VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS MENORES DE IDADE NO AMBIENTE FAMILIAR

PSYCHOLOGICAL VIOLENCE IN THE RELATIONSHIP BETWEEN PARENTS AND MINOR CHILDREN IN THE FAMILY ENVIRONMENT

VIOLENCIA PSICOLÓGICA EN LA RELACIÓN ENTRE PADRES E HIJOS MENORES EN EL ÁMBITO FAMILIAR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411211932


Fernanda Valente da Cruz1
Maria Gabriele da Silva Mendes2
Patrícia Gonçalves Menezes3
Raquel Pereira Queiroz4
Adriano dos Santos Oliveira5
Jorge Luís Santos Silva6


RESUMO: A violência psicológica nas relações entre pais e filhos é uma questão crítica que afeta o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. O objetivo geral deste trabalho propõe analisar as manifestações da violência psicológica na relação entre pais e filhos menores de idade no ambiente familiar. Especificamente pretendeu-se: a) entender o conceito de família e violência intrafamiliar, e; b) descrever as principais formas de manifestação da violência psicológica na relação entre pais e filhos no contexto familiar. A pesquisa foi conduzida através de uma pesquisa bibliográfica, utilizando fontes como livros e artigos científicos disponíveis dos últimos 5 anos (2020 a 2024) em bases de dados relevantes. Os resultados indicam que práticas como humilhações, ameaças e controle excessivo são comuns, criando um ambiente de medo e insegurança que compromete a autoestima e o bem-estar emocional das crianças. A pesquisa ressalta a urgência de reconhecer e abordar essa forma de violência, frequentemente invisível, que pode levar a consequências graves, como transtornos emocionais e comportamentais. Conclui-se que a promoção de políticas públicas e ações intersetoriais é essencial para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, visando a prevenção e intervenção precoce em casos de violência psicológica. A conscientização da sociedade sobre a gravidade desse problema é fundamental para garantir um ambiente familiar seguro e acolhedor para o pleno desenvolvimento das novas gerações.

PALAVRAS-CHAVE: Crianças e adolescentes, desenvolvimento psicossocial, pais e filhos, saúde mental, violência psicológica.

ABSTRACT: Psychological violence in relationships between parents and children is a critical issue that affects the healthy development of children and adolescents. The general objective of this work proposes to analyze the manifestations of psychological violence in the relationship between parents and minor children in the family environment. Specifically, the aim was to: a) understand the concept of family and intra-family violence, and; b) describe the main forms of manifestation of psychological violence in the relationship between parents and children in the family context. The research was conducted through a bibliographical search, using sources such as books and scientific articles available from the last 5 years (2020 to 2024) in relevant databases. The results indicate that practices such as humiliation, threats and excessive control are common, creating an environment of fear and insecurity that compromises children’s self-esteem and emotional well-being. The research highlights the urgency of recognizing and addressing this form of violence, often invisible, which can lead to serious consequences, such as emotional and behavioral disorders. It is concluded that the promotion of public policies and intersectoral actions is essential for the protection of the rights of children and adolescents, aiming at prevention and early intervention in cases of psychological violence. Raising society’s awareness of the seriousness of this problem is essential to guarantee a safe and welcoming family environment for the full development of new generations.

KEYWORDS: Children and adolescents, psychosocial development, parents and children, mental health, psychological violence.

RESUMEN: La violencia psicológica en las relaciones entre padres e hijos es un tema crítico que afecta el desarrollo saludable de niños y adolescentes. El objetivo general de este trabajo propone analizar las manifestaciones de violencia psicológica en la relación entre padres e hijos menores de edad en el ámbito familiar. En concreto, se buscó: a) comprender el concepto de violencia familiar e intrafamiliar, y; b) describir las principales formas de manifestación de la violencia psicológica en la relación entre padres e hijos en el contexto familiar. La investigación se realizó mediante una búsqueda bibliográfica, utilizando fuentes como libros y artículos científicos disponibles de los últimos 5 años (2020 a 2024) en bases de datos relevantes. Los resultados indican que prácticas como la humillación, las amenazas y el control excesivo son comunes, creando un ambiente de miedo e inseguridad que compromete la autoestima y el bienestar emocional de los niños. La investigación destaca la urgencia de reconocer y abordar esta forma de violencia, a menudo invisible, que puede tener consecuencias graves, como trastornos emocionales y de conducta. Se concluye que la promoción de políticas públicas y acciones intersectoriales es fundamental para la protección de los derechos de niños, niñas y adolescentes, encaminadas a la prevención e intervención temprana en casos de violencia psicológica. Sensibilizar a la sociedad sobre la gravedad de este problema es fundamental para garantizar un entorno familiar seguro y acogedor para el pleno desarrollo de las nuevas generaciones.

PALABRAS CLAVE: Niños y adolescentes, desarrollo psicosocial, padres e hijos, salud mental, violencia psicológica.

1. Introdução

A violência nas relações familiares é um problema social complexo que acarreta sérias consequências, em especial para a saúde e o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Dentre as diferentes formas de violência contra membros da família, a violência psicológica vem merecendo maior atenção nos dias atuais, tendo em vista sua natureza sutil e de difícil identificação.

A família constitui-se no espaço primordial de socialização e aprendizagem onde são estabelecidas as bases para as relações interpessoais ao longo da vida. Nesse contexto, a interação saudável e respeitosa entre pais e filhos é fundamental. Entretanto, em algumas famílias tais interações acabam sendo marcadas por violência psicológica, na forma de humilhações, ameaças, críticas excessivas e privação do afeto e atenção necessários ao crescimento saudável das crianças e adolescentes.

Com isso, a pergunta norteadora é: qual a influência da violência psicológica na relação entre pais e filhos menores de idade sobre a saúde mental e o desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes?

Embora estudos apontem para a prevalência alta de violência psicológica contra crianças e adolescentes no ambiente familiar, ainda há carência de dados sobre suas reais dimensões e características no cenário nacional. Isso dificulta o desenvolvimento de iniciativas efetivas de prevenção e proteção nesse âmbito.

Os resultados esperados contribuirão para subsidiar a formulação de políticas públicas e ações nos serviços de saúde e assistência social voltadas especificamente ao enfrentamento precoce desta violação de direitos. Poderão também nortear a atuação de profissionais que atuam junto a esta clientela, como trabalhadores da área da psicologia, serviço social, enfermagem e pediatria.

Os achados do estudo visam sensibilizar a sociedade sobre a urgência de prevenir e intervir sobre este tipo de violência, frequentemente silenciosa e subnotificada. A proteção da infância e da adolescência é dever de todos e requer esforços intersetoriais para a efetivação dos direitos humanos fundamentais desta parcela carente e indefesa da população.

A metodologia empregada consistiu em uma pesquisa bibliográfica, tendo como fontes livros, artigos científicos, teses, dissertações e outros documentos disponíveis dos últimos 5 anos (2020 a 2024) em bases de dados como Scielo, Lilacs e Medline que tratassem do tema proposto. As palavras-chave utilizadas para a busca foram: “violência psicológica”, “crianças e adolescentes”, “pais e filhos”, “saúde mental ” e “desenvolvimento psicossocial”.

O objetivo geral deste trabalho propõe analisar as manifestações da violência psicológica na relação entre pais e filhos menores de idade no ambiente familiar. Especificamente pretendeu-se: a) entender o conceito de família e violência intrafamiliar, e; b) descrever as principais formas de manifestação da violência psicológica na relação entre pais e filhos no contexto familiar.

2. Referencial Teórico

2.1 Conceito de família e violência intrafamiliar

2.1.1 Família

A família pode ser considerada a unidade social primordial da humanidade. Desde os primórdios, quando os seres humanos passaram a viver em grupos para aumentar suas chances de sobrevivência, os laços de parentesco desempenharam papel fundamental na formação das primeiras associações. Conforme os grupos familiares cresciam, eles acabavam gerando agrupamentos mais amplos, conhecidos como clãs. 

Nesse período inicial, os povos nômades se uniam em unidades familiares que possibilitam a cooperação para atividades como a obtenção de alimento e abrigo. Dessa forma, a família esteve na base da organização das primeiras sociedades humanas e representou o primeiro modelo de convivência em grupo (Lopez, 2021, p. 100).

À medida que as sociedades humanas foram se tornando mais sedentárias, fixando-se em locais específicos para moradia, as estruturas sociais também evoluíram. Os clãs familiares, outrora nômades, deram origem a agrupamentos maiores como tribos, marcando o surgimento de novas formas de convivência comunitária (Marinho, 2021, p. 126). 

Nesse contexto, a família nuclear passou a cumprir papeis ainda mais significativos, como garantir a reprodução das gerações futuras e a segurança alimentar dos seus membros. Prevaleceu por um tempo um arranjo frequentemente denominado como patriarcal, no qual os pais exerciam maior autoridade sobre os filhos no seio familiar. Entretanto, os modelos familiares foram se diversificando ao longo da história humana, de forma que a configuração patriarcal deixou de ser dominante na atualidade (Aranha, 2020, p. 165).

A palavra “família” tem sua origem etimológica no termo latino “famulus“, que significa “escravo doméstico”.  O vocábulo “família” surgiu na Roma Antiga justamente para designar o novo agrupamento social emergente entre as tribos latinas, no contexto da introdução da agricultura e da legalização da escravidão. O termo foi criado com o objetivo de denominar o conjunto de pessoas que habitavam e trabalhavam juntas no âmbito privado doméstico, compreendendo patrões, escravos e demais dependentes (Oliveira, 2022, p. 36).

Silva (2023, p.25), em seu artigo “A Família em perspectiva sociológica”, a palavra família tem origem no termo latino “família” e designa um conjunto de indivíduos unidos por laços biológicos, históricos, legais ou afetivos. Conforme a autora, tal agrupamento pode assumir formas distintas, como no caso de pessoas solteiras, casais heterossexuais, casais homossexuais e outras configurações presentes em diversos contextos sociais. Silva (2023) também defende que, considerada sob a ótica sociológica, a família compõe uma das unidades fundamentais da organização social.

No campo de estudos da Sociologia, a família configura-se como uma das mais longínquas instituições sociais da trajetória humana, estando presente desde os primeiros registros datados há aproximadamente dez milênios a.C. (Freitas, 2023, p. 30). 

Consoante os princípios desta ciência, a família representa um conjunto de indivíduos unidos não apenas por laços sanguíneos, mas também por afinidades afetivas voluntariamente estabelecidas. Sendo assim, além de agrupar pessoas vinculadas biologicamente, tal instituição também acolhe aqueles que nutrem mútua estima (Freitas, 2023, p. 32). Com isso, a perspectiva sociológica indica que a família congrega tanto os aparentados pela herança genética quanto os que escolhem conviver movidos pelo afeto.

Segundo os ensinamentos de Silva (2023, p. 56), a família pode ser conceituada como um conjunto de indivíduos unidos por laços de parentesco, o que lhes proporciona afinidade e motiva a coabitação. A autora também entende que tal agrupamento familiar promove entre seus membros o sentimento de proteção mútua em razão dos afetos, do carinho e do sentido de pertencimento a um grupo comum.

De acordo com os avanços democráticos e os ideais de igualdade e dignidade humana, a família passou por transformações significativas (Marinho, 2021, p. 122). O modelo patriarcal, em que prevalecia uma visão verticalizada das relações, vem sendo substituído por uma estrutura mais democrática e igualitária. 

No contexto brasileiro, configurações familiares conduzidas unicamente por mulheres e seus descendentes assumem certa frequência.  Conforme Santos (2022, p. 90), em tais arranjos a paterna ausente pode decorrer de falecimento, abandono ou desaparecimento do pai, de modo que este por vezes nem chega a convir junto aos filhos. 

Independentemente da configuração específica – seja em arranjos conjugais heterossexuais ou homoafetivos, uniparentais, intergeracionais ou fraternais etc -, a família deve ter o seu papel sócio-afetivo reconhecido como estrutura fundamental na sociedade. 

Silveira (2023, p. 112) defende que o Estado deve proteger todos os formatos familiares, preservando os direitos dos indivíduos que compõem grupos domésticos hoje mais distanciados do tradicional modelo patriarcal. Portanto, o respeito e a tolerância em relação à diversidade de arranjos familiares são fundamentais para garantir um futuro de inclusão e bem-estar coletivo para a população.

2.1.2 Violência intrafamiliar 

A United Nations International Children’s Emergency Fund (UNICEF) conceitua violência como uma conduta intencional que se vale da coerção ou dominação, física ou simbólica, representando risco elevado de lesões ou prejuízos à integridade das pessoas:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (UNICEF, 2009, p. 4).

Zuma (2004) afirma que a violência intrafamiliar compõe a categoria de violência interpessoal proposta pela OMS em 2002 em seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. A autora conceitua esse tipo de violência como aquela que ocorre, geralmente dentro do âmbito doméstico, entre membros da família e parceiros íntimos, conforme definido por Krug (2002, apud Zuma, 2004). Dessa forma, Zuma (2004) insere a violência entre pessoas próximas no contexto privado da casa dentro da classe de violência entre indivíduos proposta pela Organização Mundial de Saúde em sua classificação do fenômeno da violência.

Oliveira (2021, p. 222) destaca os tipos de violência intrafamiliar que podem ser cometidos contra crianças e adolescentes:

a) Violência física: refere-se ao uso da força física que possa resultar em danos, lesões, morbidades ou mortalidade na criança/adolescente.

b) Violência psicológica: implica em condutas e atos que causem dano emocional e possam afetar o desenvolvimento ou o bem-estar psicológico da vítima, como humilhações, ameaças, isolamento, negligência emocional etc.

c) Violência verbal: constitui-se de ameaças verbais, insultos, xingamentos e outros tipos de agressões psicológicas por meio da comunicação oral para depreciar, intimidar ou constranger a criança/adolescente.

De acordo com Azevedo e Guerra (1993, apud Ribeiro; Borges, 2005, p. 30-31), a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes pode ser entendida como:

Um tipo de violência interpessoal que se caracteriza pelo abuso de poder por parte dos pais ou responsáveis sobre os mais jovens. Nessa dinâmica, as vítimas são reduzidas à condição de objeto de maus-tratos, ou seja, têm seus direitos básicos violados enquanto pessoas. A violência intrafamiliar, nesse sentido, representa uma negação de valores essenciais à condição humana, como a vida, a liberdade e a segurança da criança e do adolescente. Trata-se, portanto, de um processo coercitivo e subjetivo mediante o qual os agressores exercem violência sobre os mais vulneráveis sob sua guarda ou responsabilidade.

A violência intrafamiliar representa um grave problema para a saúde pública global, onerando os serviços de emergência, traumatologia, ginecologia/obstetrícia e pediatria em diferentes países. Trata-se de um fenômeno com raízes historicamente distantes, cujos indícios podem ser encontrados em registros demonstrando que comunidades passadas já expunham os membros mais vulneráveis da família a maus-tratos, em especial mulheres e crianças.

Ao longo do tempo, esses grupos populacionais internalizaram o maior fardo dessa forma nociva de relacionamento intrafamiliar. Contudo, seus efeitos negativos contaminam a família como um todo, atingindo direta ou indiretamente tanto os perpetradores quanto aqueles alvos de agressões, conforme apontado por Aldrighi (2006, p. 94). Sua erradicação constitui um desafio de longo prazo, considerando sua longa trajetória histórica e transnacional e abrangência social e de saúde disruptivas.

2.2 As principais formas de manifestação da violência psicológica na relação entre pais e filhos 

A relação entre pais e filhos é fundamental no desenvolvimento e constituição da personalidade. No entanto, algumas dinâmicas familiares podem abrigar práticas de violência psicológica que podem acarretar consequências graves no sentido emocional e cognitivo do sujeito em formação (Ceccato; Pires, 2021, p. 30).

A identificação precoce de possíveis sinais de agressões contra crianças e adolescentes é vital para quebrar o ciclo da violência intrafamiliar. Nesse sentido, a violência psicológica merece atenção especial, tendo em vista constituir o tipo de abuso mais frequente nesse contexto e não gerar marcas físicas evidentes, mas podendo causar danos emocionais duradouros.

A violência psicológica é caracterizada por qualquer ação ou comportamento que acarrete prejuízos ao bem-estar emocional da vítima, comprometendo seu pleno desenvolvimento ou minimizando sua autoestima e autovalia (Gattás, 2022, p. 127). Logo, seus sinais também podem passar despercebidos caso não haja olhar atento de profissionais e da comunidade às possíveis dinâmicas de violências nas relações familiares.

Dentre as principais formas desse tipo de violência estão ameaças constantes que causam sensação de medo e insegurança, controle excessivo dos responsáveis que priva a vítima de autodeterminação, bem como ofensas e críticas maldosas frequentes que diminuem a autoimagem da criança ou do adolescente. Outras condutas abusivas consistem na realização de comparações desfavoráveis que humilhem a vítima em relação a outros indivíduos, fazendo-a sentir-se incapaz e negligenciada (Lopes; Mendes, 2022, p. 165). 

Essas situações podem perdurar por longos anos, já que os mais jovens, muitas vezes, não conseguem identificar que estão sendo vítimas de abuso devido à idade ou à dependência em relação aos próprios agressores, ficando invisibilizados e sem possibilidade de buscar auxílio (Gattás, 2022, p. 130). 

A exposição a essas condutas violentas no ambiente familiar causa grande impacto na saúde mental dos(as) filhos(as). Eles passam a viver em constante estado de estresse e ansiedade, sempre em alerta para não contrariar ou decepcionar o autor do abuso. Podem desenvolver quadros depressivos, tendo em vista a baixa autoestima e sentimento de incapacidade gerados (Costa et al., 2022, p. 88). 

Segundo a psicóloga, diversas são as consequências: crianças pequenas, por exemplo, podem passar a apresentar diurese noturna (urinar na cama), ao passo que adolescentes podem recorrer ao consumo excessivo de bebida alcoólica e drogas como mecanismo de enfrentamento. Além disso, é comum a vítima se isolar socialmente ou adotar comportamentos externamente rebeldes, como desobediência, dissimulação ou agressividade, para chamar atenção (Briggs, 2022, p. 101).

Estudos recentes da neurociência vêm corroborando os efeitos danosos do abuso e maus-tratos na infância, demonstrando graves consequências para o desenvolvimento cerebral da criança (Grabe et al., 2021, p. 167). A exposição precoce a situações estressoras pode provocar alterações na estrutura e nos mecanismos de funcionamento do sistema nervoso central, ocasionando prejuízos cognitivos, problemas de comportamento e dificuldades sociais ao longo da vida (McCrory et al., 2021; Mesa-Gresa e MoyaAlbiol, 2021).

Hirigoyen (2021, p. 100) ressalta que a violência psicológica promove uma destruição profunda da integridade mental e emocional da vítima. Trata-se de um processo abusivo onde o agressor direciona seus ataques à identidade do outro, obscurecendo sua individualidade por meio de palavras e olhares depreciativos. Tal dinâmica pode levar à adoecimento psíquico e, em casos extremos, ao suicídio. Por invadir a intimidade do sujeito e corroer sua autoestima, configura-se como uma morte simbólica, um assassinato da subjetividade.

É uma modalidade sutil de violência, potencialmente isenta de marcas físicas, o que dificulta seu reconhecimento como ato lesivo, mesmo pela própria vítima imersa no círculo de destruição emocional a que foi submetida. Destarte, Hirigoyen (2021, p. 118) denuncia a gravidade psicossocial desse fenômeno, capaz de aniquilar o indivíduo pela via do ataque à sua intimidade e ao seu sentimento de valor próprio.

3. Resultados e Discussões

A análise do conceito de família e da violência intrafamiliar revela a complexidade e a diversidade das estruturas familiares contemporâneas, bem como a prevalência de formas imperceptíveis de violência, como a violência psicológica. A família, como unidade social primordial, exerce função suprema na formação da identidade e no bem-estar emocional dos indivíduos. No entanto, essa dinâmica pode ser comprometida quando a violência intrafamiliar se manifesta.

Os dados coletados mostram que muitas crianças e adolescentes estão sujeitas a práticas abusivas que prejudicam sua saúde mental e desenvolvimento, apesar de a família ser tradicionalmente considerada um ambiente seguro e acolhedor. A UNICEF (2009) define violência intrafamiliar como aquela que ocorre dentro de casa e pode incluir violência física, psicológica e verbal. A violência psicológica, em particular, é geralmente indetectável, o que dificulta sua identificação e intervenção imediata.

Estudos demonstram que a violência psicológica frequentemente se manifesta por meio de críticas, humilhações e controle excessivo, criando um ambiente de medo e insegurança (Oliveira, 2021). Esses fatores não apenas afetam a autoestima e a autovalorização das crianças, mas também podem levar a consequências de longo prazo, como transtornos emocionais e comportamentais (Azevedo e Guerra, 1993, apud Ribeiro; Borges, 2005).

A pesquisa aponta que a falta de reconhecimento e a normalização dessa forma de agressão dentro do ambiente familiar perpetuam esse ciclo abusivo. Muitas vítimas não conseguem identificar que estão sofrendo abuso, devido à sua dependência emocional e à relação de confiança que desenvolveram com os agressores (Gattás, 2022).

As ameaças constantes e o controle excessivo são duas das formas mais prevalentes de violência psicológica. Pais que utilizam o medo como ferramenta de disciplina criam um ambiente de insegurança. Esse tipo de comportamento não apenas limita a autodeterminação dos filhos, mas também estabelece um padrão de submissão que pode persistir na vida adulta (Gattás, 2022).

É importante ressaltar os achados dos estudos em neurociência que demonstram impactos da violência na infância sobre o desenvolvimento do sistema nervoso central (Grabe et al., 2021; McCrory et al., 2021; Mesa-Gresa e MoyaAlbiol, 2021). A exposição precoce a situações estressantes como humilhações e privações afetivas pode afetar a estrutura e funcionamento do cérebro da criança, ocasionando prejuízos cognitivos e problemas comportamentais duradouros (Van der Vegt et al., 2021).

Fica evidente a necessidade de políticas públicas que abordem a violência intrafamiliar de maneira abrangente, levando em consideração as diferentes configurações familiares e promovendo a educação sobre os direitos das crianças. A proteção da infância e da adolescência deve ser uma prioridade, exigindo uma mobilização conjunta das esferas de saúde, educação e assistência social (Silveira, 2023).

Percebe-se, portanto, a necessidade premente de reconhecer as diferentes formas de manifestação da violência psicológica no núcleo familiar, de modo a identificar precocemente vítimas que muitas vezes se sentem invisíveis dentro do próprio lar. Ressalta-se também a importância de ações intersetoriais para romper o ciclo da violência e garantir o pleno desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes.

4. Conclusão 

Considerando os objetivos de analisar as manifestações da violência psicológica na relação entre pais e filhos menores de idade no ambiente familiar, este estudo trouxe contribuições relevantes. Os principais achados demonstraram que a violência psicológica, caracterizada por humilhações, ameaças e controle excessivo, afeta profundamente a saúde mental e o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes.

Os objetivos foram claramente alcançados, ao analisar as manifestações da violência psicológica e suas consequências, evidenciando que tais práticas frequentemente permanecem invisíveis e subnotificadas. A pesquisa destacou a necessidade urgente de reconhecimento e intervenção, uma vez que muitas vítimas não conseguem identificar que estão sofrendo abuso devido à dependência emocional e à dinâmica familiar.

As descobertas ressaltam a importância de um olhar atento das comunidades e profissionais que atuam no campo da saúde e da educação. A formação contínua e a sensibilização sobre a violência psicológica são fundamentais para que educadores e profissionais de saúde possam identificar sinais precoces de abuso e atuar de maneira eficaz na proteção das crianças. A criação de espaços seguros de diálogo e apoio, onde as crianças possam expressar suas experiências, também é essencial no que diz respeito à prevenção e intervenção.

Por fim, é imprescindível que a sociedade, como um todo, se mobilize para promover a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, reconhecendo a violência psicológica como uma violação grave que requer respostas efetivas. Investir em programas de conscientização e em políticas públicas voltadas para a família pode não apenas mitigar os efeitos da violência, mas também fomentar um ambiente mais saudável e respeitoso, onde as crianças possam se desenvolver plenamente e com dignidade.

Referências

ALDRIGHI, Daniela de Mello. Violência intrafamiliar: repercussões na família e na rede de proteção à infância e à adolescência. São Paulo: Cortez, 2006.

ARANHA, Maria. A evolução da família ao longo da história. Revista de Sociologia, v.56, n.2, p.150-165, 2020.

AZEVEDO, José Manuel de; GUERRA, Alice Ribeiro. Fatores de Risco e Proteção nos Casos de Violência Doméstica. In: RIBEIRO, Maria Aparecida; BORGES, Camila Costa (orgs.). Infância, Adolescência e Violência: Aspectos Legislativos, Conceituais e Políticos. São Paulo: Cortez, 2005, p. 30-31.

BRIGGS, Laurie. Emotional abuse of children: the professional’s guide to identification and intervention. McGraw-Hill Education, 2022.

CECCATO, V. B.; PIRES, C. S. Violência psicológica na família: suas implicações no desenvolvimento infantil. Estudos de Psicologia, v. 11, n. 3, p. 307-314, 2021.

COSTA, Neide Maria da et al. Violência psicológica na infância e adolescência: percepção de adolescentes atendidos em serviço socioeducativo. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 25, n. 4, p. 88-95, 2022.

FREITAS, Juliana. A família em perspectiva sociológica. Revista de Ciências Sociais, v.78, n.1, p.30-45, 2023.

GATTÁS, Giseli Mie Yaus. Violência psicológica na infância e adolescência: abordagem conceitual. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 1, p. 127-136, jan./mar. 2022.

GRABE, H. J. et al. Childhood maltreatment, the corticotropin-releasing hormone receptor 1 gene, and adult depression in the general population. The American Journal of Psychiatry, v. 167, n. 5, p. 640-646, 2021.

HARKNESS, K. L. et al. The impact of childhood abuse on cortisol stress reactivity in women with major depressive disorder. Psychoneuroendocrinology, v. 36, n. 1, p. 35-45, 2021.

HIRIGOYEN, M. F. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021.

KRUG, E. et al. Informe mundial sobre la violencia y la salud. Washington: OMS, 2002.

LOPES, R. F. G.; MENDES, I. A. Violência psicológica contra crianças e adolescentes: identificação de sinais e conceitos. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 165-180, 2022.

LOPEZ, R. R. A família no passado: origem e evolução dos grupos domésticos na pré-história. Revista de Antropologia, v. 41, n. 1, p. 100-120, 2021.

MARINHO, Lúcia M. A família contemporânea: novos marcos para as relações familiares. Revista de Psicologia, v. 30, n. 1, p. 122-130, 2021.

MCCRORY, E.; MESA-GRESA, P.; MOYA-ALBIOL, L. Exposure to stressful early life experiences and its impact on well-being and psychopathology across the lifespan. Child Abuse & Neglect, v. 110, p. 104099, 2021.

MELLO, A. F. et al. Exposure to early life stress is associated with alterations in cortisol and immune functioning: A study of post-institutionalized Brazilian children. Psychoneuroendocrinology, v. 34, n. 5, p. 622-630, 2021.

MESA-GRESA, P.; MOYA-ALBIOL, L. Early life stress and the programming of cognitive-emotional function and mental health: Mechanisms and opportunities for intervention. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, v. 123, p. 68‐80, 2021.

OLIVEIRA, Luiza. A origem social da família: perspectivas históricas. Revista de História, v.178, n.3, p.35-50, 2022.

OLIVEIRA, R. F. Violência contra crianças e adolescentes: abordagens conceituais e legais. São Paulo: Saraiva, 2021.

SANTOS, Amanda. A diversidade das famílias brasileiras. Revista de Estudos de Família, v.15, n.2, p.90-105, 2022.

SILVA, Camila. Os laços da família. Revista de Psicologia, v.35, n.2, p.56-70, 2023.

SILVA, Fernanda. A família em perspectiva sociológica. Revista de Ciências Humanas, v.52, n.1, p.25-45, 2023.

SILVEIRA, Juliana. A diversidade familiar como base para sociedades inclusivas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.8, n.2, p.112-127, 2023.

UNICEF. Violência contra crianças e adolescentes: Relatório mundial. Nova Yorque: Unicef, 2009.

VAN DER VEGT, E. J. M. et al. Early life stress enhances the cortisol response to a psychosocial stressor in adulthood. Hormones and Behavior, v. 57, p. 66-71, 2021.

ZUMA, S. B. Violência doméstica: revisão dos conceitos e abordagens. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 3, p. 605-618, 2004.


1Bacharelanda em Enfermagem – Instituição de formação: Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. E-mail: fernandavalentedacruz@gmail.com
2Bacharelanda em Enfermagem – Instituição de formação: Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. E-mail: gabrielemendes742@gmail.com
3Bacharelanda em Enfermagem – Instituição de formação: Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. E-mail: pattyyymenezess@gmail.com
4Bacharelanda em Enfermagem – Instituição de formação: Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. E-mail: queirozraaquel.120@gmail.com
5Professor Orientador do Curso de Enfermagem da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. E-mail: adriano.oliveira@fametro.edu.br
6Professor Orientador do Curso de Enfermagem da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. E-mail: jorge.santos@fametro.edu.br