REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10903217
Wendel Fernandes de Freitas;
Sandra Maria de Freitas Oliveira;
Gina Beta de Carvalho Silva
RESUMO
O estudo em questão se concentra no cuidado dos pais em relação à criança autista e no aumento significativo de casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sociedade contemporânea. Considerando a diversidade dos arranjos familiares e a complexidade do diagnóstico, juntamente com a rotina familiar como ponto central do olhar psicossocial, emerge um vasto campo de pesquisa. Este se dedica à análise dos impactos na subjetividade do indivíduo, influenciados pelas interações familiares, que desempenham um papel crucial na formação da identidade da criança em seu ambiente. O estudo explora os desafios enfrentados pela família ao conviver com uma criança autista, destacando sua resiliência diante das dificuldades psicossociais. Além disso, examina-se a relevância da Psicologia em auxiliar não apenas os pais, familiares e cuidadores, mas também o próprio indivíduo com TEA, adaptando-se às suas necessidades específicas. O trabalho visa compreender as características dos impactos psicológicos e as perspectivas futuras dessas famílias, enquanto estas se situam neste contexto desafiador. Analisam-se também os efeitos do ambiente externo sobre a dinâmica familiar e os métodos utilizados pela família, que podem influenciar positiva ou negativamente suas relações cotidianas, desempenhando um papel fundamental na formação da identidade da criança e na sua integração no mundo ao seu redor.
Palavras-chave: Transtorno Espectro Autista – TEA; Pais de criança autista; Diagnóstico e vida; Cuidados com a criança autista; Vivência.
ABSTRACT
The study in question focuses on the significant increase in cases of autism spectrum disorder (ASD) in contemporary society. Considering the diversity of family arrangements and the complexity of diagnosis, along with the family routine as the central point of psychosocial scrutiny, a vast field of research emerges. This is dedicated to analyzing the impacts on individual subjectivity, influenced by family interactions, which can be nurturing or stressful, and play a crucial role in shaping the child’s identity within their environment. The study explores the challenges faced by families living with an autistic child, highlighting their resilience in the face of psychosocial difficulties. Furthermore, the relevance of Psychology in assisting not only professionals but also families of children with ASD, adapting to their specific needs, is examined. The work aims to understand the characteristics of psychological impacts and the future perspectives of these families as they navigate this challenging context. The effects of the external environment on family dynamics and the methods used by the family, which can positively or negatively influence, their daily relationships, are also analyzed, playing a fundamental role in shaping the child’s identity and integration into the world around them.
Keywords: Autism spectrum disorder – ASD; Parents of autistic children; Diagnosis and life; Care for autistic children.
1 INTRODUÇÃO
O artigo a seguir aborda a compreensão sobre os cuidados necessários ao bom desenvolvimento da criança autista, que demanda muita compreensão, paciência e amor incondicional. Os pais precisam criar um ambiente seguro e estruturado, com rotinas claras e previsíveis. É importante estimular a comunicação e a interação social, adaptando atividades ao nível de desenvolvimento da criança. Estratégias de aprendizado visual e sensorial são frequentemente úteis. Os pais também devem dedicar tempo para cuidar de si mesmos, buscando apoio emocional e educacional para lidar com os desafios únicos que a autismo traz. Celebrar as conquistas da criança, mesmo as menores, é fundamental para fortalecer sua autoestima e motivá-la a continuar progredindo.
O objetivo geral é compreender o papel dos pais e família no cuidado, desenvolvimento de habilidades e suporte, promovendo bem-estar físico, emocional e social da criança autista, enquanto também fortalecem sua própria resiliência e habilidades de enfrentamento. O autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), é um transtorno do neurodesenvolvimento que se manifesta precocemente, geralmente na primeira infância, e afeta negativamente o desempenho social da criança que o desenvolve.
Com as recentes atualizações da CID-11, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi designado com um novo código, 6A02, substituindo o antigo F84.0, e apresenta novas subdivisões que consideram se há ou não Deficiência Intelectual e/ou comprometimento da linguagem funcional. (IBNEURO, 2023).
O trabalho se justifica sobre os cuidados dos pais em relação à criança autista, essenciais para promover desenvolvimento e bem-estar do indivíduo com a condição. Como os primeiros e principais cuidadores, os pais desempenham um papel crucial na criação de um ambiente acolhedor e estruturado, que atenda às necessidades específicas de seus filhos autistas. Ao oferecer amor, compreensão e suporte emocional, os pais ajudam a construir a autoestima e a confiança de seus filhos, facilitando assim seu progresso e integração na sociedade. Além disso, os pais são fundamentais na busca por recursos e terapias adequadas, garantindo o melhor suporte possível para o desenvolvimento da criança autista.
Segundo Mapelli et al (2018), a incidência mundial do TEA é de aproximadamente 10 em cada 10.000 crianças, sendo significativamente mais comum em crianças do sexo masculino do que em crianças do sexo feminino, com uma proporção de aproximadamente cinco meninos autistas para cada menina no espectro. Essa disparidade é atribuída à probabilidade de uma predisposição genética recessiva no cromossomo X, o que torna os homens mais suscetíveis (KLIN, 2006).
De acordo com Borba et al. (2011), a família é considerada um complexo componente social, formado por uma variedade de elementos inter-relacionados. Essa visão é sustentada por Machado et al. (2018), que destaca a família como uma entidade que se desenvolve através de diferentes perspectivas, ideias, valores, e disputas, transcendendo as barreiras culturais ao longo de sua história, e continuamente sujeita a transformações.
2 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA
No contexto histórico da compreensão do transtorno do espectro autista (TEA), a expressão “autismo” tem suas raízes no grego “autos”, significando “voltar-se para si mesmo”. Ploulle, em 1906, cunhou o termo em seus estudos sobre os processos mentais de pacientes com demência, enquanto foi popularizado por Eugen Bleuler em 1911, destacando-o como um dos sintomas de esquizofrenia. As primeiras descrições formais da síndrome foram feitas pelo psiquiatra Leo Kanner, em 1943, inicialmente denominada de “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo”. Kanner identificou uma série de características comportamentais, incluindo dificuldades sociais, extrema solidão, padrões motores estereotipados, dificuldades na linguagem e características cognitivas peculiares.
Em 1994, foram revisados os critérios para o diagnóstico do autismo, visando à equiparação entre o DSM-4 e a CID-10, a fim de facilitar a compreensão e a prática clínica. A inclusão da Síndrome de Asperger no DSM ampliou o espectro do autismo, abrangendo casos mais leves, em que os indivíduos são geralmente mais funcionais (KLIN, 2006).
Com o intuito de aumentar a conscientização sobre o TEA, EM 2007 a ONU designou o dia 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, visando sensibilizar a população para o transtorno, que afeta cerca de 70 milhões de pessoas globalmente (PAIVA JÚNIOR, 2012). No Brasil, em 2018, o dia 2 de abril foi oficialmente instituído como o Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo.
Em 2012, a Lei Berenice Piana (12.764/12) foi promulgada, reconhecendo o autismo como uma deficiência e estabelecendo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Essa legislação visa à cooperação da comunidade na formulação de políticas públicas, segundo (FRAZÃO, 2019; SILVA; BONINI, 2018, p. 56), “garantindo acesso a diagnóstico precoce, tratamentos, terapias e medicamentos pelo SUS”, além de proteção social e igualdade de oportunidades.
Conforme destacado por Silva e Bonini (2018), em 2013, o DSM-V unificou todas as subcategorias do autismo sob o diagnóstico abrangente de Transtorno do Espectro Autista (TEA), oferecendo uma única classificação para pacientes com diferentes níveis e gravidades do transtorno.
No mesmo sentido, em 2015, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/15), que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Segundo Miranda (2016), essa legislação está em consonância com o artigo 2º da Constituição Federal.
No início de janeiro, entrou em vigor a 11ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), uma referência global em diagnósticos médicos. A CID desempenha um papel crucial na análise de estatísticas e padrões de saúde em escala mundial, além de orientar diagnósticos médicos mais precisos e contemporâneos. (IBNEURO, 2023).
Lançada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em junho de 2018 e aprovada em maio de 2019, a nova revisão da CID traz atualizações científicas e ferramentas eletrônicas mais acessíveis. Seu propósito é aprimorar a precisão dos diagnósticos, reunir dados estatísticos mais recentes e facilitar um planejamento mais eficaz de políticas de saúde e ações assistenciais.
6A02.0 – Distúrbio do Espectro do Autismo sem Comprometimento do Desenvolvimento Cognitivo e com Pouco ou Nenhum Impacto na Linguagem Funcional: Nesta categoria específica, todos os indivíduos devem satisfazer os critérios para TEA e não apresentar Distúrbio do Desenvolvimento Cognitivo. (IBNEURO, 2023).
6A02.1 – Distúrbio do Espectro do Autismo com Comprometimento do Desenvolvimento Cognitivo e com Pouco ou Nenhum Impacto na Linguagem Funcional: Nessa subdivisão específica, todos os indivíduos devem cumprir os critérios para TEA e para o Distúrbio do Desenvolvimento Cognitivo. Isso deve estar associado a um impacto leve ou inexistente no uso da linguagem ou na comunicação funcional, seja verbalmente ou por meio de outras formas de expressão, como imagens, texto, sinais, gestos ou expressões. (IBNEURO, 2023).
Dessa forma, a referida lei fortalece e amplia a proteção aos indivíduos com TEA, servindo como um marco importante na defesa da igualdade de direitos, no combate à discriminação e na regulamentação da acessibilidade e do atendimento prioritário.
3 CUIDADOS DA FAMILIA PARA COM A CRIANÇA AUTISTA
A família possui papel crucial e primordial no cuidado com a criança autista, buscando compreender suas necessidades de estímulo para o desenvolvimento de habilidades específicas, um desafio único, que exige dos pais amor e dedicação para que possam desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento e bem-estar de seus filhos autistas.
Nesse contexto, faz-se importante conhecer técnicas de comunicação não verbal, uma vez que muitas crianças autistas podem ter dificuldades na linguagem verbal. Isso inclui aprender a ler e responder aos sinais e expressões da criança, bem como desenvolver formas alternativas de comunicação, como o uso de gestos, imagens ou tecnologia assertiva.
Além disso, é essencial que os pais compreendam as necessidades sensoriais únicas de seus filhos autistas. Algumas crianças podem ser hipersensíveis a estímulos sensoriais, como luzes brilhantes ou ruídos altos, enquanto outras podem buscar estimulação sensorial adicional. Os pais devem estar atentos a essas sensibilidades e adaptar o ambiente para atender às necessidades de seus filhos.
A paciência é outra qualidade essencial para pais de crianças autistas. O processo de desenvolvimento pode ser mais lento e as crianças podem enfrentar desafios em áreas como habilidades sociais, comunicação e comportamento. Os pais precisam ser pacientes e persistentes, celebrando cada pequena conquista e fornecendo apoio constante durante o processo de aprendizagem.
Os pais devem estar abertos a aprender e se adaptar às necessidades individuais de seus filhos autistas. Isso pode envolver educar-se sobre o autismo, buscar apoio de profissionais especializados e participar de grupos de apoio de pais. “Ao se educarem e se envolverem ativamente na vida de seus filhos, os pais podem criar um ambiente amoroso e de apoio que promova o desenvolvimento positivo de seus filhos autistas”. (MACHADO, 2018, p. 57).
É importante lembrar que cada criança autista é única, e o que funciona para uma criança pode não funcionar para outra. Portanto, os pais devem ser flexíveis e criativos em sua abordagem, buscando constantemente novas estratégias e recursos para apoiar o crescimento e o desenvolvimento de seus filhos.
Ressaltamos que os cuidados dos pais para com uma criança autista exigem habilidades especiais, compreensão e paciência. Ao desenvolver habilidades de comunicação, compreender as necessidades sensoriais, ser paciente e adaptar-se às necessidades individuais de seus filhos, os pais podem desempenhar um papel crucial no apoio ao desenvolvimento e bem-estar de suas crianças autistas.
4 MATERNIDADE E OS DESAFIOS DIÁRIOS DA CRIANÇA COM TEA
O desafio da criação se torna ainda mais complexo para os pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente para as mães, que frequentemente assumem a maior parte dos cuidados. Esses pais precisam desenvolver habilidades especiais para lidar com uma realidade muitas vezes distante da idealizada.
Demyer e Goldberg (1983) exploraram o estresse enfrentado pelos pais de crianças autistas, destacando que as mães frequentemente vivenciam maior tensão física, culpa e incertezas em relação às suas habilidades maternas e psicológicas. Embora os pais também sejam afetados, sua reação geralmente é indireta, refletindo o sofrimento de suas esposas.
Pesquisas adicionais sobre os diferentes papéis desempenhados por pais e mães de crianças autistas indicam que as mães enfrentam maior risco de estresse parental e crises devido à intensa demanda de cuidados com a criança. Essa expectativa social de que as mães assumam a responsabilidade principal pelos cuidados, mais do que os pais, é amplamente reconhecida (MILGRAM & ATZIL, 1988).
Embora haja uma quantidade significativa de estudos sobre o TEA, pouco se sabe sobre os significados atribuídos pelas mães à experiência da maternidade nesse contexto. Portanto, compreender esses significados torna-se um objetivo importante de pesquisa. É fundamental distinguir entre maternidade, tradicionalmente associada à gestação, e maternagem, baseada no vínculo afetivo de cuidado e acolhimento ao filho. Esse conceito está intrinsecamente ligado ao contexto cultural, valores sociais e significados atribuídos à maternidade ao longo da história (KITZINGER, 1978).
Apesar dos avanços na liberdade e expressão das mulheres ao longo dos séculos, persistem padrões sociais arraigados que associam a mulher à maternidade, perpetuando o mito do instinto materno “natural” (BALUTA & MOREIRA, 2019). Nesse sentido, Stellin et al. (2011) enfatizam que a identidade materna é um processo construído a partir da relação mãefilho, influenciado por questões subjetivas e históricas. A maternagem vai além do cuidado físico básico, exigindo disponibilidade emocional da mãe e investimento psíquico na relação com o filho.
Pesquisadores têm se dedicado a explorar a experiência das mães de crianças autistas em diferentes contextos. Silva e Ribeiro (2018) destacam a importância do diagnóstico na orientação das ações das mães, enquanto Rendón (2016) aborda os sentimentos de solidão, descaso e preconceito enfrentados por essas mulheres.
O cotidiano dessas mães é profundamente impactado pelo cuidado com seus filhos autistas. Elas frequentemente lidam com comportamentos desafiadores da criança, sendo responsáveis por gerenciar e enfrentar essas situações. Esse fardo emocional pode levar as mães a vivenciarem um sentimento de luto pela diferença entre o filho idealizado e o filho real. Além disso, as demandas específicas do TEA, como dificuldades de desenvolvimento, dependência e exigências adicionais na rotina familiar, intensificam esses desafios (SIFUENTE & BOSA, 2010). Considerando a complexidade desse fenômeno, é necessário um olhar atento não apenas para os aspectos intrafamiliares, mas também para os fatores interativos e sociais que influenciam a experiência das mães de crianças com TEA.
5 O DIAGNÓSTICO E A VIDA COTIDIANA DA CRIANÇA COM TEA
Considerando as dificuldades enfrentadas pelas famílias que lidam com o autismo e a falta de acesso às informações necessárias, esta pesquisa tem como objetivo compreender a percepção das famílias sobre o cotidiano de crianças autistas. Além disso, busca-se identificar a concepção das famílias sobre o autismo, analisar a rotina familiar, segundo Machado et al., (2018) destacando as práticas de cuidado e atividades voltadas para com as crianças, bem como as dificuldades enfrentadas pelas famílias nesse contexto.
Outros aspectos investigados incluem a percepção da família sobre o processo de inclusão escolar e social da criança, nas palavras de Mapelli et al., (2018) que descreve o conhecimento das políticas públicas brasileiras voltadas para o autismo, visando auxiliá-las a lidar melhor com essa realidade muitas vezes não planejada.
Negar a importância desse tema é contribuir para que as famílias enfrentem ainda mais dificuldades em lidar com seus filhos autistas e em promover sua inclusão em espaços públicos, de lazer e na educação formal. De acordo com Stellin et al., (2011, p. 48):
“Discutir e pesquisar sobre o cotidiano de crianças autistas pode ser o primeiro passo para iniciar esse processo de transformação, que começa na academia e se estende para a sociedade em geral. Portanto, é cada vez mais relevante para o curso de Psicologia abordar e investigar esse tema, uma vez que os psicólogos estão envolvidos em diversas áreas, incluindo a educação, saúde clínica e outros contextos nos quais o autismo é frequentemente encontrado”.
O cuidado com a criança autista envolve uma jornada desafiadora tanto para mães quanto para pais, desde o diagnóstico até a vida cotidiana. O diagnóstico inicial é um momento crucial, muitas vezes desencadeando uma montanha-russa emocional para os pais. “As mães, em particular, muitas vezes assumem a liderança nos cuidados, sendo vistas como as principais cuidadoras devido a expectativas sociais arraigadas”. (MACHADO, 2018, p. 67). Estudos demonstram que as mães de crianças autistas enfrentam altos níveis de estresse, culpa e incerteza quanto às suas habilidades maternas e psicológicas. Os pais também são afetados, embora de maneira mais indireta, reagindo ao sofrimento das mães.
No entanto, é importante reconhecer que tanto mães quanto pais desempenham papéis fundamentais no cuidado da criança autista. Embora as mães possam assumir uma carga maior devido a expectativas sociais, os pais desempenham um papel crucial no apoio emocional, na tomada de decisões e na prestação de cuidados práticos. Uma abordagem colaborativa entre os pais é essencial para enfrentar os desafios do dia a dia.
Na vida cotidiana, tanto mães quanto pais enfrentam uma série de desafios únicos ao cuidar de uma criança autista. Eles precisam lidar com comportamentos desafiadores, dificuldades de comunicação e necessidades especiais de aprendizado. “A rotina diária pode ser intensa, exigindo uma dose extra de paciência, compreensão e criatividade”. (PRATTA; SANTOS, 2007, p. 244).
Os pais precisam encontrar um equilíbrio entre o cuidado com a criança autista e as demandas do trabalho, da vida familiar e do autocuidado. Isso pode ser especialmente difícil para mães que enfrentam pressões adicionais devido a expectativas sociais e papéis tradicionais de gênero.
É crucial que os pais tenham acesso a recursos e apoio adequados para ajudá-los a navegar por esses desafios. Isso pode incluir terapias especializadas para a criança, suporte emocional para os pais e redes de apoio com outros pais de crianças autistas. Ao trabalhar juntos e buscar apoio quando necessário, mães e pais podem proporcionar o melhor ambiente possível para o desenvolvimento e o bem-estar de seus filhos autistas.
6 DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Para realizar esta pesquisa e alcançar seus objetivos, foi conduzida uma revisão bibliográfica em diversas bases de dados, incluindo Scielo, Lilacs e Periódicos Capes, além de consulta a livros, dissertações, teses e artigos em outros idiomas. A disponibilidade de trabalhos científicos online facilitou a busca por dados de forma acessível e sem custos. É notável que a internet desempenha um papel fundamental na disseminação global de conhecimento científico, servindo como meio de comunicação e divulgação para pesquisadores em todo o mundo.
A pesquisa concentrou-se em artigos que utilizam abordagens psicológicas, com ênfase naqueles que empregam o Interacionismo Simbólico e a Análise de Narrativa como métodos teóricos. Foram examinados 38 artigos, dos quais 18 foram selecionados com base em critérios como ano de publicação, fonte, metodologia, instrumentos de avaliação, objeto de estudo e população investigada. Essa seleção criteriosa permitiu uma análise mais precisa e relevante dos estudos revisados.
7 RESULTADO E DISCUSSÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), também conhecido como autismo, é uma condição relacionada ao neurodesenvolvimento que se manifesta na primeira infância, caracterizada por duas áreas principais de dificuldade: problemas de comunicação e interação social, e comportamentos restritos e repetitivos (BRASIL, 2014).
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição, texto revisado (DSM-IV-TR), estabelece que os sintomas do autismo devem estar presentes antes dos três anos de idade, sendo este um dos critérios diagnósticos. No entanto, há evidências na literatura científica que sugerem que o reconhecimento do TEA já pode ocorrer antes dos 36 meses, especialmente aos 18 meses (MESQUITA; PEGORARO, 2013; KLIN, 2006).
É importante notar que o DSM-V, a publicação mais recente, apresenta descrições atualizadas em relação às edições anteriores, sendo um instrumento valioso que abrange informações universais sobre transtornos mentais (VAHIA, 2013). As especificações para diagnosticar o autismo são baseadas no Manual Estatístico e Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-V, conforme destacado por Thees (2018).
De acordo com Mendes (2016), o desempenho de uma pessoa com TEA pode ser significativamente melhorado com o tratamento terapêutico adequado, especialmente com intervenções precoces, realizadas antes dos três anos de idade. Essas intervenções podem melhorar os comportamentos adaptativos, o desempenho social e a comunicação verbal ou cognitiva. A prática desses ajustes comportamentais resulta em melhorias significativas no funcionamento do indivíduo com o transtorno, e a família desempenha um papel fundamental nesse processo de adaptação.
De acordo com Wagner et al. (2011), a configuração e a estrutura familiar são conceitos fundamentais que nos permitem entender a composição e o funcionamento de uma família. A configuração familiar refere-se ao grupo de membros que formam o núcleo familiar.
Segundo Borba et al. (2011), uma família que tem um de seus membros com comorbidades permanentes precisa se adaptar a situações incomuns relacionadas às suas fragilidades e/ou delicadezas para melhor compreender o comportamento e os impactos causados pelo TEA.
Nas palavras de Pratta e Santos (2007):
“Para compreender melhor o funcionamento da família, é importante destacar que muitos autores a caracterizam dentro de uma perspectiva sistêmica, considerando-a um sistema ativo em constante transformação e evolução, movendo-se por meio de ciclos”.
Cerveny e Berthould (2001), conforme citado por Silva (2009), descrevem que a família pode ser examinada por meio de seu ciclo vital, composto por quatro estágios sucessivos: 1) fase de aquisição, 2) fase adolescente, 3) fase madura e 4) fase última. Cada fase envolve diferentes gerações, adaptando-se de várias maneiras a cada nova circunstância, demonstrando os vínculos essenciais ao longo do tempo.
Nesse contexto, a família deve fornecer estrutura psicossocial, cultural e econômica para a criança, promovendo seu desenvolvimento e inserção social, mantendo sua função típica na sociedade em que está inserida. Destacando a estrutura familiar, Borba et al. (2011) afirmam que é importante considerar que a convivência da família com o portador de transtorno mental nem sempre é harmoniosa, sendo permeada por tensões e conflitos, pois é nesse espaço que as emoções são mais facilmente expressas. Assim, a família, como grupo de convivência, exige dos seus membros a capacidade constante de repensar e reorganizar suas estratégias e dinâmica interna, respeitando a individualidade de cada um, pois, apesar de compartilharem o mesmo espaço físico, há diversidade nas formas de pensar, interpretar os eventos e se comportar.
Segundo Mapelli et al. (2018), os sinais do Transtorno do Espectro Autista são percebidos pela família, porém, seus membros muitas vezes acreditam que não se trata de comportamentos comprometedores que levem à suspeita do transtorno, mas sim traços de personalidade peculiares da criança.
No que diz respeito às dificuldades enfrentadas pelas famílias, o problema financeiro é a principal preocupação, uma vez que compromete a renda ao ultrapassar o orçamento devido aos custos com tratamentos, terapias e medicamentos, além, por vezes, da perda de emprego para cuidar da criança (HOFZMANN et al., 2019).
Estudos indicam que a maioria dos pais necessita de empregos em tempo integral para garantir um seguro saúde para a família, especialmente para a criança com TEA, porém, manter esse ritmo de trabalho é extremamente difícil para o casal, resultando em uma redução na renda familiar e um aumento nas despesas (HOFZMANN et al., 2019).
A baixa renda pode limitar as oportunidades de acesso a programas de auxílio e educação para a família, além de afetar as possibilidades de lazer, entretenimento e recreação, que são fundamentais para o bem-estar pessoal e a qualidade de vida tanto do indivíduo com TEA quanto da família. (FÁVERO-NUNES; SANTOS, 2010)
Segundo Mello et al. (2013), o autismo é um tema particularmente delicado devido à sua ampla gama de características comportamentais. Lidar com essa questão vai além de simplesmente superar os desafios de acessibilidade, já que os autistas possuem modos de funcionamento únicos, exigindo a elaboração de planos de ensino individualizados. Isso representa um grande desafio para o ambiente escolar.
No entanto, surge a questão: seria realmente necessário individualizar o ensino, ou seria suficiente reformular a proposta pedagógica para garantir que todos tenham os mesmos direitos e que as características de cada um sejam igualmente acolhidas?
Quando se trata de inclusão escolar, é essencial entender que não se resume apenas a “aceitar as diferenças”. Esse é apenas o ponto de partida e não deve ser considerado o objetivo final. A escola tem o dever de garantir a aceitação, combater a estigmatização e o isolamento social das pessoas com autismo. Caso contrário, falhará em seu objetivo primordial, que é educar todos os indivíduos, incluindo aqueles com autismo (MELLO et al., 2013, p. 99).
Além disso, é importante destacar que, ao falar sobre inclusão, é necessário compreender algumas particularidades das pessoas diagnosticadas com autismo.
Os cuidados dos pais em relação aos filhos autistas são complexos e exigem uma abordagem multifacetada. Desde o momento do diagnóstico, os pais enfrentam uma série de desafios emocionais, financeiros e sociais. A compreensão e a aceitação do diagnóstico muitas vezes são difíceis, e os pais podem passar por um período de luto e adaptação à nova realidade.
Uma das principais preocupações dos pais é garantir o acesso a tratamentos e terapias adequadas para o desenvolvimento e bem-estar de seus filhos. No entanto, os altos custos desses tratamentos e a falta de recursos disponíveis podem representar um grande obstáculo. Além disso, a busca por profissionais especializados e a coordenação de múltiplas terapias podem ser
desafiadoras e desgastantes para os pais. O estigma e a falta de compreensão da sociedade em relação ao autismo também representam desafios para os pais. Eles podem se sentir julgados e criticados por suas escolhas de cuidado e enfrentar discriminação e exclusão em diferentes contextos sociais.
No entanto, apesar de todos esses obstáculos, os pais de crianças autistas demonstram uma incrível resiliência, amor e dedicação. Eles são defensores incansáveis de seus filhos, lutando por seus direitos e buscando oportunidades para que eles alcancem seu pleno potencial.
8 CONCLUSÃO
O trabalho dedicou-se a discutir os cuidados prestados pelos pais às crianças autistas, incluindo compreensão, habilidades, paciência e amor dedicados a seus filhos, além de compreender a percepção das famílias sobre o cotidiano vivenciado com crianças diagnosticadas com autismo. Por meio deste estudo, foi possível entender as mudanças ocorridas no dia a dia das famílias, as dificuldades que enfrentam, seu conhecimento sobre políticas públicas destinadas a autistas e como percebem o processo de inclusão escolar e social de seus filhos.
Estudos abordam as famílias e parentes que têm pelo menos um membro no espectro autista e os impactos estressantes de suas interações relacionais. Muitas vezes, essas famílias têm pouco conhecimento sobre o distúrbio, destacando a necessidade de suporte por parte de profissionais capacitados no assunto.
A análise da literatura revisada se concentrou em pesquisas que buscam desenvolver novos instrumentos e estratégias para ajudar as famílias a lidarem com a readaptação de seus hábitos cotidianos. Terapias ocupacionais são exploradas como uma maneira de reduzir a sobrecarga de estresse e promover melhor qualidade de vida para todos os membros da família.
Espera-se que este estudo contribua com uma abordagem multidisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas, como médicos psiquiatras, enfermeiros, fonoaudiólogos, profissionais de educação física, fisioterapeutas e psicólogos. Essa colaboração tem o objetivo de promover pesquisas futuras voltadas para o manejo do estresse das famílias relacionado a essa temática, buscando proporcionar um suporte mais abrangente e eficaz.
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