O USO DO TREINO COGNITIVO NO UNIAMA COMO FERRAMENTA PARA MANUTENÇÃO DA MEMÓRIA ATIVA: EM PORTUGUÊS

THE USE OF COGNITIVE TRAINING AT UNIAMA AS A TOOL FOR MAINTAINING ACTIVE MEMORY: EM INGLÊS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506151934


Valéria Gonzatti1
Silvia Virginia Coutinho Areosa2
Tatiana Quarti Irigaray3


Resumo

Introdução: Dentre as modalidades não farmacológicas de intervenção para idosos, o treino cognitivo apresenta-se como alternativa promissora para atenuar os efeitos do envelhecimento sobre a cognição. Objetivo: Descrever a prática de treino cognitivo no UNIAMA – Universidade do Adulto Maior, na UNISC. Descrição: Estudo descritivo, no qual foram adaptadas as tarefas do protocolo de treino cognitivo em lápis e papel com foco na estimulação de estratégias de atenção, memória e funções executivas. As pesquisadoras adaptaram os treinos que foram aplicados em um grupo de idosos, uma vez por semana. Resultados: As tarefas do treino foram distribuídas em 10 sessões previstas para serem administradas em até 90 minutos cada. Conclusão: Verificou-se que foi possível adaptar as tarefas do treino em lápis e papel para um grupo usando multimídia.

Palavras-chave: Palavras-chave: treino cognitivo; envelhecimento; memória; atenção; cognição. 

ABSTRACT

Introduction: Among the non-pharmacological intervention modalities for the elderly, cogni-tive training is a promising alternative to mitigate the effects of aging on cognition. Objecti-ve: To describe the practice of cognitive training at UNIAMA – Universidade do Adulto Mai-or, at UNISC. Description: Descriptive study, in which the tasks of the cognitive training protocol were adapted in pencil and paper with a focus on stimulating attention, memory and executive functions strategies. The researchers adapted the trainings that were appli-ed to a group of elderly people, once a week. Results: The training tasks were distributed in 10 sessions scheduled to be administered in up to 90 minutes each. Conclusion: It was found that it was possible to adapt the training tasks in pencil and paper for a group using multimedia.

Keywords: cognitive training; aging; memory; attention, cognition.

1 INTRODUÇÃO

        O envelhecimento da população é um dos grandes desafios da sociedade, tendo em vista o significativo crescimento da expectativa de vida. Assim, o aumento do número de idosos na população torna-se uma preocupação mundial que demanda estratégias de prevenção e manutenção de saúde. O processo de envelhecimento é comumente associado ao aparecimento de sinais de incapacidade física, cognitiva ou mental (Oliveira & Rossi, 2019). Todavia, não há consenso quanto ao perfil cognitivo a partir dos 60 anos de idade, visto que se identificam diferentes percepções: manutenção, declínio ou aumento das habilidades cognitivas. Desta forma, acompanhar e promover a manutenção ou aumento dessas habilidades pode ser um dos papéis da Psicologia (Cohen & Rocha, 2019; Camarano, 2013; Paulo & Yassuda, 2010).  

       A World Health Organization (2015) definiu, para o quadriênio 2016-2020, algumas estratégias para auxiliar a população a ter uma vida mais longa e saudável. Dentre elas estão a promoção de ações baseadas em evidências para elevar ao máximo a capacidade funcional, o estabelecimento de evidências e a proposição de parcerias para apoiar a Década de Envelhecimento Saudável (2020 a 2030). Assim, o treino, com enfoque na remediação cognitiva, enquadra-se nestas estratégias, pois visa à melhoria ou conservação das habilidades cognitivas em idosos.

O treino cognitivo é a prática repetida de um conjunto de tarefas padronizadas, tendo como objetivo que as atividades realizadas possam ser consideradas compensatórias melhorando as ações e iteração da vida diária do idoso (Argimon, Irigaray, Lopes, Esteves, & Farina, 2016; Ribeiro, Oliveira, Moret-Tatay, & Argimon, 2016; Shah, Weinborn, Verdile, Sohrabi, & Martins, 2017). Com isso, o principal objetivo do treino cognitivo é a busca pela qualidade de vida, adaptado às necessidades informadas pelo paciente e seus familiares, tendo um propósito funcional (Ávila & Miotto, 2002). 

Porém, Shah, Weinborn, Verdile, Sohrabi, e Martins (2017) afirmam que raros programas de treino demonstraram evidências de resultados na vida diária. Os autores exemplificam indicando que os participantes são capazes de memorizar uma lista de palavras, mas isso não os faz lembrar do local onde costumam deixar suas chaves ou quais são seus compromissos. Assim, as atividades desenvolvidas no treino devem ter sentido na vida diária dos participantes, tal como  verificar se o treino cognitivo digital tem efeito no funcionamento cognitivo e nas atividades da rotina é de extrema importância (Parsons, 2015). 

       Em função da baixa resposta ao uso de medicamentos, os quais têm como finalidade a melhora dos prejuízos cognitivos em idosos, as estratégias não farmacológicas de tratamento, como treinos cognitivos, têm recebido destaque em diferentes estudos (Golino & Flores-Mendoza, 2016; Olchik, Farina, Steibel, Teixeira, & Yassuda, 2012; Tetlow & Edwards, 2017). Os treinos que incluem atividades com computador parecem potencializar o efeito da intervenção.

       Desta forma, a hipótese  que um treino desenvolvido em consonância a faixa etária poderia potencializar ainda mais as capacidades cognitivas de idosos. Uma das dificuldades em pesquisar sobre a efetividade de treinos cognitivos refere-se ao fato de que os estudos não divulgam os protocolos de intervenção utilizados, impedindo que outros pesquisadores repliquem os achados em diferentes contextos (Golino & Flores-Mendoza, 2016). Assim, percebe-se a necessidade de avaliar os efeitos das intervenções utilizando protocolos pré-estabelecidos e que possam ser replicados. 

Nos últimos anos, o mercado tem sido inundado por produtos de treinamento cognitivo que prometem melhorar a performance da cognição e até mesmo proteger contra o desenvolvimento de déficits cognitivos. Entretanto, poucos desses programas foram examinados por meio de metodologia científica a fim de avaliar sua eficácia na reabilitação cognitiva em idosos (Lisanne, Best, Crockett, & Liu-Ambrose, 2018).

        Pensando na contribuição que as novas tecnologias podem proporcionar, o objetivo do presente artigo é relatar a experiência  da aplicação de um treino cognitivo  em pessoas idosas em uma atividade em grupo usando multimídia (datashow, áudio e vídeo). Tal relato possibilita que demais pesquisadores possam replicar a técnica utilizada e ampliar estudos sobre a temática.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

 2.1 Envelhecimento e Funcionamento cognitivo

O envelhecimento da população é um dos grandes desafios da atualidade, tendo em vista o significativo crescimento da expectativa de vida desde o final do século passado (Jesus, 2010). Woods et al., (2018) defendem que a preservação das capacidades cognitivas e funcionais são essenciais para o envelhecimento bem sucedido. Esses aspectos impactam a qualidade de vida e aspectos sociais e econômicos de idosos. Dessa forma, ações que exerçam uma remediação do processo de envelhecimento ou que possam adiar os processos demenciais são imprescindíveis.

O Word Health Organization (2015) tem como um de seus objetivos estratégicos a implementação de pesquisas sobre o envelhecimento saudável. Salthouse (2017) afirma que a maioria das relações entre idade e funcionamento cognitivo se manifesta como influências gerais compartilhadas, sendo que as diferenças no funcionamento cognitivo são atribuídas às diferenças de idade. O autor verificou três categorias para explicar a relação entre idade e cognição: 1) Influências gerais estão associadas às mudanças da idade e as medidas cognitivas; 2) Há necessidade de distinguir e indicar quais são os responsáveis pelos déficits singulares ou específicos independente das influências gerais; 3) Esclarecer como os efeitos da idade se manifestam em tarefas específicas. Desta forma, o envelhecimento populacional  é uma preocupação mundial, e exige estratégias de prevenção e manutenção de saúde a serem adotadas com a maior brevidade possível.

Vaportzis e Gow (2018) investigaram sobre crenças, medos, percepções e atitudes do envelhecimento em adultos. Descobriram que para conservar ou aprimorar as habilidades cognitivas no processo de envelhecimento é necessário ter um objetivo de vida, manter boa alimentação, realizar atividade física, ter qualidade de sono e manter o cérebro ativo. A maioria dos participantes refere que é possível manter ou até melhorar com o passar da idade.

 O envelhecimento, enquanto processo, pode ser acompanhado pelo declínio das habilidades cognitivas, como a memória e as funções executivas (Paulo & Yassuda, 2010). A cognição, em seu sentido amplo, é caracterizada como um conjunto de capacidades mentais que permitem a aquisição, o acesso e a manutenção de conhecimentos. Compreende um conjunto de funções que se distinguem pelas características das informações a tratar. Alguns pesquisadores estudaram a relação entre cognição e envelhecimento e observaram um declínio da atividade cognitiva (Fonseca et al., 2009), outros estudos mostram que as funções cognitivas se mantêm estáveis ou até melhoram com o passar dos anos (Dennis & Cabeza, 2011; Vaportzis & Gow, 2018).

No processo de envelhecer pode ocorrer a redução das capacidades das funções cognitivas. O déficit pode ser percebido no rebaixamento da velocidade de processamento, na atenção, na memória, na linguagem e nas funções executivas. De tal modo será considerado esperado ou normal, no caso de ser apenas um rebaixamento das habilidades. Contudo, se o déficit for percebido como um declínio será considerado patológico, podendo caracterizar uma provável demência (Irigaray, Gomes, & Schneider, 2011; Paulo & Yassuda, 2010; Pereira-Morales, Cruz-Salinas, Aponte, & Pereira-Manrique, 2018; Woods et al., 2018).Remediação e Treino Cognitivo 

A World Health Organization (2015) definiu, para 2016-2020, algumas estratégias para auxiliar a população a ter uma vida mais longa e saudável. Dentre elas estão a promoção de ações baseadas em evidências para elevar ao máximo a capacidade funcional, o estabelecimento de evidências e a proposição de parcerias para apoiar a Década de Envelhecimento Saudável (2020 a 2030). Assim, o treino, com enfoque na remediação cognitiva, enquadra-se nestas estratégias, pois visa à melhoria ou conservação das habilidades cognitivas de idosos.

A reabilitação cognitiva procura melhorar o funcionamento cognitivo e instruir sobre as dificuldades e alcançar o maior nível de independência possível em clientes com dano ou em processos neurodegenerativos (Wilson, Gracey, Evans, & Bateman, 2009).  As pesquisadoras Golino, Mendoza & Golino (2017) testaram o efeito do treinamento cognitivo em idosos saudáveis e em seus resultados observaram que existem diferenças cognitivas entre grupos para habilidades estudadas. 

Com o desenvolvimento de novas tecnologias o uso de recursos de computação na prevenção e reabilitação dos transtornos neurocognitivos é um campo atraente e motivador de pesquisa nessa área. Há estudos que afirmam que atividades de lazer relacionadas à informática podem ser um fator de proteção para o desenvolvimento de déficits cognitivos e demência (Xavier et al, 2014). O uso de recursos de computação desenvolvidos para reabilitação cognitiva, quando comparado com técnicas tradicionais, são uma alternativa potencialmente mais econômica.

Como uma das dificuldades em pesquisar sobre a efetividade de treinos cognitivos está a não divulgação dos protocolos. Isso impede que outros pesquisadores repliquem os achados de diferentes contextos (Golino & Flores-Mendoza, 2016). Desde os estudos de Schaie e Willis (2010) os quais investigaram que o possível declínio nas capacidades dos idosos poderia ser em função do desuso e até mesmo ser reversível. Assim, o treino cognitivo tem como um de seus objetivos melhorar as habilidades fluidas para que o idoso possa generalizar as atividades aprendidas para as ações diárias (Tetlow & Edwards, 2017).  

2.2 O treino cognitivo com uso de dispositivos 

Em função da baixa responsividade a medicamentos cuja finalidade é a melhora dos prejuízos cognitivos em idosos, estratégias não farmacológicas de tratamento têm recebido destaque (Kurz, Pohl, Ramsenthaler, & Sorg, 2009; Olchik, Farina, Steibel, Teixeira, & Yassuda, 2012). Na revisão de estudos brasileiros sobre treino de memória, Golino e Golino (2017) discorrem que a maioria dos estudos propõe atividades em grupo, com até 12 sessões, sem acompanhamento em longo prazo, utilizando como avaliação da intervenção medidas não restritas aos profissionais psicólogos. Os autores inferem que pesquisas realizadas no Brasil apresentam lacunas importantes em relação ao método, dificultando a generalização das evidências. No estudo de Schaie e Willis (2010), o treino cognitivo apresentou sucesso no acompanhamento em longo prazo, no qual os participantes mantiveram os ganhos da intervenção. Dessa forma, estudos com treino e acompanhamento em longo prazo se fazem necessários e poderão apontar possíveis efeitos de durabilidade da intervenção.

A reabilitação cognitiva procura melhorar o funcionamento cognitivo, instruir sobre as dificuldades e alcançar o maior nível de independência possível em indivíduos com processos neurodegenerativos (Wilson, Gracey, Evans, & Bateman, 2009). As pesquisadoras Golino, Mendoza e Golino (2017) testaram o efeito do treinamento cognitivo em idosos neurologicamente preservados e observaram que existem diferenças cognitivas entre os grupos controle e intervenção. Irigaray, Gomes e Schneider (2011) demonstraram que o declínio de algumas funções cognitivas, como atenção e memória, acontece durante o processo de envelhecimento. No entanto, verificaram que o treino cognitivo em idosos neurologicamente preservado foi capaz de melhorar sua performance cognitiva na avaliação realizada posterior ao término da intervenção.

2.3 O treino cognitivo e sua relação com autoeficácia e autoestima em pessoas idosas

García-Betances, Cabrera-Umpiérrez, e Arredondo (2018) afirmam que um requisito efetivo para o envelhecimento saudável, é a preservação da saúde cognitiva das pessoas. No estudo de Rebok et al. (2014) os efeitos do treino cognitivo em atividades de vida diária foram pouco significativos. Uma das hipóteses explicativas para este achado é que são muitos os fatores que interferem na autonomia e nas atividades de vida diária, como sexo, humor e questões econômicas.

A autoeficácia em pessoas idosas pode estar rebaixada devido às dificuldades cognitivas vivenciadas pelo envelhecimento (Teixeira-Fabrício et al., 2012). No estudo de Karlinski e Frassetto (2013), as participantes entrevistadas se consideraram capazes de enfrentar os infortúnios, aceitar o envelhecimento e expressar a importância de pensamentos mais resilientes sobre a vida (situações difíceis e do dia a dia). Outro estudo relata que o treino conduz a melhorias significativas no bem-estar cognitivo e psicológico em pessoas idosas com queixas subjetivas de memória (Pereira-Morales et al., 2018).

A inclusão digital pode ser considerada um aliado no cuidado à pessoa idosa, pois melhora a qualidade de vida, reduz o isolamento e trabalha questões de cidadania. A generalização das atividades foi percebida por meio do aumento da autoeficácia e bem-estar subjetivo das participantes de um treino cognitivo com uso de computador (Soares, de Santana, & Rabelo, 2015). Para Teixeira-Fabrício et al. (2012), os anos de estudo dos participantes influenciaram na autoeficácia e no efeito do treino cognitivo.

Teixeira-Fabrício et al. (2012) afirmam que são necessários mais estudos, visto que a autoeficácia é um indicador de envelhecimento ativo e pode interagir com o desempenho cognitivo de pessoas idosas. O envelhecimento saudável está relacionado à pessoa idosa se sentir seguro, reconhecido por sua experiência de vida e por ser atuante em sua comunidade, ou seja, vai além do estado de saúde física e mental (Meira, Vilela, Casotti, & da Silva, 2017). Assim, questões referentes à autoeficácia podem influenciar no processo de envelhecimento.

A autoeficácia influencia as atividades a serem realizadas. A pessoa idosa – quando não é capaz de acreditar em sua capacidade, por vezes imposta pela sociedade – reduz o engajamento e a tenacidade em alcançar um determinado objetivo. Entretanto, quando denota motivação e confiança, pode obter resultados mais efetivos nas atividades, apresentando estratégias para realizar suas ações (Maciel, Pessin, Istoe, & Souza, 2013). Karlinski e Frassetto (2013) afirmam que pessoas com níveis mais altos de autoeficácia demonstram maior confiança em situações que solicitam adaptação e enfrentamento (aposentadoria, doença e perdas). Kalbe et al. (2018) identificaram que a motivação e a autoeficácia são preditoras de sucesso para a memória, e sugerem aos pesquisadores que ministrem o treino cognitivo a fim de promover a autoeficácia e motivar os participantes no início do treinamento.

Lu, Lin e Yueh (2017) sugerem quatro normativas para treino cognitivo em pessoa idosas, com uso de dispositivos: 1) A atividade deve promover interação social e habilitar capacidades da vida diária; 2) As ações devem estar associadas às vivências dos pessoa idosas; 3) O aplicativo deve fornecer estimulação de vários sentidos (luzes, sons e cores); e 4) As tarefas devem ser agradáveis para motivar o usuário a retornar à ação. Na intervenção proposta por Vaportzis el al. (2017), os participantes dominaram uma nova tecnologia (tablet) que, possivelmente, facilitará outras atividades do dia a dia como uso de redes sociais, bancos e leituras.

Os aspectos relacionados à autoeficácia e autoestima são intrínsecos às pessoas. Para as pessoas idosas os diferentes níveis desses aspectos podem influenciar no processo de envelhecimento e envolvidos no treino cognitivo (Kalbe et al., 2018). Desta forma, são necessários novos estudos para confirmar esses resultados.

3 METODOLOGIA 

O estudo refere-se à prática na UNIAMA (Universidade do Adulto Maior), no curso livre intitulado: Memória Ativa. Como proposta de atividade, o programa é oferecido na modalidade de  encontros com atividades de treinamento cognitivo que visam aprimorar memória, concentração e  raciocínio lógico.  O  treino cognitivo em pessoas idosas foi produzido no grupo de pesquisa GEPEC (Grupo de Estudo e Pesquisa em Envelhecimento e Cidadania) do programa de Pós-graduação – Mestrado Profissional em Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). O período de desenvolvimento do treino ocorreu entre os meses de  agosto a novembro de  2023. O estudo faz parte de um projeto guarda-chuva aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob o número CAAE 03569018.8.0000.5336.

Inicialmente, foi feita a leitura do treino adaptado por Gonzatti & Irigaray (2021) do  original em lápis e papel disponibilizado pela autora (Golino & Flores-Mendoza, 2016) verificando aspectos a serem avaliados em cada tarefa, bem como a organização visual e técnica do material. Posteriormente, aconteceu um encontro com  estudantes de psicologia que aplicariam as tarefas ao grupo de pessoas idosas da UNIAMA. O grupo, pesquisadoras e estudantes, fizeram as adaptações necessárias e foram elencados os tópicos de cada encontro. Em seguida, o treino  foi dividido entre as sessões, seguindo as recomendações das orientações  da líder do  GEPEC e do contexto das pessoas idosas que fariam parte do treino. A usabilidade de cada treino foi analisada pela equipe de pesquisadoras em reuniões de estudo do material juntamente com a revisão e sugestões das estudantes de psicologia que aplicaram o programa de treino. 

A partir disso, começaram a ser feitos os testes com cada fase do treino em dispositivo com a equipe de pesquisa, que foi sendo adaptado conforme a visibilidade e proposta de cada um.  Por fim, aconteceram os encontros o treino em grupo durante as tardes de quinta-feira, durante o semestre.  Em cada momento do grupo foi possível verificar a usabilidade de cada função, a clareza das informações, bem como os espaçamentos e instrução propostos para que o treino fosse o mais autodidático/intuitivo possível, e pessoa idosa conseguisse manuseá-lo sem dificuldade, e que todas as dúvidas estivessem sanadas no processo de adaptação e disposição de gravuras,  ícones  e/ou letras nas apresentações usando o áudio e vídeo. 

As pesquisadoras e estudantes se reuniam semanalmente para discutir e analisar o conteúdo de descrição para cada tela. As atividades foram realizadas, em boa parte, de forma online com o recurso do CANVA. No documento principal, tanto pesquisadora como estudantes foram realizando as alterações e melhoramentos pertinentes ao processo de adaptação de papel e lápis para dispositivo de áudio e vídeo. As tarefas foram divididas por treinos, ou seja, cada  encontro teve uma temática específica. 

Os encontros foram organizados de forma que uma semana antes do início dos encontros fossem realizadas as avaliações iniciais e ao final dos treinos as avaliações finais. A cada encontro um dos  processos cognitivos como  memória, atenção, linguagem e funções executivas foi trabalho de forma didática.  Na Tabela 1 estão dispostos os encontros e seus respectivos tópicos. 

Foram realizadas aplicações de instrumentos de testagem com os participantes da pesquisa. Essa aplicação ocorreu em dois momentos, no intuito de realizar uma comparação pré e pós a aplicação dos treinos. Com isso, informamos que três dos 17 participantes acabaram não participando de um dos dois momentos, sendo assim excluído da análise deste trabalho. Para isso, foram utilizados o Mini Exame do Estado Mental (Folstein et al, 1975), instrumento utilizado para a detecção de declínio cognitivo e possíveis quadros demenciais, assim como as seguintes escalas auto aplicáveis: Escala de Autoestima de Rosenberg (Rosenberg, 1965); Escala de Depressão Geriátrica, versão composta por 10 questões; Escala de Autoeficácia Geral Percebida (Schwarzer e Jerusálem, 1995); Inventário de Ansiedade Geriátrica (Pachana et al., 2007) e o Questionário de Falhas Cognitivas (Broadbent et al., 1982). Junto a isso, os impactos do treino também foram avaliados a partir do feedback trazido pelos participantes ao longo das sessões, e no momento da devolutiva.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A partir da comparação entre os dois tempos de aplicação, pôde ser identificada uma melhora global pelos participantes. Os resultados que demonstram essa percepção estão mostrados na Tabela 2. É importante ressaltar que, no Mini Exame do Estado Mental (M.E.E.M), na Escala de Auto Estima de Rosenberg (EAR), e na Escala de Autoeficácia Geral Percebida (EAGP) um aumento de pontuação implica em melhora nos construtos avaliados, enquanto nas escalas de sintomatologia de Ansiedade, Depressão, e de Falhas Cognitivas, a melhora está relacionada a diminuição da pontuação, visto que seu preenchimento é realizado a partir da identificação de sintomas, ou de falhas cognitivas percebidas. Ao se tratar de identificação de sintomas, reforçamos que a aplicação das escalas de depressão e ansiedade, não fazem referência a um princípio de diagnóstico.

 Tabela 2. Comparativo das médias entre T1 e T2.

Destaca-se, entre todos os instrumentos, a queda na pontuação do Inventário de Ansiedade Geriátrica (IAG), que obteve uma diferença significativa de um pouco mais de três pontos. É verdade que essa alteração também pode ser explicada a partir de contextos de vida externos. Afinal, a própria escala orienta a marcação de sintomas percebidos na última semana (7 dias), onde uma semana vívida antes de um grande acontecimento (uma cirurgia, por exemplo) tem um potencial muito mais ansiogênico se comparado a uma semana sem grandes acontecimentos. Contudo, Costa et al (2023), ao analisar um estudo realizado por Balsamo et al (2018), reforça a correlação entre autoestima e capacidade de realização de atividades de vida diária com a ansiedade. 

Partindo do princípio proposto por Costa et al (2023), podemos também trazer este entendimento para as análises, compreendendo a melhora como global, não sendo assim possível dissociar por completo um constructo a outro. Essa relação também é corroborada a partir das falas dos participantes no momento das devolutivas. Foram comuns citações a respeito do impacto que as relações interpessoais entre a turma, e com os estagiários tiveram para o alcance de uma melhora. A melhora não foi sentida apenas nos resultados das testagens, mas também a partir de referências a obtenção de uma melhor sensação de bem estar e qualidade de vida. Dados como estes corroboram com os achados na pesquisa proposta por Park e Chung (2020), que indicam que, para o desenvolvimento de uma melhor qualidade de vida relacionada à saúde da pessoa idosa, são necessárias intervenções que promovam o aumento da autoestima e o suporte social. 

Ao trabalhar com pessoa idosas como público-alvo, é necessário que haja um olhar atento às particularidades dessa população, para que seja possível desenvolver atividades em consonância com suas necessidades e, também, seus interesses. Como já mencionado anteriormente, o envelhecimento da população é um tópico importante que vem ganhando cada vez mais atenção. A Organização Pan-Americana da Saúde enfatiza a importância do envelhecimento saudável, que é caracterizado como “um processo contínuo de otimização da habilidade funcional e de oportunidades para manter e melhorar a saúde física e mental, promovendo independência e qualidade de vida ao longo da vida.” 

Tendo como análise a melhora global das pessoas idosas ao participarem do grupo de treino cognitivo através de dispositivos de áudio e vídeo, se faz pertinente a discussão para ponderar sobre seus impactos e a experiência da sua realização. Deve-se levar em consideração que um programa de treino cognitivo tem como objetivo trabalhar as funções cognitivas do grupo e promover uma melhora nesses aspectos. Entretanto, o grupo não se limita apenas a isso, foi perceptível também a melhora nos aspectos sociais, de autopercepção e desenvolvimento de novas habilidades nas pessoas idosas. Assim, através de um grupo com foco específico, gerou-se um ambiente com uma atmosfera de aprendizado, integração e valorização que impactou positivamente a experiência das pessoas idosas para além das melhorias funcionais da cognição.

Dessa forma, a proposição de um treino cognitivo nas configurações supracitadas se mostrou bem sucedida, o que não significa que foi acompanhada por uma ausência de desafios. Neste cenário, as constantes conversões realizadas nos mecanismos de treino para o meio digital exigiram competências dos pesquisadores em momentos pré, durante, e pós aulas. 

No pré destacamos os momentos para estudo e reflexões sobre possíveis dificuldades enfrentadas pelos participantes. Afinal, por se tratar de um público com idade acima de 60 anos, algumas cautelas devem ser tomadas, compreendendo assim possíveis limitações físicas associadas à visão e a audição (Pereira et al, 2024). A partir disso, precauções em relação ao tamanho e formato da fonte, cores utilizadas, e a potência sonora foram levados em consideração. 

No decorrer das atividades além de uma boa capacidade didática, referente a explicação dos conceitos e das atividades a serem realizadas, houve a necessidade de observação do cenário, dos participantes, e do contexto. Na prática, isso se traduziu em estar conectado junto aos participantes no momento das aulas, prestando atenção a possíveis frustrações e dificuldades que se manifestaram no decorrer das atividades. Foi a partir dessa percepção, que estratégias puderam ser formuladas, visando não apenas o aprimoramento dos treinos, mas também uma melhora no bem estar do participante.

Ao longo das sessões, houve episódios onde essas habilidades didáticas, de observação e conexão com os participantes tiveram que ser utilizadas. Momentos em que alguma limitação física prejudicava a realização de atividades, sem que isso fosse comunicado aos estagiários, ou onde alguma atividade com maior grau de complexidade frustrava o participante. Exemplos como estes reforçam a importância não só da observação, mas também dos feedbacks recebidos durante, e após as aulas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática junto a UNIAMA proporcionou um momento de composição e proposta de um Treino Cognitivo para pessoas idosas que frequentam um grupo. Foram acompanhados 17 das 20 pessoas idosas inscritas durante o segundo semestre de 2023. Considerando o desenvolvimento do treino  foi observado que: uso de frases simples  é facilitador da realização da tarefa; na escolha das fontes e tamanho da letra proporciona a leitura agradável com textos mais curtos e mais telas, em vez de optar por diminuir o tamanho da fonte; frases e parágrafos concisos foram disponibilizados nas telas para que os pessoa idosas não percam informações; o uso de mídias, utilizando vídeos, imagens, animações, filmes e sons para reforçar as possibilidades para associação dos conceitos apresentados aos pessoa idosas, todos adaptados ao público.

Considerando a necessidade de um instrumento mais acessível para pessoas idosas, a utilização de recursos digitais é definida como alternativa para incrementar a manutenção da cognição em pessoas idosas. Possibilitando uma alternativa não farmacológica de intervenção, o treino cognitivo apresenta-se como uma opção favorável para abrandar os efeitos do envelhecimento sobre a cognição em pessoas idosas. 

REFERÊNCIAS

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1 Docente do Curso Superior de Psicologia e do Programa de Pós- Graduação Mestrado Profissional da Universidade de Santa Cruz do Sul. Campus Santa Cruz do Sul e Montenegro. Mestre e Doutora em Psicologia (PUC/RS). E-mail: valeriagonzatti@unisc.br
2 Docente do Curso Superior de Psicologia, Programa de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional e do Programa de Pós- Graduação Mestrado Profissional da Universidade de Santa Cruz do Sul. Campus Santa Cruz do Sul. Mestre em Psicologia e Doutora em Serviço Social ( E-mail: sareosa@unisc.br
3 Docente do curso Superior de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS. Mestre e Doutora em Gerontologia Biomédica pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS. Email: tatiana.irigaray@pucrs.br