REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506272014
Erivaldo Rocha de Oliveira
Orientador: Professor Aristóteles Tavares Leite
Orientadora metodológica: Professora Simone Trindade da Cunha
RESUMO
No presente trabalho analisa-se a evolução da legislação penal para se tentar entender a atual situação estrutural em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, bem como a importância de recuperar o condenado demonstrando que o trabalho e a educação profissional é um mecanismo de ressocialização dentro do sistema penitenciário. As penas, em seus primórdios, eram aplicadas de formas brutais, com severos castigos empregados aos corpos dos condenados, tanto que vários autores como Foucault as chamavam de suplícios. Durante o limiar das civilizações, na fase talional, a responsabilidade se estendia até o grupo em que viviam. As penas tinham o sentido místico, devendo reprimir o crime e ainda prestar uma satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social. Elas visavam, nesta época, sobretudo a intimidação. O grande avanço na história do direito penal deu-se através do Código de Hamurábi, no Êxodo e na Lei das XII Tábuas, por reduzir a abrangência da ação punitiva e o rigorismo existente na denominada fase de composição pela forma de indenização e multa. A partir do século XVIII, o Direito Penal passou a ter maior desenvolvimento, com o advento das principais escolas penalistas e o surgimento da Criminologia, que se dedicou ao estudo do homem delinquente. Com o surgimento das prisões e a necessidade de obter um ordenamento coercitivo para a defesa social, foi somente no século XVIII que a pena privativa de liberdade veio substituir os outros tipos penais utilizados até então, passando a ser o instrumento de ressocialização do condenado. A metodologia do presente estudo empregou uma abordagem qualitativa, de tipo bibliográfico e documental. A pesquisa evidenciou que os presos que não têm atividades educacionais e acesso às atividades laborais enquanto cumprem penas, acabam reincidindo em fatos delituosos quando egressos do sistema penitenciário. Cumpre, então, registrar a pertinência do tema abordado em buscar envolver os presos em atividades laborais no sentido de ressocializá-los. Ademais, ampara-se a presente pesquisa no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo, na previsão legal contida na Lei de Execução Penal. Impulsionou a presente pesquisa monográfica uma visão otimista no tocante à regeneração do detento e a possibilidade de se proporcionar, por meio de decisões políticas, melhores condições para a efetivação da justiça.
Palavras-chave: Crime. Educação. Prisão. Ressocialização. Trabalho.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto de estudo a evolução das penas no sistema penitenciário brasileiro bem como enfocar questões sobre a possibilidade da ressocialização do preso.
O seu objetivo é mostrar a evolução da pena até a atualidade, demonstrar através da história as principais fases da evolução epistemológica do Direito Penal, a conduta punível com a sanção penal, bem como os tipos de sistema penitenciários no quais estão inseridos os diferentes tipos de regimes disciplinares durante a fase da execução da pena, além de alguns dos institutos da lei penal vigente e a função ressocializadora.
Para se conhecer as idéias que fundamentavam o sistema punitivo, deve-se ter uma consciência correta da evolução histórica do Direito Penal.
Na antiguidade, Idade Média e na época Absolutista, o sistema repressivo penal, desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção, mesmo havendo o encarceramento de condenados, esta não tinha caráter de pena, e sim de preservar os réus até seu julgamento ou execução, onde a prisão assumiu apenas o papel de caráter de custódia.
Já no período contemporâneo com o surgimento do Estado Democrático, o Direito Penal foi concebido para ser praticado como um sistema de controle capaz de reprimir, sem privilégios e distinção de classes sociais. O sistema penal transitório impulsionou as medidas punitivas até hoje adotadas, porém ainda existem muitos contrastes a serem resolvidos e que estão em fase de evolução, pois o desejo por justiça não abrange tão-somente a punição do infrator, deseja-se também que a lei seja aplicada de forma eficaz, que a sanção penal alcance o fim proposto. Além da punição pelo mal causado, e do caráter preventivo pela intimidação, a pena tem um objetivo maior, que é a regeneração do condenado.
Partindo desse pressuposto, não seria um equívoco admitir que o egresso do sistema penitenciário tornar-se-ia um ser socialmente superior, em face de sua necessária atenção, quando comparado a ele próprio antes de adentrar no cárcere, pois esta pessoa ao ser presa deve ser re-educada e ressocializada através do estudo, do trabalho, religião, acompanhamento psicológico, bem como deve atender as regras e leis de convívio social, conforme descrito na própria Lei de Execução Penal que prevê também o respeito à integridade física e moral dos condenados. No entanto, ao invés de cumprir estas finalidades as penitenciárias ainda deixam muito a desejar.
Atualmente os estabelecimentos penais são verdadeiras fábricas de ociosidade, e em conseqüência disto, a reabilitação dos condenados não acontece, pois o ócio ao qual eles ficam submetidos, não é um instrumento de ressocialização, mas sim algo que estimula o sentenciado a planejar quais as práticas delituosas que poderá fazer quando for posto em liberdade, visto que não há com que possa se ocupar durante o tempo em que está cumprindo a pena.
O estudo sobre a educação profissional para a ressocialização de detentos é importante para a reinserção social e profissional, como forma de não mais retornarem às penitenciárias que mais brutalizam o ser humano do que os reabilita.
Tal realidade fomenta uma vasta discussão em torno do assunto e suscita indagações do tipo: o sistema prisional brasileiro fornece as condições para a ressocialização do condenado? É possível reduzir os problemas do sistema prisional? O que fazer para se alcançar melhores resultados no tocante aos objetivos da pena?
Sabe-se que a problemática entrelada não atormenta somente o Estado brasileiro. Em todo o mundo há uma preocupação constante com as questões que envolvem o sistema penitenciário. Todavia, a despeito de ser um tema já bastante abordado, não restam dúvidas de que a discussão em torno da questão penitenciária é inexaurível. As conseqüências advindas da reiteração criminosa, por exemplo, afetam a sociedade de maneira impiedosa, e isso nos leva a crer que discutir o assunto persistindo na busca por soluções é importante, até porque novas idéias poderão surgir proporcionando melhorias em benefício da sociedade.
Pretende-se pela presente abordagem, perquirir acerca dos motivos ensejadores dos problemas que assolam o sistema penitenciário e que dificultam a ressocialização do detento, os quais podem ter origem em setores diversos. A violência está entre as piores causas de desconforto da vida em sociedade e sabe-se que grande parte dos delitos ocorridos nas ruas guarda um vínculo com a população carcerária, que de dentro dos presídios comandam ações extramuros. As condições físicas das prisões, o aglomerado de presos, a ociosidade, a indisciplina, a falta de investimentos, os equívocos na utilização dos recursos destinados ao sistema penitenciário, são questões que não podem ser preteridas, mas sim, discutidas, pois omitir-se significa facilitar a continuidade da escalada da violência dentro e fora das prisões.
Tem-se, então, como objetivo geral, demonstrar a evolução das leis penais no sistema penitenciário e como a ressocialização dos presos através da educação profissional pode tornar ex-presidiários aptos ao retorno ao convívio social e habilitados a exercer uma atividade laboral. Os objetivos específicos são: avaliar formas alternativas para combater o ócio dentro das penitenciarias; verificar como pode ser aplicada a lei de execução penal de forma a proporcionar condições de integração social do condenado; identificar como a capacitação profissional pode ser revertida da maneira positiva para o sentenciado enquanto ingresso do sistema prisional; analisar as maneiras como o Estado pode contribuir para garantir a reintegração.
A metodologia a ser utilizada na elaboração do presente trabalho basear-se-á em um estudo descritivo-analítico, desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, mediante explicações embasadas nas idéias de Mirabete(2007); Bittencourt(2006); Noronha(2003);Telles(2004); dentre outros.
Segundo a abordagem, é qualitativa e quanto aos objetivos, é exploratória, definindo objetivos e buscando maiores informações sobre o sistema penitenciário brasileiro e as possíveis formas de ressocialização dos que ali ingressam.
No primeiro capítulo tratar-se-á acerca da evolução da pena. No segundo capítulo, faz se uma breve abordagem sobre o direito penal moderno e suas relações com a ciência no âmbito criminológico. No terceiro capítulo, demonstram-se as considerações sobre a execução penal no Brasil, o objeto e aplicação da lei de execução penal, as conseqüências do ócio prisional, as finalidades da pena privativa de liberdade, a ressocialização dos presos através do trabalho e educação, as dificuldades da reinserção social no mercado de trabalho do egresso e os motivos da reincidência dos ex – detentos.
1 A EVOLUÇÃO DA JUSTIÇA PUNITIVA
Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre se organizado em grupos ou sociedades. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado instintivo: a agressividade. (DUARTE, 1999, online).
A origem da pena se perde no tempo, e dentro de um critério de razoável probabilidade em face das informações que chegam com os relatos antropológicos, é possível se estabelecer as fases mais importantes de sua evolução. Nos povos primitivos a idéia da pena nasceu do sentimento de vingança, inicialmente na forma privada, e posteriormente foi alçada à categoria de direito.
Segundo René Ariel Dotti,( 1998, p.31 ) “é generalizada a opinião de que a pena deita raízes no instinto de conservação individual movimentado pela vingança”. Tal conclusão, porém, é contestada diante da afirmação segundo a qual tanto a vingança de sangue como a perda da paz não caracterizavam reações singulares, mas a revolta coletiva.
As idéias e os princípios que fundamentam o sistema punitivo que acompanha a humanidade até chegar ao sistema punitivo contemporâneo passaram por períodos impregnados de misticismo, de autoritarismo, até atingir a fase humanitária.
No entanto, nas passagens por essas épocas, nota-se, e com forte evidência, que o Direito Penal está repleto de princípios religiosos, num misto de superstição e fé, pois que, exercido por sacerdotes investidos nas funções de magistrado com poderes recebidos dos céus exerciam a suprema magistratura.
Desse modo, a história do Direito Penal, no que concerne à pena, é contada em fases que principia a época primitiva correspondendo à antiguidade, posteriormente a idade média, esta caracterizada pelo absolutismo, até atingir o iluminismo, onde aparecem as escolas penais que tem por objetivo primordial humanizar o Direito Penal para torná-lo útil às sociedades.
1.1 A origem das primeiras normas escritas na sociedade
Segundo estudos históricos de Boaventura (2008, online), na Mesopotâmia originaram-se os primeiros textos referentes às normas escritas de conduta da sociedade humana, a forja da origem do que viria a ser o conceito de Lei no ocidente foi esculpida na terra entre os grandes rios Tigre e Eufrates.
Em 2350 A.C., temos o Código de Urukagina na cidade da antiga Mesopotâmia, reconhecido por muitos, como o primeiro registro histórico de codificação de normas, e também a primeira reforma social.
Historiadores renomados, como o mais experiente em história e linguagem sumérica, apontam o texto de Urukagina como um dos mais precisos documentos de combate à tirania e a opressão do poder da história humana, em todos os possíveis sentidos, e também, como o primeiro registro da concepção da idéia de liberdade. Este Código tem uma importância histórica relevante, sobretudo por representar um mecanismo legal de limitação dos poderes dos sacerdotes, dos altos funcionários públicos, estabelecendo meios concretos de justiça social.1 O código é uma compilação dos costumes antigos acumulados culturalmente, teve como principal tema a reversão das penas ditas talianas em sanções pecuniárias, dando assim a origem do instituto da indenização, e a escrita em forma de sentença condicional.
O Código de Eshnunna, de 1930 a.c., traz cerca de 60 artigos sobre variadas temáticas, incluindo um sistema de cortes de julgamento, funcionamento do reino e do palácio, escravidão, casamento e divórcio, interferência do poder real no domínio econômico para coibir altas dos preços de alimentos, e serviu de base para a elaboração do Código de Hamurabi.
Aproximadamente em 1.870 a.C. temos o Código de Lipit-Ishtar de Isin, que não fora escrito em Estela, mas sim em sun-baked clay tablet, o seu prólogo é um exemplo de como as normas eram manifestações de auto-promoção real.
Após, temos Hamurabi, que sucedeu no trono da Babilônia com a morte de seu pai, reinou absoluto por 43 (quarenta e três) anos, e foi elo forte de uma dinastia que perdurou por mais de 300 (trezentos) anos.
1.2 As fases da vingança penal
Foram várias as fases de evolução da vingança penal, etapas essas que não se sucederam sistematicamente, com épocas de transição e adoção de princípios diversos, normalmente envolvidos em sentido religioso. Noronha (2003) divide estas etapas em três: a vingança privada, a vingança divina e a vingança pública.
Na antiguidade, em face da inexistência de regras institucionalizadas, não havia a prisão como meio de efetivação do cumprimento da pena. Relatos históricos dão conta de que existia o enclausuramento de pessoas nas chamadas masmorras ou calabouços, mas como forma de aplicação de castigo, sem medida previamente estabelecida. Desta feita, o transgressor era punido severamente com reprimendas que consistiam em torturas físicas, psicológicas, mutilações, e, até mesmo, podia ter a sua vida ceifada por motivos de menor gravidade, tais como blasfemar, inadimplir ou trair, dentre outros.
Nessa época, o castigo em resposta à ofensa poderia ir além da pessoa do ofensor, pois poderia atingir a sua família e até mesmo ultrapassar os limites da consanguinidade, atingindo a comunidade.
A pena aplicada a uma pessoa por uma determinada transgressão não seria necessariamente a mesma aplicada à outra pessoa que praticasse conduta idêntica, ou seja, a aplicação da pena ignorava critérios de igualdade de tratamento e proporcionalidade, pois a intensidade do castigo superava o malefício da ofensa e tinha uma conotação de vingança privada, servindo este nome para designar o período em comento.
1.2.1 Vingança Privada
Nesta fase da justiça punitiva, a punição tem feições de meras reações instintivas contra tudo o que pudesse representar uma ameaça à sobrevivência individual ou do grupo. Das lições de Pierangeli (1980, p.4) se extrai que:
[…] para os integrantes dos primeiros agrupamentos humanos, para que ocorresse punição considerava – se tudo aquilo que ultrapassava seu limitadíssimo conhecimento quase sempre como resultado de uma forma incipiente de observação, e que alterava sua vida normal, como fruto de influências malignas, sobrenaturais, emanadas de seres fantásticos, habitualmente antropomásticos, dotados de poderes.
Em face dessa incipiente capacidade de entender as coisas e os fenômenos que o cercava o homem primitivo, deixava-se levar por influências sobrenaturais que somente a concebia pela magia e pela superstição.
O homem temia o raio, o trovão, a chuva, os terremotos, entre outros acontecimentos para os quais não tinham explicação, por falta de conhecimento e, dentro da visualização desses povos, nada mais era do que manifestações de seres superiores exigindo punições para castigar erros cometidos pelo grupo ou por seus indivíduos de forma isolada.
Tinham, portanto, uma idéia muito rudimentar de pena e agiam impulsivamente e instintivamente, por força física e sem qualquer limite.
Surge assim a fase da vingança privada, onde, cometido um crime, ocorria à reação da vítima com determinação de matar o agressor do ofendido, podendo chegar ao extremo da eliminação não só do agressor, como também do próprio grupo a que ele pertencia.
Nesta fase, não conhecia o homem a proporção para o castigo e reprimia o mal com outro mal, muitas vezes, mais intenso e destruidor do que aquele praticado pelo agressor.
O Direito Penal informa Teles, (2004, p.55) era “praticado pelo próprio ofendido ou pelo que dele se apiedasse com quem ficava o direito de voltar-se contra o ofensor, sem nenhuma limitação” ou como nos diz Mirabete (2005, p. 35) “cometido o crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo”.
Surge dessa fúria incontrolada de punir e punir bem e a qualquer custo, a necessidade de se limitar à extensão da pena, para se atingir somente o autor imediato do delito.
Aparece com esta transformação no dizer de Lira (1977, p.5) “a intervenção do poder para disciplinar a vingança e a reparação do dano” fazendo surgir os primeiros traços de instituições jurídicas penais.
Nasce então a vingança limitada, o Talião material, onde se criou a necessidade de limitar-se a extensão da pena, para que viesse a atingir tão somente o autor imediato do delito, com proporcionalidade relativa, o que constitui, sem dúvida, um grande avanço sobre a abrangência da ação punitiva, garantindo a sobrevivência das tribos e dos grupos sociais.
Com o passar dos tempos à vingança que era exercida por particulares converte-se em direito das vítimas e de seus familiares, fase denominada de Lei do Talião, quando surge a concepção penal baseada no talião que significa limitar, restringir, retribuir na mesma proporção de sua gravidade as conseqüências do crime praticado, ou seja, a reação contra o crime para atingir o infrator da mesma forma e na mesma intensidade do mal por ele causado, apontada como a primeira manifestação explícita de punições proporcionais.
Através deste dogma estabeleceu-se a proporcionalidade entre ação e reação, vale dizer, entre ofensa e castigo, caracterizando a vingança privada regulamentada.
Desta forma, o sistema talional se caracteriza como uma moderada retribuição à reparação de ordem e a paz social, anulando-se a produção do delito e a restauração da fé no ordenamento estatal, surgindo os primeiros sinais do sistema de composição.
Segundo Duarte (online), a retribuição do mal para o mal faz nascer a segunda fase do Talião, chamada pelos estudiosos de composição, que consistia no pagamento em dinheiro ou bens pelo dano causado. O ofensor tinha a possibilidade de reparar o dano indenizando financeiramente o ofendido com dinheiro, gado, armas etc. Adotada, também, pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo Pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.
Regulava, portanto, o ressarcimento no qual o ofensor se livrava do castigo corporal com a compra de sua liberdade. Neste caso, a vítima do delito poderia percorrer, quanto à vingança privada, por dois caminhos: o da punição ao ofensor ou o do ressarcimento do dano sofrido. Optando por este segundo caminho, poderia exigir o valor ajustado em dinheiro, bens ou objeto de qualquer natureza ou mediante a prestação de serviços por parte do ofensor em procedimentos reparadores.
1.2.2 Vingança Divina
Ainda nos primórdios da civilização humana, mas já em fase mais evoluída, a vingança privada perde força e hegemonia e o homem em busca de uma nova sistemática punitiva passa a atribuir ao Direito Penal caráter social, onde, no dizer de Farias Júnior (1993, p.23-24):
[…] determinados povos da antiguidade cultivavam a crença de que a violação da boa convivência ofendia a divindade e que sua cólera fazia recair a desgraça sobre todos, todavia, se houvesse uma reação, uma vingança contra o ofensor, equivalente a ofensa a divindade depunha a sua ira, voltava a ser propícia e a dispensar de novo a sua proteção a todos.
Surgiu então a figura do juiz que, representando o povo perante a divindade, passou a exercer a justiça retributiva, como o modo de expiação da culpa e consequente aplacamento da ira da divindade.
É o Direito Penal religioso, teocrático e sacerdotal. E um dos principais códigos é o da Índia, de Manu . Tinha por escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse alcançar a bem- aventurança. Dividia a sociedade em castas: brâmanes, guerreiros, comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a mais elevada; a última, a dos Sudras que nada valiam. (NORONHA, 2003, p.21)
Nesse período, a aplicação da pena dava-se geralmente através dos sacerdotes, pois o crime praticado era considerado uma afronta à divindade. Sendo assim, acreditava-se que quanto maior o suplício do infrator, maior seria a sua purificação diante dos deuses. O Código de Manu também estabelecia penas cruéis para os infratores da lei. Princípios como estes também foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel. Conforme ensinamentos de Henny Goulart, (1975, p.25) “sendo o ato considerado como atentado à divindade, a sanção tendia para a eliminação ou expulsão do transgressor, sacrifício que se oferecia aos deuses”.
De qualquer forma, a história da pena segue seu curso, de modo que com a influência da religião na vida dos povos antigos, a vingança privada transformou-se em vingança divina. A pena passou a ser aplicada pelos sacerdotes, por delegação divina, que infligiam penas severas, cruéis e desumanas visando especialmente intimidar a população.
Superadas as fases da vingança privada e da vingança divina surge uma nova espécie de sistema punitivo agora chamado de vingança pública.
1.2.3 Vingança Pública
Conforme nos ensina a doutrina penal, a vingança privada chega até os séculos II ou III a.C., quando foi substituída pela administração estatal, que passou a exercer o direito de punir (jus puniendi), ressalvado o poder conferido ao pater família e, que se manteve.
Nesta linha, Fragoso (1985, p.27) nos ensina que “a essa época reduzem-se os crimes privados e a vingança privada desaparece. O magistério penal é exercido pelo Estado com exclusividade, salvo a disciplina doméstica do pater família que se mantém, embora com restrições”.
Nasce assim uma nova fase do Direito Penal, de caráter público, oriunda da extraordinária
obra filosófica grega que passa a assentar suas bases na moral e na ética.
À medida que a vida em sociedade ia se aprimorando, davam-se as transformações na formas de se punir o criminoso. Agora com uma maior organização social, a civilização ocidental substitui a vingança divina pela vingança pública, embora, a vingança divina também tenha sido uma forma de vingança pública.
Neste período, a idéia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens.
Observa-se na Grécia, que a princípio o crime e a pena inspiravam-se ainda no sentimento religioso. O Direito e o poder emanavam de Júpiter, o criador e protetor do Universo. Dele provinha o poder dos reis e em seu nome se procedia ao julgamento do litígio e a imposição do castigo.
Todavia, seus filósofos e pensadores haveriam de influir na concepção do crime e da pena. A idéia de culpabilidade, através do livre arbítrio de Aristóteles, deveria apresentar-se no campo jurídico, após firmar-se no terreno filosófico e ético. Já com Platão, nas leis se antevê a pena como meio de defesa social, pela intimidação – com seu rigor – aos outros, advertindo-os de não delinquirem. Segundo Faria Júnior (1993, p.24):
[…] essa vingança se generalizou, com o uso de juízes e tribunais com o objetivo de conter a criminalidade, mas por mais aterradores que fossem os castigos e os suplícios infligidos contra os delinquentes, por mais ostensiva que tenha sido a pretensa exemplaridade das execuções das penas corporais e infamantes, nunca houve eficaz efeito inibitório ou frenador da criminalidade.
Bittencourt (2006,v.1., p.37) nota que nesta fase “o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca através da sanção penal, que mantém a característica da crueldade e da severidade com o mesmo objetivo intimidatório, isto é, de conter a criminalidade. Conforme Badaró (1973, p.14):
[…] a teoria da delegação divina expandiu o conceito de que a pena é essencialmente vingança. Não a vingança privada, mas a vingança pública. Não a vingança gerada pelo ódio, mas a vingança cristã, o zelo justitiae et amore dei. E a expiação teve um significado de experiência espiritual. Sendo a pena a dor que redime.
Nessa nova fase da história das penas, que ficou conhecida como período da vingança pública, as leis draconianas tiveram destaques nos anos 620 a.C., porém, em face do seu rigor punitivo, outras codificações menos rigorosas sucederam-nas, a exemplo das Leis de Sólon e Leis das XII Tábuas.
Ao término desta fase ingressa-se no Direito Penal Romano, fonte maior originária dos institutos jurídicos, elo entre o mundo antigo e o mundo moderno.
1.3 O Direito Romano
Considerado como a maior fonte originária de institutos jurídicos, o Direito Romano assumiu uma importante função para a construção do Direito Penal contemporâneo. Bittercourt (2006, p.39) “afirma que Roma é tida como a síntese da sociedade antiga, representando um elo entre o mundo antigo e o moderno”.
Durante a primitiva organização jurídica da Roma monárquica prevaleceu o Direito consuetudinário, que era rígido e formalista. A Lei das XII Tábuas (Séc. V a.C.) foi o primeiro código romano escrito, resultado da luta entre Patrícios e Plebeus. Essa lei inicia o período dos diplomas legais, impondo-se a necessária limitação à vingança privada, adotando a Lei do Talião, além de admitir a composição. No entanto, uma das principais fases do Direito Penal Romano surge com o final da República (NORONHA, 2003, p.22). Apesar dos romanos não haverem atingido grande prestígio no direito penal, tanto quanto no civil, se destacaram de outros povos, pois distinguiram no crime o propósito, o ímpeto, o acaso, o erro, a culpa leve, e a lata, o dolo simples e o dolo malus, e também não esqueceram a finalidade da correção da pena.
[…] com as leges corneliae e Juliae, que criaram uma verdadeira tipologia de crimes, para sua época, catalogando aqueles comportamentos que deveriam ser considerados criminosos. As leges corneliae preocuparam-se basicamente com aqueles crimes praticados nas relações interpessoais dos cidadãos –patrimoniais, pessoais etc., enquanto as leges Juliae, preocuparam-se, fundamentalmente, com os crimes praticados contra o Estado, seja pelos particulares, seja pelos próprios administradores, destacando-se os crimes de corrupção dos juizes, do parlamento, prevaricação, além de alguns crimes violentos, como sequestro, estupro etc.(NORONHA,2003,p.22)
Nota-se, portanto a preocupação do Direito Penal Romano em atingir um caráter social.
1.4 O Direito Germânico
O Direito Penal Germânico não era composto por leis escritas e sim pelos costumes trazidos para a Europa Central, ditados por características de vingança privada. Desta forma, esse direito penal assumia autêntico dever de vingança de sangue, entendida como um dever do ofendido ou dos membros de seu grupo. Era praticado como elemento necessário à segurança coletiva.
Para Bittencourt (2006, p.42) “os povos germânicos também conheceram a vingança de sangue, que somente em etapas mais avançadas, com o fortalecimento do poder estatal, foi sendo gradativamente substituída pela composição voluntária, depois obrigatória”.
Outra característica do Direito Germânico é a responsabilidade objetiva onde, há uma apreciação meramente do comportamento humano, onde no dizer de Bittencourt (2006,p.42), “o que importa é o resultado causado, sem questionar se resultou de dolo ou culpa ou se foi produto de caso fortuito, consagrando-se a máxima: o fato julga o homem”. Percorrendo este mesmo caminho Mirabete (2005, p.37) ensina que,” outra característica do Direito Bárbaro foi a ausência de distinção entre dolo, culpa e caso fortuito, determinando-se a punição do autor do fato sempre em relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo de seu ato”.
Ocorre, no entanto, que após a invasão Romana o Direito Germânico vai adquirir aparência publicista, limitando, desta forma, a vingança de sangue. Importante salientar a visão de Teles (2004, p.57)ao afirmar que:
[…] antes da invasão Romana, o Direito dos Germanos era consuetudinário, existindo já os delitos públicos – praticados contra o interesse coletivo, punidos com a perda da paz pública, o que permitia a qualquer pessoa matar o delinqüente – e os crimes privados, inclusive o homicídio, punidos com a vingança e a composição.
Mas entre o Direito Romano, Germânico e o Direito Moderno, estendeu-se o Direito Canônico ou Direito Penal da Igreja, com forte influência sobre o Direito Penal atual, principalmente, no que concerne à pena, em seu caráter expiatório e aflitivo, daí a necessidade por ele se incursionar, embora, de forma superficial.
1.5 O Direito Canônico
Trata-se do direito estabelecido pela Igreja Católica, cujas normas encontram-se escritas em cânons, que equivale aos atuais artigos de lei, e destinavam-se, a princípio, a regular a vida interna da Igreja, impondo regras e disciplina aos seus membros.
Neste sentido Fragoso (1985, p.81) sustenta que “o Direito Canônico tem origem disciplinar, sendo sua fonte mais antiga os libri poenitensiales”.
No entanto, com o crescimento da Igreja e sua influência sobre os governantes, passou ele a ser aplicado as demais pessoas, vindo a exercer enorme influência sobre o ordenamento jurídico penal de toda a Europa.
Assim, o Direito Canônico nada mais é do que o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana. Porém, é dele que surge às primeiras idéias de pena de prisão e de reforma do delinqüente, principalmente no que se refere aos preceitos impostos aos que violavam suas normas. César Bittencourt (2006, p.44)nos diz que:
O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere as primeiras idéias sobre a reforma do delinqüente. Precisamente do vocábulo ‘penitencia’, de estreita vinculação com o Direito Canônico, surgiram às palavras ‘penitenciária e penitenciárias’. Essa influência veio completar-se com o predomínio que os conceitos teológico-morais tiveram, até o século XVIII no Direito Penal, já que se considerava que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas.
Há ainda a se destacar no Direito Canônico duas características, que segundo Teles (2004, p.57), primeiramente procurou estabelecer um sistema de penas mais suave e moderado, com a abolição da pena de morte. Suas penas consistiam em penitências e na excomunhão, todas no sentido da retribuição do mal realizado, mas sempre voltadas para o arrependimento do réu, eram espiritualizadas, chamadas por isso, penas medicinales. Em segundo lugar, pelo fato de manter e desenvolver princípios romanísticos sobre a responsabilidade subjetiva, contrapondo-se ao objetivismo dos germanos, e proclamando a igualdade de todos os homens, acentuou o aspecto subjetivo do crime. Neste passo, Mirabete ( 2005, p.38) afirma que o Direito Canônico:
[…] proclamou a igualdade entre os homens, acentuou-se o aspecto subjetivo do crime e da responsabilidade penal e tentou- se banir as ordálias e os duelos judiciários, promoveu-se a mitigação das penas que passaram a ter como fim não só a expiação, mas também a regeneração do criminoso pelo arrependimento e purgação da culpa, o que levou, pardoxalmente, aos excessos da Inquisição.
Dessa forma é possível vislumbrar-se a contribuição do Direito Canônico para o aperfeiçoamento do Direito Penal tornando-o mais humano e de acordo com os interesse e anseios sociais.
1.6 A Humanização das Penas
Segundo Bittencourt (2006), as correntes iluministas, no período humanitário do Direito Penal, atingiram o seu apogeu com a Revolução Francesa, cujos principais representantes foram Voltaire, Montesquieu e Rosseau, movimento este que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal, no final do século XVIII. O homem começou a formar uma consciência crítica filosófica e jurista relacionada com os fundamentos do direito de punir e com a legalidade das penas.
Proposta essa idéia de maneira sistemática, Montesquieu analisa a situação existente do ponto de vista da liberdade política e religiosa, em 1748, com a obra Espírito das Leis, onde traça um paralelo acerca do direito do Estado Constitucional, propondo a divisão do poder estatal em Executivo, Legislativo e Judiciário, que deverão ser colocados um ao lado do outro, em igualdade de importância e de objetivos, para contenção eficaz dos abusos e evitar a formação de governo absoluto.
Diante da construção da ciência criminal, Rosseau, influenciado por Montesquieu, em 1762 publica a obra O contrato Social, sustentando a doutrina geral de um Estado constituído livremente pela vontade dos indivíduos, em relação de igualdade, que ao viverem em sociedade cede ao Estado o direito de punir e a faculdade de criar leis que sintetize o interesse comum em virtude do pacto social.
Esse movimento iluminista tinha nascentes na classe burguesa, que se encontrava cansada da autoridade exclusiva do rei, de seus mandos e desmandos. Antes o poder pertencia ao soberano, agora pertence ao Estado, este representante dos anseios do povo e com o poder de punir todos aqueles que cometerem um delito, isto é, aquele que rompesse com o pacto social. É importante salientar a idéia de Beccaria, (1999, p.16-17) quanto à origem das penas e do direito de punir ao assim se referir:
O Conjunto de todas as pequenas poções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo. As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conservar aos seus súditos. Para tanto, o direito deveria deslocar-se da vingança suprema do soberano e estender-se à defesa da sociedade, abandonar seu caráter retributivo e caracterizar-se pela intimidação, atenuação da punição, codificação nítida dos crimes e sansões e formar um consenso a respeito da necessidade da prevenção do delito, e o castigo como função exemplar.
A soma de todas as porções de liberdade, sacrificadas ao bem geral, forma a soberania de uma nação, e aquele que foi encarregado pelas leis, o depósito das liberdades e os cuidados da administração, foi proclamado o soberano do povo.
Assim, a prisão não refletia apenas o ideário dos filósofos iluministas em humanizar a pena, na verdade, importava numa exigência do novo Estado burguês que surgia com o desejo de reduzir os poderes absolutos do rei, no interesse por mão-de-obra barata, e numa forma de punir mais eficaz que os castigos corporais e a pena de morte. Apesar da pena de prisão sofrer várias críticas pelo movimento reformista, por não ser capaz de atingir as finalidades preventiva, ressocializadora e retributiva, à partir do fim do século XVIII e início do século XIX este tipo de pena passou a representar o poder de punir. Esse movimento de idéias, definido com o iluminismo, nos diz Bittencourt,(2006,p.48):
[…] atingiu seu apogeu na Revolução Francesa, com considerável influencia em uma série de pessoas com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo. O Iluminismo, aliás, foi uma concepção filosófica que se caracterizou por ampliar o domínio da razão a todas as áreas do conhecimento humano.
Assim as correntes iluministas e humanitárias lideradas por Voltaire, Mostesquieu e Rosseau realizam uma severa crítica aos excessos imperantes na legislação penal, propondo que a finalidade do estabelecimento das penas não deve consistir em atormentar o condenado.
No seio deste movimento de idéias, é neste período que surge a obra Dos delitos e das penas de Cesare Beccaria, a qual Bittencourt,(2006, p.33) se refere afirmando que “não é um exagero afirmar que o livro de Beccaria teve importância vital na preparação e amadurecimento do caminho da reforma penal dos últimos séculos”.
Teles,(2004, p.5) destaca que, “a partir das idéias de Beccaria, inaugura-se no Direito Penal o que se chama de período humanitário e, não muito se passa, surge leis aderindo aos preceitos por ele defendidos”. Em 1767, na Rússia, Catarina II promove profunda reforma legislativa. Na Toscana, em 1786, são abolidas a tortura e a pena de morte. Na mesma linha, na Áustria e na Prucia as idéias iluministas se concretizam em leis humanitárias.
A punição deixou de ser uma cena de terror sobre o corpo do condenado e a nova pena de reclusão que veio substituí-la por sua vez, também se impôs sobre a vontade, intelecto e disposição do encarcerado, de maneira dolorosa e institucionalizada. Parou-se de punir o corpo para de alguma forma punir o intelecto, ou ainda mais a alma dos delinqüentes. Esse fator foi preponderante na chamada evolução do sistema punitivo. Segundo Foucault (1987, p.112): “[…] em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo”.
Assim o período humanitário influenciou com substancialmente na reforma do Direito Penal, inserindo a idéia de que educar vale mais do que punir. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. A autora Grecianny Carvalho Cordeiro (2006, p. 21), nos mostra em seu livro Privatização do Sistema Prisional que “a transferência do jus puniendi pode ser vista como reflexo do próprio pensamento burguês, pois com seu inegável desejo de exercer o poder político, desejando compartilhá-lo em todos os seus momentos, como em todas as suas formas”.
2 O DIREITO COMO CIÊNCIA E A NOVA REALIDADE PUNITIVA
Conforme Vicente Ráo, (1999) a origem do direito encontra se na própria natureza do homem havido como ser social. E é para proteger a personalidade deste ser e disciplinar-lhe sua atividade, dentro do todo social de que faz parte, que o direito procura estabelecer, entre os homens, uma proporção tendente a criar e a manter a harmonia na sociedade. Constitui, pois, o direito, o fundamento da ordem social.
O direito ampara o ser humano desde o momento em que é concebido e enquanto vive no ventre materno. E depois o segue e acompanha em todos os passos e contingências de sua vida, contemplando o seu nascimento e, com o seu nascimento, o início de sua personalidade. Protege-lhe, com a liberdade, a integridade física e moral. Prevê e segue, de grau em grau, seu desenvolvimento físico e moral, dispondo sobre sua capacidade progressiva ou sobre sua incapacidade. Regula relações de família, como filho, parente, nubente, esposo e pai, bem assim suas relações patrimoniais, quer tenham por objeto bens corpóreos, quer recaiam sobre outras pessoas, obrigadas a uma prestação de dar, fazer, ou não fazer alguma coisa. Prevê e disciplina as conseqüências patrimoniais e penais da violação de seus direitos. (RÁO,1999, p.48-49)
De uma forma simplificada, Von Liszt (1927, p.2) explica “o Direito é a ordenação da sociedade organizada em Estado; manifesta-se em um sistema de normas coercitivas que ligam os particulares com a comunidade e que garantem a consecução dos fins comuns.”
No tocante ao Direito Penal, este surge com o intuito de defender a coletividade e a promover uma sociedade mais pacífica, pois os conflitos entre os homens sempre existirá, pois a realidade humana é feita de divergências de interesses e opiniões. E para administrar a conduta humana no conveniente ao social, entra o direito penal. Conforme Duarte (1999, online):
Se houvesse a certeza de que se respeitaria a vida, a honra, a integridade física e os demais bens jurídicos do cidadão, não haveria necessidade da existência de um acervo normativo punitivo, garantido por um aparelho coercitivo capaz de pô-lo em prática. Não haveria, assim, o jus puniendi, cujo titular exclusivo é o Estado.
Diz-se, inclusive, que “O Direito penal surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou”. Duarte (1999, online).
A tarefa do Direito Penal é a necessidade de preservação dos valores ético-sociais, não se restringindo à mera proteção dos bens jurídicos.
o delito é uma aparição, nunca extirpada completamente, da vida social de todos os povos e de todas as épocas; ele exige o tratamento e a luta segundo determinadas linhas de orientação sobre cujo conteúdo essencial os modernos estados civilizados estão de acordo, apesar dos desvios nas formações mais recentes (SAUER,1956, p.7, grifo original)
O Direito penal como ciência suje com o período científico, onde a realidade da época impôs as mudanças e evoluções necessárias.
2.1 O período científico
As idéias iluministas fortaleceram-se e inspiraram a necessidade de se tratar o Direito como uma ciência. Como conseqüência deste fato, ainda no século XVIII ocorre o desdobramento daquelas idéias iniciais, dando origem a discussões doutrinárias sobre vários aspectos do Direito Penal. Estes desdobramentos deram origem às correntes de pensamentos chamadas de “Escola de Pensamento”, quais sejam: a clássica, a positiva e a moderna alemã.
2.1.1 Escola Clássica
A Escola Clássica via o direito de punir como uma forma de conservação da ordem e tutela dos cidadãos, e a pena com um fim retributivo. As idéias da escola clássica partem dos ensinamentos de Beccaria, sendo desenvolvidas e difundidas por Rossi, Carmiguinani, Pesina, Kant e Carrara, cujos pensamentos estão assim sintetizados por Farias Júnior,(1993,p.27,grifo nosso).
Rossi concentra-se na imputabilidade material, culpabilidade moral e perturbação social que o crime acarreta; as penas provem do mal praticado pelo delinqüente e não pelo mal que se quer prevenir. A idéia da moral tem que prevalecer sobre a utilitária: punir para restabelecer a ordem mesmo que não traga a emenda. Para Carmiguinani a pena é uma necessidade política. Ela visa prevenir o mal. Para Pessina, o fim da pena é a eliminação do distúrbio social, como se a pena tivesse o dom de restabelecer a ordem perturbada pelo crime. A pena tem que ser retributiva. Para Kant, a finalidade da pena é o restabelecimento da ordem moral perturbada pelo crime. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral. Não há como cogitar-se de vantagem para a pena, pois esta razão do direito anula qualquer outra razão. E Carrara foi o exponencial artíficie desta Escola e, para ele, o homem é submetido às leis criminais por causa de sua natureza moral; por conseguinte ninguém pode ser socialmente responsável por seu ato senão moralmente responsável.
A imputabilidade penal é a condição indispensável para a imputabilidade social. O crime não é um ente de fato e sim um ente jurídico, não é uma ação, mas uma infração. Essa infração é fruto de uma vontade livre. Seguia os ditames de Kant quando dizia que o abrandamento da pena é um incitamento à delinqüência, é um escândalo político.
Nota-se das idéias clássicas que a pena tem caráter meramente retributivo e aflitivo e não visa, por meio dela, a recuperação do delinqüente, senão, a prevenção pela intimidação da possibilidade do castigo a ser imposto.
Assim, os classistas defenderam o livre arbítrio como um pressuposto para se afirmar a responsabilidade penal e a aplicação da pena. Por isso no entendimento classista o delito tratava-se de um ente jurídico impelido por duas forças: a física e a moral. A física, do movimento do corpo e o dano causado, já a moral, se relacionariam uma vontade livre e consciente do criminoso.
2.1.2 Escola Positiva
A escola positiva proclamava outra concepção do Direito, pois, enquanto para a escola clássica, o direito preexistia ao homem, para os positivistas, ele é o resultado da vida em sociedade e sujeito as variações no tempo e no espaço.
Diante do fracasso das reformas penais inspiradas pelos clássicos, a Escola Positiva propõe outros postulados. Nega o livre-arbítrio e afirma a previsibilidade do comportamento humano (determinismo) passando a investigar as causas do crime a partir dos criminosos. O crime é uma entidade de fato. Um fenômeno da natureza sujeita as leis naturais (biológicas, psicológicas e sociais) que podem ser identificadas, estudando-se o homem criminoso. A pena (castigo) é inútil, pois a conduta criminosa é sintoma de uma doença e como tal deve ser tratada, em nome da defesa da sociedade. Segundo Lira, (1977,p.24-25)
[…] a escola positiva, também chamada Italiana, Nova, Moderna ou Antropológica (Lombroso, Ferri, Garofalo, Fioretti), é determinista e defensivista, encarando o crime como fenômeno social e a pena como meio de defesa da sociedade e da recuperação do indivíduo. Chama-se positiva, não porque aceite o sistema filosófico mais ou menos comteano, porém, pelo método. Inicialmente, sofreu a influencia de Darwin, Spencer e Haeckel, com as novas concepções da natureza, do homem e da sociedade, mormente a doutrina da evolução. Para a escola positiva o crime é um fenômeno natural e social e a pena meio de defesa social. Os positivistas tratavam o direito penal nos moldes do denominado determinismo, onde pregavam a existência do criminoso nato, que poderia ser identificado por meio de características e formas que lhe seriam peculiares e também o criminoso fruto da influência da sociedade. Propondo-se a instaurar uma nova fase na evolução da ciência, os seguidores de Lombroso tiveram em Ferri o seu mais brilhante representante.
A Escola Positivista defendia a pena com um cunho repressivo, ou seja, de intimidação, analisando o crime como um fenômeno de caráter sociológico, sendo o direito de punir uma necessidade do Estado para garantir a prevenção do delito. Segundo Badaró, (1973,p.4)
[…] a psicologia positiva tem demonstrado que o livre arbítrio é puramente uma ilusão subjetiva; […] a antropologia criminal prova que o delinqüente não é um homem normal, constituindo uma classe especial que, por anormalidades orgânicas ou adquiridas, representa, em parte, nas sociedades modernas, as primeiras raças selvagens, nas quais as idéias e os sentimentos morais se encontram em estado embrionário;[…] que a estatística demonstra como a origem, aumento diminuição e desaparecimento dos delitos, dependem em grande parte das razões distintas das penas estabelecidas pelos códigos e aplicadas pelo magistrado.
O homem está dotado de livre arbítrio ou liberdade moral: o delinqüente tem as mesmas idéias e sentimentos que qualquer outro homem; o efeito principal da pena é o de impedir o aumento dos delitos, contrapondo as seguintes conclusões:
Para o positivismo, o indivíduo é sempre responsável diante da sociedade, pelo fato de viver e participar dela. Ocorrendo na ordem social o mesmo que no mundo biológico ou físico, isto é, toda ação segue uma reação, sendo sanção social, um caso de reação natural. Para a escola clássica a pena tinha como objetivo a punição do criminoso, sua correção, retribuição à sociedade pelo mal que lhe foi causado e a segurança social. Para a escola penal positiva a função da pena, essencialmente, consiste na cura do criminoso e na defesa da sociedade. A punição, tão declarada pela escola penal clássica, nos da idéia da escola positiva, se acontecer, deverá ser reduzida ao mínimo. Tem se o entendimento que se deve fazer tudo para reduzir ou eliminar se possível, todo e qualquer sofrimento que a privação de liberdade possa ocasionar ao apenado. Segundo Sá, (1986, p.89)
Uma das mais significativas contribuições da escola penal positiva, para a humanização do cumprimento da pena privativa de liberdade, tenha sido o impulso dado às teorias e práticas atinentes à classificação dos criminosos conforme a idade, o delito, a ocasionalidade ou habitualidade da atividade delituosa. Estas classificações incentivam a edificação de internatos ou prisões para os homens e mulheres, a separação dos internos de conformidade com a reincidência e primariedade, os tipos de delito ou artigos do Código Penal infringidos, o cuidado especial com o menor infrator e com o doente mental infrator ou não.
A dicotomia existente entre as escolas penais é, basicamente, em relação ao posicionamento perante o fenômeno criminoso e sobre a finalidade da pena. Entretanto, ambas, firmam e afirmam o espaço prisional como um dos momentos disciplinares para o convívio na sociedade moderna.
2.1.3 Escola Moderna Alemã
A finalidade principal dessa Escola foi à adoção de medidas e providências de ordem prática no interesse da repressão e prevenção do delito, introduzindo nas legislações diversos institutos. No dizer de Noronha, (2003, p.40):
Considera o crime um fato jurídico, mas não esquece que também apresenta os aspectos humano e social. Não aceita o criminoso nato de Lombroso, nem a existência de um tipo antropológico de delinqüente; porém considera real a influência de causas individuais e externas – físicas e sociais – com predominância das econômicas. A pena, para Liszt e seus seguidores, tem função preventiva geral e especial, aquela advertindo a toda esta quando recai sobre o delinqüente. Confere a pena, sem o desprezo de outras providências, papel de relevo.
A Escola Alemã possibilitou um profundo avanço nos estudos práticos do Direito Penal, e este fato resultou na elaboração de leis e institutos indispensáveis à aplicação das sanções, como é o caso das medidas de segurança, do livramento condicional e do sursis.
Nesta época surgiu também a idéia de aplicação das penas pecuniárias para delitos de pequena gravidade, e a prestação de serviços a comunidade.
Salienta-se que, ao longo da história, a pena de prisão impôs um sofrimento físico ao preso. Isto perdura até os dias de hoje, com a superlotação dos presídios, falta de assistência médica, psicológica e castigos corporais.
Pelo todo exposto, nota-se a tentativa de alcançar a humanização das penas, que por razões variadas, não tem seu ideal reabilitador, preventivo e repressivo alcançado devido à complexidade humana e social, pois manter uma pequena família é difícil imagine uma grande família com vários membros cheios de problemas e com diversas formas de visões e criações, ou seja, com perspectivas de morais diversas. E nesta grande família, o Estado, é “o grande chefe da família” que vai ter que administrar e reorganizar uma série de problema.
2.2 Os sistemas penitenciários
A partir da pena de prisão, a nova modalidade punitiva implantada pela Revolução Francesa, tornou necessária a construção de sistemas penitenciários que possibilitasse o internamento dos reclusos para o cumprimento de suas penas. Dessa forma surgem vários sistemas e em várias partes do mundo e dentre eles pode ser citado o Panóptico, Pensilvânico, Alburniano, Norfolk, e o progressivo.
Na América, somente com a independência dos Estados Unidos foi que se conseguiu formar um movimento a favor dos presos. A evolução dos regimes prisionais está intimamente ligada à evolução dos próprios sistemas penitenciários. Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos. Porém, a filosofia de se utilizar a prisão como forma de pena começou a ser difundida somente a partir do século XVIII. O sistema americano, ao longo de seu desenvolvimento, foi quem forneceu as bases filosóficas dos sistemas penitenciários da atualidade.
2.2.1 Sistema panóptico
O sistema panóptico representa a corporificação de um conjunto de idéias fundamentais do utilitarismo, contido nas obras de Jeremy Bentham. O ideal de prisão para Bentham, foi à vigilância e controle total sobre a pessoa do preso e sua principal preocupação foi a de ordem física, isto é, a edificação das prisões, de modo que uma única pessoa poderia controlar a movimentação dos presos sem ser visto por eles. Foucault, (1987, p.177) nos diz que:
Cada um, em seu lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entrem em contato com seus companheiros. É visto, mas não vê; objeto de uma informação nunca sujeito de uma comunicação. A disposição de seu quarto em frente da torre central, lhe impõe uma visibilidade axial; mas as divisões do anel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral. E esta é a garantia da ordem. Se os detentos são condenados, não há perigo de complô, de tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências recíprocas.
A arquitetura panóptica do espaço prisional projetou-se e se construiu em função da vigilância pelo olhar. Daí sua forma radial, favorecendo a claridade procedente da luz solar penetrante em abundância. Segundo Sá,(1986,p.99): “A luminosidade ininterrupta condiciona a visibilidade perene. A luz e o olhar fundem-se na visão. A síntese é decorrente e necessária: luz e olhar constantes. A luz vem de fora e o olhar, da torre central. Luz e olhar incidem permanentemente sobre o condenado”.
2.2.2 O sistema pensilvânico
Quando a Colônia da Pensilvânia (então uma das Treze Colônias inglesas na América) foi criada em 1681 ela tinha como objetivo atenuar a dureza da legislação penal inglesa. A cominação da pena de morte foi limitada ao crime de homicídio e também foram substituídas as penas de castigos físicos e de mutilações pelas penas privativas de liberdade e de trabalhos forçados, que em 1786 vieram finalmente a ser abolidos, persistindo então apenas a do encarceramento.
O sistema pensilvânico tinha como característica fundamental o isolamento do preso em uma cela, a oração e a abstinência total de bebidas alcoólicas. Tinha uma forte fundamentação teológica, mas já apresentava a influência das idéias iluministas de Howard e de Beccaria.
A religião era tida como instrumento capaz de recuperar o preso, não sendo dado a ele o direito de se comunicar (silent system), mas apenas de permanecer em silêncio em meditação e oração. Este isolamento celular se constituía praticamente em uma tortura, que na verdade, em nada contribuía para a reabilitação do criminoso, mas apenas conferindo à pena um caráter retributivo e expiatório. No entender de Noronha ( 2003, p.236):
O sistema consiste em o sentenciado ficar fechado na cela, sem sair, a não ser de vez em quando para passeio em pátios cerrados. Trabalha na própria cela, onde recebe as visitas do religioso pastor ou sacerdote, dos diretores do estabelecimento, funcionários e médicos. Dali também assiste aos ofícios religiosos. É um sistema rigorosamente celular, ao qual se pode aplicar a conhecida expressão: a cela é o túmulo do vivo.
O sistema pensilvânico ou de Filadélfia também é conhecido como sistema celular. Consiste na reclusão em celas, em constante isolamento, sem direito a trabalho ou a visitas, sendo a leitura da Bíblia indispensável para o arrependimento do recluso. O sentenciado era colocado em exposição aos visitantes, que eram levados para testemunhar o destino daqueles que descumprissem a lei. Nota-se que sua finalidade era preventiva geral. Segundo Foucalt (1987, p.213):
[…] sozinho em sua cela o detento está entregue a si mesmo, no silêncio de suas paixões pelo mundo que o cerca, ele desce à sua consciência, interroga e sente despertar em si, o sentimento moral que nunca perece inteiramente no coração do homem.
Submetido a esse isolamento absoluto não é o respeito pela lei ou o receio da punição que vai reagir sobre o condenado, mas o próprio trabalho de sua consciência, daí, a necessidade de modificações, pois, nela constância o que se registrou foi o alto índice de suicídios fazendo surgir então um novo sistema, o Auburniano.
Esse modelo se demonstrou inoperante, pois o fim desejado de arrependimento e ressocialização através da oração e meditação não foram alcançados, provocando uma doença chamada de “loucura penitenciária”, não sendo alcançada a finalidade ressocializadora.
Caracterizado como o mais rigoroso de todos, aplicado inicialmente na Pensilvânia e também adotado pela Bélgica.
2.2.3 Sistema Auburniano
O sistema penitenciário auburniano surgiu da necessidade de se superar as limitações e os defeitos do regime pensilvânico. A sua denominação decorre da construção da prisão de Auburn, em 1816, na qual os prisioneiros eram divididos em categorias, sendo que aqueles que possuíam um potencial maior de recuperação somente eram isolados durante o período noturno, sendo lhes permitidos trabalharem juntos durante o dia.
A grande inovação do regime auburniano foi à introdução de oficinas onde os internos se submetiam a uma rigorosa jornada de trabalho. Esse sistema conforme Noronha, (2003, p.236):
“o isolamento é somente noturno, pois, durante o dia o sentenciado trabalha juntamente com os outros”.
Em Auburn, a aprendizagem do uso do tempo transformou- se em técnica disciplinar, embora censurado, pois impunha a proibição de visitas e a falta de lazer e de exercícios demonstrando uma total indiferença ao estudo e profissionalização do condenado.
No entanto, a motivação do surgimento do sistema auburniano decorreu não tão somente de uma preocupação em se reformar o sistema pensilvânico que vigorava até então, mas também de uma necessidade circunstancial decorrente do contexto histórico-políticoeconômico da época.
Na primeira metade do século XVIII, a importação de escravos restringia-se cada vez mais devido a uma nova legislação imposta pelo governo das Treze Colônias, enquanto que a conquista de novos territórios e a rápida e crescente industrialização produziam um vazio no mercado de trabalho, que não conseguia ser suprido apenas pelos índices de natalidade e de imigração. Desta forma, o sistema auburniano surgiu como forma de adequar a mão de obra penitenciária aos intentos do sistema capitalista, submetendo o recluso ao seu regime políticoeconômico, aproveitando-o como força produtiva.
O sistema auburniano tinha a filosofia de que o trabalho era por si só, um instrumento reabilitador do preso, considerando-o como um agente de transformação e reforma da pessoa humana. Os dois aspectos negativos que, ao logo do tempo, levaram o sistema auburniano ao seu ocaso, foram primeiro o fato de ele se constituir num regime disciplinar excessivamente rigoroso, com a aplicação de castigos cruéis e excessivos e segundo, com o passar do tempo, o trabalho nas prisões passou a representar uma forte competição ao trabalho livre, o que passou a se tornar um entrave na economia colonial.
A diferença básica do sistema auburniano para o pensilvânico era o fato de que neste, os reclusos permaneciam separados durante todo o dia, já naquele, o isolamento se dava apenas durante o período noturno. O sistema pensilvânico fundamentava-se basicamente numa orientação religiosa, já o auburniano inspirou-se claramente em motivações econômicas.
Nota-se que este sistema adota as mesmas características do filadélfico, porém, flexibilizado pela possibilidade do trabalho e da comunicação com o pessoal da administração. Apesar de se constituírem em sistemas que se baseavam no isolamento, na imposição de castigos corporais e na exploração da mão de obra penitenciária, ambos tinham por finalidade a ressocialização do recluso, mesmo essa não ocorrendo de forma eficaz na prática. Para Bittencourt, (2006, p.163):
[…] o modelo auburniano, da mesma forma que o filadélfico pretende, consciente ou inconscientemente, servir de modelo ideal à sociedade, um microcosmo de uma sociedade perfeita onde os indivíduos se encontrem isolados em sua existência moral, mas são reunidos sob um enquadramento hierárquico estrito, com o fim de resultarem produtivos ao sistema.
2.2.4 Sistema progressivo
A idéia de um sistema penitenciário progressivo surgiu no final do século XIX e coincidiu com a idéia da consolidação da pena privativa de liberdade como instituto penal (em substituição à pena de deportação e a de trabalhos forçados) e da necessidade da busca de uma reabilitação do preso, mas sua utilização generalizou-se através da Europa só depois da I Guerra Mundial. A essência desse regime consistia em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um deles os privilégios que o recluso poderia desfrutar, de acordo com sua boa conduta e do avanço alcançado pelo tratamento reformador.
Outro aspecto importante era o fato de possibilitar ao recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. Basicamente, o sistema progressivo tinha como fundamento dois princípios: estimular a boa conduta do recluso e obter sua reforma moral para uma futura vida em sociedade.
O avanço considerável obtido pelo sistema progressivo justifica-se pela importância por ele dada à vontade do recluso e de que ele diminuíra o rigor excessivo na aplicação da pena privativa de liberdade.
2.2.4.1 Sistema Norfolk
Na ilha de Norfolk, na Austrália, existia uma prisão da Inglaterra, para onde foi nomeado diretor, em 1846, Alexandre Maconochie. Eleito o trabalho como técnica disciplinar e, portanto, recuperadora, que não era novidade, o capitão Maconochie elaborou alguns corolários e os pôs em prática. Criou o sistema de marcas ou mark system.
Esse sistema consistia em medir a duração da pena através de uma soma do trabalho e da boa conduta imposta ao condenado, de forma que na medida em que o condenado satisfazia essas condições ele computava um certo número de marcas, de tal forma que a quantidade de marcas que o condenado necessitava obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito por ele praticado.A duração da pena baseava-se então da conjugação entre a gravidade do delito, o aproveitamento do trabalho e pela conduta do apenado.
A divisão do sistema dava-se em três períodos. No primeiro, chamado de isolamento celular diurno e noturno tinha a finalidade de fazer com que o apenado refletisse sobre seu comportamento delituoso. Num segundo momento, vinha o trabalho, de acordo com o sistema silencioso durante o dia, mantendo a segregação noturna. Por fim vinha à liberdade condicional, que se não fosse determinada a sua revogação, o condenado vinha então a adquirir sua liberdade de forma definitiva. Segundo Sá, (1986, p.97):
[…] em tal sistema a duração da pena não era determinada exclusivamente pela sentença condenatória, mas dependia de boa conduta do preso, de seu trabalho produzido e da gravidade do delito. O condenado recebia marcas ou vales quando seu comportamento era positivo e os perdia quando não se comportava bem.
Das experiências realizadas na prisão de Norfolk, originou o regime progressivo de cumprimento da pena, o instituto da liberdade condicional a individualização e indeterminação da pena.
Da filosofia original do sistema progressivo surgiram várias variantes e peculiaridades em outros sistemas, o que na verdade se constituíam num aperfeiçoamento do próprio sistema progressivo.
Apesar de obter grande sucesso e difusão por toda a Europa, o sistema progressivo inglês foi posteriormente substituído pelo irlandês, que tinha os seus mesmos fundamentos e a sua mesma ideologia, tendo como única diferença a inserção de uma fase intermediária entre o período de trabalho do condenado e o de liberdade condicional.
Neste período intermediário, o preso trabalhava ao ar livre e em prisões especiais, preferencialmente agrícolas. Não usava uniforme de preso e não mais sofria castigos corporais. Podia comunicar-se com a população livre e ainda dispunha de parte de remuneração de seu trabalho.
Apesar de sua efetividade ter sido constantemente questionada, o sistema progressivo irlandês foi adotado e ainda vigora em inúmeros países, embora muitos considerem que ele tenha sido paulatinamente se convertido no sistema de individualização científica, que é o hoje adotado pelo sistema penitenciário espanhol. Leciona Sá, (1986, p.198):
Idealizado por Walter Crofton, em 1853, na Irlanda, o regime progressivo irlandês elaborou quatro fases a serem percorridas pelo condenado, desde sua entrada na penitenciária até a liberdade total. São passos progressivos, de conquista cada vez mais ampla de liberdade. A primeira fase de isolamento absoluto em cela incomunicável por período variável, com única e pobre refeição tem raiz no regime da Filadélfia. A segunda fase, com trabalho diurno, coletivo, em silêncio, com rigorosa vigilância, aliada ao isolamento noturno em cela individual, têm origem no regime auburniano. A terceira fase, inventada e acrescida por Walter Crofton, tinha as seguintes características; preparação à vida livre, que consistia em transferir o recluso para as prisões intermediárias como suave regime de vigilância sem uniforme com permissão para conversar, saídas dentro de certo raio, trabalho externo no campo, objetivando o preparo do condenado para o retorno à vida na sociedade. Na quarta fase, com a possibilidade de viver em uma determinada comunidade livre, o preso recebia o benefício da liberdade condicional, como última etapa a ser cumprida, antes da liberdade definitiva.
Paralelamente ao sistema progressivo irlandês, foi criado o sistema de Montesinos, um coronel espanhol que foi nomeado diretor do Presídio de Valência em 1835. O sistema deste espanhol não se diferenciava muito do irlandês, no entanto, a sua grande contribuição foi a filosofia de que o poder disciplinar em uma prisão deve reger-se pelo princípio da legalidade, e que não devia ser aplicado ao preso qualquer medida ou tratamento de natureza infame ou que atentasse contra sua dignidade.
Ele foi ainda o precursor da idéia das prisões abertas, das concessões de licença de saída e defensor ferrenho de que a pena tinha de possuir um caráter eminentemente ressocializador, se efetivando principalmente através do trabalho do preso, que deveria servir não como meio de exploração de mão de obra, mas sim como meio de ensinamento.
É este o sistema adotado pelo Brasil, conforme se vê da parte geral do Código Penal, quando trata do regime de cumprimento de pena, bem como, daquela estabelecida na Lei de Execução Penal.
3 A EVOLUÇÃO PENAL BRASILEIRA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO
Segundo Pierangeli (1980), o sistema normativo penal brasileiro possui origem no direito português. Sistema normativo é o conjunto de normas, consideradas desde o período colonial brasileiro, até os dias atuais, hoje compondo a legislação penal brasileira. Somente em 1830 é que o Brasil teve o primeiro conjunto de normas penais sistematizadas em um código, pois anteriormente era utilizada a legislação penal portuguesa, contida nos denominados Livros, que estavam nas Ordenações do Reino de Portugal.
As Ordenações do Reino não se caracterizavam como códigos, mas como uma coletânea de leis que era distribuída em livros, cujo conteúdo versava sobre os vários ramos do Direito.
Na esfera penal, apesar de se encontrarem normas penais nos livros das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, cada uma delas, subsequente à outra, retratava a anterior, com alguns acréscimos; daí porque o Livro V das Ordenações Filipinas é tão marcantemente divulgado. Não porque tenha sido o melhor elaborado, mas porque representava a sistematização das normas penais anteriores e algumas poucas inovações.
Apesar da repetição das leis, já se diferenciava nos tipos em abstrato os preceitos primário e secundário da norma penal. Os preceitos primários e secundários estão contidos nos chamados elementos genéricos da infração penal, o fato típico e antijurídico. No primário, a descrição dos elementos específicos do crime e, no secundário, a pena cominada. Neste período, a aplicação do princípio da reserva legal já estava presente no Brasil, determinando que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Conforme Pierangeli (1980), O Livro V das Ordenações Filipinas, que vigorou durante o Brasil Colônia, foi substituído após a outorga da Constituição de 1824 que, em seu texto, estabelecia a elaboração de um código civil e criminal. O Código Criminal veio em 1830, bem antes do Código Civil, que somente surgiu em 1916. O Código Criminal do Império representa a primeira sistematização de legislação penal no Brasil e sua estrutura perpetuou-se até o código penal vigente.
O referenciado Código era disciplinado em duas partes: a geral e a especial. Na parte geral estavam as normas penais não incriminadoras e classificadas em explicativas, declarativas ou permissivas, consoante trouxessem em seu bojo um esclarecimento sobre a utilização das normas, uma assertiva afirmativa ou negativa sobre a interpretação de determinado instituto ou a previsão de um princípio. Por fim, a permissão de violação de um princípio em condições excepcionais e, na parte especial, os crimes e a cominação das penas. Os bens e interesses jurídicos eram disciplinados em títulos e capítulos, sendo que o primeiro título tratava dos Crimes Contra o Estado que ofendiam o imperador e que se confundiam com a pessoa jurídica do Império. Depois eram disciplinados os crimes referentes à pessoa física.
Note-se que já se adotava nesse texto legal o princípio da reserva legal e todos os seus corolários como: o da anterioridade da lei penal; o da irretroatividade da lei; o da cominação das penas previamente; o da individualização da pena; o da culpabilidade; bem como o da fixação da qualidade e quantidade de penas.
O Código Criminal do Império perdurou durante sessenta anos, isto é, enquanto não chegou a República que, proclamada, deveria ensejar uma mudança drástica na legislação penal, o que, todavia não veio tão rapidamente.
Segundo Luiz Cernicchiaro (1972), o Código Criminal da República, datado de 1890, não trouxe nenhuma alteração quanto à tipificação de crimes. A estrutura era a mesma estabelecida no Código Criminal de 1830, todavia, a pena de morte prevista no nosso ordenamento jurídico, desde as Ordenações do Reino por influência do Direito Português e que persistiu até o advento do Código Penal do Império, de 1830, foi banida definitivamente em 1855, não por vontade do legislador, mas por força do erro cometido no julgamento de Mota Coqueiro que foi condenado à pena de morte e só depois se descobriu o verdadeiro autor do crime. Em razão da situação política delicada por que passava o Império Brasileiro, aliado ao erro do Judiciário, a comoção social era tamanha que se aboliu a pena de morte para conter qualquer movimento popular. Daí em diante, Dom Pedro II comutava a pena de morte pela pena de prisão perpétua.
Segundo Kai Ambos (2000), a proibição da aplicação da pena de morte, como sanção penal, tornou-se princípio constitucional e representa a filosofia de um sistema jurídico; daí porque é proibida em diversos países da Europa, como Portugal, Espanha, Itália, França, Áustria, Finlândia, Noruega, Suíça, Suécia, bem como no Canadá e na América Latina, destacando-se a Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, bem como no Brasil. Por outro lado, há países que a adotam, em especial, países do oriente.
Somente após mais de quarenta anos, o Código Penal Brasileiro renova-se e traz em seu bojo a previsão da proteção da pessoa humana em primeiro plano, pois passa a denominar-se no Título I, da Parte Especial, Crimes Contra a Pessoa.
Segundo Luigi Ferrajoli (2002), o Código Penal Brasileiro passa a adotar vários princípios, inclusive o instituto da substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, e, ainda, a previsão expressa da progressão do regime de cumprimento de pena, em seus arts. 32 a 44, respectivamente. Os princípios passam a conferir outra característica ao sistema penal brasileiro, a de zelar de forma categórica pelos direitos e liberdades do indivíduo frente às limitações impostas pela lei penal, sistema esse que recebe o nome de garantismo penal.
Ademais, inicia-se o processo de intervenção mínima do Direito Penal nas relações sociais, expresso pelo princípio de mesma denominação, o que já era defendido por Ferrajoli (2002. p. 464), ao afirmar que o supracitado princípio tem sua origem na legislação alemã, datada de 1969, por meio da qual “a sanção penal dever ser a necessária e a mínima das possíveis”.
Logo, pode-se concluir que os movimentos europeus e as crises políticas internas promoveram mudanças importantes na defesa dos direitos fundamentais, em especial na área penal, consubstanciadas no Código Penal Brasileiro, de modo a estabelecer as penas cominadas e os respectivos regimes de cumprimento de pena, adotando o sistema de progressão, no art. 59, do Código Penal.
3.1 As penas privativas de liberdade
Ensina Cezar Bittencourt (2004), que as penas privativas de liberdade são aquelas que suprimem o direito fundamental do indivíduo à locomoção, por determinado tempo. Este é o traço característico comum às penas de reclusão, detenção e prisão simples.
As penas de reclusão e detenção são cominadas apenas para os crimes, enquanto a pena de prisão simples sempre será cominada às contravenções penais. Em ambos os casos, as penas privativas de liberdade são aplicadas de forma alternativa, cumulativa ou isoladamente com a pena de multa, nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal.
Outro traço diferenciador das penas privativas de liberdade é o sistema de cumprimento de pena. Consoante o art. 33, as penas de reclusão são cumpridas em regime fechado, as de detenção em regime semiaberto e aberto, tal qual acontece com a prisão simples.
Conforme Telles (2004), além dessas distinções, podem-se elencar ainda as previstas no art.33, § 1º, e 2º do Código Penal, que estabelece o regime de cumprimento de pena em estabelecimento de segurança máxima e média para o fechado, permitindo o trabalho em serviços ou obras públicas durante o período diurno e o isolamento durante o repouso noturno (art. 34 §§, do CP); as colônias agrícolas e industriais ou estabelecimentos similares destinados ao regime semiaberto, durante o período diurno, e recolhimento em estabelecimento penitenciário, à noite, podendo frequentar cursos supletivos, profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superiores (art.35 e seus §§, do CP); e o regime aberto que se estrutura na autodisciplina e responsabilidade do condenado, devendo ele permanecer “fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o repouso noturno e nos dias de folga” (art. 36 e seu §§, do CP).
Note-se que, segundo o art.33,§ 2º, o regime será fechado, quando a pena aplicada for superior a oito anos; semiaberto, sendo o condenado primário e a pena aplicada for inferior a oito e superior aos quatro anos; e, será aberto, quando o condenado for primário e a pena não exceder ou for igual há quatro anos.
As penas privativas da liberdade têm o cumprimento limitado há trinta anos, mediante unificação, podendo o condenado, se apenado a pena superior a trinta anos, conforme art.75, caput, e seu § 1º, da Lei Penal, ser submetido primeiramente à execução da pena mais grave e posteriormente a menos grave, havendo concurso de infrações, em consonância com o art. 75, § 2º, da norma penal. Ressalte-se que, sobrevindo doença mental, o preso deverá ser recolhido em estabelecimento compatível, como os hospitais de tratamento psiquiátrico ou sanatórios, denominados pela lei penal de hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (art.41), suspendendo-se a pena privativa de liberdade.
O preso conserva todos os seus direitos, com exceção dos decorrentes da punição, como a privação da locomoção (art.38); tem direito benefícios da Previdência Social e a trabalho remunerado (art.39), bem como a detração penal (Art.42) que é o abatimento do tempo de cumprimento de prisão provisória (prisão em flagrante, temporária, preventiva, decorrente de pronúncia, ou condenatória não transitada em julgado) no cômputo da pena aplicada na condenação.
A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal, devendo ser fixado pelo juiz que apreciou a ação penal, posto que o nosso sistema é progressivo quanto ao cumprimento das penas, com exceção dos crimes hediondos, nos termos da Lei nº 8.8072/1990.
Finalmente, a disciplina do preso será regrada consoante o regime de cumprimento de pena, e consoante o art. 40 do CP, “a legislação especial regulará a matéria prevista nos arts. 38 e 39 deste Código, bem como especificará os deveres e direitos do preso, os critérios para revogação e transferência dos regimes e estabelecerá as infrações disciplinares e correspondentes sanções”.
3.2 Regimes de cumprimento de pena
Consoante Telles (2004), o § 2º, do art. 33 do Código Penal, as penas privativas de liberdade deverão ser executadas de forma progressiva, segundo o mérito do condenado. Essa assertiva é a expressão do sistema progressivo de cumprimento de pena vigente no Brasil. Encontra o seu fundamento jurídico no texto constitucional, art. 5, inciso XLVIII, que estabelece o cumprimento de penas em estabelecimentos distintos, segundo a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. Deve ser a pena individualizada.
Dessa forma, o Juiz, ao aplicar a pena, deverá estabelecer o regime de cumprimento, segundo os critérios estabelecidos na legislação penal.
Note-se que os regimes de cumprimento de pena são três: o fechado, o semiaberto e o aberto.
O sistema fechado (art.33, alínea a, c/c art.34, do CP) é aplicável aos estabelecimentos penitenciários de segurança máxima ou média. O isolamento somente ocorre no período noturno, visto que é facultado o trabalho no período diurno, no próprio estabelecimento e desde que compatíveis com os objetivos da execução da pena. Há possibilidade de trabalho externo apenas em serviços ou obras públicas.
O preso conserva os seus direitos, com exceção da liberdade de locomoção e outros que decorram do regime de cumprimento da pena. E, para cada três dias trabalhados, o preso terá abatimento de um dia em sua pena, posto que ocorre a remissão.
O sistema semiaberto (art.33, §1º, alínea b, c/c art. 35 do CP) é caracterizado pelo trabalho em comum, durante o dia, em colônias agrícolas, industriais ou estabelecimentos similares.
Há autorização para trabalhos externos, bem como para cursos profissionalizantes, de ensino médio ou superior. No período noturno, o condenado ficará sujeito ao isolamento. No Distrito Federal, existe o Núcleo de Prisão semiaberta.
O sistema semiaberto (art.33, § 1º, alínea c, c/c art.36 do CP) é caracterizado pela autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado. A execução da pena se dá em casa de albergado ou estabelecimento adequado, no período noturno e dias de folga, podendo, durante o dia, trabalhar, estudar ou exercer atividade autorizada pelo Juiz.
O regime aberto poderá ser convertido em semiaberto ou fechado, se o condenado praticar crime doloso ou se frustrar os fins da execução da pena, consoante o art. 36, § 2º, do Código Penal.
3.3 Regras para fixação do regime de cumprimento de pena
Conforme Telles (2004), os regimes de cumprimento de pena, tais quais as penas, não poderão ser fixados aleatoriamente pelo Juízo, que fica adstrito, conforme preceitua o art. 59, aos limites estabelecidos pelo legislador ao cominar previamente as penas. Dessa forma, deverá observar os parâmetros fixados pela lei penal, no art. 33, § 2º.
O regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado se o autor do crime for condenado há mais de oito anos de pena privativa da liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, alínea a. Será inicialmente semiaberto, se o autor do crime for condenado há mais de quatro anos e menos de oito anos à pena privativa da liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, alínea b.
Todavia, se a pena cominada for igual ou inferior a quatro anos, o condenado fará jus ao regime aberto de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 2º, alínea c.
Duas exceções eram impostas no tocante à determinação do regime de cumprimento de pena. A primeira referia-se aos crimes hediondos que, por força do art. 2º, § 1º da Lei nº. 8.072/1990 deveriam ser cumpridos em regime integralmente fechado. A segunda vinculava-se ao crime de tortura, que, apesar de ser crime hediondo, permitia ao condenado por tal crime iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado, autorizando expressamente a progressão para regimes menos rigorosos, consoante o art.1º, § 7º, da Lei nº. 9.455, de 07 de abril de 1997.
Atualmente, com o advento da Lei n°11.464, de 28 de março de 2007, o quadro acima foi alterado para permitir a progressão de regime de cumprimento de pena em crimes hediondos. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nos últimos anos, era firmada sempre no sentido de permitir a progressão de regime de cumprimento em crimes hediondos, apesar da vedação legal.
3.4 Considerações sobre a Lei de Execução Penal
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007), a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210 de 1984 – LEP), ao ser criada representou um avanço na legislação, pois passou a reconhecer o respeito aos direitos dos presos e assim previu um tratamento individualizado. Esta lei não visou apenas à punição dos infratores, mas, sobretudo a sua ressocialização.
É na Lei de Execução Penal que estão previstas as penas privativas de liberdade, os regimes de cumprimento das penas, os tipos de saída, as progressões de regime, o livramento condicional, a remissão, os direitos e deveres dos presos, os processos e procedimentos judiciais, compondo ao todo 204 artigos, os quais são incompatíveis com a realidade carcerária brasileira.
O Art. 1° da Lei de Execução Penal tem duas finalidades: a primeira é a correta efetivação do que dispõe a sentença ou decisão criminal, e a segunda é instrumentalizar os meios que podem ser utilizados para que os apenados possam participar da integração social. O outro escopo apontado pela lei é promover a reintegração social do condenado.
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p. 32): “A justiça penal não termina com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas realiza-se principalmente na execução”. A lei de execução foi criada para garantir aos condenados que todos os seus direitos não atingidos pela sentença estariam assegurados e a inobservância desses direitos significaria a imposição de uma pena suplementar não revista em lei.
Sabe-se que o mundo das penitenciárias colabora diretamente na formação de estereótipos negativos do sentenciado, o que o leva, quando posto em liberdade, a uma marginalidade comunitária. Segundo Júlio Mirabete (2007, p. 119): “para que esta situação não ocorra, é necessária uma legislação que estabeleça justas prioridades e boas condições para um aprendizado, pelo condenado, das regras da convivência humana em sociedade”.
Ainda Conforme Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p. 118): além dos problemas pessoais do preso, tais como atitude familiar de reprovação, o ambiente prisional, pela falta de atividades, as superlotações nos presídios, não só não contribuem para a recuperação do condenado, como também se tornam fatores criminógenos. Essas condições podem levar ao estimulo de novos delitos. Impedindo que o preso se emende e determinam maior desajustamento social.
A LEP estabelece desde direitos básicos, que devem ser assegurados aos que estão sob a responsabilidade do Estado, como alimentação, o vestuário, a educação, as instalações higiênicas, a assistência médica, farmacêutica e odontológica, como direitos que têm por finalidade tornar a vida no cárcere mais digna. Entre estes direitos estão a educação, o exercício das atividades profissionais, artísticas e desportivas, a assistência social e religiosa, a visita do cônjuge ou companheiro, o trabalho remunerado e a previdência social, proporcionalidade entre o tempo de trabalho, de descanso e de recreação.
O Art. 10 da LEP determina que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. O seu parágrafo único estende a assistência aos egressos. No Art. 11, consta que a assistência será material, jurídica, educacional, social, religiosa e à saúde. Aduz, com este artigo que a reabilitação social constitui uma finalidade do sistema de execução penal e que os presos devem ter o direito aos serviços obrigatoriamente oferecidos pelo Estado dentro das penitenciárias. A assistência ao egresso visa à continuação da readaptação do mesmo no meio social para que ele não volte a reincidir em práticas delituosas quando posto em liberdade.
Percebe-se que, na prática, o Estado nem assiste ao condenado e nem ao egresso.
O Art. 17 da LEP “assegura que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”. A educação é tão importante que a própria Constituição Federal, no Art. 205, preceitua que a educação é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa e assim a qualificando para o trabalho.
Determina-se ainda na LEP o seguinte: “Art. 19 – O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico”.
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p. 120) cita em suas obras, “a habilitação profissional é uma das exigências das funções da pena, pois facilita a reinserção do condenado no convívio familiar e social a fim de que ela não volte a delinqüir”.
É importante considerar que a maioria dos presos hoje são reflexos de uma má educação social, isto é, não tiveram oportunidade de frequentar escolas, sejam públicas ou privadas, e, diante desta realidade, acaba sendo através da delinqüência que se constrói suas personalidades, e assim passam a cometer crimes, já que desconhecem o que é moral ou imoral, pois a orientação destes princípios é fundada na educação. É importante salientar que a profissionalização de detentos facilita a reintegração ao mercado de trabalho, pois assim eles aprendem um ofício que poderá ter continuidade quando for egresso do sistema penitenciário.
A Lei de Execução Penal tem a finalidade de recuperar o preso através do trabalho, do estudo e de regras básicas de cidadania. Assim, pode-se chegar a uma solução tanto para prepará-los ao mercado de trabalho, como para preencher as horas de ociosidade dentro dos presidiários, como veremos a seguir.
3.5 O ócio prisional
A palavra ócio significa ausência de trabalho, desocupação. A mente humana está sempre em movimento, ou seja, está pensando constantemente, mesmo que não esteja trabalhando. O mesmo ocorre com aquele que está preso. Se não ocupa a mente com algo produtivo a ocupará com pensamentos nocivos.
O tempo ocioso dos encarcerados condenados poderia ser utilizado de forma a oferecer as mesmas condições para o retorno à sociedade, através da educação, do trabalho e de regras de convívio harmonioso, evitando que eles utilizem este “tempo” para arquitetar novos crimes, alimentar sentimentos de raiva e de vingança para com a sociedade, aliar-se a elementos de alta periculosidade, planejar as rebeliões e fugas dos presídios, assim reincidindo na prática criminosa quando postos em liberdade.
Segundo Domenico de Masi (2000, p. 323), em sua obra O ócio criativo, ele aborda a essencialidade de educar através do tempo livre, ou seja, através de atividades lúdicas e culturais leva-se ao ócio inteligente, no qual se pode transformar esta ocasião em um momento de crescimento intelectual. Pode até parecer estranho esta analogia no que se refere à vida que se tem dentro dos presídios, mas se realmente fosse adotada a filosofia de ensinar um ofício a estes detentos, de maneira que eles pudessem sentir prazer em ler e pensar, poderiam até surgir idéias salutares a serem implantadas dentro da realidade prisional e assim se sentiriam mais úteis.
Ainda conforme Domenico de Masi (2000, p. 325):
A pedagogia do ócio […], significa educar para a solidão e para a companhia, para a solidariedade e para o voluntariado, significa ensinar como se evita a alienação que pode ser provocada pelo tempo vago, tão perigoso quanto a alienação derivada do trabalho.
Diante do exposto, percebe-se que estas atividades de educar para pensar também se encontram inseridas dentro da Lei de Execução Penal, no seu Art. 28: “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”, no qual será levado em consideração as habilidades e condições pessoais de cada detento para produzir de acordo com sua capacidade física ou mental.
3.6 A ressocialização através do trabalho e da educação
No sistema prisional brasileiro as atividades exercidas pelos detentos não configuram uma atividade capaz de formar indivíduos preparados para retornar ao convívio social, pois eles não são educados para adquirir conhecimento técnico necessário à reinserção social. É preciso reorganizar a forma de aplicação do trabalho, devendo além de ocupar o tempo ocioso, preparar e oportunizar esses sujeitos para escolhas mais conscientes e transformadoras. O estudo e o trabalho devem ser incentivados através de parcerias ou convênios com empresas públicas ou privadas com objetivo da formação profissional dos condenados, conforme prevê o art. 34 da LEP. Vale salientar que o estudo é uma atividade laborativa intelectual.
O trabalho nas penitenciárias é um direito dos presos e um dever do Estado, devendo ser considerado uma atividade educativa e um instrumento de recuperação de apenados.
Constitucionalmente o trabalho é um direito garantido no Art. 5°, inciso XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, por sua vez o Art. 39, inciso V da LEP assegura o trabalho como um dever.
Então a expressão “direito ao trabalho” contrapõe-se à expressão “dever de trabalhar”.
O trabalho do preso serve de reinserção do mesmo na sociedade, à medida que o prepara para uma profissão. Assegura Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p. 95):
O trabalho nas prisões, que pode ser industrial, agrícola ou intelectual tem como finalidade alcançar a reinserção social do condenado e, por isso, deve ser orientado segundo as aptidões dos presos, evidenciados no estudo da personalidade e outros exames, tendo-se em conta, também, a profissão ou ofício que o preso desempenhava antes de ingressar no estabelecimento.
O Art. 41, inciso II da LEP, dispõe que é direito do preso à atribuição do trabalho e sua remuneração, devendo a jornada de trabalho ser igual ou próxima daquela exercida no trabalho extramuros. Assim, esta jornada não deverá ser inferior a seis, nem superior a oito horas, conforme estabelece o art. 33, da Lei de Execução Penal. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o art. 28, § 2º da LEP, mas deve-se salientar que o trabalho deve ser remunerado, cujo valor não será inferior a três quartos do salário mínimo, e esta remuneração deve atender à reparação do dano causado pelo crime, assistência à família além de cobrir pequenas despesas pessoais.
A Lei de Execução Penal, em seu art. 34, afirma que o trabalho do preso poderá ser gerenciado por fundação ou empresa pública, com autonomia administrativa e terá por objeto a formação profissional do condenado. Todavia o parágrafo único do mesmo artigo preceitua que, nessa hipótese, incumbirá a entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada. Entretanto cabe ao Estado adquirir a produção, conforme prevê o art. 35, caso ela não seja comercializada com particulares.
O trabalho externo é admitido aos presos em regime fechado somente em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas às cautelas contra fuga e em favor da disciplina. Para o alcance do benefício do trabalho externo pelo apenado que esteja em regime semiaberto, deve-se cumprir um sexto da pena que lhe foi imposta.
O trabalho prisional gera para o condenado preso o direito da remissão da pena, isto é, o condenado pode reduzir, pelo trabalho, o tempo de duração da pena privativa de liberdade. De acordo com a LEP, art. 126, § 1°, a cada três dias trabalhados é remido um dia da pena. A remissão é um estímulo para abreviar o cumprimento da sanção e assim alcançar a liberdade condicional ou definitiva.
O conceito de ressocialização de detentos, pelo trabalho e pela qualificação profissional, com o propósito de prepará-los ao reingresso social, baseia-se na afirmação de que o trabalho é fonte de equilíbrio na nossa sociedade e também é agente ressocializador nas prisões do mundo todo. Conforme Ana Margarete Lemos, Claúdio Mazzili e Luis Roque Klering (1998, on line):
[…] um trabalho que não ofereça grande coisa que fazer, como é o caso específico do trabalho prisional, pois as necessidades de envolvimento dos apenados com o conteúdo da tarefa nada representam, é fonte geradora de enorme aumento da carga psíquica e, consequentemente, de maior desajuste do apenado. E é justamente aí que deveria residir a maior preocupação da organização penitenciária, uma vez que seu principal objetivo é de reeducar os apenados por meio do trabalho.
Ensinar um ofício enquanto cumprem a pena é a maneira mais eficaz para ressocializar os presos e o envolvimento com escolas técnicas e oportunidades de estágios seria uma solução para uma nova experiência ressocializadora. Ao oferecer uma formação profissional como direito do preso ou como dever do Estado pode-se qualificá-lo profissionalmente, principalmente se o ilícito que levou a cumprir a pena tenha sido conseqüência de não habilitação educacional ou profissional, pois assim se facilita um futuro egresso mais favorável a reinserção social.
3.7 A reincidência dos egressos
A palavra reincidência significa a repetição do acontecimento de alguma coisa. A reincidência pode ser genérica, específica e especialíssima. A genérica verifica-se quando se trata do cometimento repetido de crimes em geral; a especifica é percebida quando o crime que é cometido repetidamente é semelhante ao crime anterior; já a reincidência especialíssima ocorre quando se trata de crimes idênticos.
A reincidência está prevista no caput do art. 63 do Código Penal Brasileiro que dispõe: “Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Fernando Capez (2004, p. 431) conceitua a reincidência como “a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgado”.
A reincidência criminal no Brasil ocorre à medida que o sistema prisional não consegue atender aos objetivos da execução penal: defender a sociedade daqueles que praticam crimes e propiciar a recuperação e a reinserção do apenado nesta mesma sociedade, de forma produtiva e satisfatória. Não atende ao primeiro objetivo, devido à superlotação dos presídios; não atende ao segundo devido a péssima qualidade da ressocialização.
Na verdade, não se pode atribuir como causa da reincidência somente o fracasso da prisão. Deve ser levada em consideração a contribuição de outros fatores sociais, pois o direito ao respeito da pessoa humana é o direito mais agredido na maior parte das prisões, como já visto anteriormente. A liberação dos presos sem o devido preparo, como o tratamento reeducativo, e sem colaboração da sociedade na reinserção social do preso, contribui para o fator de reincidência.
CONCLUSÃO
Constata se que a violência tornou se uma rotina social, deixando de ser excepcional para uma marca do cotidiano. No Estado do Ceará não é diferente. Há uma onda crescente desse fenômeno atingindo níveis alarmantes, deixando a sociedade em estado de choque, refém da criminalidade constante. Diante de tal fato, há uma profunda necessidade de implantação de políticas públicas eficientes no sentido de resgatar a execução penal do fundo do poço, para que os infratores condenados possam, de fato, ser recuperados e assim voltarem ao convívio social em condições satisfatórias.
Nesse sentido, a reforma deve passar por todos os órgãos responsáveis pela persecução penal, até chegar ao sistema penitenciário. Para que haja uma pena adequada, justa, merecida, é preciso que o inquérito policial seja bem feito, que de fato demonstre a materialidade, a autoria do crime e as circunstâncias que o envolveram, em detalhes, pois é com base nisso que o Ministério Público irá, via de regra, oferecer a denúncia e havendo condenação, esta também será proporcional ao fato praticado.
Após a condenação, o infrator deve ser levado a cumprir a sua pena em um sistema penitenciário eficiente, eficaz e possa, de fato, recuperá-lo respeitando a sua condição de ser humano.
Se o Estado brasileiro quer reduzir a reincidência criminal e as estatísticas criminais, precisa de um sistema penitenciário rígido, porém eficiente, vale dizer, deve haver disciplina, mas também respeito aos direitos dos presos, além de uma ressocialização efetiva, com qualidade.
Entendemos que a legislação existente, salvo algumas exceções pontuais, já tem potencial suficiente para atender a essas finalidades da pena privativa de liberdade, faltando apenas vontade política para fazer cumprir estas normas jurídicas. A Lei de Execução Penal brasileira, devidamente ajustada à CF 88, está entre uma das melhores do mundo, assegurando ao preso todos os direitos necessários à sua ressocilização, bem como determinando ao Estado as obrigações para que esse objetivo seja atingido. No entanto, por falta de interesse, entra década sai década e o sistema de execução penal continua o mesmo: ineficiente.
Constata-se que esse problema retrata a própria desorganização e falta de valores éticos dos administradores públicos e da própria sociedade. É o momento oportuno, portanto, para melhorar a gestão nos presídios, tornando-os mais eficazes em seus propósitos, cujo principal é o de reeducar o infrator, de fazer com que este se arrependa do crime cometido e almeje dias melhores para sua vida.
Para isso, muito pode ser feito, coisas óbvias, porém deixadas de lado. Uma dessas políticas deve estar voltada para cumprir um mandamento legal, qual seja o de proporcionar ao preso o estudo e o trabalho, o que pode ser feito com parceiras inteligentes com empresas privadas e grupos econômicos privados, que em troca de subsídios podem ensinar ao preso um ofício, uma profissão. Esse apoio, advindo desta parceria, pode ir muito ais além: esta empresa pode ser estimulada a contratar essa mão de obra, quando o condenado se tornar um egresso.
Os sucessivos governos precisam deixar de lados as medidas de urgência, pirotécnicas e de impacto, para fazer um trabalho sério, que susta efeitos no tempo certo: á médio e longo prazo.
Ademais, paradoxalmente a repressão eficiente também depende de uma prevenção eficiente. Expliquemos: sem prevenção eficiente o número de presos só aumentará, com de fato tem acontecido nas últimas décadas. Assim, a superlotação dos presídios continuará a ser uma realidade, que dificulta a ação ressocializadora. Presídio superlotado é presídio cheio de problemas. Construir presídios não será a solução, senão fonte de lucros para os construtores. Por outro lado, se os fatores causadores da criminalidade forem trabalhados de uma maneira eficiente, o número de infratores diminuirá substancialmente, de forma que com menos presos para cuidar o Estado poderá cumprir melhor com o seu papel de reeducar os condenados.
A palavra chave é esta: ressocialização. O sistema penitenciário brasileiro tem como finalidade a ressocialização do preso, pois conforme os artigos 1º, 10º, 11º e 25 da lei de Execuções penais, o sistema consiste numa reciclagem, num período no qual o detento, longe da sociedade, deverá ser objeto de especial atenção do Estado, que efetivará esforços para recolocá-lo na sociedade, no intuito de que possa viver novamente de acordo com as normas do Estado e da Sociedade. Assim, o sistema visa dois objetivos fundamentais: O primeiro é fazer com que o sentenciado sinta, pela penalidade, o erro do seu crime, o segundo se refere à assistência na possibilidade de reintegração, ao dever do Estado, de possibilitar meios àquele indivíduo que está sobre a punição do sistema, de se restabelecer através de novas instruções, de apoios a mudanças de perspectiva com investimentos de cursos profissionalizantes, de reflexão a novas formas de supri seus anseios como ser humano sem que seja através de práticas criminosas, de uma nova possibilidade de vida através de conhecimentos instrutivos e religiosos.
Sendo assim, fica evidente que o trabalho do condenado terá finalidade educativa, produtiva e social.
A não existência de políticas criminais e a não efetivação de medidas que visem reintegrar e recuperar os presos para o retorno ao convívio social trará conseqüências devastadoras e que será sentida pele sociedade. Caso tais medidas fossem efetuadas, a realidade seria distinta.
Com efeito, para resgatar a cidadania, a dignidade e a prosperidade das populações mais carentes, há necessidade de uma verdadeira revolução na educação, aliada à criação econômica de meios de prosperidade financeira, como o aumento de mercado de trabalho, e uma revolução, de modo geral, na administração pública municipal, estadual e federal, para que possa atender de modo eficaz os anseios da população.
1 O relato histórico presente no sub título 1.1foi construído baseado nos estudos de Duarte,(1999,online).
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APÊNDICE
Orientadores: Simone Trindade (de metodologia)
Francisco Marques (de conteúdo)
1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
A criminalidade no Brasil, atualmente, é uma das patologias mais graves de que sofrem o Estado e a Sociedade. No contexto dos fundamentos do Estado democrático brasileiro, inscrito na constituição federal de 1988 e das leis constitucionais que falam sobre o dever de segurança pública, como instrumento de paz social, o sistema carcerário é um assunto de extrema relevância e importância.
As diferenças e divergências constituem a vida social à medida que estas se efetivam, através da dinâmica das relações sociais, que são fontes permanentes de tensões e conflitos, estes se agravam, pois há falha na estrutura social, no sistema de governo e nos âmbitos: Educacional, cultural e econômico, em conjunto com o desemprego crescente. Todos esses fatores tornam se essenciais para compreender a ascensão sem controle da violência na sociedade brasileira.
Constata-se que a violência tornou se uma rotina, deixando de ser excepcional para uma marca do cotidiano. No Estado do Ceará não é diferente. Há uma onda crescente desse fenômeno atingindo níveis desesperadores, deixando a sociedade em estado de choque, refém da criminalidade constante. Diante de tal situação calamitosa e de extrema barbárie, há profunda necessidade de implantação de políticas públicas eficientes, de efeitos preventivo-repressivos principalmente, e também ao convívio social, oferecendo assim, valores humanos como referência, e o cumprimento da lei de execução penal, fazendo, se necessário, uma integração sólida entre órgãos públicos de segurança, poder judiciário, governo e sociedade civil, dessa forma garantindo meios para a ré – estruturação social.
As causas ao grande aumento da opção pela conduta criminosa entre a população são bastante diversas, vária da nova ordem de educação pós moderna à proliferação da miséria, compreendendo nesse conceito a falta de saneamento básico, educação, moradia e saúde. O principal fator ascensor, a meu ver, dessa gigante banalização da violência é a falta de estrutura na formação humana e religiosa, pois o conjunto de princípios formadores da moral humana, são os principais limites impositores da ação dos indivíduos, retire os e o caos da moral, do que é certo ou errado estará implantado.” Retire Jesus do coração dos homens e o Mau estará a solta”.
Com efeito, para resgatar a cidadania, a dignidade e a prosperidade das populações mais carentes, há necessidade de uma verdadeira revolução na educação, aliada à criação econômica de meios de prosperidade financeira, como o aumento de mercado de trabalho, e uma revolução, de modo geral, na administração pública municipal, estadual e federal, para que possa atender de modo eficaz os anseios da população.
O sistema penitenciário cearense vivencia um verdadeiro caos, repleto de vários procedimentos negativos, sendo elemento potencializador da capacidade criminosa dos que ali estão submetidos, que ao contrário do que se é proposto, que seria a reabilitação e reinserção, pressupondo a recuperabilidade, o que acontece é um caminhar a um ambiente propício ao desenvolvimento e aprimoramento criminoso.
Não há como existir ressocialização se os ambientes carcerários estão superlotados e sem nenhuma estrutura, predominando a ausência de atividade laboral e educativa. Ambiente que acarreta rebeliões, aliada à falta de funcionários, treinamentos, mais a um sistema mal aparelhado, mal pago e sem estímulos aos que deles participam.
A polícia civil também padece com o sistema, desvirtuada de suas finalidades constitucionais, que seria investigar, com um suporte técnico e um aparato humano necessário e qualificado, para que assim, funcione o seu devido papel, que é o apoio ao poder judiciário para a elucidação das autorias e materialidades dos fatos criminosos, esta vive a preocupar se com a manutenção e segurança dos xadrezes, aglomerada de presos em locais sem estruturas e sem possibilidade de ressocialização, aliado ainda à impossibilidade de separação dos detentos de acordos com os crimes e graus de periculosidade e a falta de material humano para suprir as carências das delegacias.
Trataremos na nossa pesquisa monográfica de um tema que acreditamos amenizar a questão da criminalidade e a revitalização do sistema penitenciário, para que cumpram as funções de reintegração dos presos à comunidade a que se destina com ênfase para o trabalho dentro e fora dos presídios, como medida de realização do principio e fundamento do estado democrático de direito e da dignidade humana. Em particular daremos ênfase de uma possibilidade de uma melhor aplicação e uma possível evolução nos regimes prisionais, onde o egresso sairia da reclusão após a instrução de curso técnico com a possibilidade de aplicar esses conhecimento em regime semi aberto, como forma de pena alternativa, onde uma parte de seu labor seria destinada aos gastos do estado, com metas e objetivos a ser atingidos com a possibilidade de regressão caso as metas não sejam atingidas, onde esse individuo passaria mais um tempo de preparação humana e técnica para se reabilitar e está apto à regressão com o trabalho alternativo. Esse labor e re instrução teria pascerias com as entidades privadas.
Nessa esteira, mostra se bastante contraditório pretender que o detento, ao voltar ao convívio social, respeite os direitos dos demais cidadãos, se durante o período em que esteve encarcerado não teve o mínimo ré-estruturação e oportunidades para uma aplicação de novos valores.
Acreditamos que a criminalidade poderá ser bastante reduzida se o sistema penitenciário, ao contrário do que ocorre generalizadamente, consiga satisfazer o mandamento da dignidade, ressocializando os presos através de atividades que o levem a experimentar o amparo do Estado e da sociedade, de forma a haver a possibilidade de acreditar em crescer e de prosperar de acordo com as normas reguladas pelo Estado.
Diante dessas notas introdutórias, buscaremos desenvolver uma pesquisa monográfica que responda aos seguintes questionamentos:
1) O sistema prisional brasileiro fornece as condições para a ressocialização do condenado?
2) É possível reduzir os problemas do sistema prisional?
3) O que fazer para se alcançar melhores resultados no tocante aos objetivos da pena?
4) Como pode ser aplicada a lei de execução penal de forma a proporcionar condições de integração social do condenado?
5) Como a capacitação profissional pode ser revertida da maneira positiva para o sentenciado enquanto ingresso do sistema prisional?
6) Quais as maneiras como o Estado pode contribuir para garantir a reintegração?
2 JUSTIFICATIVA
É notório o crescimento da violência nas últimas décadas na sociedade brasileira. Tal ascensão promove um sentimento cada vez mais consolidado de insegurança pública e jurídica, fortalecendo também uma sensação de medo constante, de impotência em virtude das graves conseqüências que esse caos urbano provoca e da aparente falta de controle de que se reveste.
Tal situação ocorre principalmente em virtude das condições sócio econômicas em que se encontra a maioria da população brasileira, que apresenta uma grande diferença na distribuição de sua riqueza e um alto índice de miséria, pobreza e falta de amparo Estatal nas questões mais relevantes como saúde, educação, moradia, emprego, dando ensejo, dessa forma, a uma sociedade de exclusões e rejeições.
Diante de tais circunstâncias negativas, faz se necessário a adoção de medidas urgentes e eficazes no combate à criminalidade, como também políticas criminais efetivas, que deverão ser aplicadas aos que estão elevando e incorporando à população carcerária, que não obstante, enfrenta graves dificuldades, consolidando a total falência do sistema penitenciário brasileiro.
Constata-se que essa falência retrata a própria desorganização e falta de valores éticos dos entes públicos e da própria sociedade. É momento oportuno, portanto, para melhorar a gestão nos presídios, tornando – os mais eficazes em seus propósitos de, prioritariamente, ressocializar, os delinqüentes, buscando alianças e viabilizando projetos em parceria com os mais diversos setores da sociedade, atraindo investimentos privados e fomentando a participação crescente dos segmentos sociais nas ações de combate a esta crise.
Nota-se que, nesses últimos anos, medidas de urgência foram tomadas, mas estas, foram poucas para adequar o sistema penitenciário à realidade brasileira. Enquanto os níveis de violência aumentaram sem precedentes e consequentemente, as populações carcerárias, as medidas realizadas, não foram suficientes para melhorar a situação do sistema prisional, pois este foi se degradando ainda mais. Diante desse déficit histórico de políticas públicas e investimento na área prisional, os Estados federativos, hoje, não têm logrado êxito em atender às crescentes demandas sociais, prevalecendo a inaplicabilidade de direitos e da legislação vigente. Tais lacunas, que remontam a um processo histórico complexo, não podem ser superadas em curto prazo, assim, acarretam o agravamento da situação.
Essas dificuldades históricas e estruturais são causas da péssima situação em que se encontra o sistema prisional e é de fundamental importância que haja uma gestão penal que se baseie nos princípios de ressocialização e reabilitação por meio de duas idéias basilares: a punição e a correção por meio principalmente da educação e do trabalho, e que este não seja estabelecido apenas no âmbito interno das prisões, inerentes somente à manutenção, vigilância e contenções aos presos, se assim o for estará ocorrendo à mera repressão. A forma através da qual o infrator é punido tem que ser eficaz e a pena deve ser justa, uma vez que os condenados devem estar recuperados ao sair da prisão, aptos para reintegrar se à sociedade e não agir em desacordo com a lei.
Ressalte–se, mais uma vez, a necessidade de uma instituição penitenciária humana, que recupere de fato o preso, e não exerça apenas a função punitiva, para que a sociedade não sofra as conseqüências da revolta gerada pela degradação humana nas prisões, como há muito vem ocorrendo, pois a pena de reclusão se torna incompleta se não há medidas que possibilite a reintegração. Baseando em toda uma experiência carcerária, é notório que as prisões, quanto mais violentas, degradantes e desumanas, funcionam como verdadeiras escolas do crime, das quais os egressos, geralmente, retornam à criminalidade
Daí surge à urgência de aplicação de um sistema punitivo mais humano, pois na presente situação prejudicará não somente os presos, mas também e principalmente, a própria sociedade.
Nesse diapasão, procurar desenvolver se um estudo acerca do assunto de modo a desencadear uma melhor compreensão sobre a problemática que o sistema penitenciário cearense apresenta diante da falta de propostas ressocializadoras aos condenados, contribuindo, então para o aprimoramento da matéria apresentada visando obter uma maior conscientização para um problema de todos.
3 REFERÊNCIAL TEÓRICO
A constituição federal de 1988 é conhecida como “Constituição Cidadã”, pelos pressupostos nesta inseridos que buscam salvaguardar os direitos coletivos e individuais, concretizando os direitos fundamentais do homem. Nossa carta magna em vista a democratização do Brasil, formalizou o art.1º, parágrafo único, a intelecção de que o poder Estatal emana do povo, assim, é o interesse deste que deve ser buscado e resguardado.
Mais adiante no caput do art. 5º, a constituição alberga a concepção de que todos são iguais perante a lei, não se admitindo distinção de qualquer natureza. A seguinte concepção nos é ensinada: Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade com o fim de atingir um equilíbrio entre as partes. Contudo, ao surgir esta desigualdade, não se autoriza a adoção indiscriminada de qualquer ato retaliativo, pois deve se observar o princípio da proporcionalidade, os direitos mínimos à dignidade da pessoa humana e os objetivos do Estado. Assim, tais concepções não podem em busca das soluções para violência no Brasil atentar os direitos dos infratores ou infligir ondas de repressão, pelo contrário, devemos buscar o atendimento destes direitos para diminuir a violência, buscando conjuntamente melhorar as condições de vida da população de forma equânime, prestando exemplo e objetivando a ressocialização do infrator.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana
[…]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
[…]
III – Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
[…]
XLVIII – Não haverá penas:
1) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
2) de caráter perpétuo;
3) de trabalhos forçados;
4) de banimento;
5) cruéis;
XLVIII – A pena será cumprida em estabelecimento distinto, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado;
L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
Observa-se que esses preceitos constitucionais não são cumpridos em sua plenitude, pois a realidade vivenciada nos estabelecimentos prisionais é caótica e degradante, não exercendo sua real função que seria a ressocialização dos presos.
O sistema penitenciário brasileiro tem como finalidade a ressocialização do preso, pois conforme o artigo 1º, 10º, 11º e 25 da lei de Execuções penais, o sistema consiste numa reciclagem, num período no qual o detento, longe da sociedade, deverá ser objeto de especial atenção do Estado, que efetivará esforços para recolocá-lo na sociedade, no intuito de que possa viver novamente de acordo com as normas do Estado e da Sociedade. Assim, o sistema visa dois objetivos fundamentais: O primeiro é fazer com que o sentenciado sinta, pela penalidade, o erro do seu crime, o segundo se refere à assistência na possibilidade de reintegração, ao dever do Estado de possibilitar meios àquele indivíduo que está sobre a punição do sistema, de se restabelecer através de novas instruções, de apoios a mudanças de perspectiva com investimentos de cursos profissionalizantes, de reflexão a novas formas de supri seus anseios como ser humano sem que seja através de práticas criminosas, de uma nova possibilidade de vida através de conhecimentos instrutivos e religiosos.
Art. 205 da CF “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovido e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Com relação ao trabalho este incide diretamente nos custos dos presos ao Estado já que é possível o ressarcimento, pelo preso por meio de seu salário, do gasto estatal neste investido, como consta no Art. 29, parágrafo 1º, alínea da LEP. Contudo sua importância transita desde a laborterapia, à ocupação dentro do presídio, seguido para o aprendizado de um ofício e a consciência da possibilidade de vida em liberdade.
E, para expor a natureza jurídica e o escopo do trabalho prisional, César Roberto Bitencourt (2006, p.577) expõe com propriedade:
O trabalho prisional é a melhor forma de ocupar o tempo ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão e, a despeito de ser obrigatório, hoje é um direito-dever do apenado e será sempre remunerado (art. 29 da LEP).
Sendo assim, fica evidente que o trabalho do condenado terá finalidade educativa, produtiva e social.
Quanto à possibilidade de remição em decorrência de estudo, hipótese aceita, embora ainda não prevista em lei, Luiz Régis Prado (2005, p. 198) expõe: “Tem-se admitido corretamente, por analogia in bonam partem, a remição da pena pelo estudo, isto é, pela freqüência com aproveitamento a cursos de formação educacional”.
A não existência de políticas criminais e a não efetivação de medidas que visem reintegrar e recuperar os presos para o retorno ao convívio social trará conseqüências devastadoras e que será sentida pele sociedade. Caso tais medidas fossem efetuadas, a realidade seria distinta. Estabelecem a Lei de Execução Penal várias disposições neste sentido:
Art. 1º – A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
[…]
Art. 25 – A assistência ao egresso consiste:
I – na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;
[…]
Art.64 – Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual, incube:
[…]
I – propor diretrizes da política criminal quanto a prevenção do delito, administração da justiça criminal e execução das penas e das medidas de segurança;
[…]
Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme a sua natureza deverá constar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.
[…]
Neste sentido, defende ainda mais César Barros Leal, (1998, p. 69):
A concorrer para essa ultrajante realidade estão a incúria do Governo, a indiferença da sociedade, a lentidão da justiça, a apatia do Ministério Público e de Todos os demais órgãos da execução penal incumbidos legalmente de exercer uma função fiscalizadora, mas que, no entanto, em decorrência de sua omissão, tornam-se cúmplice do caos.
Percebe-se que tal crise inerente ao sistema penitenciário brasileiro como um todo faz vigorar, de modo ainda mais latente, o aumento da criminalidade, evidenciando de forma cada vez mais cotidiana e agravada, em virtude da falta de condições que o sistema prisional oferece, apresentando este, falhas que comprometem o bem-estar de todos, pois a função primordial de ressocialização dos delinqüentes e sua posterior recuperação e retorno à sociedade não são postos em práticas.
4 OBJETIVOS
Geral:
Analisar a evolução do sistema carcerário, bem como seu atual funcionamento e suas contribuições para a ressocialização dos presidiários e os meios de prevenir à reincidência e conseqüentemente a redução da criminalidade, bem como as novas formas de aplicações dentro do sistema penitenciário para que ao reingressar à sociedade este possa efetuar novos meios de subsistências as suas necessidades básicas sem que seja através dos métodos criminosos.
Específicos:
- Avaliar a legislação brasileira no que consiste ao sistema penitenciário e sua aplicabilidade e como pode ser aplicada a lei de execução penal de forma a proporcionar condições de integração social do condenado.
- Abordar doutrinária e legalmente a questão da ressocialização dos presos.
- Analisar as formas alternativas para combater o ócio dentro das penitenciarias
- Identificar como a capacitação profissional pode ser revertida da maneira positiva para o sentenciado enquanto ingresso do sistema prisional.
5 HIPÓTESES
O sistema penitenciário brasileiro encontra se em uma situação crítica. O País tem hoje uma população carcerária formada por quase 423 mil detentos. Há dez anos este número era de ‘apenas’ 217 mil. No Ceará, a situação é a mesma. São 12.522 detentos, enquanto as unidades prisionais do Estado, juntas, têm capacidade real para abrigar apenas pouco mais de 7 mil condenados. O excedente é de 5.169 presos. Com tanta gente para ser mantida atrás das grades e o número de vagas muito aquém das necessidades, as cadeias públicas, presídios, penitenciárias e as ‘novas’ casas de custódia se transformaram em depósitos de presos.
Na maior unidade carcerária do Ceará, o Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), localizado no quilômetro 27 da BR-116, no Município de Aquiraz, a situação é a mais complicada. No velho IPPS, inaugurado há quase 40 anos, estão abrigados, atualmente, cerca de 1.300 detentos, enquanto a capacidade real é para até, no máximo, 900 homens. Mesmo com as reformas que estão sendo realizadas ali, o maior problema – que é a superlotação – vai perdurar. Esse acúmulo de presidiários se repete nas mais modernas unidades prisionais cearenses: as casas de custódia. Denominadas de Casas de Privação Provisória da Liberdade (CPPL), as duas unidades foram inauguradas no governo passado, cada uma delas com capacidade para 800 detentos. As 1.600 vagas criadas no sistema penal cearense, na gestão do governador Lúcio Alcântara, proporcionaram o esvaziamento dos xadrezes das delegacias de Polícia Civil, porém, apenas dois anos depois, a situação voltou ao que era. Ou melhor: piorou.
Hoje, todas as delegacias da Grande Fortaleza, sem exceção, registram superlotação em seus xadrezes. As fugas voltaram a acontecer semanalmente. Nos presídios e cadeias públicas do Interior, o quadro se repete. Exemplo disso é a Casa de Detenção da cidade de Morada Nova (a 163Km de Fortaleza), onde quase 90 presidiários dividem espaço nas celas onde não deveriam ter além de 50 detentos.
Em recente reportagem especial, que retratou o clima de insegurança no Interior cearense – publicada em março de 2008 – o Diário do Nordeste constatou a precariedade das cadeias públicas do Estado. Além da superlotação, as cadeias apresentam-se, em geral, com péssimas condições estruturais, além de grave quadro de falta de higiene, alimentação e de segurança.
Na maioria dos Municípios, as cadeias públicas estão instaladas no mesmo imóvel onde também funcionam a unidade da Polícia Civil e o destacamento da Polícia Militar. Dados do Ministério da Justiça (MJ) e da própria Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus), revelam que, por semana, entram nas unidades carcerárias cearenses entre 50 e 55 presos. Os quatro grandes presídios do Estado registram 3.073 encarcerados para uma capacidade de 2.680. Somente em regime semi-aberto, o Ceará conta com 954 presos já condenados.
Já no “apagar das luzes” de sua gestão à frente do Governo do Ceará, o então governador Lúcio Alcântara inaugurou as duas unidades construídas – em parceria com o Ministério da Justiça – para desafogar o sistema penitenciário cearense: as casas de custódia de Caucaia e Itaitinga. Uma megaoperação policial foi montada para transferir nada menos que 1.600 presos, que estavam retidos nas celas das delegacias de Polícia Civil -, para as duas novas unidades carcerárias.
Em cada uma delas deveriam ficar 800 presos, mas a realidade atual é outra. Ambas estão superlotadas, a exemplo do que está acontecendo no IPPS e nas delegacias distritais da Grande Fortaleza.
Na interpretação das autoridades, o crescimento dos índices da violência vem provocando um aumento no número de presos a serem abrigados nas cadeias e presídios. Aliado a isto, outro fato é tido como de grande peso nesta situação: o aumento do número de prisões em decorrência da implantação do projeto de policiamento comunitário “Ronda do Quarteirão”, que redobrou a presença ostensiva da Polícia Militar nas ruas da Capital do Ceará e dos municípios metropolitanos de Caucaia e Maracanaú, porém não houve uma melhoria no quadro de contingente da polícia civil e em sua estrutura técnica e urbana. Ou seja, houve uma melhoria no quadro da polícia ostensiva, mais não houve a devida adequação na polícia técnica científica para que esta suportasse as mudanças.
Com as delegacias, cadeias e penitenciárias abarrotadas de presos, restou ao Governo do Estado a única saída de construir mais dois presídios. Segundo dados do Ministério da Justiça, até o fim de 2007, a população carcerária do Estado do Ceará totalizava 12.186 presos, sendo 11.778 homens e 408 mulheres. O último balanço indica que este número saltou para 12.522, isto é, em apenas quatro meses, entraram nos presídios e cadeias 336 ‘novos’ detentos, uma média de 84 novos presidiários a cada 30 dias.
Neste período, nenhuma vaga foi aberta no sistema. São mais 336 detentos que dividirão o mesmo espaço com aqueles que já estavam nas celas. Mais gente e o mesmo espaço. Resultado disso: mais tensão. A saída de presos é desproporcional à entrada, resultando na superlotação. O quadro no Ceará é o reflexo do que acontece no restante do País. No Brasil, são 423 mil presidiários. Aliada à superlotação, a ociosidade fomenta o clima constante de violência nas unidades prisionais. No Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), seis presos já foram assassinados somente este ano. Mas, além desses dois fatores, há outros motivadores da violência nas cadeias. O principal deles é a atuação de verdadeiras quadrilhas dentro dos presídios, que brigam pelo domínio do comércio de drogas e armas. São quadrilhas que, por sua vez, estão ligadas a organizações criminosas maiores e com poder de atuação intra e extramuros e de forma interestadual, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Amigos dos Amigos (AA), que agem nas penitenciárias estaduais e federais, com base em São Paulo, e que possuem ramificações em todo o Brasil.
6 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A metodologia utilizada nesta monografia será realizada através de um estudo descritivoanalítico, desenvolvido através de pesquisa:
Tipos de Pesquisa
- Bibliográficas, com consultas à literatura doutrinária, artigos e dados oficiais publicados na internet, imprensa escrita, publicações especializadas, procurando explicar o problema.
- Documental, por meio de projetos, leis, normas, pesquisas on-line, dentre outros que abordem sobre o tema.
Tipologia de pesquisa
1) Quanto à utilização dos resultados:
Pura – à medida que tem como finalidade ampliar os conhecimentos do pesquisador e a busca de conhecimento empírico, para, assim, expor o tema em questão.
2) Quanto à abordagem:
Qualitativa – à medida que se aprofundará na compreensão das ações e relações humanas, observando os fenômenos socais de maneira intensa.
3) Quanto aos objetivos, a pesquisa será:
a) Descritiva, buscando descrever, classificar, explicar, esclarecer e interpretar o fenômeno observado.
b) Exploratória, procurando aprimorar idéias, buscando informações mais detalhadas sobre o tema em foco.
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