade, a justiça social e o reconhecimento da diversidade como valor.

3. A EDUCAÇÃO INCLUSIVA COMO DIREITO E PRINCÍPIO FUNDAMENTAL

A educação inclusiva, enquanto direito e princípio basilar, está alicerçada em fundamentos jurídicos e éticos que consolidam seu papel na promoção da justiça social e da cidadania plena. A Constituição Federal de 1988, marco fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, estabelece no artigo 205 que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, com objetivos claros para o desenvolvimento integral da pessoa, sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Complementarmente, o artigo 206 assegura a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, reforçando o compromisso constitucional com a equidade no âmbito educacional (BRASIL, 1988).

Este arcabouço legal é reforçado pela ratificação, pelo Brasil, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006), que ganhou status constitucional conforme o artigo 5º, §3º da Constituição Federal. A Convenção representa um avanço paradigmático ao reconhecer a educação inclusiva como um direito humano universal, transcendendo modelos segregacionistas e medicalizantes que historicamente marginalizaram pessoas com deficiência. 

Segundo Sassaki (2010), a Convenção orienta que os sistemas educacionais devem ser reformulados para responder às necessidades de todos os estudantes, eliminando barreiras e promovendo a participação plena.

Na esfera da legislação infraconstitucional, destaca-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que consolida juridicamente a obrigação do Estado em oferecer educação inclusiva, vedando qualquer forma de discriminação por deficiência e garantindo adaptações razoáveis e acessibilidade nos ambientes escolares. Essa lei evidencia que a educação inclusiva não é uma concessão ou benefício, mas um dever estatal e um compromisso ético-político com a dignidade e os direitos humanos (BRASIL, 2015). 

Para Mantoan (2006), tal entendimento implica reconhecer que a escola deve assegurar o direito de todos os alunos ao currículo, às atividades escolares e ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades, rompendo com a lógica da exclusão.

A educação inclusiva, portanto, está intrinsecamente vinculada à promoção de direitos fundamentais, como o direito à igualdade, à liberdade, à participação e à educação de qualidade. Conforme Freire (1996), a escola inclusiva deve funcionar como espaço democrático de reconhecimento das diferenças e de construção coletiva do saber, contribuindo para a formação de sujeitos críticos e agentes ativos da transformação social. 

Em síntese, garantir o direito à educação inclusiva é garantir o exercício pleno da cidadania e reafirmar a dignidade humana como valor inalienável no processo educativo.

4. A PRÁTICA ESCOLAR INCLUSIVA E SUA MATERIALIZAÇÃO NO COTIDIANO PEDAGÓGICO

A efetivação da educação inclusiva no âmbito da escola requer muito mais do que mudanças pontuais ou adaptações superficiais no espaço físico ou no currículo. Trata-se de um processo complexo e multidimensional que demanda uma profunda transformação cultural, pedagógica e organizacional no interior das instituições escolares. Essa transformação implica a superação de práticas educacionais excludentes, baseadas em lógicas normativas e classificatórias que historicamente patologizam a diferença e reproduzem desigualdades estruturais, sobretudo no que diz respeito aos sujeitos com deficiência (Skliar, 2003; Aranha, 2001).

Segundo Mantoan (2006), a educação inclusiva não pode ser entendida como mera política de inserção de alunos com deficiência no ensino regular, mas como uma proposta de reorganização da escola para que ela seja capaz de acolher, ensinar e valorizar a todos, respeitando suas singularidades. Para essa autora, a inclusão é um processo contínuo de construção de uma escola democrática, na qual a diversidade é reconhecida como elemento constitutivo do processo educativo e não como problema a ser resolvido. Essa perspectiva rompe com a concepção de normalidade dominante e desloca o foco do “aluno que precisa se adaptar” para a “escola que precisa se transformar”.

No plano pedagógico, isso implica o uso de estratégias didático-metodológicas que reconheçam e respondam aos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem. A flexibilização curricular, o desenho universal para a aprendizagem (DUA) e a diferenciação pedagógica são recursos que contribuem para garantir o acesso ao conhecimento em sua multiplicidade de formas (Rose & Meyer, 2002; Sassaki, 2010). Dessa forma, a aprendizagem deixa de ser compreendida como um processo linear e homogêneo, passando a ser concebida como uma construção social e plural, que se dá em contextos interativos, colaborativos e significativos.

Nesse contexto, a atuação docente assume papel central. Os professores são agentes fundamentais na mediação das práticas inclusivas, o que exige não apenas conhecimento técnico, mas também uma postura ética e política comprometida com os direitos humanos e com a justiça social (Freire, 1996). 

A formação docente, inicial e continuada, precisa contemplar conteúdos relativos à educação inclusiva, à acessibilidade, à diversidade e aos direitos das pessoas com deficiência, de modo a capacitá-los a identificar e enfrentar as barreiras — atitudinais, arquitetônicas, comunicacionais e pedagógicas — que impedem ou dificultam o pleno acesso dos estudantes à aprendizagem (Brasil, 2008; Mitller, 2003).

Além da formação, a construção de uma prática inclusiva eficaz depende do trabalho colaborativo entre professores regentes, profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE), gestores escolares, famílias e demais membros da comunidade educativa. A colaboração entre esses sujeitos permite a construção de respostas educativas mais contextualizadas e pertinentes às necessidades dos estudantes, promovendo uma educação mais humanizada e responsiva (Stainback; Stainback, 1999).

Outro aspecto fundamental para a materialização da inclusão diz respeito à intencionalidade política do projeto pedagógico da escola. O projeto político-pedagógico (PPP) deve estar alicerçado nos princípios da inclusão, da participação democrática e da justiça social, reconhecendo que a escola é, antes de tudo, um espaço de formação cidadã e de convivência com a diversidade (Libâneo, 2012). Isso implica o compromisso da gestão escolar com a promoção de uma cultura inclusiva, em que valores como respeito, empatia, cooperação e solidariedade sejam efetivamente vivenciados no cotidiano.

Dessa maneira, a prática escolar inclusiva não se resume a uma obrigação legal ou a uma diretriz política, mas se constitui como expressão concreta do direito à educação e, por extensão, dos direitos fundamentais da pessoa humana. Ao assegurar não apenas o acesso físico à escola, mas também a permanência qualificada, a participação ativa e o êxito escolar de todos os estudantes, a inclusão escolar se torna uma via de efetivação do direito à igualdade de oportunidades e à dignidade humana. Como afirma Boaventura de Sousa Santos (2007), “não há justiça social sem justiça cognitiva”, e a escola inclusiva se apresenta como o espaço privilegiado dessa articulação entre conhecimento, reconhecimento e direitos.

5. DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Apesar dos avanços normativos e políticos ocorridos nas últimas décadas, a efetivação da educação inclusiva nas escolas brasileiras ainda enfrenta diversos obstáculos estruturais, pedagógicos, institucionais e culturais. Tais desafios revelam a distância existente entre a legislação vigente e as práticas escolares reais, evidenciando a complexidade da implementação de uma escola verdadeiramente inclusiva, democrática e equitativa.

Entre os principais entraves identificados pela literatura especializada, destaca-se a precariedade da formação docente. Muitos profissionais da educação ainda não se sentem preparados para lidar com a diversidade em sala de aula, especialmente quando se trata de alunos com deficiência ou com necessidades educacionais específicas (Mantoan, 2006; Glat & Blanco, 2007). 

A formação inicial frequentemente carece de conteúdos voltados à inclusão, limitando-se a abordagens generalistas ou periféricas. Já a formação continuada, quando existente, muitas vezes é pontual, desarticulada do cotidiano escolar e desvinculada de práticas pedagógicas colaborativas e críticas (Pletsch, 2010).

Outro obstáculo recorrente é a deficiência na infraestrutura física e pedagógica das escolas, que se manifesta na ausência de recursos de acessibilidade, tecnologias assistivas, profissionais especializados e adaptações curriculares necessárias. Essa situação contradiz diretamente os princípios da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que assegura às pessoas com deficiência o direito à educação em ambientes inclusivos e com as condições adequadas para seu pleno desenvolvimento. Quando essas condições não são garantidas, perpetuam-se as barreiras ao acesso, à permanência e à aprendizagem, configurando grave violação de direitos fundamentais.

Adicionalmente, é importante considerar os aspectos culturais e simbólicos que permeiam o cotidiano escolar e influenciam a forma como a inclusão é concebida e praticada. Em muitas escolas, persiste uma cultura de homogeneização, que valoriza determinados padrões de desempenho e comportamento, em detrimento da pluralidade dos modos de ser, aprender e interagir. Essa lógica contribui para a reprodução de estigmas, preconceitos e práticas excludentes, ainda que de forma sutil ou inconsciente (Skliar, 2003; Sassaki, 2010). Como alerta Aranha (2001), o desafio da inclusão não é apenas técnico, mas essencialmente ético e político, exigindo a revisão de concepções cristalizadas sobre deficiência, normalidade e aprendizagem.

No entanto, mesmo diante de tantos desafios, há experiências concretas e exitosas que demonstram a viabilidade e os benefícios de práticas escolares inclusivas. Estudos de caso em redes públicas e privadas, especialmente aquelas que contam com o apoio de políticas de formação continuada, gestão democrática e financiamento público adequado, revelam que a inclusão é possível quando há compromisso institucional e valorização do trabalho coletivo (Stainback & Stainback, 1999; Mittler, 2003). 

Essas experiências mostram que a criatividade pedagógica, o diálogo entre saberes e a escuta ativa dos estudantes e suas famílias são elementos decisivos para a transformação da escola em um espaço de pertencimento e de produção de conhecimento para todos.

Nesse sentido, é urgente e necessário o fortalecimento de políticas públicas intersetoriais, com ações integradas entre os campos da educação, saúde, assistência social e direitos humanos. Tais políticas devem prever não apenas marcos legais, mas também financiamento contínuo, mecanismos de monitoramento e avaliação, e a criação de indicadores de qualidade voltados à inclusão. Como destaca Santos (2007), não há democracia real sem a democratização do conhecimento, e a escola inclusiva é um dos pilares centrais dessa democratização.

Portanto, a educação inclusiva não deve ser compreendida como um projeto suplementar ou emergencial, restrito a alunos com deficiência. Ao contrário, ela deve ser concebida como um princípio estruturante da educação de qualidade, que assume a diversidade como condição universal da experiência humana e educativa. Essa concepção amplia o alcance da inclusão, estendendo-a a todos os sujeitos e reconhecendo que a garantia dos direitos fundamentais — como o direito à educação, à dignidade, à igualdade e à participação — é responsabilidade coletiva e inalienável. Assim, promover a inclusão é, em última instância, promover a justiça social.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise empreendida ao longo deste artigo evidencia que a educação inclusiva, compreendida como uma prática escolar ética, política e pedagógica, configura-se como instrumento essencial para a efetivação dos direitos fundamentais no âmbito educacional. Longe de ser uma ação pontual ou restrita a determinados sujeitos, a inclusão representa uma reconfiguração profunda do projeto de escola, orientada pelos princípios da equidade, da justiça social, da valorização da diversidade humana e da universalização do acesso ao conhecimento.

Nesse sentido, reconhecer a diversidade como valor estruturante do processo educativo — e não como desafio ou deficiência a ser corrigida — é condição fundamental para que se promova uma escola democrática, acolhedora e socialmente referenciada. A inclusão não se realiza apenas por meio de legislações e diretrizes, mas por meio da transformação das práticas cotidianas, das culturas escolares e das políticas públicas que sustentam a organização do trabalho pedagógico. Requer, portanto, o engajamento articulado de gestores, professores, estudantes, famílias, órgãos governamentais e da sociedade civil, em uma lógica de corresponsabilidade e compromisso com a igualdade de oportunidades para todos.

A efetividade da educação inclusiva, como se demonstrou, implica enfrentar desafios estruturais como a precariedade da formação docente, a ausência de recursos pedagógicos acessíveis, as barreiras físicas e comunicacionais e, sobretudo, a persistência de concepções normativas e excludentes que ainda permeiam o imaginário escolar. Contudo, também se observam inúmeras possibilidades concretas e experiências bem-sucedidas que demonstram a viabilidade de uma escola inclusiva, sobretudo quando há investimento político, formação continuada crítica e intencionalidade pedagógica voltada à garantia de direitos.

A escola, nesse contexto, assume papel de mediação entre o sujeito e a sociedade, sendo locus privilegiado para a vivência da cidadania, da dignidade humana e da pluralidade de saberes. Quando organizada sob os fundamentos da inclusão, ela se torna promotora de mudanças sociais significativas, combatendo desigualdades históricas e ampliando o acesso não apenas ao ensino formal, mas ao reconhecimento social dos sujeitos historicamente invisibilizados.

Assim, mais do que uma exigência normativa, a educação inclusiva é uma necessidade ética e social inadiável. Ela expressa um compromisso com a construção de uma sociedade que respeita e valoriza as diferenças, e na qual os direitos fundamentais — à educação, à liberdade, à igualdade e à participação — não sejam privilégios de poucos, mas garantias universais para todos. Como bem lembra Paulo Freire (1996), educar é um ato de amor e coragem, e incluir é uma das formas mais potentes de afirmar esse compromisso com a humanização.

REFERÊNCIAS

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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ROSE, David; MEYER, Anne. Teaching Every Student in the Digital Age: Universal Design for Learning. Alexandria: ASCD, 2002.

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STAINBACK, Susan; STAINBACK, William. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999.


1Doutoranda em Ciências da Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais – FICS; Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará – UEPA; Graduação em Geografia pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Professora efetiva vinculada à Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC-Pa); Professora efetiva vinculada à Secretaria de Educação do Município de Maracanã. 
2Doutor em Ciências da Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais – FICS; Mestre em Educação e Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura pela Universidade Federal do Pará – UFPA; Mestre em Ciências da Educação – FICS; Especialista em Gestão e Planejamento da Educação – UFPA; Especialista em Gestão Financeira e de Projetos Sociais – Faculdade de Patrocinio -FAP; Graduado em pedagogia – UFPA; Graduado em Letras Habilitação em Língua Inglesa – UFPA; Graduado em Sociologia – UNIASSELVI; Acadêmico de Direito pela Faculdade Estratego. Professor efetivo vinculado à Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA); Professor efetivo vinculado à Secretaria Municipal de Educação do Município de Cametá (SEMED-Cametá-Pa). E-mail: <profphabiopinto@gmail.com>. Orcid: <https://orcid.org/0000-0002-7169-2716>. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5684033221420587