“VOCÊ NÃO DESTRÓI OS PLANOS QUE UM DIA EU FIZ PRA MIM”: CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA DIANTE DA DEPENDÊNCIA AFETIVA EM RELACIONAMENTOS AMOROSOS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11003098


Renata Pereira De Lima Florentino [1]
Diogo Rogério Carlos[2]
Luciana Neves [3]
Adilma Batista Da Silva[4]
José Leandro Aleixo[5]
Diego Henrique Barbosa Da Silva[6]
Maria Denise De Assis[7]


RESUMO

A temática apresentada neste artigo versa sobre a teoria e as contribuições na prática clínica em tratamento de psicoterapia, da Abordagem Centrada na Pessoa fundada pelo teórico Carl Ransom Rogers, a serem trabalhadas nos casos clínicos específicos de pessoas com traços de dependência afetiva. A pesquisa tem como objetivo primordial discutir e detalhar os aspectos da abordagem em referência e apontar os traços da personalidade com tendência a ser dependente afetivamente diante dos relacionamentos amorosos e traçar uma linha geral sobre a teoria da Abordagem Centrada na Pessoa. Desta forma, os objetivos específicos serão norteados nas contribuições desta abordagem diante dos casos clínicos que apresentem as situações de dependência. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa, pois discute respostas às questões particulares da aplicação da teoria estudada. Os principais autores que fundamentaram a pesquisa foram Carl Rogers (2009), Valter Riso (2008), que detalhou as origens, os aspectos e as consequências de pessoas dependentes afetivas e Robin Norwood (2011) que relatou casos clínicos de mulheres em situação de sofrimento devido aos sinais de amor exacerbado.  Em relação aos objetivos, estes foram classificados como descritivos, uma vez que foi trazida a narrativa entre dependência afetiva e a Abordagem Centrada na Pessoa, aplicada ao trabalho de psicoterapia. Ao fim do estudo, foi possível observar que os pensamentos, sentimentos, crenças e comportamentos das pessoas em situação de dependência afetiva são dialéticos com os princípios e objetivos norteadores da Abordagem Centrada na Pessoa, onde aquele há ausência da pessoa como centro da própria vida, em contrapartida deste. Esta abordagem tem um arcabouço teórico a fim de facilitar a estruturação da personalidade do cliente auxiliando a favor da aceitação, do autoconhecimento, da consciência e da responsabilidade sobre a própria vida, resgatando a tendência ao crescimento pessoal em constante fluxo de funcionamento.

Palavras chaves: Abordagem Centrada na Pessoa; Dependência afetiva; Relacionamentos Amorosos; Psicoterapia; Tornar-se Pessoa.

ABSTRACT

The theme presented in this article deals with the theory and contributions to clinical practice in psychotherapy treatment, of the Person-Centered Approach founded by theorist Carl Ransom Rogers, to be worked on in specific clinical cases of people with traits of affective dependence. The research’s primary objective is to discuss and detail the aspects of the approach in question and point out personality traits with a tendency to be emotionally dependent in romantic relationships and draw a general line on the theory of the Person-Centered Approach. In this way, the specific objectives will be guided by the contributions of this approach to clinical cases that present situations of dependence. This is a bibliographical research with a qualitative approach, as it discusses answers to particular questions regarding the application of the theory studied. The main authors who supported the research were Carl Rogers (2009), Valter Riso (2008), who detailed the origins, aspects and consequences of affectively dependent people and Robin Norwood (2011) who reported clinical cases of women in situations of suffering due to signs of exacerbated love. Regarding the objectives, these were classified as descriptive, since the narrative between affective dependence and the Person-Centered Approach, applied to psychotherapy work, was brought up. At the end of the study, it was possible to observe that the thoughts, feelings, beliefs and behaviors of people in situations of emotional dependence are dialectical with the guiding principles and objectives of the Person-Centered Approach, where there is an absence of the person as the center of their own life, in return for this. This approach has a theoretical framework in order to facilitate the structuring of the client’s personality, helping to promote acceptance, self-knowledge, awareness and responsibility for one’s own life, rescuing the tendency towards personal growth in a constant flow of functioning.

Keywords: Person-Centered Approach; Affective dependence; Loving relationships; Psychotherapy; Become a person.

1 INTRODUÇÃO

            A formação da personalidade das pessoas faz parte de uma construção que vai sendo estruturada de acordo com diversos aspectos positivos e negativos, percebidos ao longo da vida. O ser humano afeta o mundo e é afetado por ele através das experiências mediante ao meio social, adquirindo pensamentos, sentimentos, crenças e comportamentos formados no percurso da existência e podem ter continuidade ou se modificarem ao longo da vida[1].

            Levando-se em consideração esta evolução humana, existem afetações que podem bloqueá-la. Na perspectiva rogeriana, os obstáculos ao crescimento aparecem na infância e são aspectos normais do desenvolvimento. Quando a criança começa a tomar consciência do self, desenvolve uma necessidade de amor ou “consideração positiva”. Esta necessidade é universal e existe em todo ser humano. A criança considera o amor algo tão importante que acaba por ser conduzida, não pela característica agradável ou desagradável dos seus comportamentos, mas pela promessa de afeto que elas encerram. Sendo assim, as crianças tendem agir de forma a assegurar amor ou aprovação. Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do Self são denominados na teoria rogeriana como “condições de valor” e são obstáculos básicos à precisão de percepção e à tomada de consciência realista, constituindo um impedimento para o indivíduo viver plenamente no presente e estar aberto às experiências da vida (Rogers, 2009).

Para Rogers (2009), as condições de valor criam uma discrepância entre o Self e o auto-conceito, e para que a pessoa mantenha essa condição, ela terá que negar determinados aspectos dela mesma. Para sustentar a falsa auto-imagem, a pessoa continua a distorcer experiências e quanto maior for a distorção, maior a probabilidade de erros e da criação de novos problemas. Os comportamentos, os erros e a confusão que resultam dão manifestações de distorções iniciais mais fundamentais, e a situação realimenta-se a si mesma. Cada experiência de incongruência entre o Self e a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por sua vez, ocasiona o aumento de defesas, interceptando experiências e criando novas ocasiões de incongruência.

Estes aspectos podem vir desde a infância e a adolescência ou ocorrer já na fase adulta e há possibilidades desta constituição de entraves perdurar ao longo da vida. Carl Rogers enfatizava que “a tendência atualizante[2] é inerente ao indivíduo, sendo uma disposição para que sejam desenvolvidas suas potencialidades, porém parcialmente condicionadas às limitações do meio” (Telles; Boris; Virginia Moreira, 2014, p. 14).

A sociedade por ventura é afetada pelas linguagens artísticas, sejam filmes, poemas, músicas, que por vezes transmitem a realidade vivida, que são vistas, lidas, ouvidas e cantadas sem levar em consideração os conteúdos. A dependência encontra-se presente na sociedade de uma forma normalizada, a exemplo da música interpretada por Alcione, onde afirma: “Você me vira a cabeça/ me tira do sério/ Destrói os planos que um dia fiz pra mim/ Me faz pensar porque que a vida é assim/ Eu sempre vou e volto pros seus braços” (Alcione, 2001). 

            Autores como Walter Riso (2008) e Robin Norwood (2011) desenvolveram pesquisas relevantes sobre os traços da dependência afetiva e sentimento de amor exacerbado demostrando que, a pessoa que se torna dependente afetivamente de outra a torna o centro de sua vida e o resultado é a própria anulação. Diversos aspectos sofrem prejuízos nas dimensões bio-psico-sócio-cultural-espiritual. Esta condição atinge negativamente não só o sujeito que a desenvolve, sobretudo as pessoas que o rodeiam, os ambientes que frequentam, o bom funcionamento da dinâmica família, as relações com os amigos, no ambiente de trabalho e de estudos, enfim, a dimensão de mundo que o pertence. 

            A Abordagem Centrada na Pessoa – ACP trabalha na perspectiva da relação horizontal entre psicoterapeuta e cliente, defendida através dos três pilares, quais sejam, a congruência, a empatia e a aceitação positiva incondicional (Rogers, 2009). Proporciona desta forma, um ambiente adequado, ao ponto do cliente conseguir se abrir e deixar florescer inclusive os pensamentos e sentimentos mais impenetráveis que ele pode ocultar de si. A contar desta situação, cria-se a possibilidade de se perceber profundamente e compreender sua forma de sentir e de se comportar, obtendo seu próprio crescimento, a partir destas descobertas. 

            Por conseguinte, este estudo busca discutir as contribuições da Abordagem Centrada na Pessoa na aplicação do trabalho psicoterapêutico com pessoas em situações de dependência afetiva em relacionamentos amorosos. A dicotomia existente entre “a pessoa como centro” na ACP (Rogers, 2009) e a ausência de si, e todas as suas consequências, na dependência afetiva, encontram-se confrontadas com o desígnio de trabalhar as possibilidades de evolução do cliente. A psicoterapeuta atua no papel de facilitadora no processo de superação dos obstáculos e exploração das potencialidades do sujeito, da mesma forma, a capacidade de ressignificar situações e enfim, tornar-se pessoa (Rogers, 2009).

O processo psicoterapêutico na perspectiva da ACP consiste em um trabalho de cooperação entre a psicóloga e a pessoa que busca ajudar facilitando para a liberação desse potencial de crescimento, tendo como resultado a pessoa aberta à experiência, vivendo de maneira existencial, tornando-se ela mesma. Na perspectiva de Riso (2008), é no processo psicoterapêutico que a terapeuta vai facilitando o caminho para que a pessoa possa ir desfazendo crenças e condições de valor construídas ainda na infância ou mesmo em outra fase da vida. A teoria de Rogers trabalha a fim de proporcionar um ambiente favorável onde haja uma abertura do ser e a consequente autodescoberta, em que se possa galgar ao amadurecimento pessoal, rumo ao caminho da independência afetiva.

2 METODOLOGIA

Este estudo possui uma abordagem qualitativa, pois, considerando a utilização da Abordagem Centrada na Pessoa, ele visa responder questões particulares da aplicação da técnica. Além de que, trabalha com as questões de interação entre duas condições, a dependência afetiva e a aplicabilidade da abordagem no universo da clínica psicológica.

Minayo (2001, p. 22) defende que:

A pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Com base nos objetivos eleitos, a pesquisa é classificada como descritiva, uma vez que visa descrever e levantar relações sobre as circunstâncias da pessoa dependente afetiva e as contribuições da Abordagem Centrada na Pessoa. A finalidade se dará para obter resultados eficazes na ressignificação do cliente, podendo se aproximar também da pesquisa explicativa, visto que é possível refletir sobre a natureza da relação entre as variáveis do fenômeno (Gil, 1994).

Quanto aos seus procedimentos técnicos é classificada como de caráter bibliográfico e foi desenvolvida com base em autores clássicos que fundamentam a Abordagem Centrada na Pessoa e a temática de dependência afetiva, bem como em artigos publicados. Foram escolhidas obras literárias para conhecer e analisar o tema problema da pesquisa, pois, conforme defendido por (Gil, 1994):

 A pesquisa do tipo bibliográfica possibilita ao pesquisador um amplo alcance de informações e auxilia na definição do quadro conceitual que melhor envolve o objeto de estudo, conforme o pesquisador se envolve e avança nas suas etapas: escolha do tema, levantamento bibliográfico preliminar, formulação do problema, elaboração de plano provisório de assunto, busca de fontes, leitura de material, fichamento, organização lógica do assunto e redação do texto (p. 59-60).

De acordo com o que foi afirmado por Gil, pode-se corroborar que a coleta de informações bibliográficas proporciona ao texto uma riqueza de informações e permite ao explorador um aprimoramento da delimitação do tema a ser desenvolvido.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 Principais Aspectos da Dependência Afetiva

 

A dependência afetiva pode ser vista como uma condição de pessoas que se disponibilizam inteiramente a outra, onde esta representa um papel vital à sobrevivência do dependente. Percebe-se a ausência de amor e respeito próprio, proporcionando ao outro integralmente todas as possibilidades de afeto (Rodrigues e Chalhub, 2009). Do ponto de vista de Riso (2008), a dependência tem como características centrais o deslocamento da dedicação que seria a si, cedido ao outro de forma viciante, nociva e irracional, onde as consequências acarretam em anulação da pessoa em detrimento da total valorização alheia.

A terapeuta conjugal e           conselheira pedagógica Robin Norwood (2011, p. 11), ao escrever o livro “Mulheres que Amam Demais” dedicou-se às questões ligadas ao martírio vivido por mulheres em seus relacionamentos amorosos, iniciando por traços comuns presentes nas mulheres que amam demais:

Quando significa sofrer…. Quando grande parte de nossa conversa com amigas íntimas é sobre ele, os problemas, os pensamentos, os sentimentos dele — e aproximadamente todas as nossas frases se iniciam com “ele”… Quando desculpamos sua melancolia, o mau humor, indiferença ou desprezo como problemas devidos a uma infância infeliz, e quando tentamos nos tornar sua terapeuta… Quando lemos um livro de auto-ajuda e sublinhamos todas as passagens que pensamos que irão ajudá-lo… Quando não gostamos de muitas de suas características, valores e comportamentos básicos, mas toleramos pacientemente, achando que, se ao menos formos atraentes e amáveis o bastante, ele irá se modificar por nós… Quando o relacionamento coloca em risco nosso bem-estar emocional, e talvez até nossa saúde e segurança física, estamos definitivamente amando demais.

De acordo as características mencionadas por Norwood (2011), é possível destacar que a pessoa dependente entende, de uma certa maneira, que algo está errado, nos momentos em que se queixam, procuram alguma alternativa para mudar a situação ou percebem que há tolerância em demasia. O reconhecimento de que se vive uma situação não saudável pode ser percebido no trecho da música Você me vira a cabeça (2001), onde há a percepção, todavia sem atitude: “Você não me quer de verdade/ No fundo eu sou sua vaidade/ Eu vivo seguindo seus passos/ Eu sempre estou preso em seus laços/ E só você me chamar que eu vou”.

No que se refere à vida inicial das pessoas, como seres sociais, não se podem negar as influências sofridas desde a tenra idade, começando pelo primeiro vínculo social, a família, perpassando por todas as esferas pessoais e profissionais. Destarte, pode-se observar que os autores trazem um histórico, iniciando na fase puerícia até o alcance da fase adulta. Rodrigues e Chalhub (2009) defendem a possibilidade de um “vínculo mal formado” relativo às ligações afetivas na infância, que trazem repercussões aos relacionamentos amorosos na vida adulta. Enfatizam também que há a procura do preenchimento de um afeto, acerca do vazio pré-existente, devido ao sentimento de insegurança. Por sua vez, Norwood (2011, p. 23) elencou aspectos presentes na vida pregressa de um adulto, com perfis dependentes:

1. Você vem de um lar desajustado em que suas necessidades emocionais não foram satisfeitas. 2. Como não recebeu um mínimo de atenção, você tenta suprir essa necessidade insatisfeita através de outra pessoa, tornando-se superatenciosa, principalmente com homens aparentemente carentes. 3. Como não pôde transformar seus pais nas pessoas atenciosas, amáveis e afetuosas de que precisava, você reage fortemente ao tipo de homem familiar mais inacessível, o qual você tenta, mais uma vez, transformar através de seu amor. 4. Com medo de ser abandonada, você faz qualquer coisa para impedir o fim do relacionamento. 5. Quase nada é problema, toma muito tempo ou mesmo custa demais, se for para “ajudar” o homem com quem está envolvida. 6. Habituada à falta de amor em relacionamentos pessoais, você está disposta a ter paciência, esperança, tentando agradar cada vez mais.

Através do que foi descrito por Riso (2008), é possível observar que as influências externas bombardeiam as pessoas por todos os meios de convivência e contato, podendo se perpetuar ao longo da vida, trazendo consequências negativas que acarretam em uma vivência com conflitos. Inclusive, algumas interferências fortalecem o amor inebriante e ao mesmo tempo infortunado através de ditos populares e frases estereotipadas com significados de amor eterno, impossível de esquecer e sem o qual não enxergam como sobreviver.

No ponto de vista de Dowling (2022), um novo modelo de educação foi se firmando, de que haveria outras conquistas além do lar e do esposo, como dinheiro, viagens, amigos, poder e liberdade. Contudo, esta liberdade desloca a mulher, anteriormente ensinada em direção à proteção e ao aconchego do outro, para a autonomia e responsabilidade de sua vida. Foram arrancadas as convicções acerca do papel do esposo, que ate então era vista como o certo. A partir daí pode-se iniciar a liberdade propriamente dita, todavia é algo que é capaz de assustar, devido ao ensinamento contrário desde a infância em que não há a preparação para exercê-la e sim para tornar as mulheres dependentes.

            Riso (2008) compara a força da dependência à farmacodependência, onde o viciado na luta pela liberdade do objeto aprisionante terá de enfrentá-lo mesmo ainda gostando da substância, por não ser possível apagar a ligação criada pela ingestão. Até mesmo “há pessoas que se apegam tanto ao objeto amado que mesmo diante de uma relação afetiva insatisfatória, mantém este vinculo”. (Santos e Souza Júnior, 2021, p. 13). Desta forma, o trabalho de desintoxicação se dará através do exercício do autocontrole comparado ao do consumo de substância, através da consciência de que, apesar de trazer prazer, é uma prática nociva.

O grande sentimento de amor e apego pelo outro não consta como o único fator que se encontra presente na dependência. Há, outrossim, a visão de não conseguir, de não ser capaz de se desvincular do outro, de não conseguir caminhar sozinho em hipótese alguma, no imaginário da pessoa em situação de dependência afetiva. Não há alternativa, a não ser permanecer no relacionamento. Além da possibilidade, como pontua Santos e Souza Júnior (2021), da procura pelo amor obsessivo, que traz a sensação de preenchimento de um sentimento de vazio e angústia interior sentida pelos dependentes.

Riso (2008) vai mais longe e amplia o fundamento da dependência para além da existência do outro. Ou seja, há a possibilidade de haver o cárcere na relação em detrimento: à segurança e proteção, por não se sentir capaz de cuidar de si próprio; à estabilidade do relacionamento, não admitindo rompimento, por medo demasiado do abandono; às manifestações de afeto, por necessitar de validação, devido à baixa autoestima e ao temor do desamor; ao sentimento de admiração que se contrapõe à invalidação de si; às atitudes que causam bem estar, contudo podem transformar-se em um significado de indispensabilidade e compulsão: sexo, carinhos, parceria. Em síntese, não há uma lista exaustiva, todavia, traços que indicam a presença de vício, compulsão, excesso e sofrimento.

             Em atinência aos aspectos da independência afetiva, mencionada por Riso (2009), demonstra o afeto de forma sadia, em que o amor próprio existe e o outro, apesar da importância que representa, não preenche o lugar de ser supremo. O sujeito, poder amar, sentir falta, se dedicar, viver um relacionamento sem que signifique anulação, inexistência, desvalorização, tornando-se só para o outro sem ter o seu papel e a sua importância.

            Não só o tempo, todavia, a energia despendida na manutenção do relacionamento traz um desgaste exacerbado ao dependente, tentando manter o outro sob controle, através da posse, dos ciúmes e da forte vigilância para que a situação se mantenha da forma desejada. E em momentos adversos podem desenvolver comportamentos nocivos como “ataques de ira, desenvolver padrões de comportamentos obsessivos, agredir fisicamente ou chamar a atenção de maneira inadequada, inclusive mediante atentados contra a própria vida” (Riso, 2008, p. 18). 

            A chegada da vida adulta no aspecto psicológico caminha com a maturidade, porém não pode ser visto de maneira rígida, sem variações. Seu alcance pode ser percebido ao “atingir o estágio de crescimento pessoal que torna o indivíduo capaz de se comportar de forma positiva e construtiva em relação a si mesmo, em relação a outras pessoas e em relação ao ambiente” (Bíscaro, 2012, p. 77).

            Em contrapartida, a pessoa pode chegar à fase adulta sem desenvolver a maturidade necessária, se deparando com desajustes em resoluções de problemas e enfrentamento de adversidades, ou seja, de acordo com a imaturidade emocional especificamente mencionado por Riso (2008), a pessoa terá dificuldades frente ao sofrimento, à frustração e à incerteza, e mediante esse quadro tem-se a seguir o aprofundamento relativo a cada obstáculo enfrentado.

            Com o propósito de aprofundar o tema da dependência afetiva, Riso (2008, p. 19-23) descreve a existência de três fatores presentes na imaturidade emocional, que podem ser manifestados em diversas situações de dependência afetiva em particular e aos vícios em geral, e que merece destaque:

1. Baixa tolerância ao sofrimento ou a lei do mínimo esforço… prevenir o estresse é saudável (o tormento pelo tormento não é recomendável para ninguém), mas ser suscetível, sentar-se e chorar ante o primeiro tropeço e querer que a vida seja gratificante 24 horas por dia é, definitivamente, infantil; 2. Baixa tolerância à frustração ou o mundo gira ao meu redor a chave desse esquema é o egocentrismo, ou seja: “se as coisas não são como eu gostaria que fossem, tenho raiva”; 3. Ilusão de permanência ou daqui até a eternidade… a pessoa apegada, no afã de conservar o objeto desejado e de maneira ingênua e arriscada, concebe e aceita a ideia do “permanente”, do eternamente estável.

Diversas origens são estudadas e discutidas acerca da dependência afetiva, havendo um leque de situações sugestionadas na literatura como responsáveis pela futura propensão a esta condição. Desta forma, não há um desfecho taxativo nem determinante. Há inclusive uma variedade de nomenclaturas, descritas como “dependência afetiva”, “dependência emocional”, “mulheres que amam demais”. Todavia, o que se percebe-se em comum nas discussões são as situações de intenso sofrimento psíquico, amor em demasia ao outro e ausência de sentimento em relação a si.

3.2  Carl Rogers e a Abordagem Centrada na Pessoa

A Abordagem Centrada na Pessoa criada por Carl Ransom Rogers, titularizado por Telles, Boris e Moreira (2014), como o psicólogo que mais influenciou a área da Psicologia norte americana, nasceu nos EUA em 1902. Sua família tinha princípios “estritamente religiosos e enfatizavam o comportamento moral, a supressão de manifestações de emoção, a virtude do trabalho árduo e pouca vida social fora de sua família” (Schultz; Schultz, 2016, p. 267). Esta constituição familiar proporcionou ao teórico uma vida moldada por terceiros, sem liberdade de pensamentos e expressões, mesmo havendo sentimentos de afeto e doçura.

O meio onde Rogers cresceu trouxe, subsequentemente, questionamentos acerca das imposições familiares. Destarte, Rogers (1977, p. 196) descreveu que “Minha atitude em relação aos outros, fora do ambiente familiar, caracterizava-se pela distância e pelo alheiamento que adquiri de meus pais”. Em consequência, tornou-se um leitor constante e passou a “confiar em seus próprios recursos e experiências, em sua visão pessoal do mundo. Essa característica permaneceu com ele por toda a vida e se tornou o fundamento da sua teoria da personalidade” (Schultz; Schultz, 2002, p. 268).

Sua família foi morar em uma fazenda, onde despertou o interesse pela agricultura baseada em ciência e posteriormente para o ministério pastoral. Rogers percebeu que não pertencia a este lugar de ideias prontas a serem propagadas. Sentiu a necessidade da construção de pensamentos com liberdade. Diante destas inquietações, Rogers começou a trilhar o caminho da Psicologia, começando por cursos, passando pela Filosofia da educação e Psicopedagogia, até o primeiro emprego como psicólogo. Em suas experiências na psicologia foi percebendo que o melhor caminho era o trilhado pela própria pessoa, devido a ser o maior conhecedor de seus problemas, experiências e dores e ser o mais adequado a encontrar seu caminho (Rogers, 2009).   

A teoria da personalidade de Carl Rogers (2009) foi norteada pelas ideias de descoberta, aceitação e crescimento pessoal através do auxílio da psicóloga atuando de uma forma facilitadora para o encontro da pessoa com ela mesma. O teórico defendeu proporcionar o tipo de relação adequado para que o outro consiga, a partir daí crescer, mudar e se desenvolver pessoalmente. Este crescimento foi visto por Rogers (2009, p. 60), como sendo “autoestima, flexibilidade, respeito por si e pelos outros”, sendo um guia para a capacitação de resolução de seus próprios conflitos. Munido destas ferramentas, o ser humano obtém potencialidades para superação de seus obstáculos.

A proposta do autor traz, primordialmente, a própria análise para poder identificar os pontos que o levam aos aspectos positivos e negativos em sua vida e dessa forma, o psicoterapeuta consegue enxergar como o outro vem se comportando diante de seus próprios dilemas. Assim, a psicóloga precisa acreditar e vivenciar o trabalho pessoal em si e alcançar as próprias capacidades, ou seja, se preparar de fato para o trabalho de facilitação para com o outro, como enfatiza Rogers (2009, p. 60) que “se posso estabelecer uma relação de ajuda comigo mesmo — se puder estar sensivelmente consciente dos meus próprios sentimentos e aceitá-los —, é grande a probabilidade de poder vir a estabelecer uma relação de ajuda com a outra pessoa”.

            Em análise da teoria de Rogers (2009), pode-se afirmar que um dos pontos significativos é na importância dada à própria experiência do terapeuta em se conhecer, se aceitar, identificar o que pode estar travando sua tendência atualizante. O estudo desta experiência torna-se um dos pilares para capacitá-lo a estar o mais próximo possível da complexidade que envolve o cliente em vivenciar seu papel, realizando a exploração de si, buscando os descobrimentos, as mudanças e as evoluções.

Em contrapartida a pessoa em crescimento pessoal, a configuração de vida do sujeito em desacordo com o centro da própria vida pode ensejar no deslocamento desta para um terceiro, onde é possível identificar a entrega das decisões significantes ao outro. “Por que você não vai embora de vez? Por que não me liberta dessa paixão? Por quê? Por que você não diz que não me quer mais? Por que não deixa livre o meu coração?” (Alcione, 2001). O trecho desta música demonstra que, embora a pessoa esteja em grande sofrimento, ainda incube ao outro a decisão de tomar uma atitude. 

Em relação à estrutura da relação de ajuda, onde, ao menos um dos envolvidos tem a intenção em proporcionar ao outro aspectos positivos, não se dá somente entre terapeuta e paciente, mas também em todas as relações de ajuda, como pode-se observar:

Ela inclui, sem sombra de dúvida, as relações da mãe ou do pai com seu filho, ou a relação do médico com o doente. A relação entre o professor e os alunos cai muitas vezes no âmbito dessa definição, embora certos professores não tenham como objetivo facilitar o crescimento. A definição aplica-se à quase totalidade das relações terapeuta—cliente, quer se trate da orientação educacional, da orientação vocacional ou do aconselhamento pessoal. Nesta última extensão do termo, a relação de ajuda compreende toda a gama das relações entre o psicoterapeuta e o psicótico hospitalizado, o terapeuta e o indivíduo perturbado ou neurótico, e as relações entre o terapeuta e o número crescente dos chamados indivíduos “normais” que se submetem ao tratamento terapêutico com o objetivo de melhorar seu próprio funcionamento ou de acelerar sua maturação pessoal (Rogers, 2009, p. 46).

            Colocar em prática a centralização da pessoa, com todas as ferramentas disponíveis, não só no âmbito psicoterapêutico, mas em outros espaços, ocupando papel diferente do psicoterapeuta, deixa de ser apenas a aplicação de uma técnica e passa a ser uma propensão à sua vivência. Um aprendizado que o segue onde ele possa alcançar as pessoas, em especial, às que estão precisando de ajuda para conseguirem a própria evolução. Deste modo, pode-se perceber que o intuito central do teórico foi a abrangência de suas experiências como pessoa e profissional.

A base da eficácia da ajuda para com o outro tem como essência os pilares da congruência, onde o terapeuta traz consigo sua pessoa, sem máscaras ou disfarce, a consideração positiva incondicional, onde aquele ver no seu paciente um ser humano de valor e com potencialidades, independentemente de sua condição atual e a empatia, onde ele trabalha para enxergar a dor do outro através dos olhos deste, no intuito de compreender como chegam ao paciente os fenômenos e não por suas próprias convicções, como explica Rogers,

A relação que considerei útil é caracterizada por um tipo de transparência de minha parte, onde meus sentimentos reais se mostram evidentes; por uma aceitação desta outra pessoa como uma pessoa separada com valor por seu próprio mérito; e por uma compreensão empática profunda que me possibilita ver seu mundo particular através de seus olhos. Quando essas condições são alcançadas, torno-me uma companhia para o meu cliente, acompanhando-o nessa busca assustadora de si mesmo, onde ele agora se sente livre para ingressar (Rogers, 2009, p. 39).

Os benefícios desta relação incluem um estado de liberdade em poder demonstrar até o que estava em níveis mais escondidos para si, alusivos aos graus da consciência e da inconsciência. Outrossim, podemos adicionar a mudança na concepção de ajuda, atualizando o questionamento de “como posso tratar ou curar, ou mudar essa pessoa?…” para “…Como posso proporcionar uma relação que essa pessoa possa utilizar para o seu próprio crescimento pessoal?” (Rogers, 2009, p. 36). Pode ser destacado ademais, que proporcionada ao ser humano às condições favoráveis e adequadas, onde a psicóloga trabalha com a congruência, a consideração incondicional e a empatia, o ser humano passa a sentir a autonomia de escolhas e responsabilidade, como explicita Rogers e Stevens (1977, p. 29 e 30):

Parece haver um fio profundo e subjacente de homogeneidade. Ouso acreditar que, quando o ser humano fica interiormente livre para escolher o que quer que valorize profundamente, tende a valorizar os objetos, experiências e objetivos que permitam sua sobrevivência, seu crescimento e seu desenvolvimento, bem como a sobrevivência e desenvolvimento de outras pessoas.

E esta relação de ajuda vai além do crescimento pessoal, podendo ser expandida, defendendo os sentimentos e os comportamentos não só entre psicóloga e paciente, contudo em outras esferas de relação social entre os seres humanos. Rogers enfatiza que as pessoas com o convívio em meios que foram proporcionados liberdade e respeito como valores, terão a tendência a praticar os mesmos princípios para com as outras pessoas.

3.3 Apontamentos Acerca da Abordagem Centrada na Pessoa em Situações de Dependência Afetiva por Relacionamentos Amorosos

Para Rogers (2009), as tendências em direção ao crescimento pessoal podem ser facilitadas por qualquer relação interpessoal, na qual um dos membros esteja livre o bastante da incongruência[3] para estar em contato com seu próprio centro de auto-correção. A maior tarefa da terapia é estabelecer tal relacionamento genuíno. Aceitar-se é um pré-requisito para uma aceitação mais fácil e genuína dos outros. Outrossim, ser aceito por outro conduz a uma vontade cada vez maior em aceitar-se. Este ciclo de auto-correção e auto-incentivo é a forma principal pela qual se minimizam os obstáculos ao crescimento psicológico.

Faz-se necessário expor os principais aspectos definidos por Rogers no que se refere a “pessoa em pleno funcionamento” citado por Schultz e Schultz (2002), com destaque: se tornar consciente sobre as experiências, de forma plena, no presente momento, sem conturbar com passado e futuro. Estar aberto aos sentimentos positivos e negativos sem a utilização de artifícios de defesa[4]. Confiar em seu próprio eu. Tornar-se proprietário de suas decisões, de forma livre, de acordo com suas vivências e seus sentimentos. Demonstrar comportamentos construtivos, criativos e adaptativos, potencializando a capacidade de enfrentamento perante as situações adversas. Compreender a vida como um constante fluxo de experiências, tomando consciência de que não há um desfecho estático.

O texto Carls Rogers e a ACP – Abordagem Centrada na Pessoa, escrito no site da  PsicoArtigos, destacou a teoria de Rogers acerca do ser humano ter, de forma inata, a tendência a autorrealização, atuando de forma explorar suas potencialidades em busca da satisfação das necessidades. Ao conviver em um ambiente adequado, a tendência das pessoas é crescer de forma boa e em pleno funcionamento. Todavia, pode haver situações adversas que bloqueiam a evolução do Self[5] através de “condições de valor”, quando o merecimento do afeto, na infância, fica vinculado às atitudes apontadas adequadas. Não há um sentimento independente pela pessoa e sim sujeito às suas atitudes. Mediante este bloqueio, há o prejuízo da conscientização da realidade de forma concreta, impedindo o fluxo de crescimento natural e a abertura mediante as experiências vividas.

A Abordagem Centrada na Pessoa, como explanado anteriormente, tem como ponto central da psicoterapia o crescimento pessoal do cliente, e no tocante aos relacionamentos conjugais, a saúde emocional do cliente está como objetivo central e não especificamente a dinâmica da convivência (Feres-Carneiro, 1994 apud Brum, 2020, p. 13). Através da mudança da personalidade, poderá haver alterações no contexto dessa relação, podendo por vezes desencadear em uma ruptura ou em novas possibilidades de convívio. Schultz, Schultz (2002) enfatiza a responsabilidade em si, atinente à própria mudança de comportamento e à reavaliação de suas relações.

Em condições de dependência afetiva, a pessoa se exime do papel de autor de si, concedendo-o a terceiro, eximindo-se da culpabilidade pelas consequências negativas. “Mas tem que me prender/ Tem que seduzir/ Só pra me deixar louca por você/ Só pra ter alguém que vive sempre ao seu dispor/ por um segundo de amor” (Alcione, 2001). Por esta passagem musical, constata-se o comando da direção da vida do outro no que se refere a tomada de decisões diante as circunstâncias de dor e sofrimento psíquico, acometido a pessoa dependente.    

Diante dos traços apresentados sobre a dependência afetiva e a Abordagem Centrada na Pessoa, é possível trilhar um caminho a utilizar das ferramentas desta abordagem com a finalidade de proporcionar o autoconhecimento, a aceitação e a superação das dificuldades apresentadas pelos dependentes. As circunstâncias que se apresentam em pessoas com dependência, como os comportamentos nocivos e irracionais e a imaturidade emocional, encontram-se em oposição aos aspectos valorizados pela abordagem rogeriana, tais quais os comportamentos construtivos, criativos e adaptativos. O que pode corroborar com a efetividade do trabalho da psicoterapia aplicada através da abordagem do teórico Carl Rogers.

Detalhando em termos práticos e de acordo com o que foi explanado no texto, o cliente em situação de dependência atendido por psicólogo da ACP o será atendido de acordo com os três pilares do processo psicoterapêutico de congruência, consideração positiva incondicional e empatia. Este ambiente se tornará propício às descobertas e aceitações, possibilitando ao cliente a transposição dos obstáculos que o estão impedindo de desenvolver sua tendência atualizante rumo ao crescimento pessoal e à maturidade.

A prática da ACP não se baseia em resultados objetivos e delimitados. O que se observa são modificações da personalidade, do modo de se conhecer, se aceitar, a perceber os contextos ao redor e a observar a subjetividade única diante das afetações externas, em relação ao modo de agir diante das situações. Desta forma:

A pessoa começa a ver-se de modo diferente. Aceita-se e aceita seus sentimentos de uma maneira mais total. Torna-se mais autoconfiante e mais autônoma. Torna-se mais na pessoa que gostaria de ser. Adota objetivos mais realistas. Comporta-se de uma forma mais amadurecida. Modifica seus comportamentos desadaptados, mesmo que se trate de um comportamento há muito estabelecido, como o alcoolismo crônico. Aceita mais abertamente os outros. Torna-se mais aberta à evidência, tanto no que se passa fora de si como no seu íntimo. Modifica suas características básicas de personalidade, de uma maneira construtiva (Rogers, 2009, p. 324).

Ao se confrontar os estudos dos autores Rogers, Riso e Norwood, é plausível considerar a prática da ACP em relação à pessoa dependente afetiva com o objetivo central de torna-se ela própria, facilitando o autoconhecimento e a aceitação, auxiliando a trazê-la ao centro de sua vida. No processo psicoterápico, ajudando no resgate de sentimentos e comportamentos realistas e condizentes com o seu interior, retirando entraves que impedem a sua maturidade, resultando em modificações de sua personalidade em direção à evolução pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva de Carl Rogers, a dependência afetiva pode ter sua origem em condições de valor construídas nas experiências negativas nas fases da infância ou em outras fases da vida. Experiências essas que causam uma discrepância do self real com o self ideal, fazendo com que as pessoas em situação de dependência afetiva por relacionamentos amorosos tenham percepções distorcidas de si mesmas, bloqueando o crescimento e amadurecimento humano. Rogers enfatiza que as pessoas com o convívio em meios que foram proporcionados liberdade e respeito como valores, terão a tendência a praticar os mesmos princípios para com as outras pessoas.

No processo de psicoterapia, inicialmente, a psicóloga tem o papel de acolhimento à pessoa em sofrimento, aplicando os três pilares da Abordagem Centrada na Pessoa, onde age com congruência, uma vez que ela está presente de forma sincera e transparente, de acordo com suas próprias experiências e convicções, no encontro terapêutico. Assim, adquire uma condição positiva incondicional por acreditar, independente do contexto em que se encontre seu cliente, que ele possui, de forma inata, uma tendência ao crescimento pessoal e que dispõe do sentimento de empatia, e da capacidade de se inclinar às dores do outro.

Na perspectiva da ACP a psicóloga busca enxergar através dos olhos do próprio cliente, o mundo que o cliente enxerga, aproximando-se assim, do sentido que este atribui às suas próprias experiências. A falta de autenticidade, muitas vezes normalizada pela própria dinâmica social pode comprometer esse processo terapêutico, onde o cliente pode tentar esconder ou negar os aspectos negativos de sua vida, e a psicóloga será uma facilitadora também nesse processo de aceitação, pois como diz o próprio Rogers (2009), curioso paradoxo, quando me aceito como sou, posso então mudar.

 A pesquisa apresentou a normalização e banalização com que a sociedade trata o assunto da dependência afetiva, e isso está refletido nas relações, nas artes, como a música, a escrita, as artes cênicas, e sem perceber normatizamos o absurdo.  A pessoa em situação de dependência afetiva por relacionamentos amorosos, por vezes não entende por que se entristece demasiadamente com uma situação de afeto normalizada pela sociedade, não compreendendo que de fato é um sentimento e comportamento disfuncional. As autoras e autores pesquisadas aqui, apontam que é comum entre as pessoas dependentes um sentimento de injustiça, elas se sentem tão injustiçadas e ao mesmo tempo acreditam que toda essa situação faz parte do seu destino e que talvez, o problema seja delas mesmas, por uma não adaptação à situação. Essas pessoas geralmente não têm coragem para se abrirem com outras, sentem vergonha, sentem culpa, sentem medo do julgamento social, e tudo isso dificulta a busca de ajuda e o recebimento de suporte que precisam.  

A dependência afetiva demonstra a falta de amor a si próprio, a imaturidade humana, a valorização exagerada do outro, os sentimentos de medo, dor e angústia, concomitantemente à sensação de normalidade. Portanto, a prática de psicoterapia centrada no cliente terá o foco na pessoa, ajudando-a a se descobrir, a se aceitar, ressignificando seus conceitos, modificando sua personalidade, que para Rogers o processo de desenvolvimento da personalidade é fluido e não é estático, trabalhando o seu interior, e assim, passando a se comportar de forma madura diante das situações externas, e agora livre para dar continuidade ao crescimento pessoal.

            Mediante o aprofundamento do tema, vai se revelando a dicotomia entre a dependência afetiva e ACP. Aquela apresenta a ausência do eu, com grandes possibilidades de advir de ambientes inadequados na infância. A abordagem rogeriana trabalha com o indivíduo no centro de sua própria vida, mediante um ambiente adequado. Com o início do trabalho de psicoterapia, a pessoa poderá começar a remover suas máscaras, que a faziam se comportar como dependente, pois, neste ambiente, o espaço e o tempo da psicoterapia, não há necessidade de dar satisfações, de se mostrar de um jeito aceitável, estando longe de críticas e conselhos taxativos, que por vezes exigem comportamentos exatos e radicais, sem analisar a complexidade das relações humanas, a individualidade da pessoa, que é única no mundo.

            O dependente adota um posicionamento revestido de máscaras do tipo: “está tudo bem”, “sou feliz assim”, “não ligo, já estou acostumada”, “ruim com a pessoa, pior sem ela”, dentre outras defesas contra uma sociedade que exige fortaleza, decisão e “felicidade para sempre”. Estes disfarces constituem mais um fardo, além da própria dependência. Poder retirar todos os disfarces e conseguir se olhar de forma real, sem que naquele momento tenha medo de haver qualquer movimento negativo, proporciona um ambiente que facilita uma abertura, distinto do costumeiramente vivenciado. Em consequência, há o desdobramento à abertura para o verdadeiro Eu florescer. Destarte, não se pode falar em relacionamento humano sem trazê-lo de forma concreta, mesmo que em termos técnicos, pois estes são elaborados a fim de serem utilizados na prática.

            O fazer-clínico com a teoria de Rogers, foi incialmente fazer uma retrospectiva da vida pessoal e identificar os aspectos, desde a infância, positivos e negativos. Observar a tendência atualizante inata, rumo ao desenvolvimento, à melhoria como pessoa. Perceber os obstáculos encontrados e atravessados durante a trajetória de vida, onde foram encontradas pessoas que dificultaram e outras que facilitaram o processo de crescimento. Estudar a vida de Carl Rogers, significa se perceber, inclusive, ele como lutador pelo lugar de pessoa, pela aceitação de si, aprendendo também a aceitar o outro e por fim, que o outro a aceite.

            Carl Rogers ensina não somente uma abordagem, ele ensina vida, lugar, espaço, valor. Ensina o indivíduo a tomar seu lugar no mundo, que é exclusivo e não passivo de repasse e anulação. Rogers ensina estar no mundo de forma presente e significativa, amando e respeitando o próximo, como ele é, porém delimitando espaços entre ambos, sem haver invasão no que ao outro pertence. Ensina a valorizar não somente a teoria, todavia a experiência. Ensina o profissional a ser quem ele é, estar inteiro no processo psicoterápico, perceber o quão já foi ajudado e prejudicado e saber atuar de forma adequada com o outro.

            Estar com a pessoa dependente afetiva na clínica, sob a perspectiva rogeriana, é trazê-la de volta ao seu centro, de maneira natural, sem adaptações da abordagem, uma vez que esta trata com maestria o resgate do que falta na personalidade dependente. ACP aborda a personalidade, as crenças, os obstáculos, a aceitação, o auto conhecimento, a tendência atualizante e o crescimento pessoal.

Outras etapas de estudos podem expandir o trabalho em relação às pessoas em situação de dependência afetiva e adentrar nos relacionamentos amorosos sob a perspectiva da ACP, facilitando a percepção e o desenvolvimento desta relação ou até seu desfecho. Demais extensões de igual importância que podem ser aprofundados, são as influências na infância, dos primeiros ambientes sociais, as possibilidades do trabalho da ACP nos grupos de ajuda do MADA (mulheres que amam demais anônimas) e as diferentes culturas nacionais diante do contexto da dependência afetiva.

REFERÊNCIAS

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VOCÊ ME VIRA A CABEÇA. Intérprete: Alcione. Compositor: Paulo Sérgio Valle e Francisco Roque. In: A PAIXÃO Tem Memória. São Paulo: Universal Music, 2001. CD, (4:42).


[1] Carl Rogers enxergava a vida como um processo em movimento permanente, sem ponto fixo. Portanto, a melhor maneira de vivê-la seria deixá-la levar pela constância de sua mobilidade através das experiências vividas (Rogers 2009).

[2] A tendência atualizante foi conceituada por Rogers como sendo “o exercício de todas as funções, tanto físicas quanto experienciais. E visa constantemente desenvolver as potencialidades do individuo para assegurar sua conservação e seu enriquecimento” (Rogers, 1975, p. 41).

[3] Formosinho (2006, p. 09) se aprofunda no conceito de incongruência discorrendo sobre “a falta de comunicação consigo mesmo acontece quando as experiências estão impedidas de serem representadas corretamente na consciência. A simbolização é negada ou distorcida. Ao desacordo entre a experiência e a simbolização dá-se o nome de incongruência”.

[4] Formosinho descreve de forma prática o entendimento de Rogers atinente aos mecanismos de defesa que podem surgir em momentos em que o indivíduo tenta se proteger de ambientes considerados ameaçadores, visto que “o objetivo desse processo é defender o acordo entre a experiência total, a estrutura do eu e as condições impostas à avaliação” (2009, p. 14).

[5] Guimarães e Silva Neto (2015) citam o conceito de Self definido por Carl Roger onde este “entende o Self como um campo fenomenológico em que o indivíduo organiza uma percepção e conceito de si. Desta forma então, constitui-se de um encontro entre as demandas internas do organismo e as demandas externas (valores sociais, etc.) (Guimarães e Silva Neto, 2015, p. 58).


[1] Estudante de Psicologia do Centro Universitário Maurício de Nassau, Caruaru-PE. Graduação em Direito pela ASCES UNITA (2006).

[2] Professor do Centro Universitário Maurício de Nassau – Caruaru PE, Mestrando em Psicologia Social – UFLO, Buenos Aires – ARG (2024), Especialista em Análise Existencial e Logoterapia pela FACEAT-UNIILIFE (2021). Graduação em Psicologia pela Unifavip (2012).

[3] Estudante de Psicologia do Centro Universitário Maurício de Nassau, Caruaru-PE.

[4] Estudante de Psicologia do Centro Universitário Maurício de Nassau, Caruaru-PE.

[5] Graduação em psicologia UPE (2010), Especialista em Atenção Básica e Saúde da Família, Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.

[6] Psicólogo e Mestre em psicologia pela UFPE; Especialização clínica (Lato sensu) em Psicologia Humanista na Abordagem Centrada na Pessoa, pela FAFIRE; Especialista (Lato sensu) em Saúde Pública, Saúde Mental e Dependência Química pela ESUDA.

[7] Psicóloga Clínica pela UFPB (2016), Especialista em Logoterapia e Análise Existencial – FACEAT (2016), Especialista em Psicologia Hospitalar – UNIFAVIP (2019), Especialista em Associativismo/Cooperativismo Gestão de Org. – UFRPE (2006), Professora do Centro Universitário Maurício de Nassau – Caruaru – PE.